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quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

O mistério divino do "Antes" do Cosmos. Soneto de António Correia de Oliveira, 1926. Ao Princípio era o Verbo, o Som, a Palavra, o Sermo.


 António Correia de Oliveira, nascido a 30/8/1879, signo do Leão, em S. Pedro do Sul, depois de estudos no seminário e passagem rápida pelo jornalismo,    desabrochou como homem de letras, colaborando em várias revistas e publicando os seus livros de poemas,  no que foi prolífero e de grande sucesso, desde cedo.  Era monárquico, casara-se bem, e instalara-se na bela casa de Belinho, em Esposende  e pela sua educação e sensibilidade cristã, amor a Nossa Senhora, e em especial de Fátima, certa comunhão com a vida rural e povo português, estimulada em parte pelo magistério de Raul Brandão,   a que acrescentou a sua adesão ao Estado Novo, permitiram-lhe  quase se tornar o poeta oficial, o pedagogo moral em versos de Portugal, de tal modo que, entrado na Academia de Ciências de Lisboa, foi nomeado por ela várias vezes, desde 1933 (até 1960 quando desincarna),  para o prémio Nobel (hoje já tão desmascarado como corrupto) da Literatura. Fernando Pessoa foi amigo do seu irmão, o também poeta João Correia de Oliveira, e tencionava publicá-lo, e embora Fernando Pessoa e António Correia de Oliveira fossem monárquicos  e Pessoa reconhecesse o seu valor literário, citando-o uma ou outra vez,  acabou por escrever um poema pouco conhecido em que ironizava com o sentimentalismo popular, cristão e conformista politicamente do poeta de Belinho.

 Em 1922, quando já tinha publicado dezenas de livros, sempre bem cuidados graficamente na Aillaud e Bertrand, António Correia de Oliveira deu à luz  Verbo Ser e Verbo Amar. Poema Religioso, em quatro cantos: O Paraíso. O Desterro. Esperança Nossa. Regresso a Deus. A  obra concluía com uns versos em Post-Scriptum, onde ajoelhado com a mulher, dava graças pela inspiração que lhe permitira o poema e pedia que a provação e angústia de Portugal terminassem. É o soneto prefacial Antes que vamos transcrever e levemente comentar,  o mais difícil tematicamente em todo o livro, pois lançou-se ou abriu-se aos mistérios que a todos desafiam, qual esfinge iniciática: a origem do Cosmos,  do Verbo ou Som, que se torna Luz e manifestação, e da alma e corpo que assumimos.

                                 

É um belo soneto metafísico, com algumas formulações originais mas basicamente cristão e com laivos de platonismo, acerca de tais mistérios. Continua ou desdobra-se bem no Canto I, do Paraíso, onde se sente porém já mais a influência das Escrituras cristãs, rapidamente passando do "Eu sou, Eu fui, serei eternamente",  e "a vida - o Verbo Ser de voz infinda, -", ainda sem "modos e tempos", para os " Núncios do Autor, Espíritos do Eterno, Andassem Anjos, num afã bendito", e logo após  para  "o trânsfuga da Glória e Amor Paterno", Satan, a cobra.  É um extenso poema de 224 páginas, e sente-se nele uma contra-proposta ao Regresso ao Paraíso, do seu amigo mais panteísta Teixeira de Pascoaes (1877-1952). Anote-se que mesmo o Antes, está duplamente antecedido: na 1ª folha pela dedicatória: «A Maria Amália Vaz de Carvalho: à sua memória. Sorria Deus nas alturas a quem tantas lágrimas enxugou na terra.»  Na folha segunda transcreve-se o clássico prólogo do Evangelho de S. João: «No princípio era o Verbo e o Verbo era com Deus e o Verbo era Deus.»  Oiçamo-lo e meditemo-lo:

                                

                                                 ANTES

Deus, era Deus, Só Deus preexistia;
Deus, sempre foi. A Vida, (argila obscura,
Alma celeste: dúplice escultura,)
Não acordara na algidez sombria.

Não se medira a Luz à noite e ao dia,
A Eternidade ao tempo, o espaço à Altura;
- Fluída em névoa, a Criação futura
Qual, no silêncio, o corpo da harmonia. 

Mar, e não onda que, na praia, à solta,
Se espraia, adonda, e logo às ondas volta,
O Verbo enchia a Imensidão calada;

Sem Onde, ou Quando, nem Depois, nem Antes:
Ele era... - As mais palavras conjugantes
Não lhas ouvira, ainda, o frio Nada.»

Observamos a afirmação da perenidade única de Deus, contudo dual pois em si ou de si vivia e enchia a Imensidão calada o Verbo, que ele intuiu talvez também na audição do mar a bater perto da sua casa em Esposende, e que é tanto mar como onda e nessa movimentação ondulada e adondada ou acrescentada ecoa algo do subtil Verbo omnipenetrante que romperá as trevas futurantes do antes da Criação com a Luz, e assim modelador da harmonia das esferas e do corpo  do Kosmos, sobretudo quando o Verbo faz ouvir no frio ou vazio Nada as "palavras conjugantes", uma das melhores sementes a dedilhar deste soneto: Deus meu, Deus em nós, Deus em mim.....

 Um dos momentos em que o magistério de Teixeira Pascoais, da Renascença Portuguesa e sua revista  Águia (onde colaborou, tal como Fernando Pessoa) e do saudosismo se sente mais e bem: 

 " Fluída em névoa, a Criação futura
Qual, no silêncio, o corpo da harmonia."

O mais valioso será talvez as frases e imagens, ritmos e energias que apontam ou ecoam a magia do Verbo, não só para o mistério dos Primórdios, como aquele que nós devemos emitir, dizer, em palavras conjugantes, isto é de amor e geradoras da Harmonia,  e não só da dúplice escultura, de corpo e alma, mas  tripla, pois não mencionou o espírito, o nous, o atman, faltando-lhe essa dimensão, na gnose denominada pneumática e que urge recuperarmos, por vida justa e práticas espirituais (palavras conjugantes, mantras e orações), e nela ressuscitarmos divinamente, ou em nós ressuscitar o  Divino...