segunda-feira, 6 de julho de 2015

"Os Evangelhos de 2005 Comentados", dois contributos meus.



Em Dezembro de 2004 foi publicado em Lisboa Os Evangelhos 2005 Comentados, por cerca de 50 pessoas, entre as quais destacaria, entre vários amigos, José Vitorino de Pina Martins e Dalila Pereira da Costa, porque ambos já partiram para a outra margem.
Cooperei com dois textos, um em meu nome, outro com o nome Manuel Lencastre, que volta e meia utilizei, nomeadamente como editor.
Porque são sempre textos perenes, eis a digitalização deles.








quarta-feira, 1 de julho de 2015

As Livrarias (a Loja das Colecções) que morrem (ou se subtilizam...), embora os muito jovens as frequentem...

A Loja das Colecções à Rua da Misericórdia, no centro de Lisboa, local de boas vibrações e muitas colecções, e logo coleccionadores em peregrinações...
Jovens amantes da leitura haverá sempre...
Mas a concorrência da informática...
A bela e enérgica Rita, olhos algo trocados na imagem, a zelar pela loja...
Isabel, alma de eleição, tomou o legado do seu pai enquanto os fados o permitiram
Seres de luz, a Isabel Silveira, e mais um espaço do culto dos livros que se desvanece na impermanência social. Acabou por deslocar-se para o começo da rua de S. Bento, ao sair do Rato, onde infelizmente foi, como todos os outros alfarrabistas, apanhada pelos confinamentos covídicos, esperando contudo ainda por melhores dias.... 

terça-feira, 23 de junho de 2015

24/6/1916. A carta à tia Anica, de Fernando Pessoa, há 99 anos...

Neste dia de S. João sintonizemos com a vida e obra de Fernando Pessoa, lendo e meditando um pouco a carta bem importante enviada à sua querida e inspiradora tia Anica, certamente difícil de ser equacionada ou interpretada nas suas dimensões reais mas muito rica de aspectos biográficos subtis, e escrita precisamente há 99 anos.

"Lisboa, 24 de Junho de 1916.
Minha querida Tia:
Muito lhe agradeço a sua carta de 13 e os parabéns que me traz. Muito agradeço também a carta do Raúl de 22 de Maio, a que responderei brevemente; creio que assim posso prometer, porque me sinto agora já um pouco melhor, já mais apto a não ter a inércia que tenho tido e que, como calcula, tem sido devida aos sucessivos choques nervosos por que tenho passado.
Felizmente que chegaram (enfim!) de Pretória notícias acentuadamente boas. Excepto no que respeita ao braço, que está demorando em recuperar o movimento, o estado da Mamã melhorou muito. O estado mental está, enfim, normal. Aquela confusão mental que ela tinha, e que era o que mais me impressionava, desapareceu. E ela já sai do quarto, passando umas horas por dia na casa de jantar.
Não sei o tratamento empregado agora. Sei que, a princípio, empregaram, com efeito, os choques eléctricos, mas suspenderam esse tratamento, porque, ao que parece, incomodava demasiadamente a doente. E suponho que naquela altura da doença não seria bom o incómodo natural dos choques. Se assim foi, já terão, suponho, retomado esse tratamento.
Por enquanto não há nada em que, de positivo, se deva assentar com respeito à guerra e às tropas de aqui irem para fora. E creio, mesmo, que os rapazes na situação do Raúl não correm, por enquanto, grande risco de serem chamados. É claro que não posso afirmar isto, mas é o que consta aqui. Já se o Raúl estivesse cá, naturalmente teria, pelo menos, a maçada de uma «escola de oficiais» ou qualquer aparelho parecido.
Sobre o estado nervoso em que tenho vivido, não tenho passado mal ultimamente. Também creio que não tem havido novidade na família, salvo que a Joaquina está umas vezes melhor, outras pior. Como eu tinha previsto, pela astrologia, a situação do Mário não só melhorou, mas parece tender para melhorar cada vez mais.
Vamos agora ao caso misterioso que a interessa e que a tia Anica diz não poder calcular o que seja. Sim, não calcula, decerto eu próprio é o que menos esperaria.
O facto é o seguinte. Aí por fins de Março (se não me engano) comecei a ser médium. Imagine! Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas sessões semiespíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática. Estava uma vez em casa, de noite, tendo vindo da Brasileira, quando senti a vontade de, literalmente, pegar numa caneta e pô-la sobre o papel. É claro que depois é que dei por o facto de que tinha sido esse impulso. No momento, não reparei no facto, tomei-o como o facto, natural em quem está distraído, de pegar numa pena para fazer rabiscos. Nessa primeira sessão comecei por a assinatura (bem conhecida de mim) «Manuel Gualdino da Cunha». Eu nem de longe estava pensando no tio Cunha. Depois escrevi mais umas cousas, sem relevo, nem interesse nem importância.
De vez em quando, umas vezes voluntariamente, outras obrigado, escrevo. Mas raras vezes são «comunicações» compreensíveis. Certas frases percebem-se. E há sobretudo uma cousa curiosíssima — uma tendência irritante para me responder a perguntas com números; assim como há a tendência para desenhar. Não são desenhos de cousas, mas de sinais cabalísticos e maçónicos, símbolos do ocultismo e cousas assim que me perturbam um pouco. Não é nada que se pareça com a escrita automática da Tia Anica ou da Maria — uma narrativa, uma série de respostas em linguagem coerente. É assim mais imperfeito, mas muito mais misterioso.
Devo dizer que o pretenso espírito do tio Cunha nunca mais se manifestou pela escrita (nem de outra maneira). As comunicações actuais são, por assim dizer, anónimas e sempre que pergunto «quem é que fala?» faz-me desenhos ou escreve-me números.
Mando-lhe, junta, uma amostra simples, que não é preciso devolver-me. Nesta há números e rabiscos, mas quase que não há desenhos. É o que tenho aqui à mão. É para verem como é o aspecto das minhas comunicações.
É singular que, apesar de eu não perceber nada de tais números, consultei um amigo meu, ocultista e magnetizador (uma criatura muito curiosa e interessante, além de ser um excelente amigo) e ele disse-me cousas singulares. Por exemplo, eu disse-lhe uma vez que tinha escrito um número qualquer (de quatro algarismos) de que não me recordo agora. Ele respondeu-me que havia cinco pessoas na casa onde eu estava. E, com efeito, assim era. Mas ele não me diz de onde é que concluiu isso. Explicou-me apenas que esse facto de eu escrever números era prova da autenticidade da minha escrita automática — isto é, de que não era autosugestão, mas mediunidade legítima. Os espíritos — diz ele — fazem essas comunicações para dar essa garantia; e essas comunicações são, por isso mesmo, incompreensíveis ao médium, e de ordem que mesmo o inconsciente dele era incapaz de imaginar.
Este meu amigo tem-me explicado outros números assim, com igual, e curiosa, segurança. Só houve três números que ele não compreendeu.
Estou contando rapidamente, e claro, e necessariamente omito pormenores e detalhes interessantes. O que narro, porém, é o essencial.
Não pára aqui a minha mediunidade. Descobri uma outra espécie de qualidade mediúnica, que até aqui eu não só nunca sentira, mas que, por assim dizer, só sentia negativamente. Quando o Sá-Carneiro atravessava em Paris a grande crise mental, que o havia de levar ao suicídio, eu senti a crise aqui , caiu sobre mim uma súbita depressão vinda do exterior , que eu, ao momento, não consegui explicar-me. Esta forma de sensibilidade não tem tido continuação.
Guardo, porém, para o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades não só de médium escrevente, mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam «a visão astral», e também a chamada «visão etérica». Tudo isto está muito em princípio, mas não admite dúvidas. É tudo, por enquanto, imperfeito e em certos momentos só, mas nesses momentos existe.
Há momentos, por exemplo, em que tenho perfeitamente alvoradas de «visão etérica» — em que vejo a «aura magnética» de algumas pessoas, e, sobretudo, a minha ao espelho e, no escuro, irradiando-me das mãos. Não é alucinação porque o que eu vejo outros vêem-no, pelo menos, um outro, com qualidades destas mais desenvolvidas. Cheguei, num momento feliz de visão etérica, a ver na Brasileira do Rossio, de manhã, as costelas de um indivíduo através do fato e da pele. Isto é que é a visão etérica em seu pleno grau. Chegarei eu a tê-la realmente, isto é, mais nítida e sempre que quiser?
A «visão astral» está muito imperfeita. Mas às vezes, de noite, fecho os olhos e há uma sucessão de pequenos quadros, muito rápidos, muito nítidos (tão nítidos como qualquer cousa do mundo exterior). Há figuras estranhas, desenhos, sinais simbólicos, números (também já tenho visto números), etc.
E há — o que é uma sensação muito curiosa — por vezes o sentir-me de repente pertença de qualquer outra cousa. O meu braço direito, por exemplo, começa a ser-me levantado no ar sem eu querer. (É claro que posso resistir, mas o facto é que não o quis levantar nessa ocasião.) Outras vezes sou feito cair para um lado, como se estivesse magnetizado, etc.
Perguntará a Tia Anica em que é que isto me perturba, e em que é que estes fenómenos — aliás ainda tão rudimentares — me incomodam? Não é o susto. Há mais curiosidade do que susto, ainda que haja às vezes cousas que metem um certo respeito, como quando, várias vezes, olhando para o espelho, a minha cara desaparece e me surge um fácies de homem de barbas, ou um outro qualquer (são quatro, ao todo, os que assim me aparecem).
O que me incomoda um pouco é que eu sei pouco mais ou menos o que isto significa. Não julgue que é a loucura. Não é: dá-se até o facto curioso de, em matéria de equilíbrio mental, eu estar bem como nunca estive. É que tudo isto não é o vulgar desenvolvimento de qualidades de médium. Já sei o bastante das ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer que o Mestre desconhecido, que assim me vai iniciando, ao impor-me essa existência superior, me vai dar um sofrimento muito maior do que até aqui tenho tido, e aquele desgosto profundo de tudo que vem com a aquisição destas altas faculdades. Além disso, já o próprio alvorecer dessas faculdades é acompanhado duma misteriosa sensação de isolamento e de abandono que enche de amargura até ao fundo da alma.
Enfim, será o que tiver de ser.
Eu não digo tudo, porque nem tudo se pode dizer.
Mas digo o bastante para que, vagamente, me compreenda.
Não sei se realmente julgará que estou doido. Creio que não. Estas cousas são anormais sim, mas não antinaturais.
Pedia-lhe o favor de não falar nisto a ninguém. Não há vantagem nenhuma, e há muitas desvantagens (algumas, talvez, de ordem desconhecida) em fazê-lo.
Adeus, minha querida Tia. Saudades à Maria e ao Raúl. Beijos ao Eduardinho. Para si muitos e muitos abraços do seu sobrinho muito amigo e grato
Fernando"

Realcemos os diálogos com um amigo ocultista, que não está ainda bem identificado, a sua sensibilidade mediúnica ou pelo menos ao seu inconsciente, a abertura do olho espiritual e a crença de estar a ser preparado ou iniciado por um Mestre Desconhecido.
Ao longo dos anos serão muitas as vezes em que se sentirá inspirado, registando-o, e manterá sempre bem alto a sua crença e provavelmente subtil experiência da presença ou influxo dos Mestres, dos quais Jesus Cristo foi certamente para ele o mais importante, afirmando-se no fim da sua vida Cristão Gnóstico.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

O soneto "Evolução", um dos últimos sonetos de Antero de Quental. Revisitação e hermenêutica.

                 Revisitação de um do sonetos, escritos entre 1881 e 1991, a Década dourada de Vila de Conde, na feliz expressão de Ana Maria Almeida Martins: Evolução.
  
Sanguínea de António Carneiro...
                                
 I - EVOLUÇÃO                     
                                (A Santos Valente)

Fui rocha em tempo, e fui, no mundo antigo
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...

Hoje sou homem - e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade."


A Evolução é um poema bastante filosófico,  no qual Antero de Quental não está a exprimir tanto uma clara vivência interior nem sequer uma certeza, mas a poetizar ideias e possivelmente sentimentos vividos, ou mesmo intuições, acerca da evolução dos seres na Terra, das quais destacaremos a sua passagem a meio de tal escala ascendente, por ter sido escrito talvez nas praias do mar bravo de Vila de Conde, "Onda, espumei, quebrando-me na aresta//Do granito, antiquíssimo inimigo", realçando-se a oposição ou luta do líquido e do sólido que bem poderia ser antes de abraço amoroso, ainda que por vezes bem poderoso...
Poderemos interrogar-nos sobre em que percentagem ele acreditaria nesta evolução que retrata bem no poema, e que é a que vai da pedra ao animal e por fim ao homem. Como sabemos, não é esta a visão da Igreja Católica onde Antero fora doutrinado em criança. Posteriormente, os seus estudos filosóficos evolucionistas e por fim budistas deram-lhe certamente motivos para admitir tal hipótese de metempsicose, mas em que proporção acreditava ou duvidava não sabemos, embora nos pareça que nele haveria um presentimento ou uma intuição do espírito como estando acima da evolução do corpo animal para o humano...
O terceto final é bem rico, parece claramente mais sentido e vivido, pois muito se interrogou embora já não saibamos quantas vezes, algumas mencionadas por amigos, terá chorado....
A posição de estender as mãos no vácuo ou no ar é uma boa posição de oração e de demanda e pode ser certamente autobiográfica, mesmo que apenas mental e afectivamente e não corporalmente.
Já o "adoro e aspiro unicamente à liberdade" também parece bastante sincero e tipicamente anteriano, ao valorizar talvez excessivamente a liberdade, pois esclarece que unicamente a ela adora e aspira.
O que nos diria hoje Antero? 
Diria só a Liberdade, ou antes o Amor, ou a Divindade?
A que devemos nós aspirar e adorar ou amar supremamente?
Por mim diria: eu aspiro, amo e adoro a Divindade, a Realidade, a Verdade, o Amor, a Sabedoria... Ou seja reconheceria tanto uma Divindade suprema, transcendente como também imanente, Deus em nós, o que aliás Antero em certas cartas a amigos bem valorizou como a Voz da Consciência... E reconheceria e invocaria depois os seus atributos, qualidades e arquétipos, a eles me abrindo quando aspiro, oro, medito, escrevo, trabalho e luto...
O que nós amamos verdadeiramente, e logo aspiramos e veneramos ou adoramos, é então fundamental de ser equacionado por cada um... 
Ao fazê-lo estamos a cumprir o testamento espiritual de Antero de Quental e estamos a levar mais longe o facho de Luz empunhado por ele e que a Divindade, a Verdade ou o Logos, ou as suas correntes de amor e sabedoria, em nós acendes na braçada de amor, que em esforço e sabedoria conseguimos manifestar...
Possamos ser agraciados com a memória da descida na espiral imensa do tempo, reminiscência do que já fomos ou do que em nós está subtilmente à nossa espera para realizarmos...

Pela verdadeira Europa."Stop Austeridade, Apoio à Grécia, Mudança na Europa"


De certo modo Luís de Camões presidiu à manifestação talvez lá do alto da máquina do Mundo
Realizou-se hoje uma acção de solidariedade com a Grécia e o povo Grego face à opressão da agiotagem internacional (seja ela da Troika ou do FMI), no largo do Camões, em Lisboa.
Face à dimensão exemplar deste conflito, nomeadamente quanto às dívidas gregas e à possibilidade até de Grécia sair da União Europeia, podiam-se esperar mais pessoas, mas as cerca de 250 presentes representavam o sector populacional mais consciente internacionalmente, mais cívico, menos formatado pelo arco do poder e do sistema, notando-se uma predominância de gente jovem, ligada aos partidos renovadores, como o BE, o Pan, o Livre, o Tempo de Avançar, ou à candidatura presidencial de Henrique Neto, e ainda intelectuais, artistas e ecologistas e, finalmente, alguns anti-fascistas e anti-sistema de opressão mundial.

https://youtu.be/JWlOwNjctCg

Alguns breves discursos e cantos pontuaram a reunião que foi servindo para múltiplos diálogos e contactos, fortificando-se as redes alternativas a esta União Euopeia já demasiada burocratizada, acinzentada. e de modo algum representando a verdadeira Europa culta, fraterna dialogante, solidária.
Basta ver o comportamento anti-Europeu como tem conduzido as relações com a Rússia, com o problema da emigração do Norte de África e com as crises do Médio Oriente.
Realmente se os USA fabricam o dinheiro ou dólar que querem e corrompem meio mundo, porque é que a União Europeia não há de reduzir juros de empréstimos a zero, ou mesmo fabricar mais liberalmente dinheiro não para os ordenados dos políticos e a indústria dos armamentos mas para criar indústrias benéficas na Europa e no norte de África e para fomentar e estreitar as boas relações com a Rússia, certamente mais Europeia que os USA e o seu Tratado Transatlântico ou a famigerada companhia agro-química e de sementes geneticamente modificadas da Monsanto?
Foi pois esta manifestação mais um cartão vermelho a uma União Europeia em que cada vez menos pessoas se revêm, de tal forma está subjugada aos interesses financeiros dos grandes grupos e dos norte-americanos...
Espera-se que a entrada de novos partidos e deputados no espectro político europeu, ibérico e português possa ajudar a dar a volta à crise de grande descrença nos políticos e governantes das últimas décadas...
E que a Grécia, mátria da Europa, seja respeitada e apoiada...




Um belo símbolo das Grécia e da maternidade cada vez menor na Europa burocrata...




A RTP-2 esteve presente, o que é já bom numa Televisão por vezes algo manipulada, e estando a falar com a Clarisse Marques, candidata a deputada pelo Tempo de Avançar, fui instado a dar o meu testemunho, o que fiz...





A Silvina Pereira e o Zé Curado Matias, sempre presentes na defesa da Liberdade, Cultura e Solidariedade






 O Zé Curado, Matias o Mauro, e seus amigos bem conhecidos
Gente jovem e alternativa faz sempre antever um futuro menos massificado e acinzentado
Uma das aopiantes de Henrique Neto e o Mauro..
Fim..
Post-scriptum...

Antero de Quental, a década dourada de Vila do Conde (1881-1891)

Os últimos dez anos da vida de Antero de Quental, 1881-1891, em Vila do Conde, à parte os iniciais, têm sido considerados pelos anterianos como os mais felizes da sua vida pois finalmente conseguira a almejada melhoria da saúde e certa ordem e sossego, dormindo, pensando e escrevendo bem (tanto os seus últimos ensaios filosóficos, como treze sonetos são a prova disso), vivendo acompanhado das suas duas pequenas, Beatriz e Albertina, filhas do amigo Germano Meireles e de Teresa de Jesus Costa, e recebendo vários ilustres amigos, tais como Jaime Magalhães de Lima, Joaquim de Araújo, António de Azevedo Castelo Branco e Eça de Queirós, para conversas peripatéticas na orla, certamente por vezes algo ventosa, do revigorante oceano Atlântico.
Da comunicação ao Congresso do centenário da sua morte em 1991, pela Ana Maria Almeida Martins, sem dúvida actualmente a melhor conhecedora de Antero, resultou a publicação em 1993 do belo livro Antero de Quental, a década dourada de Vila do Conde (1881-1891), do qual resolvemos partilhar a bela capa com a vista de Vila do Conde oitocentista, com o estaleiro junto ao convento, a dedicatória autógrafa da Ana Maria e algumas páginas e imagens.

Começo da narrativa da Ana Almeida Martins
Anotemos entretanto algumas frases significativas de Antero, tal como as consignadas na correspondência que foi endereçando a Alberto Sampaio, esta em 1881:
" O Verão de S. Martinho vai belo, e convida ao bucolismo e à filosofia peripatética. (...) Do teu vinho, que já tenho libado, dir-te-ei maravilhas. É em tudo digno da reputação que no ano passado alcançara e que fica agora inabalável (...) Isto por aqui é bonito, com o seu ar nobre e campestre, e põe a gente numa disposição de espírito plácido e suave. Para envelhecer em paz, era proximamente disto que eu necessitava (...)
Um bom abraço ao José, que, se um dia por aqui aparecer, me dará um alegrão. Do vosso do coração, Antero."

                                                    
De outra carta: "Este pobre Portugal tem-se feito tal, que não é agora senão para eremitas. Mas, para esses, parece terra fada, com o seu sol perene, os seus puros horizontes campestres, as suas largas praias que tão bem convidam a uma cismar melancólico e consolador. Este povo daqui parece-me simples e de boa condição, e em seu viver ainda antigo e católico..."
Realcemos nas cartas, além da belíssima "terra fada", a expressão final frequente de "seu ou vosso de coração, Antero", mas também o alegrão, o sol perene, o libar o vinho, a disposição de espírito plácido e suave e a terra fada, sem dúvida palavras importantes do testamento anteriano, o qual foi também nesta década efectuado em cartório, como nos diz numa carta a José da Cunha Sampaio, de 1890: "O Alberto que tome nota disto, pois, como testamenteiro e tutor das pequenas, pode ter que intervir se por qualquer caso esta minha máquina se escangalhar mais cedo do que se prevê"...
Significativa esta expressão da máquina que se escangalha, ou que ele próprio escangalhará totalmente, talvez porque gradualmente e de repente subitamente (no dia do seu suicídio) a sentiu irreparavelmente escangalhada...
Acrescente-se que em 1890, com o infame Ultimatum da Inglaterra a Portugal, Antero se viu confrontado com o desafio de ser Presidente da Liga Patriótica do Norte, deslocando-se então para o Porto, onde foi recebido delirantemente, pelos estudantes e população mais patriótica.  Cedo porém a falta de apoio dos partidos e dos políticos acabou o sonho dos estudantes e dos idealistas nortenhos, certamente apressando a desilusão de Antero de Quental em relação a Portugal, talvez até ou sobretudo Continental, regressando aos Açores, a sua ilha natal berço da vida, seio da morte, de certo modo libertadora...
Terminemos este pequeno texto, com mais uns fragmentos, e uma carta de Antero, reproduzida por Ana Maria Almeida Martins na obra,  e que é muito actual:
"O reconhecer-se que uma coisa é má não é razão suficiente e necessária para que ela se reforme: é preciso ainda saber e querer fazê-lo. No fundo o país quer isto, que tem". E a pergunta que a Ana Maria Almeida Martins faz e resposta que ele pela citação lhe"dá", inserida na página 49: «Antero sempre se caracterizou fundamentalmente como um crente. Em quê? "No invisível, no insondável, no que é esta miserável existência real que evidentemente não pode ser o que parece porque então o universo seria absurdo. Esta grande máquina não pode deixar de ter um fim. Eu chamo liberdade a esse fim".
Anote-se de novo a expressão "máquina" tanto para o universo como atrás para o corpo, e a sua ânsia ou ideal supremo da Liberdade, quando poderia ser o Amor, a Inteligência Cósmica, a Divindade. 

Mas certamente que a ideia de Liberdade tem ou poderia ter muitas conexões com a filosofia Oriental indiana, nomeadamente com Libertação, e que é tanto designado como Kaivalya como Nirvana, de tão grande elevação metafísica e espiritual mas de complexa definição e dificílima plena realização.
Prossegue então a Ana Maria Almeida Martins: "E quando entre os seus contemporâneos se considerava a metafísica tão absolutamente morta como a mitologia greco-romana, para Antero ela era, justamente, a essência da religião [eu diria mais que a metafísica é uma ossatura racional da realização religiosa e espiritual obtida] e, em época de grande crise em que a grande crença colectiva se dissolve «cada qual tem de procurar sozinho com o suor do seu rosto e a ansiedade do coração, para conseguir uma espécie de religião individual, que no fim de contas nunca pode equivaler em firmeza, confiança, serenidade, àquela ampla comunhão espiritual, ideia-sentimento em que a fraqueza do indivíduo se ampara na potência da colectividade»" (Carta a Oliveira Martins).
Será valioso equacionarmos com o decorrer dos tempos, e hoje já mais de cem anos passaram, a erosão da confiança e serenidade sentida pelas pessoas amparadas na potência da colectividade religiosa e espiritual e como provavelmente devemos a Antero de Quental, Leonardo Coimbra, Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoais (ou Pascoaes), Sant'Anna Dionísio, Agostinho da Silva  e mais alguns mais lúcidos, uma certa emancipação de amparos meramente sentimentais, os quais podem  diminuir a demanda da verdade, não só filosófica mas sobretudo religiosa, na linha designada por Antero de Quental como uma religião individual, vivida interiormente, usando mesmo a expressão «ampla comunhão espiritual». 
Ampla não só em crenças e comunidade de seres (o chamado corpo místico da Igreja ou da humanidade), como também na expansão de consciência obtida em práticas, intuições e graça.
Esta posição pioneira e difícil de Antero, que pode mesmo ter tido uma pequenina influência nos múltiplos factores que desencadearam a sua morte "samuraica", como também na desagregação precoce de Fernando Pessoa, é contudo cada vez mais necessária e actual, pois devemos ir além do Bojador das crenças e medos e alcançar a Ilha do Amor e a visão espiritual e divina que penetra as opacidades e distâncias do Mundo.

Algo que se vai desenvolvendo no Caminho espiritual justo e harmonioso, transcendente e imanente, pelo estudo, o amor, a abnegação, o serviço, a aspiração, a intuição interior e a experiência ou visão no olho e ser espiritual e a religação à Divindade...

sábado, 20 de junho de 2015

Fernando Pessoa e Francisco Peixoto Bourbon. 1º contributo sobre a amizade dos dois.

Um dos amigos de Fernando Pessoa que nos deixou bastantes recordações da sua convivência com ele foi Francisco Peixoto Bourbon, com quem dialoguei bastantes vezes por carta e algumas vezes pessoalmente e espero um dia fazer juz à nossa amizade transcrevendo o que de mais importante me disse ou foi por ele escrito.
 Foi frequentador sobretudo das tertúlias do café Montanha, à rua da Assunção, onde participavam às quinta-feiras entre outros Mário de Saa, o Marquês de Penafiel, Cunha Dias, Manuel de Meneses, mas provavelmente esteve também com ele noutros poisos tertulianos, tais como as Brasileiras do Chiado e do Rossio e os Martinhos, seja o do Rossio, seja o da Arcada, à praça do Comércio, este hoje ainda sobrevivendo como local de culto pessoano e onde de quando em quando As Amigas e Amigos do Martinho da Arcada, um grupo do Facebook, organiza actividades pessoanas.
Relendo hoje um pequeno texto que ele me enviou dactilografado intitulado: "Evocando Fernando Pessoa - Como nutrira profundo desamor que lhe chamassem o Verlaine Português", no qual referia a sua publicação recente no jornal O Dia" de texto de contestação ao livro O caso clínico de Fernando Pessoa de um médico Mário Saraiva, entendi ser uma oportunidade de relembrar tal amizade, e transcrever algumas partes desse texto, nomeadamente onde concluía: "Não, Fernando Pessoa merecia sem dúvida melhor crítico e implacável julgador do que até à data se tem revelado o Dr. Mário Saraiva.
A vida foi madrasta para o incompreendido poeta mas depois de morto e passado sobre a sua morte mais de meio século não se me afigura que esteja sendo tratado por forma mais benigna do que o foi em vida"
Neste texto, a propósito de um cachecol, ou cache-nez, e um bastão com cabo de prata que uns alentejanos ricos ofereceram a Ferando Pessoa, por serem usados bastante por Verlaine, o que ele não apreciava, nomeadamente por não gostar de dar nas vistas, diz-nos Francisco Peixoto Bourbon que  "Fernando Pessoa procurava confundir-se com a multidão. Chegava mesmo a considerar a popularidade como uma gafa em que só seres inferiores se deixavam prender ou cair.
Não, Fernando Pessoa paira muito acima dessas fraquezas humanas que ele aliás compreendia e desculpava, como ser tolerante que sempre foi.
O seu lema era expor, propor e nunca, de forma alguma, impor.
De uma vez censurou-me, com desgosto, por me estar armando em Catão e acabou por me dizer que devemos ser mais compreensivos em relação às pequenas faltas reservando a severidade para as grandes faltas, as que imprimem carácter."
E fiquemo-nos por aqui nesta pequena evocação de Fernando Pessoa e do seu amigo Francisco Peixoto Bourbon, agrónomo, e das terras de Basto, amigo do meu pai e que me recebeu tão bem na sua bela casa e biblioteca do Melhorado há uns bons anos, onde vivia com a sua mulher e a filha Mafalda, hoje também agrónoma e professor do ensino secundário.