É um belo soneto metafísico, com algumas formulações originais mas basicamente cristão e com laivos de platonismo, acerca de tais mistérios. Continua ou desdobra-se bem no Canto I, do Paraíso, onde se sente porém já mais a influência das Escrituras cristãs, rapidamente passando do "Eu sou, Eu fui, serei eternamente", e "a vida - o Verbo Ser de voz infinda, -", ainda sem "modos e tempos", para os " Núncios do Autor, Espíritos do Eterno, Andassem Anjos, num afã bendito", e logo após para "o trânsfuga da Glória e Amor Paterno", Satan, a cobra. É um extenso poema de 224 páginas, e sente-se nele uma contra-proposta ao Regresso ao Paraíso, do seu amigo mais panteísta Teixeira de Pascoaes (1877-1952). Anote-se que mesmo o Antes, está duplamente antecedido: na 1ª folha pela dedicatória: «A Maria Amália Vaz de Carvalho: à sua memória. Sorria Deus nas alturas a quem tantas lágrimas enxugou na terra.» Na folha segunda transcreve-se o clássico prólogo do Evangelho de S. João: «No princípio era o Verbo e o Verbo era com Deus e o Verbo era Deus.» Oiçamo-lo e meditemo-lo:
ANTES
Deus, era Deus, Só Deus preexistia;
Deus, sempre foi. A Vida, (argila obscura,
Alma celeste: dúplice escultura,)
Não acordara na algidez sombria.
Não se medira a Luz à noite e ao dia,
A Eternidade ao tempo, o espaço à Altura;
- Fluída em névoa, a Criação futura
Qual, no silêncio, o corpo da harmonia.
Mar, e não onda que, na praia, à solta,
Se espraia, adonda, e logo às ondas volta,
O Verbo enchia a Imensidão calada;
Sem Onde, ou Quando, nem Depois, nem Antes:
Ele era... - As mais palavras conjugantes
Não lhas ouvira, ainda, o frio Nada.»
Observamos a afirmação da perenidade única de Deus, contudo dual pois em si ou de si vivia e enchia a Imensidão calada o Verbo, que ele intuiu talvez também na audição do mar a bater perto da sua casa em Esposende, e que é tanto mar como onda e nessa movimentação ondulada e adondada ou acrescentada ecoa algo do subtil Verbo omnipenetrante que romperá as trevas futurantes do antes da Criação com a Luz, e assim modelador da harmonia das esferas e do corpo do Kosmos, sobretudo quando o Verbo faz ouvir no frio ou vazio Nada as "palavras conjugantes", uma das melhores sementes a dedilhar deste soneto: Deus meu, Deus em nós, Deus em mim.....
Um dos momentos em que o magistério de Teixeira Pascoais, da Renascença Portuguesa e sua revista Águia (onde colaborou, tal como Fernando Pessoa) e do saudosismo se sente mais e bem:
" Fluída em névoa, a Criação futura
Qual, no silêncio, o corpo da harmonia."
O mais valioso será talvez as frases e imagens, ritmos e energias que apontam ou ecoam a magia do Verbo, não só para o mistério dos Primórdios, como aquele que nós devemos emitir, dizer, em palavras conjugantes, isto é de amor e geradoras da Harmonia, e não só da dúplice escultura, de corpo e alma, mas tripla, pois não mencionou o espírito, o nous, o atman, faltando-lhe essa dimensão, na gnose denominada pneumática e que urge recuperarmos, por vida justa e práticas espirituais (palavras conjugantes, mantras e orações), e nela ressuscitarmos divinamente, ou em nós ressuscitar o Divino...

