quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Miguel Torga profetiza o admirável mundo novo actual, pela demissão das consciências, exactamente há 46 anos, em Albufeira.

                                               

Miguel Torga, na sua tão valiosa obra DIÁRIO, no vol. XII, publicado em 1975, escreveu uma entrada para o dia 18 de Agosto de 1975 (há 46 anos precisamente) com algo de profético na sua crítica e advertência quanto à manipulação das consciências, bastante demitidas, confundidas ou assustadas, por poderes e interesses mais ou menos perversos que controlam as máquinas dos Estados. Oiçamo-lo com um coração vivo e grato pela sua vida e demanda...

«Albufeira, 18 de Agosto de 1975 – Observo esta fauna drogada, hirsuta e piolhosa, que é hoje o pão nosso obrigatório em todos os meios cosmopolitas. Rapazes e raparigas, deitados à entrada do túnel que dá acesso à praia, ali estão de um lado e do outro, aos magotes, a  fazer e a vender bugigangas, a ensaiar a veia numa flauta, a coçar a guedelha, e a pedir esmola. A arremedar os chineses das gravatas e os cegos das romarias. Estranha juventude, que começa por impugnar a noção de singularidade individual – todos com as mesmas barbas, as mesmas cabeleiras, as mesmas gangas e os mesmos blusões, não se distinguem uns dos outros -, e acaba por estender a mão contestatária à caridade burguesa. Infinitamente mais capaz de se estender entre si do que a do meu tempo – no descampado dos valores é fácil a unanimidade -, feliz na sua preguiça e no seu desregramento, solar, de tropismos, sem dramas de nenhuma natureza, sentimental e sexualmente liberta, apenas motivada pelas mais estritas necessidades, longe de mim o propósito de a julgar. Mas inquieta-me pensar que o seu modo de vida, repartido entre a indiferença e o prazer, possa ser a prefiguração tosca de uma futura sociedade, certamente mais higiénica, embora igualmente abúlica e hedonista. Uma sociedade já não abandonada a si própria, como estes bandos de marginais, mas confiada à tutela providencial de um Estado oligárquico e esclarecido. É que os admiráveis mundos novos de amanhã, mais do que na perversão dos poderes, vão-se preparando na demissão das consciências.»

Há certamente alguma generalização excessiva da visão redutora da juventude contestatária de então, e por isso mesmo Torga se desculpa de parecer estar a criticá-la nessa descrição algo caricatural, mas de facto ele sente os perigos que se avizinham se não houver consciências que assumam a resistência às opressões dum sistema que se apresenta como uma nova ordem mundial, um admirável mundo novo, que assenta numa obediência abúlica das pessoas,  controladas e manipuladas para a sua sobrevivência minimamente hedonista e maximamente digitalizada, artificializada e medianizada, e garantida providencialmente por Estados oligárquicos, isto é, dependentes de grandes corporações, interesses, instituições e blocos, que não têm qualquer sensibilidade e visão de fraternidade e auto-sustentação mundial, antes se encontram em conflituosas opressões de vários povos menos alinhados com tal ordem financeira e ideológica e que internamente nada valorizam os direitos humanos e a dignidade e autonomia esclarecida da pessoa.

Sabemos como Miguel Torga nos últimos anos da sua vida (desencarna em 1995) foi bastante crítico dos desvios que se estavam a operar pelos governos e partidos em relação aos ideais democráticos, fraternos e libertadores que se abriram com o derrube da ditadura do Estado Novo. 

 O que diria ele nos nossos dias? Cremos que não se afastaria dessa linha, e certamente realçaria a necessidade de fortes valores afectivos, cognitivos e éticos e a competência responsável e independente marcarem as actuações sociais e públicas, numa ampla base de diálogo livre pela Verdade e o Bem Comum. Saibamos cumprir a nossa quota parte de discernimento e civismo, como ele tanto exemplificou...

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

"A ORAÇÃO", de Bô Yin Râ. 2º cap. "Procurai e Achareis". Tradução de Pedro Teixeira da Mota.

                                 A ORAÇÃO, por Bô Yin Râ

                                          Tradução de Pedro Teixeira da Mota. Agosto 2021.

II. Capítulo:                            “PROCURAI E ENCONTRAREIS!”

«O procurar, tal como deve ser, quando se quer aprender a orar, é verdadeiramente tudo menos um cismar no entendimento!

Já a promessa que o que procura – com toda a certeza - "encontrará", mostra fortemente numa simplicidade lapidar que se trata de algo diferente duma “Procura interior” como se entende correntemente, pois a maior parte das vezes isto não é mais do que remexer e querer sentir dentro do entendimento humano, se houver sorte, mas sem nenhuma certeza de encontrar, como é firmemente prometido.

“Procurar”, tal como se procura normalmente dentro de si algo, é sempre expressão duma inquietação interior, - e qualquer que seja o objecto da procura: - tal busca é desenvolvida para se alcançar a quietude.

Alguns talvez possam pensar que a outra “procura”, de qual se diz que certamente “encontrará” deve ter igualmente como causa  uma inquietude que deseja tornar-se quietude?

Ora a “procura” necessária à  “oração” certa assenta nessa grande quietude: - aquela quietude interior que se enraíza  em si mesma e que não é mais influenciada pelo exterior.

Este modo de procura exige sempre o ser humano inteiro, e não somente o seu entendimento como um cão de busca inquieto sempre a esgaravatar.

É uma imersão serena no mais íntimo da alma – sem qualquer agitação, - sem nenhuma ambição - e sem impaciência inquieta.

Seria uma terrível tolice pretender-se que através de uma ardente e tempestuosa vontade forçada fosse atingido mais cedo o que se procura.

Assim uma pessoa só se engana a si própria, até que por fim, cansada e desapontada, renuncia a qualquer procura, quase antes do começo.

Pelo contrário quem procura deve  saber que só  tem a si próprio como obstáculo no caminho, se não procurar como alguém que tem a certeza de encontrar, - como o faria  quem soubesse que um objecto está num certo local e que tem de ser necessariamente encontrado, quando tudo o que tapava for retirado.

As pessoas não devem basear tal certeza apenas na promessa de que quem procura “encontra”!

Aqui a procura em si inclui logo necessariamente o encontrar-se, pois não se pode procurar sem que se siga igualmente o encontrar-se.

Neste tipo de «procura» o procurador é ele próprio o objecto de sua procura.

Contudo, quanto menos ele ansiar por si mesmo, tanto mais cedo se encontrará a si próprio!

Não deve fazer imagem ou representação do que espera encontrar!

Deve deixar-se afundar na sua própria profundeza sem fundo – sem medo e sem resistência!

Deve mergulhar a pique em si mesmo, e não deve sair da quietude, mesmo se os seus pés perderem o apoio habitual!

Com confiança deve deixar-se conduzir até ao seu fundo mais fundo, plenamente confiante que não está num caminho de aniquilação, mas que só se pode encontrar a si próprio !

Nenhum trabalho prévio de imaginação deverá turvar a sua visão!

Não deve esperar ver interna ou externamente “imagens”, como que nunca tivesse visto: - visões doutros seres e de mundos ocultos!

Não deve esperar manifestações do mundo dos Espíritos!

Mergulhando nas suas profundezas, verá ao princípio à sua volta tudo às escuras, mas quanto mais descer profundamente, mais as trevas retrocederão face a uma nova luz maravilhosa até que, na sua profundeza mais funda, se descobrirá a si próprio atravessado de luz - até  no fundo do seu próprio abismo, se tornar a si próprio claridade cristalina.

A sua imersão constituirá assim um constante descobrimento desde o primeiro instante, até que por fim tenha encontrado em si o que não pode ser dito mas apenas o que se deixa sentir, porque mesmo a palavra mais resplandecente permanece obscura diante de tal claridade interior duma luminosidade indescritível…

Quem quer procurar desta maneira, a fim de encontrar, deve desde o princípio deixar o seu corpo chegar a uma  paz completa, de modo a não estar mais consciente de que um corpo animal "carrega" a sua consciência.

Depois quem procura deve  fechar lentamente os olhos e juntar as mãos, até sentir-se, percorrido por uma corrente muito viva de energia numa quietude profunda.

Como melhor atingir este estado de animada e intensa quietude, cada um descobrirá por si mesmo...

Um só aí chega em posição deitada, outro sentado ou de joelhos, e ainda outro só aí chegará, mantendo-se de pé.

Mas uma vez que se tenha chegado a este estado de quietude cheio de vida, não deve preocupar-se mais com a posição exterior do corpo.

Agora deve-se aspirar a sentir-se unicamente no interior de si.

Depois de algum tempo, uma pessoa sente-se cada vez mais no interior de si mesmo, até  gradualmente uma sensação encontrar entrada na consciência, tal como uma pessoa se sente  completamente cheia si próprio no seu interior.

É como se fossemos um fluído – o corpo porém um recipiente – e como se o fluído se sentisse cada vez mais distintamente a si próprio como o conteúdo do recipiente.

Os pensamentos devem então aquietar-se e não devem ser autorizados a qualquer tipo de interpretação tagarela do que é sentido.

Se os pensamentos ainda andam à volta, não se lhes deve dar mais atenção, até gradualmente se acalmarem por si próprios.

Mas se esta sensação de si próprio no seu interior se tornou um todo bem fechado, então os pensamentos não se repetem mais, porque a nova consciência de si próprio absorve toda a atenção.

Ao princípio será bom uma pessoa contentar-se por sentir-se no interior de si própria, pois isto é um resultado já certamente muito significativo.

Uma pessoa deve voltar à sua tarefa quotidiana com alegria, logo que que esta sensação começa a enfraquecer.

Nunca se deve manter forçadamente esta sensação quando, por exemplo, se está  cansado.

Se pouco a pouco, - sejam necessárias semanas ou meses - quem procura chegar, em qualquer momento e sem esforço particular, na quietude dum isolamento voluntário, a sentir-se e a vivenciar-se a si próprio, na maneira já descrita como o interior do seu corpo terrestre – configurado como este, tal como um fluído abraça os contornos do vaso no qual é derramado, então a pessoa está dignamente preparada para começar a “procurar” no sentido do verdadeiro “orar”...

Agora a pessoa na demanda, por um querer sentido claramente, deve entregar-se completamente nas mãos da sua vida mais íntima  e deixar-se mergulhar até ao sem fundo desta vida pressentida, - mantendo-se sempre claramente consciente e sem jamais se entregar, mesmo que um piscar de olhos, ao sonhar meio-desperto! -

Se emergem formas e imagens no interior de si, não se lhes deve dispensar qualquer atenção e sobretudo uma pessoa deve-se guardar de querer de algum modo interpretá-las!

Ainda  pior tolice seria combatê-las, pois de tal modo só se as tornam mais fortes e seguras.

Se uma pessoa não consegue desfazer-se delas ignorando-as, é necessário na circunstância e no momento considerado, interromper a imersão interior e entregar-se a uma actividade intensa no mundo exterior até que, num outro dia, se sinta de novo capaz de completar o que começara, sem interrupção.

Só quando a sensação de mergulho na sua própria profundeza interior se tornar completamente isenta de imagens é que uma pessoa deve entregar-se sem reservas.

A indizível escuridão, que tende ao princípio assustar a alma deve ser suportada com calma e sobretudo sem medo algum, mesmo quando seja necessário suportá-la várias vezes antes de o primeiro brilho luminoso se deixar sentir no seu mais íntimo.

Mas desde que a obscuridade se começa a aclarar, desenvolve-se também mais e mais um novo estado interior de consciência, dum tipo de que nunca antes se estivera consciente.

Então este novo estado de consciência torna-se mais e mais claro até que por fim mostra  a unidade indissolúvel da vontade do que procura com a vontade do Ser Primordial eterno...

Quem chegou a este nível sabe pela sua própria experiência, o que significa «encontrar», e  a primeira condição da verdadeira “oração” foi vivenciada por ele.

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Quando ele agora pronunciar as admiráveis palavras tão simples e tão claras de sentido, que o elevado Mestre da Nazaré transmitiu aos seus discípulos para “orarem”, sente, no novo estado de consciência atingido, que cada uma das suas palavras é só uma confirmação da sua própria vontade. -

 Toda a oração dominical torna-se para quem procura nada mais do que o reconhecimento perfeito da sua própria identificação indissolúvel com a vontade do Ser Eterno…

O que é vivenciado interiormente encontra nesta oração a expressão verbal na linguagem humana, e actua através dela em retorno sobre alma,  tornando-se por si mesma num «pedir» que traz consigo mesmo a sua satisfação.

Assim quem procura é desde então libertado da tola ilusão, de que a oração seria um meio de «modificar a mente» da Divindade...

 Ele sabe agora, que orar consiste simplesmente em: querer, em comunhão com a vontade do Ser Original, o que é querido de toda a eternidade a fim de que, posta em acção através da correcto modo de «pedir» possa agora manifestar-se, realizar-se e afirmar-se. - -

A sua procura tornou-se verdadeiramente “encontrar”.

Ele não pode, em toda a eternidade, nunca mais perder o que encontrou assim em si mesmo! ---»

domingo, 15 de agosto de 2021

A derrota norte-americana no Afeganistão, com a queda e fuga de Cabul, será o começo de uma nova Era? Ou transferiram-se para a Ucrânia?

                                       

 A reconquista de Cabul, a capital do Afeganistão, pelos Talibans, ocorrida hoje 15 de Agosto de 2021, marca o começo acelerado do fim do imperialismo norte-americano, ou é apenas, mais do que a evidente derrota, uma retirada de um terreno bem difícil e pouco rentável? Oremos para que seja sobretudo o começo do ruir de um castelo de cartas, ou de infinitas notas de dólar sem provisão, para que uma Humanidade una, justa, livre e solidária se afirme mais...

A rapidez e a facilidade com que aconteceu esta queda do bastião do invasor norte-americano, apoiado na sua ajudanta NATO, e desapoiado pelo exército Afegão, surpreendeu bastantes analistas e sobretudo (aparentemente pelo menos) os mais ricos e apetrechados do mundo, os do Pentágono, que dois dias antes apenas previam cerca de um mês pelo menos antes de que eles conseguissem chegar a Cabul, o que só demonstra a incompetência e a arrogância que reinam nesses níveis políticos e militares considerados o máximo, e dos quais a eleição pelos democratas do já senil Joseph Biden para presidente da USA é um sinal e que só vem comprovar mais uma vez o provérbio popular que um chefe fraco enfraquece o seu povo, ou a sua máquina de guerra....

Na realidade, os Talibans (os estudantes) que governaram de 1996 a 2001, e só reconhecidos pelo Paquistão, Arábia saudita e Emiratos Árabes Unidos) apesar de alguns aspectos fanáticos e extremistas, estão muito mais próximos do povo Afeganistão (que conheci nas minhas duas viagens por terra para a Índia) do que os políticos e militares que foram apoiados pelos invasores norte-americanos e que agora  fugiram para os países limítrofes. Logo, contra o que  esperava e avisava o ingénuo ou tolo do secretário geral das Nações Unidas, não terá que haver grandes negociações pois não há quase   concorrência e, à parte a necessária representação dos vários grupos étnicos, o governo será  fundamentalmente o dos Talibans e o dum Estado ou Emirato Islâmico, com alguns aspectos muito duros ou medievais para a visão ocidental moderna (nomeadamente o tratamento machista das mulheres), mas que são aceites por muitos islâmicos naturalmente, embora os vinte anos de injecção monetária, ocidentalização e modernidade devam exercer agora alguma influência moderadora. 

De facto, não foram nem serão os norte-americanos ou outros coligados os que conseguirão ajudar a evolução económica e das mentalidades e costumes, ao terem manifestado insuficiente  tacto e capacidade dialogante, amor e sabedoria. 

Quem serão os novos parceiros dos Afegão, e provavelmente já não em missão de guerra mas de economia e bem estar, não sabemos ainda, mas possivelmente a China, Paquistão, Irão, três vizinhos importantes e, claro, a sempre fanatizante e exportadora de terrorismo, pela sua ideologia wahhabi, Arábia Saudita, restando saber se nos pacotes de ajuda desta haverá permissividade para Isis ou Al Qaeda e estímulo aos ataques aos Shiia...

                                          

O mais valioso, de tudo isto, a par do mais trágico que foram os milhares e milhares de mortos, feridos e traumatizados, civis e militares, será a possibilidade de os norte-americanos reconhecerem que o seu imperialismo tem os dias contados e que deveriam passar a gastar os triliões e triliões de dólares (que não lhes custa nada pois imprimem os dólares que querem),  dados aos investidores da industria dos armamentos em actividades mais pacíficas e benéficas para a humanidade. Esta sim, seria a grande lição frutuosa da derrota estrondosa do exército mais rico e apetrechado do mundo, perante uns guerrilheiros e estudantes quase pés descalços.

 O segundo fruto para o qual todos oramos é que os USA, e o seu braço direito a Nato,  terminem a sua ganância no Oriente e abandonem rapidamente o Iraque, e a Síria, onde estão a roubar óleo e trigo que tanta falta fazem aos milhões de sírios, residentes ou refugiados. Um escândalo este gangsterismo que está a ocorrer no norte da Síria, com a desculpa de estarem a lutar contra o ISIL que criaram e utilizam, e os Curdos, e porque estão fanaticamente contra Bashar Hafiz al-Assad, o legítimo presidente sírio.

                                            

                                                    

Com uma retirada pessimamente mal preparada, com erros trágicos como o abandono de certos aeroportos e quartéis, fiados ilusoriamente na lentidão do progresso do Talibans, com afirmações completamente tolas das chefias norte-americanas e da Nato, quando a quererem exigir negociações com os Talibans ou a prometerem continuar a operar em Kabul, horas antes de os estudantes guerrilheiros terem tomado conta de todo o país à excepção do aeroporto, por onde se devem estar a passar certamente momentos muito emotivos e trágicos até, pois nem todos conseguirão sair do país -, espera-se, finalmente,  que esta humilhação, tenha efeitos moderadores nos ímpetos guerreiros com que volta e meia norte-americanos, Nato e União Europeia investem contra alguns países, tais como Rússia, China, Irão, Síria, Somália, Coreia do Norte, Cuba e Venezuela, países não alinhados com o plutocracismo destrutivo que rege o Ocidente, a Arábia Saudita, Israel e mais alguns países e governos vendidos. 

Possam então os mesquinhos bloqueios e provocações e conflitos norte-americanos findar gradualmente. Que aprendam com esta lição no Afeganistão, que só trouxe mortes e sofrimentos. Que a Nato e os Estados Unidos da América comecem a metamorfosear os seus investimentos belicosos e destrutivos em energias de prosperidade, cura e cultura, dando início a uma nova Era, como a pintura final de Bô Yin Râ prefigura, de prosperidade, justiça, solidariedade, amor e espiritualidade sã....

Ps. Hoje 28.12.2022 acrescentemos uma intuição que já há algumas semanas perpassa: USA saiu do Afeganistão porque sabia que a guerra da Ucrânia estava a preparar-se,  porque os Talibans em luta com os do ISIL teriam bastantes problemas que se estenderiam aos países vizinhos e porque retiveram em si muito dinheiro do próprio governo do Afeganistão, o qual anda há meses a reclamá-lo...

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

"A Criação do Mundo", uma obra notável, de Miguel Torga, fabulosa mesmo.

A Criação do Mundo, de Miguel Torga, é uma obra cujo título é enganador: pensamos que se trata de alguma cosmogonia e vamos encontrar a sua biografia, desde criança até à prisão pela Pide e a detenção no Aljube, para depois casar e estabilizar em Coimbra, com muitas aventuras, descrições e histórias fabulosas, sempre acompanhadas pela sua auto-consciência lúcida e escalpelizante, face às constantes opressões e desilusões que o vão obrigar a evoluir e a crescer num sentido de independência solitária mas solidária, livre pensadora mas telúrica.

É uma obra entusiasmante, e mesmo empolgante, tantas foram as dificuldades que ele teve de cruzar e vencer, tanto o momento genial de vivência e descrição e, embora os Cinco Dias da Criação do Mundo  se desenrolem em cinco volumes, com cerca de 1000 páginas, lê-se rapidamente. E recomenda-se bem...

Junto com os doze volumes do Diário constituem uma autobiografia verdadeira, corajosa, esforçada, bem narrada e com vivências tão fabulosas que nos interrogamos como é que o Prémio Nobel nunca lhe foi dado, e tem sido dado a outros muito menos valiosos que Miguel Torga, aliás Adolfo Rocha, um médico transmontano, nascido (12-VIII-1907) em família humilde de lavrador e singrando por si mesmo até se tornar uma das vozes mais genuínas e lúcidas do Portugal profundo, trabalhador e lutador, justo e livre.

Se quisermos apresentar muito brevemente a obra, pois a sua leitura é recomendável a todo o português que ama ainda a sua terra, o seu povo e os seus valores potenciais, resumiríamos assim:

O Primeiro Dia, no 1º volume da Criação do Mundo, dado à luz discretamente em 1937, narra o seu ambiente natal, a família, a aldeia e os seus habitantes, os trabalhos agrícolas, os costumes e vida religiosa, a escola primária e as peripécias extraordinárias que levam o professor da instrução primária, o sr. Botelho, concluída com distinção, a pedir ao pai embevecido que permita ao jovenzinho Adolfo continuar a estudar, ao que ele anui sabiamente, mas como não havia dinheiro para custear o liceu em Vila Real, ei-lo enviado como criado de servir para o Porto, a quinze tostões por mês, onde vive cerca de um ano, enfrenta as primeiras falsas acusações, opressões e perseguições, mas sempre a ler, a aprender e a conhecer o Porto, até ser despedido pela sua independência ou rebeldia, voltando à aldeia, que o recebe algo trocistamente...

Depois, por ideia do prior da aldeia, vai para o seminário de Lamego, onde se "agarrou ao estudo com unhas e dentes", concluindo o ano bem e tendo as suas férias na aldeia natal, Agarez (S. Martinho de Anta), onde começa a despertar a energia sexual e a atracção por uma amiga, a frequentar a taberna e algumas casas mais ricas, e a sentir que já não acreditava nas litânias que todos repetiam: em verdade "perdera a fé". Dirá então ao Pai no fim das férias que já não queria voltar ao seminário, pelo que decidem enviá-lo para o Brasil, o El Dorado para muitos portugueses de então, tal Ferreira de Castro...

O Segundo Dia, ocupando as restantes 100 páginas do 1º volume da Criação do Mundo, narra os labores, vivências e aventuras na enorme fazenda de Santa Cruz, em Minas Gerais, de um dinâmico tio, onde o jovem Torga passará cerca de cinco anos, como "moiro de trabalho" e seu braço direito, embora muito perseguido pela mulher dele. No último ano pode frequentar ainda o Ginásio de Leopoldina, onde cria amizades, se destaca e ensaia os primeiros versos. Uma tarimba, ou mesmo uma iniciação (nomeadamente no amor), fabulosa para toda a sua vida...

O Terceiro Dia e 2º volume da Criação do Mundo narra o regresso a Portugal, o reencontro com os pais e a aldeia, a difícil inserção do tio e da mulher na aldeia, a entrada no colégio interno de S. António, em Coimbra, com os melhores autores portugueses à sua disposição na biblioteca e um casal de professores estimulante, os bons resultados em pouco tempo de estudo, o regresso do tio e sua "querida" mulher ao Brasil (que alívio..), a conclusão do liceu, a opção difícil pela Medicina e a entrada e formatura na Universidade de Coimbra, e a prática de clínica geral na sua zona natal, com um empregada namorada local, uma doença grave que o levou a ser operado, e a recuperação lenta...

O Quarto Dia, e 3º volume de A Criação do Mundo, narra uma viagem à Europa de automóvel com dois companheiros de circunstância e algo atemorizados com a resistência de Torga a saudações fascizantes, com as passagem mais detalhadas pela Espanha de Franco, Itália de Mussolini e a Paris dos portugueses exilados, e com peripécias muito curiosas.

O Quinto Dia e 4º volume de A Criação do Mundo , mostra-nos a sua reeinserção nos ambientes portugueses, a escolha de ser otorrinolaringologista e em Leiria, o meio pequeno e simpático dos intelectuais que conhece, os seus livros de poemas a serem publicados e os pouco amigos que os discutiam e apreciavam, e finalmente a prisão pela Pide e a sua detenção por uns meses no Aljube, com histórias muito emocionantes passando-se até à sua libertação por fim. Este volume foi já publicado após a revolução do 25 de Abril e pode narrar a prisão pela Pide e as suas críticas à opressão salazarista. 

Publicou-se finalmente em 1981, o Sexto Dia, e quinto volume, da Criação do Mundo, no qual coroa e reflecte  sua vida valiosa e lutadora, plena de causas e ideais assumidos e manifestados. Há menos cenas altamente emotivas nesta fase final da sua vida mas ainda assim destacam-se os sentimentos e reflexões sobre os efeitos da morte dos pais, a desilusão da democracia portuguesa, a amargura pelas invejas e rivalidades literárias, a apreciação do universalismo fraterno que os portugueses conseguiram manifestar no Brasil, em Cabo Verde e na ilha de Moçambique, como constata in loco.  sentindo fortemente a ligação profunda com os compatriotas simples e muitos até transmontanos, emigrados no Brasil. 

Neste O Sexto Dia Miguel Torga partilha então cronologicamente o regresso e tentativa de readaptação, com algumas desilusões, a Leiria e aos amigos, a sua lenta recuperação de doentes ou clientes no consultório, o aparecimento e o casamento com a sua mulher Andrée Crabbé , as aprendizagens últimas com os pais, a escolha de Coimbra como local ideal para a sua missão curativa e de bisturi, os passeios por Portugal e a recolha de histórias de animais para o que se tornará os Bichos, a continuação da opressão ou mesmo ódio salazarista e da Pide, nomeadamente em relação aos seus postos médicos e livros, as caçadas que lhe permitiam sensorialmente um regresso ao paraíso original, os projectos de revistas que falharam rapidamente, a doença e a morte da mãe "aquela alma irmã que durante largos anos fora ali a encarnação viva da cordialidade e da alegria", os mistérios das doenças e e das curas, sempre tão dependentes dos doentes em si,  a viagem com a mulher ao Brasil, onde tem "com milhares de patrícios em todas as associações lusas a fraterna comunhão que sonhara", a revisitação dos locais e pessoas que lá conhecera há trinta anos e a metamorfose das ideias com que ficara, o consultório coimbrão tornado cenáculo contestatário ("centro de cavaqueira e conspiração") e espiado pela Pide, a morte impactante do Pai e mestre, a modernização da casa feita pela mulher, a morte de Salazar, a viajem algo desilusiva à África portuguesa, embora com o deslumbramento da ilha de Moçambique, a morte dos amigos, o 25 de Abril, as esperanças e uma certa desilusão posterior e, finalmente as auto-observações ou consciencializações últimas onde reafirma  a sua essência de livre pensador e escritor: pois  "lutara sempre por universal de valores fraternos, por uma ordem social onde a liberdade fosse a lei das leis e a arte o credo dos credos".

Miguel Torga  deixou a Terra, física mas não espiritual, em 17 de Janeiro de 1995, a sua mulher seguindo-o no mesmo ano. Que eles avancem luminosamente no Cosmos, com a Divindade cada vez mais brilhando neles, e nos inspirem sabiamente.

                           

As reflexões ao longo de todos os volumes são muito valiosas, e transcreveremos apenas algumas deste 4º  volume, escritas na prisão, uma experiência sempre importante na vida de alguém, como vamos ver:

«A receber a luz do dia por um postigo cego, impossibilitado de ler e de escrever, sepultado vivo, passava horas sentado no catre regelado, a meditar. Os atropelos que a avidez do mando era capaz de fazer em nome da ordem, da civilização cristã, dos valores morais, da pátria e de quejandas altisonâncias.

O mesmo ser, que no decurso dos séculos e à custa de tantos sacrifícios e coragem conseguira erguer-se do rés da natureza aos degraus de uma dignidade quase divina, não tinha pejo, sempre que lhe convinha, de tentar reduzir o semelhante à simples animalidade do começo. Enjaulado como uma fera, privado dos mais elementares meios de higiene, a ouvir e a cheirar os próprios rumores e odores, sem voz, sem direitos, sem acção, condenado a uma existência meramente vegetativa, funcional, de alambique, a comida a entrar e a sair, o sono e a vigília a alternar na repetição pendular do mesmo absurdo. Um suíno no chiqueiro tinha mais regalias do que ali um filho de Deus: o tratador que vinha espreitá-lo ou nutri-lo, falava-lhe, ao menos.»...

E seguem-se outras páginas bem valiosas de auto-avaliação e de forte questionamento da injustiça erguida a sistema, com uma consciência do corpo espiritual da humanidade, acentuada ainda quando lê nas paredes os nomes dos presos antigos e reflecte acerca da sua capacidade de resistência:

«Por enquanto, não sentia o ânimo desfalecido. Pelo contrário. O osso ia ser duro de roer, mas estava decidido a rilhá-lo corajosamente, como outros o tinham feito antes de mim, porventura com mais mérito, risco e humildade. Outros que sentados naquela mesma enxerga e diante daquelas mesmas paredes, haviam meditado, interrogado e respondido com igual desespero e expectativa. Porquê, tamanha raiva prosélita? Até quando tantas e tais humilhações?

Esquecidos de que apenas o triunfo os legitimava, os conjurados oportunistas crucificavam impiedosamente os subversivos inoportunos de hoje. Enrodilhados numa teia de sofismas e de interesses, tomavam de assalto o poder, legislavam, decretavam, erguiam um monumento à sua intervenção providencial, e consideravam qualquer atentado a essa soberania um crime de lesa-pátria. Mas fossem quais fossem as mistificações da prepotência, e durasse o que durasse o tormento, nunca faltariam consciências rebeldes à submissão e dispostas a dar testemunho da impostura.

Esta lição, pelo menos, aprendera já: - que havia espíritos indomáveis que nenhuma força vergava, e que, no plano dos valores humanos, ninguém, está sozinho no mundo, por mais isolado que pareça. Que sempre uma legião de sombras vem solícita em nosso socorro dos confins da memória [e do mundo espiritual], nas horas de aflição. Antepassados e contemporâneos, vinculados às mesmas ideias e sentimentos, que primeiro nos aconselham, estimam e amparam, numa exemplaridade paradigmática, e depois, como isentos horizontes, medem imparcialmente a grandeza das acções que praticamos, e nos santificam ou amaldiçoam ao rigor da sua luz.

De todos eles recebia agora ajuda, cada qual a lembrar-me o seu comportamento varonil de lutas e agruras. Casos trágicos de sacrifício total, abnegações levadas às últimas consequência, estoicismos quase sobre-humanos, e até fraquezas lamentáveis, redimidas por suicídios heróicos na hora da exaustão. Uma cívica comunhão de santos que inseria a dignidade individual no contexto colectivo, a fragilidade do vime no vigor do feixe. João António, Pedro Martins, Manuel Paulo, Aníbal Vieira... - lia a custo. Nomes desconhecidos gravados na caliça salitrada com o rebordo da colher»... 

Nestes tempos de novas censuras e opressões saibamos também nós, em sintonia grata com Miguel Torga e os seus companheiros e camaradas, suportar e vencer as manipulações e investidas, ou as detenções e bloqueios que nos fizerem, persistindo na luz, na justiça, na verdade, na fraternidade, no amor e na liberdade... 

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O In-Memoriam de Antero de Quental, as críticas de Teófilo Braga e o caminho na Luz......

                        

Quando o In-Memoriam de Antero de Quental foi dado à luz em 1896 (com as duas fotografias a antecederem o frontispício,) já passados cinco anos da sua libertação samuraica do corpo terreno, muitos foram os elogios, poucas as críticas desfavoráveis, mas uma destas, numa exemplaridade da inveja típica tão portuguesa, saiu da pena de um conterrâneo e condiscípulo de Antero que por mais de uma vez o atacara ou atraiçoara. Nada de inesperado então, tanto mais que não fora convidado para participar no In Memoriam. Foi publicada discretamente no Brasil, numas cartas, por aquele trabalhoso investigador e algo malvado ou invejosamente ambicioso Teófilo Braga. Mas logo uns meses depois em Outubro eram elas publicadas em Lisboa, num opúsculo intitulado Antero de Quental. In Memoriam. & Rodrigues Freitas. Comemoração biographica, pela Typographia da Companhia Editorial Portuguesa ao Conde de Barão. Oito páginas dedicadas Antero e nove à biografia de Rodrigues Freitas. Uma breve Advertência, assinada com as iniciais A. R. Diz que o "notável erudito e laureado crítico" "condescendeu nisso aos nossos desejos, - o que muito agradecemos à sua comprovada amabilidade – aqui as reproduzimos como elementos literários de subida valia».

 Leiamos então Teófilo Braga acerca do In-Memoriam de Antero, com sublinhados meus nas partes mais negativizantes: «(...) Tem o livro um utilíssimo intuito: consagrar a Memória de Antero Quental, o incomparável poeta dos Sonetos filosóficos, nos quais fez por assim dizer a autópsia da sua alma atormentada. E para que em tudo este monumento trouxesse impresso um carácter simpático, foram convidados os mais íntimos amigos de Antero de Quental, os que de mais perto viveram com ele, os que escutaram as suas doutrinas metafísicas e revolucionárias, os que o acompanharam como admiradores sinceros até ao seu último momento, para contribuírem para este padrão In Memoriam com estudos críticos sobre a sua vida e os vários aspectos do seu talento. Que belo livro seria este, e bem merecido por Antero de Quental, se o pensamento originário fosse realizado! Infelizmente a homenagem ao genial poeta, longe de consagrar-lhe a memória, deprime-a pela inconsciência com que alguns amigos se comprazem em descrever situações menos louváveis de Antero, ou pondo em evidência o seu estado patológico de vasia mental, de que foi vítima.

Quanto ao influxo simpático, tão natural e tão simples de conservar e de repassar todo esse livro, está substituído por uma atmosfera de ódio por alguns escritores que se serviram daquele pedestal para dali detrás do vulto trágico e compassivo de Antero de Quental atirarem sua pedrada traiçoeira a um [ele...]ou outro transeunte por este arraial das letras portuguesas.»(...).

Prossegue depois explicando a origem do In Memoriam, como levou cerca de seis anos, como há nela muita ingenuidade a fazer-se de sinceridade, Teófilo desejando então modestamente que não lhe suceda o mesmo no seu inquérito ou In-Memoriam....

Explica ainda que «o Livro in Memoriam foi coordenado por Luís de Magalhães e Jaime Magalhães de Lima; pouco informados dos antecedentes de Antero deixaram penetrar nesse livro indivíduos que hostilizaram Antero, ou que nunca tiveram a sua intimidade que hoje afectam; e admitiram narrativas banais que não engrandecem o espírito daquele a quem se presta a apoteose.» 

Enumera em seguida os 29 autores e seus artigos, e depois de muito selectiva ou sobranceiramente dizer que «pondo de parte três ou quatro destes trabalhos que emprestam verdadeiros subsídios para o conhecimento da individualidade de Antero, os outros são prosa estilísticas, em que os seus autores mais ou menos se colocam em foco a pretexto do desgraçado poeta»

Parece mesmo que Teófilo tentava dissuadir possíveis leitores brasileiros interessados In-Memoriam de comprarem a obra...

Vejamos todavia que provas concretas dá Teofilo Braga, esse sim, um adversário ou inimigo de Antero: ora entra logo a matar contra Vasconcellos Abreu, com quem se daria mesmo mal, citando algumas frases do seu contributo, em que este emprega o eu e o meu algumas vezes, concluindo:

«Por este insistente personalismo vê-se logo que se tem em frente um pedante; procura-se o nome e acha-se o célebre sanscritólogo- escrivão, que além de assoalhar aí a sua personalidade cómica, ainda joga à sorrelfa a sua pedrada aos que bem conhecem toda a sua inanidade.

A nota odiosa sujou o livro que devera ser simpático; esta, porém, é propositada e bastava considerá-la como um abuso, passando adiante. Há outras de deplorável efeito nas narrativas dos mais sinceros amigos de Antero, que com certeza não as escreveram para produzirem a impressão deprimente que deixam em quem lê.»

Anote-se que Guilherme de Vasconcellos Abreu, companheiro de Antero dos tempos de estudante até ao seu último momento em Portugal continental, de facto, no In-Memoriam, conclui o seu contributo (bem valioso e mostrando o amor da sabedoria do Oriente que os unia) a defender Antero e, logo, a atacar Teófilo, embora sem mencionar o seu nome: « Alguém que em tempos se dissera seu amigo, mas por íntima ruindade própria se afastara dele, acoimou-o, depois de morto, de vício em que o acusador era useiro, e assim explica o seu suicídio.

Mente esse vil caluniador!

Antero foi sempre alma pura, e em toda a sua vida um idealista!

Era um doente!

Era. Sofria de mal que Stuart Mill diz ser a força dissolvente do universo psicológico, da reflexão e meditação em si e consigo, que dá a acuidade interna mas afunda na tristeza.

Antero era um doente, porque génio de águia, águia subiu até o sol e não se aqueceu, transformou-se consumindo-se, debilitando-se e mariposa queimou-se na luz que procurava.»

Uma boa mensagem nos é transmitida: a de não nos deixarmos queimar nem aniquilar na luz, nas seitas e gurus ou na extinção do eu e no nirvana, mas antes nos religarmos ao espírito imortal e ao Divino, criativa, persistente, luminosa e invencivelmente..

Ora os episódios que Teófilo Braga vai narrar, uma brincadeira divertida e um disfarce ou discrição, parecem-nos que só aos seus olhos têm esses sentidos deprimentes, justificada pela sua falta de humor e talvez talvez por alguma inimizade para com esses companheiros de Antero.

Passa então ao segundo caso de inimigos:«Quando Antero de Quental estabeleceu por algum tempo em Lisboa a sua residência, junto com Batalha Reis, agrupou-se em volta dele uma pequena boémia de rapazes inteligentes e espirituosos, que viviam em troça permanente. Filosofava-se, discutia-se, improvisava-se, com um criticismo vagabundo mas esterilizante», contando em seguida como Luciano de Castro, que começara a destacar-se no jornal Revolução de Setembro, «quis assistir às discussões dessa reunião, a que deram o nome de Cenáculo, para ser iniciado por Antero na Metafísica. Com toda a sinceridade da sua crença na superioridade mental era fácil abusar dele; Antero começou por fazer-lhe a revelação de um extraordinário poeta cossaco, ainda desconhecido em Portugal, chamado Ulurus, do qual expôs os mais arrojados pensamentos [E que pena, diremos, não terem sido registados...] Luciano Cordeiro acreditou na individualidade de Ulurus, e isto em nada deslustra a nobre confiança que ele tributava a um espírito dirigente que se chamou Porta-estandarte das ideias modernas em Portugal».

Anote-se aqui esta bela imagem caracterizadora de Antero, erguida ou pelo menos relatada, embora criticamente, por Teófilo, e continuemos com a incapacidade de Teófilo de ser jovem e brincar ou ironizar, antes pautando-se por padrões que lhe terão permitido chegar, enquanto republicano, algo que Antero não era, a Presidente da República, e logo a atingir alguma imortalidade, contudo bem menor que a de Antero enquanto líder, alma pura e genial, poeta, filósofo e figura moral e ética, senão mesmo espiritual.

Relata em seguida como Luciano Cordeiro referiu o tal Ulurus primeiro num artigo e depois no seu Livro de Crítica e como terá havido troça grande do Cenáculo. E como no In Memoriam Batalha Reis refere de novo “essa anedota que devia estar esquecida”, “num embuste em que quem não estava na melhor posição era Antero de Quental,” transcreve o passo do In Memoriam, e algo hipocritamente conclui. «Não se cita aqui o nome de Luciano Cordeiro, mas todos [falso]conhecem a anedota , que hoje só tem o inconveniente de pôr a uma luz menos simpática, o espírito, dirigente, que obedecia às sugestões do meio trocista em que se achava.»

Seria assim, ou apenas passaram a saber dela, e agora com este folheto, graças às elucidações algo policiais de Teófilo, que Luciano de Castro fora um dos enganados pela fake new de Antero?

Eis-nos com Teófilo Braga tentando repisar ou antipatizar a memória ou figura de Antero, talvez ironizando mesmo quando lhe dá o epíteto, “o dirigente”, e logo em seguida sugere ser uma mera marioneta do meio ambiente.

O terceiro inimigo a abater (e porque razões pessoais estes três referidos expressamente?) surge em seguida:«Mas esta tendência para o engano ou o logro é também revelada por uma narrativa do seu fervoroso amigo Alberto Sampaio, que o acompanhou na viagem a Paris» quando foi visitar o “grande Michelet” e este «recebeu o pseudo-Bettencourt com a sua ingénita bondade, ouviu ler traduzidas para francês algumas composições do livro, e deu ao visitante uma lacónica carta de agradecimento para Antero de Quental». E transcreve a versão algo diferente de Alberto Sampaio, conforme está no In Memoriam.

E vai prosseguir (mostrando de início a a sua fraca visão da história e da biografia) e finalizar, atirando-se ao que lhe faria talvez mais inveja em Antero, a sua qualidade de filósofo ou metafísico, atacando-o escudado na sua ilusória filosofia positivista de Augusto Comte, a que aderira plenamente e que poucos anos depois estava defunta na Europa filosófica:

«Para quê arquivar estas pequenas coisas, que não deixam um indivíduo em boa luz? [Teófilo sempre na mesma, a malquistar a imagem-memória de Antero]. O livro abunda em narrativas assim insignificantes, dando todo o relevo a destemperos de mocidade, e ao prolongamento desta além do seu tempo». 

É possível que Teófilo Braga nunca tenha brincado nem rido? Mas vem aí mais uma atordoada depreciadora invejosa (ó Fama, ó Glória...) fortíssima: «Quando se trata de aglomerar factos positivos para fundamentar a glória de Antero, apenas há pirotecnia de estilo e elegias sobre esperanças decepadas.» E como prova isso? Aduzindo um texto, dando a entender que é um contributo para o In-Memoriam de Antero, de um seu condiscípulo da intransigência fanática positivista e talvez, esse sim, sofrendo mais da “pedantice” que atribuíra a Guilherme de Vasconcellos Abreu: «Neste ponto o estudo de Mariano Machado sobre a capacidade filosófica de Antero é cheio de verdade: “Em mim, que estudara desde 1866 a 1868 estudara muito...[quase três anos...] a matemática e a filosofia de Augusto Comte, encontrou ele um intransigente positivista. É claro que um um intransigente positivista não podia concordar com a orientação política e filosófica de Antero, então intransigente metafísico. Ele esqueceu em um momento infeliz o que devia ao seu nome, classificando de banalidade francesa os trabalhos de Comte, um dos maiores génios de que a humanidade se orgulha, e que merece com justiça, segundo Stuart Mill, ser considerado superior a Descartes e Leibnitz, por ter manifestado uma potência intelectual igual à destes, em uma idade avançada do saber humano.»

Depois destas mirabolantes hierarquizações dos génios da humanidade, vá lá Teófilo cita algo menos mal da apreciação de Mariano Machado: «Pode não reconhecer-se nos escritos filosóficos de Antero os traços gerais e preciosos de um sistema filosófico, perfeito, mas o que não é justo contestar-lhe é a originalidade da sua argumentação, a sua subtileza...»

A hipocrisia de Teófilo, que mal Antero morrera se lançara a publicar torcidamente vários poemas de Antero, em Raios de Extinta Luz, certamente contra o que seria a vontade dele, levando mesmo a especialista anteriana Ana Maria Almeida Martins a escrever na sua sua notável obra Antero de Quental e a Génese do In Memoriam: «Raios de Extinta Luz, livro que Teófilo Braga no início de 1892 publicou e prefaciou, com poemas pretensamente inéditos de Antero. Esse prefácio é, no mínimo, deselegante e cheio de inexactidões, ofensivo da memória do poeta e que funciona como um ajuste de contas obviamente cobarde», vai no fim do seu artigo, no último parágrafo, mostrar bem o seu lado diabólico ou de advogado ou amigo dos diabos, ou do Diabo, etimologicamente, o Adversário:

«Destaca-se no livro, como peça capital, o estudo do Dr. Souza Martins, Nosographia de Antero, estudo magistral de psicologia mórbida, sobre uma individualidade cujos antepassados são bem conhecidos, e cujos actos pessoais foram muito acentuados; chega-se à conclusão demonstrada que o poeta era um alienado! Por isto se pode com franqueza dizer que este estudo, aliás brilhante, não devera entrar no livro In Memoriam, se é que as narrativas de situações comprovativas não matizassem essa consagração. É importante o estudo Bibliográfico da obra de Antero; pouco trabalho realizado e muita dispersão de energia, sem plano. Louve-se a intenção do livro de apoteose; confessemos que o poeta merecia um monumento erigido pelos amigos sinceros, mas pela forma em que está redigido, chegamos quase a classificá-los – amigos dos diabos

Acrescente-se que nesses tais "amigos dos diabos" Teófilo Braga e de algum modo Sousa Martins estariam à cabeça e não os que defendendo Antero de Quental tiveram de ser adversários de Teófilo Braga e dos seus erros, distorções ou más vontades...

Neste sentido corre bem a carta trocada entre dois dos organizadores do tão belo quão valioso In-Memoriam: Joaquim de Araújo envia-a a 16 de Agosto de 1893 a Joaquim de Magalhães e no fim afirma a propósito da sua colaboração no número da Revista de Portugal que estava para sair dedicado a Antero: «O meu artigo combate por diversas vezes, sans rancune, de um modo elevado, afirmações do Teófilo Braga, e parece-me que é dos mais úteis que a Revista há-de encerrar. Conte comigo absoluta e inteiramente, e conte que hei-de fazer uma coisa digna do nosso grande Morto. Reputo o meu artigo indispensável, absolutamente indispensável à biografia de Antero, que de futuro haja de escrever-se...»

E neste futuro de páginas brancas continuamos nós a reflectir e a escrever, defrontando forças e seres hostis como eles, na senda de desbravamento luminoso mas bem árduo de Antero de Quental e dos seus admiradores, companheiros e mateiros...

 Ad astra per aspera...     Himavat, pintura de Bô Yin Râ....


terça-feira, 6 de julho de 2021

Dia da libertação terrena de Thomas More, 6-VII-1535. Biografia, com contributo de Fernando de Mello Moser.

                                                                

O humanista Tomás More, que fora o Chanceler do Reino, é decapitado neste dia 6 de Julho, de 1535, junto à Torre de Londres, após um ano e pouco de prisão (frutuoso em escritos religiosos e confessionais),  por recusar-se a aprovar que o "monstruoso" rei Henrique VIII (1491-1547) se tornasse o chefe da igreja Católica em Inglaterra, separando-a da obediência a Roma. Nascido em Londres em 7-II-1475 (um ano antes da introdução da tipografia por William Caxton),  de um advogado e depois juiz, segundo de seis filhos, estagiou como pajem do Arcebispo de Cantuária e Chanceler do Reino, John Norton, um pré-humanista, "homem mais venerado pelo seu carácter e virtude de que pelas suas altas dignidades" (Utopia), que muito o apreciou e o mandou estudar em Oxónia (Oxford), onde esteve de 1492 a 1494, sendo aluno de dois dos primeiros humanistas ingleses, Thomas Linacre (com quem Erasmo também aperfeiçoará o grego) e William Grocyn (que com John Colet tinham recebido a tocha do humanismo e dos estudos clássicos em Itália), e passando a dominar o latim e o grego. O seu pai insistiu para que que estudasse no Lincolon's Inn em Londres, uma universidade mais avançada, o que ele fez.

Em 1499, Desidério Erasmo de Roterdão no começo de um Verão de sonho vai pela 1ª vez a Inglaterra como pedagogo particular do William Blount, Lord de Montjoy, e encanta-se com os principais humanistas da época (e não só pois também elogiará as mulheres), e numa carta de 5-XII-1499 para John Fisher conta: «Quando ouço Colet, parece-me estar a ouvir o próprio Platão. Quem é que não admira, em Grocyn o saber completo? Que pode haver de mais agudo, profundo e delicado que o juízo de Linacre? Será que  natureza alguma vez criou algo de tão suave, afável e feliz como o génio de Thomas More?»

Em 1504 Thomas More foi eleito para o Parlamento e em 1505 casa-se com Jane Colt de quem teve quatro filhos, educados excelentemente, destacando-se o mais novo John, que traduziu o nosso sábio de então Damião de Goes, e a mais velha Margaret, que traduziu do latim para inglês a obra Precatio Dominica de Erasmo, A Devout Treatise upon the Pater noster, tendo-lhe Erasmo dedicado o Comentário do poema cristão de Prudêncio, em 1523.

Thomas More sempre foi muito religioso, tendo frequentado a Cartuxa e ao longo da vida as cerimónias e práticas religiosas. Foi um defensor fogoso da religião católica apostólica romano refutando directamente as obras dos principais protestantes da época, tal Lutero, Simon Fish e William Tyndale, e  em geral, em 1529, com o Diálogo sobre as Heresias. Já no ano e meio de prisão escreveu, ao modo do nosso Frei Tomé de Jesus, um dos desgraçados da aventura de Alcácer Quibir, com o seu Trabalhos de Jesus, o Diálogo de Conforto na Tribulação. Foi também um admirador de Pico della Mirandola, de quem traduziu para inglês a sua biografia realizada pelo sobrinho, a qual continha um antologia de extractos mais valiosos da sua obra e traduziu para inglês algumas regras de Amor religioso ensinadas por Pico. Traduziu ainda as obras de ironia e crítica social de Luciano de Samostata, as Sátiras, do grego para latim, com a ajuda de Erasmo numa das cinco vezes em que este esteve em Inglaterra e se hospedou em sua casa e se encantou com a sua família e ambiente, tanto mais que o imortal Elogio da Loucura foi redigido, em 1509, na casa londrina de Bucklersbury, e a Thomas More dedicado.

                                    

A ascensão de Thomas More em cargos públicos foi rápida, passando de diplomata e negociador na Flandres, onde escreve a Utopia, em 1516, a Undersheriff de Londres e depois a Speaker da Câmara dos Comuns em 1523, High Steward da Universidade de Oxford em 1524, chanceler do ducado de Lancaster em 1525 e por fim Chanceler do Reino. Todavia, em 16 de Maio de 1532 preferiu manter-se fiel à sua consciência do que sobreviver à custa da aprovação do que considerava errado, a separação da Igreja em Inglaterra da Igreja Católica Apostólica Romana, e a perseguição dos católicos, pelo que enunciou ao cargo, sendo substituído pelo famigerado Thomas Cromwell. E também não quis participar na cerimónia da coroação de Ana Bolena, a 2ª mulher de Henrique VIII, nem apoiar a Lei de Sucessão, contra a 1ª mulher, Catarina de Aragão, com quem vivera 24 anos. Ana Bolena será executada em 1536, tal como a quinta, Catarina Howard, em 1542. Anote-se ainda no palmarés de Henrique VIII o mandar destruir todos os santuários dedicados a santos em 1540, e acabar os mosteiros católicos que ainda restavam em 1542. Morrerá obeso e necessitando de uma cadeira de rodas para se movimentar em 1547.

 Voltemos à morte de Tomás More e oiçamos Fernando de Mello Moser narrá-lo na sua valiosa obra Tomás More e os Caminhos da Perfeição Humana, 1982: «Mais tarde, permaneceria ausente da cerimónia da coroação de Ana Bolema e recusaria assinar a aceitar  a Lei da Sucessão, alegando motivos de consciência e invocando, como jurista, que o seu silêncio quanto à exacta natureza desses motivos não podia ser interpretado como rejeição de qualquer título do do soberano - o que, de acordo com legislação recente, significaria um acto de alta traição. Foi preciso um depoimento, mais do que suspeito, de Richard Rich, colaborador de Thomas Cromwell em rápida ascensão política, para que pudesse ser finalmente condenado ao suplício, fazendo então a sua declaração formal sobre a sua posição e sobre o verdadeiro motivo que fora executado.  Henrique VIII comutou a pena em simples decapitação, e esta realizou-se em Tower Hill, próximo da Torre de Londres, no dia 6 de Julho de 1535. Segundo a folha volante que circulou em Paris, relatando as circunstâncias da sua morte, as suas últimas palavras foram: "Morro servidor fiel do rei, mas de Deus em primeiro lugar"».

No século XX e XXI Germain Marc'Hadour (bem acompanhado por André Prévost) foi um dos melhores estudiosos de Thomas More  e particularmente da sua alma religiosa, tendo-lhe consagrado uma revista Moreana, internacional e de bom nível, onde Pina Martins e Fernando de Mello Moser colaboraram, referindo-o este no seu valioso e último trabalho publicado, Ars Moriendi, Ars Vivendi: Reflexões sobre a Cultura do Renascimento em Inglaterra, Coimbra, 1983, no qual Tomás More é bem abordado quanto à sua têmpera e preparação em vida para a morte. Já postumamente, em 2004, a Fundação Calouste Gulbenkian editou a Dilecta Britannia, Estudos de Cultura Inglesa, com muitas páginas consagradas a Thomas More e Shakespeare

Na sua obra mais importante e perene, a Utopia (1ª edição em Lovaina, 1516),  geradora de tanta reflexão e livro, são transmitidos os ideais duma sociedade mais equitativa, sábia e não-violenta (embora admitindo a guerra para se adquirirem terras trabalháveis desaproveitadas...), na qual o dinheiro não existe nem a propriedade privada, o ouro é desvalorizado, todos trabalhando e recebendo o que precisam, e onde, como bem sintetiza Fernando de Mello Moser, «a legislação estabelecida por Utopos reconhecia a liberdade em matéria religiosa, excepto no tocante à crença na imortalidade da alma e na subordinação do mundo a um providência divina, sendo a heterodoxia nestes dois pontos tido como grave degradação, relativamente à dignidade da natureza humana», aspectos que infelizmente por diversas circunstância deixaram de predominar nas sociedades, dando azo a que uma série de megalómanos milionários e grupos financeiros e ideológicos negativos estejam a dominar e a enfraquecer tanto a Humanidade como o Humanismo, afunilando as sociedade e países para distopias...

Quem dialoga com Utopos ou Tomás More é um português, provavelmente  numa homenagem à gesta dos Descobrimentos, e apresenta-o assim: «Rafael  Hitlodeu (este é o seu nome de família) conhece bastante o latim e sabe o grego na perfeição. Como se dedicou predominantemente à filosofia, cultivou a língua de Atenas mais que a de Roma. Eis porque, em questões de certa importância, vos citará apenas passos de Séneca e de Cícero. Nasceu em Portugal. Ainda novo, renunciou à fortuna paterna para os irmãos e levado pela intensa paixão de conhecer mundo, ligou-se a Américo Vespúcio e seguiu-lhe a sorte. Nem por um instante abandonou este grande navegador em três das suas quatro últimas viagens, cuja narrativa é hoje feita em tantos livros... Sem a protecção divina, o seu temperamento sedento de aventuras ter-lhe-ia sido fatal. Seja como for, depois de Vespúcio partir, Rafael [nome do navio de Vasco da Gama, na descoberta da rota para a Índia]   percorreu com cinco castelhanos múltiplas regiões, desembarcou como que por milagre em Ceilão, e dali seguiu para Calecut, onde um navio português, contra todas as esperanças, o reconduziu ao seu país». 

Anote-se  que em 2006, saiu a primeira tradução   realizada directamente do latim da Utopia, por iniciativa de José Vitorino de Pina Martins. que prefacia a notável tradução do prof. Aires Augusto Nascimento, publicada  pela Fundação Calouste Gulbenkian, hoje já numa significativa terceira impressão bem merecida...

John Fischer (1469-1535), bispo de Rochester, que fora o protector de Erasmo durante a sua estadia de dois anos (1512-1513) em Cambdrige, pois era Chanceler da Universidade, decapitado também uns dias  antes, em 22-VI (pouco depois de ter sido elevado a cardeal, por raiva do rei), John Colet (1467-1519), da catedral de S. Paulo em Londres e Thomas More representam o humanismo mais puro de Inglaterra, nunca mais atingido. 

E se entre nós na época quinhentista João de Barros o elogiou, serão já no séc. XX José V. de Pina Martins e Fernando de Melo Moser os que mais amaram, trabalharam e divulgaram em exposições e conferências Thomas More, tendo publicado várias obras  que apelam à  leitura e aprofundamento, tanto mais que as opressões à liberdade do pensamento, da informação e da consciência são cada vez mais insidiosas e manipuladoras. 

Que o exemplo e as energias e bênçãos de todos estes humanistas nos inspirem, pois pelo campo unificado de energia consciência informação que nos une a todos, outrora chamado alma mundi ou ainda corpo místico da Igreja, todos estes seres estão bem despertos e luminosos nos mundos subtis e espirituais, dando-se mesmo o caso de Thomas More John Fisher terem sido beatificados em 1886 por Leão XIII e canonizados  como santos mártires  em  1935 pelo papa Pio IX. Anote-se, e diz-nos Mello Moser,  que «na década de vinte por ordem de Lenine, o nome de Tomás More foi inscrito no  obelisco da Liberdade na Praça Vermelha».  Finalmente, em 2000 o papa João Paulo II elegeu Thomas More como patrono celestial do governantes e advogados, seres que bem precisavam de se abrir ao seu génio e equidade corajosa.