quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Soror Mariana do Rosário, clarissa de Évora: no aniversário da sua libertação da Terra a 16 de Outubro de 1649, em Évora.

 Os Desposórios do Espírito celebrados entre o Divino Amante, e sua Amada Esposa, a venerável Madre Soror Mariana do Rosário, Religiosa de Véu Branco no Convento do Salvador da cidade de Évora, composto por Frei António de Almada, Religioso dos Eremitas de Santo Agostinho na Província de Portugal, jubilado na Sagrada Teologia, foi dado à luz em Lisboa em 1693 e reimpresso em 1766, e transmite-nos bastantes aspectos da meritória vida da soror Mariana do Rosário, que em  Évora brilhou fulgurantemente como resiliente alma face às dores e como mística ardente na união ao espírito e ao Divino e mestra de noviças nas vias espirituais. O Padre Mestre Francisco de S. Maria, no seu incontornável Anno Histórico, Diário Português, noticia abreviada de pessoas grandes, e cousas notáveis de Portugal, de 1744, consagra-lhe uma breve mas bem suave notícia, onde diz: «Mariana do Rosário, natural de Évora, Religiosa leiga do Mosteiro do Salvador da mesma cidade. Cresceu tanto em virtudes, e participou tantas luzes da Terra, que foi assombro daquele sempre religiosíssimo Convento. Depois de padecer com grande humildade, paciência e resignação gravíssimas enfermidades, securas, participou nesta vida muitos favores soberanos. Predisse muitas coisas, que todas se verificaram. Obrou Deus por ela evidentes milagres, e não foi o menor escrever a sua vida, por mandado do seu director espiritual, sem saber ler nem escrever. Faleceu suavissimamente neste dia [16], ano de 1649».
Começara aos dez anos (nascera a 4 de Abril de 1615) a ter oração mental sem ser ensinada, mas será bem mais tarde que passará da oração à contemplação. Foi aos 18 anos que professou, mais exactamente no dia 10 de julho de 1633 e que alegria imensa sentiu por se consagrar plenamente a Deus e ao mestre Jesus. Embora curta a sua vida, e sofrida de muitas penitências e enfermidades, desenvolveu as virtudes e dons e foi  favorecida por um permanente estado abrasado de amor e por constantes graças divinas, tais como visitas do seu "Esposo" e transportes a planos ou estados subtis e intensificados de consciência. 

Monja da ordem do Santo Espírito. Que Ele nos ilumine e aumente o nosso discernimento.

 Foram na realidade apenas trinta e quatro anos de vida florescida na Terra mas dezasseis deles iluminando as suas condiscípulas sorores clarissas do convento do Salvador em Évora, com as suas virtudes e dons, alguns inatos, como ela nos conta:«de dez anos comecei a ter oração mental, sem alguém me ensinar mais que as inspirações divinas, e tomar Deus esta alma à sua conta (...)  e considerava com gosto que não cansava cansar-me nem afligir-me por amor de Deus "». Hoje estranharemos esta aspiração a Deus tão intensa e precoce, pois estamos tão cheios de informações, conhecimentos, posses, prazeres e capacidades, que conseguirmos arder de amor por Deus é algo muito raro, apenas uma ou outra alma mística o alcança, pois cada vez menos se encontram os apoios de ambientes familiares, escolares e sociais propícios, já que a sociedade post-moderna ocidental tende a manipular, desidentificar, despiritualizar e massificar as pessoas. 

Soror virtuosa e mestra de noviças, atribuía o mérito ao Senhor pois «para isto me ensinou este Senhor duas coisas ou ciências, que me servem, e servirão de grande proveito: uma delas foi ler no Livro das Criaturas, onde aprendi a mais alta ciência, que se pode imaginar; a segunda foi fazer conta que aquela era a última hora da minha vida», e assim afirmava, primeiro, o seu discernimento dos sinais e correspondências entre o interior e o exterior, o psíquico e o físico e, segundo, o seu desprendimento do corpo, do ego, da vida terrena, diariamente morrendo em asceses e esforços, em jejuns, vigílias e orações, pelos quais vencia e transmutava a personalidade e o apego ao corpo e renascia para o espírito, para a compaixão e abnegação.
A sua devoção ao mestre Jesus, o seu amor e entrega, foram constantes e, testemunhando o progresso no caminho do amor devocional, caracteriza o subir da meditação algo esforçada, que durou dez anos, para o descanso e gozo da contemplação: "daí por diante se me mudou outro modo de oração, que era como dois amantes que não podem estar um sem o outro. Aos pés deste Divino Mestre e amante aprendi a mais alta ciência que já mais se pode imaginar», explicitando mesmo o que nesta graça unitiva via e o estado ardente com que era agraciada: «Todo este tempo estive vendo coisas, que a língua humana não pode declarar. Eu bem me sentia, mas não podia sair daquilo; e se alguma pessoa fora falar-me, não pudera responder. Vi nesta ocasião a meu Senhor, como uma pessoa que está muito saudosa de outra, abrindo-me os braços e apertando-me com muito amor. Todo este tempo interiormente lhe pedia não quisesse que alguém me sentisse. Saí daquela fogueira divina, como quem sai dum forno ardente: isto tudo foi desde o jantar até que foram nova horas da noite, a qual não pude dormir, porque não se acabou o fogo Divino. Quem o pudera imprimir em todo o género humano.”......

                              

Este estado ígneo do seu chakra cardíaco e de todo o seu ser, pelo amor que sentia e dirigia ao mestre e a Deus, foi bem assinalado ainda quando afirmou então magistralmente: «sempre meu coração está uma brasa viva.... Dois anos há que trago uma brasa viva no coração...»
Dentro desta mesma
linha de grandes místicas portuguesas, uma  outra das nossas sorores do séc. XVII exclamava, "Ay amor, Ay amor", quando sentia mais intensificada a sua devoção divina, na Índia denominada bhakti yoga.


Em 1648, depois de um grande estado de amor unitivo, e já sabendo que em breve iria desencarnar, transmitiu ao seu confessor «que Deus nosso Senhor por sua infinita bondade era servido prometer a todas aquelas religiosas a salvação das suas almas, e que assim mandava as publicasse a todas juntas em comunidade»......
Soror Mariana
do Rosário, com a sua clarividência dos mistérios da vida e ascensão das almas no além, corajosamente e generosamente afirmada em tempos de Contra-Reforma, entrava assim na legenda pura e flamejante das destemidas místicas portuguesas capazes de arrastar no seu fogo muitas almas, dos purgatórios, para as cercanias luminosas e amorosas divinas.
                                                          
Finalizemos com um episódio
bem significativo da sua vida e vidência, a respeito das  festivas e tão apreciadas procissões e da subtil e íntima omnipresença divina. Conta-nos a Soror Mariana do Rosário (e que pena não haver a sua vera efígie e termos de tentar a comunhão cognitiva pelo coração), que estando em união com o Mestre Jesus, ao ver passar no adro da igreja do Convento de São Salvador uma procissão em dia de Corpo de Deus, reparou que o Senhor também participava, e exclamou então espantada:«"É possível que tenha eu a meu Senhor comigo, e que o veja ir ali tão perfeitamente!" as quais palavras foram nascidas da singeleza do seu ânimo e não de dúvida alguma que tivesse em os Mistérios daquele Santíssimo sacramento [acrescenta o seu biógrafo]. Mas o Senhor que em tudo queria satisfazer a sua serva respondeu: - "Mariana, nisso fecha os olhos e crê que muito mais pode fazer a minha omnipotência"».


Glosemos este caso com as descrições indianas dos amores e dança das Gopis com Sri Krishna, na Bhagavata Purana, e lembremos ainda um outro episódio de ubiquidade na vida das nossas sorores,  citado pelo historiador Lino de Assunção, acerca duma freira do convento de Semide que, durante um incêndio, foi vista em vários sítios simultaneamente, ajudando e guiando as sorores mais timoratas.
Sejamos então seres mais ar
dentes no amor à Divindade, ou ao Mestre, que sentirmos no nosso coração, e logo mais corajosos e persistentes na vivência do caminho da Verdade...

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