domingo, 13 de outubro de 2024

Da perenidade da Utopia: Antonin Rondelet, "A Minha Viagem aos país das Quimeras". Porto, 1876.

A filósofa Daria Platonova Dugina, mártir na  utopia da Verdade.

Em tempos de grande desinformação e manipulação, de alteração dos sentidos das palavras e dos conceitos,  de  nova ordem mundial e suas agendas semi-opressivas, mais do que nunca é necessário manter-nos lúcidos, informados, cultos, espirituais, solidários  interactivos, escatologicamente optimistas - tal como ensina Daria Dugina Platonova -,  para resistirmos aos opressivos projectos, à marginalização dos mais lúcidos e independentes e ao esvaziamento e perseguição dos conteúdos religiosos e espirituais pois ,sob as capas do aparentemente correcto, científico e eficaz, oculta-se um indiferentismo ético e moral que corta as pessoas das suas ligações verticais, seja às raízes do passado e suas tradições seja aos frutos do futuro  nesta vida, ou no além onde já estão muitos familiares e amigos, e no qual entraremos mais tarde ou mais cedo, mais ou menos plenamente.
Sendo muitas e insidiosas  as formas manipuladores que se exercem na educação, na publicidade, na política e nos meios de informação deveremos, para as discernir e suplantar,   procurar tanto ensinamentos de resistência ou de idealização valiosos do passado, como informações de criatividade e lutas alternativas fidedignas actuais.

Um dos nossos mais valiosos moreanos (bem acompanhado por Pina Martins e Mário Martins), Fernando de Mello Moser. A Fundação Calouste Gulbenkian publicou-lhe os valiosos Dilecta Britannia. Estudos de Cultura Inglesa.
Frontispício da 1º edição de 1516 da Utopia: a ilha e a sua capital Amaurot. A principal personagem é um português dos Descobrimentos, Rafael Hitlodeu. João de Barros na Terceira Década da Ásia: "Fábula moderna é a Utopia de Thomas More: mas nela quis ele doutrinar os ingleses como se haviam de governar".

 
  Um segmento da criatividade humana literária, ideológica, espiritual salvífica ou aperfeiçoante são e foram as utopias, algumas tornando-se célebres  e de leitura constante, tais como a República de Platão, a Utopia de Thomas More (1478-1535), já tão crítica da plutocracia ou oligarquia, e obra irmã do Elogio da Loucura do seu grande amigo Erasmo, que lha dedicou até;  o hermético Rabelais (1490-1553) e a sua abadia de Thelema, onde a única regra era " faz o que queres"; a Cidade do Sol do monge calabrês Tommaso Campanela (1568-1639), discípulo de Joaquim de Fiore e de Guillaume Postel; a Nova Atlântida do monge inglês Francis Bacon (1561-1626); e a Reipublicae Christianopolitanae Descriptio de Johannes Valentinus Andreae (1586-1654), o inventor dos Rosacruzes, de grande sabedoria e harmonia.
                                             
Poderemos ainda invocar o
padre Jean Meslier (1664-1729), um pioneiro defensor da necessidade duma revolução, e cujo Testamento, crítico do Cristianismo corrente ou pregado, foi por Voltaire aproveitado com grande sucesso;  Étienne-Gabriel Morelly (1717-1778), com La Basiliade ou le naufrage des îles fottantes, onde o comunismo e o nudismo se pioneirizam,  e o Code de la Nature; Saint-Simon (1760-1825), o conde comunista, autor Du Nouveau Christianisme, e originador da religião São-Simoniana, já propondo sete horas de trabalho no Verão e seis no Inverno; Charles Fourier (1772-1837), dotado de fabulosa imaginação criativa, com a  Théorie de l'Unité Universelle,  com os seus falanstérios cooperativos e regidos pelas leis da atração, e que valorizava muito as actividades educativas e culturais, fora dos quadros da exploração económica do capitalismo, e que tantos seguidores teve. Outros autores e obras haveria que, tendo o seu momento e época, com o decorrer do tempo foram sendo varridas do conhecimento público e já quase ninguém as relembra, lamentavelmente para eles e nós. De utopias vividas e sofridas, relatadas posteriormente, mencionemos apenas a demanda da Terra sem Mal, dos Tupi e Guarani, no Brasil.
                                     
Modernamente, as obras de George Orwel e Aldous Huxley destacam-se. Entre nós, Antero de Quental desejou uma Ordem dos Mateiros, e Fernando Pessoa, além de uma ressurgência templária, sonhou, pluridimensionalmente, um V Império, que não fosse o sinistro anglo-americano e sionista que tem despedaçado o planeta. Mas ouve outros pensadores utópicos, tal o idealista anarquista António Gonçalves Corrêa (1886-1967), inspirado ideológica e comunitariamente em Tolstoi, no Alentejo profundo.
                                                   
Fora da Europa, destaquemos na Índia, Gandhi, Vinoba e Lanza del Vasto, o fundador da Comunidade da Arca, em França, e que marcou presença em Portugal; Sri Aurobindo e a Mãe, com Auroville, a cidade do futuro inaugurada em 1968, com as suas comunidades e cooperativas, e onde  estive há umas décadas. Entre nós, dada à luz em 2005 (em dois formatos), a Utopia III de José V. de Pina Martins (1920-2010), é muito actual nas propostas concretas de melhoria civilizacional, para o que estava bem preparado pela sua longa convivência com os humanistas sábios (através da sua excelente biblioteca, e não só), académicos e investigadores, enquanto Presidente e vice-Presidente da Academia das Ciências,  director dos serviços de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian e antes leitor de Português em França e Itália.
Ora um utopista pouco conhecido  mas pensador valioso, tanto na economia como nas ciências sociais, formado em Filosofia (duas teses sobre conceitos aristotélicos) e Literatura  e que se distinguiu como pensador social, pedagogo, historiador, economista e professor de Filosofia em Rennes, Poitier, Marseille e  durante treze anos, catedrático na Universidade de Clermont, foi Antonin François Rondelet, nascido em Lyon a 28 de Fevereiro de 1823. Viajou bastante para observar as cooperativas (no fundo embriões de pequenas utopias) em França e Inglaterra, muito participou em debates, revistas  e com livros, manifestando sempre funda ética e humanidade,  são cristianismo e pia espiritualidade reformista.
 As sua obras principais são: Du spiritualisme en economie politique, 1860, Du découragement: réflexions sur le temps présent, 1868, Le danger de plaire, 1869, Les limites du suffrage universel, 1871, Réflexions de littérature et de philosophie, de morale et de religion, 1881, La Femme bien malheureuse, 1890.
 Ao desencarnar em 24 de Janeiro de 1893, com 70 anos de idade de valiosos trabalhos e abnegações, a sua sensibilidade empática humana foi enaltecida, por exemplo, por outro reformista social A. Delaire (conforme o cita Cristel Chaineaud),  por ele não ter desenvolvido uma visão economicista estreita e desumana, pois "quer tratasse da moral da riqueza ou da filosofia das ciência sociais, sempre o observador e cristão teve a preocupação de afirmar na economia política o papel do espiritualismo e da consciência, a noção de responsabilidade e dever." Destacou-se ainda no modo como acompanhou nos últimos tempos o notável engenheiro de minas, político e escritor reformista Fréderic Le Play, autor da Reforme Sociale e director da revista com o mesmo título.

Um elo valioso do pensamento utópico europeu, importante de ser retomado face à distopia infrahumanista da direcção da União Europeia...

Entre as suas obras encontramos então uma utopia valiosa e temo-la nas mãos: A Minha Viagem ao país das Chimeras, numa tradução do oficial do exército José Nicolau Raposo Botelho (Porto,1850-1914), publicada no Porto, em 1876, num in-8º de 285 páginas, um ano apenas após ter sido dada à luz em França, o que revela do tradutor certamente internacionalismo e grande amor pela obra ou as utopias, curiosamente sendo o avô maternal da ama, de mim e do meu irmão Francisco, Maria Alzira Raposo Botelho Coelho da Silva, a Cabé, no fundo quem mais ajudou a mãe a tratar do 7º e do 8º filhos:  Luz e Amor Divinos nela e seu avô!

A José Francisco Duque devemos em parte este artigo. Muita luz e amor nele.

O exemplar que consultamos conserva a dedicatória de José Francisco Duque à portuense Sociedade Alexandre Herculano, e contem três carimbos de instituições. A obra é muito bem pensada e o país utópico visitado apresenta vários aspectos de controle  manipulador ou mesmo opressivo, antecipando medidas tomadas modernamente. É obra recomendável para quem tiver mais tempo e se interessar pelo pensamento utópico, nomeadamente no que ele tem de crítico e de exemplar para os nossos dias, quando o Fórum Económico Mundial e a União Europeia tentam implementar uma nova Ordem, felizmente agora muito mais difícil graças à resiliente e sagrada Rússia e ao BRICS, a utopia maravilhosa actual...
Oiçamos alguns
extractos proféticos, pois algumas das medidas criticadas estão a ser de certo modo implementadas actualmente, do tão arguto psicologicamente Antonin Rondelet, de quem nos falta a imagem:
"- Tu com
preendes perfeitamente - disse-me o conde - quanto é importante para os cidadãos d'Egalicité destruir os princípios da moral, e sobretudo tirar-lhe todo o carácter e apoio religioso. Uma pessoa que adora Deus em espírito e em verdade, que se submete sem murmúrio à sua divina vontade, e que lhe agradece com efusão, tanto as provações, como os benefícios, é perigoso para uma república igualitária. A devoção e a fortuna são duas coisas que não lhe convêm. Pensa bem, meu caro amigo, na vantagem, na superioridade que provém ao ser humano do domínio de si mesmo, do desapego das coisas mundanas, da disposição sublime de antepor o interesse dos outros a si próprio. Diz-me, se houvesse liberdade de virtude e de devoção, que seriam os outros seres em vista do virtuoso? Como é que os outros cidadão haviam de resistir ao confronto? Assim a história da Quimérica, que tenho estudado - acrescentou modestamente  conde com um sorrisinho de satisfação - a história da Quimera ensina-nos que o primeiro esforço e a primeira vitória dos verdadeiros republicanos igualitários foram destruir e extirpar por todos os modos possíveis as práticas e as crenças religiosas, a fim de se livrarem da concorrência insuportável da virtude. Como queres tu, Francisco, que se considerem a par na consideração pública este homem de bem, completa e desinteressadamente dedicado ao serviço daqueles a que chama seus irmãos, e aquele ambicioso, que diligencia até explorar os seus semelhantes? Para obter alguma regularidade em um Estado, é absolutamente preciso suprimir esta cultura superior, visto que a sua própria natureza a faz entrar na ordem dos facto excepcionais. Vale bem mais baixar as almas até ao nível mais seguro, e sobretudo mais cómodo, do egoísmo e da indolência, e portanto afastar a religião, que provoca  e auxilia os heroísmos." p. 50.
"Todo o sistema repousa so
bre este princípio: isolar o individuo da família e forcá-lo a viver só, e sobretudo ter cautela em que o passado não legue nenhuma vantagem ao presente, nem nenhuma esperança ao futuro. Então cada indivíduo fica reduzido a uma unidade pura e simples. O ideal seria fazer com que cada cidadão não tivesse outro valor nem outra distinção, senão o número que lhe fosse atribuído." p. 57.
Traduzimos
em seguida alguns pensamentos valiosos das suas Reflexões de literatura, filosofia, moral e religião, Paris, 1881:
"Cada século teve seus autores favoritos que ele estimou e acolheu, em proporção não do mérito que tiveram, mas pelo prazer que lhe proporcionaram.
O sentimento do ridículo não é mais do que uma das formas exteriores do bom senso.
Não sabemos verdadeiramente nada, enquanto não somos capazes de reproduzir e explicar de viva voz o que cremos saber.
Não somos realmente poderosos em nenhuma ordem de ideias, a não ser que estejamos realmente apaixonados por ela.
[Ama o que fazes]
Seria necessário haver de ambas as partes numa conversa, mais vontade de  ouvir e entender o parceiro do que de responder e triunfar sobre ele.
Não ter fé no poder da palavra é não ter fé no poder da verdade.
[Fala a verdade, não te cales quando sentes que a palavra é luz . Se estás na verdade, se o que pensas é verdadeiro, então confia e partilha.]
A leitura apresenta a vantagem de se prestar com igual complacência ao relaxamento de uma mente muito tensa, assim como à reflexão concentrada de uma inteligência muito dispersa.
[Do valor amplo da Biblioterapia. Encontra neste blogue vários artigos consagrados a ela: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2020/04/dia-mundial-do-livro-de-2020-historias.html ]
A maioria dos grandes génios, tanto na literatura como noutros campos, praticaram essa arte suprema não apenas de criar beleza de primeira ordem, mas também de governar as almas com autoridade suficiente para dar, de certa forma, ímpeto ao entusiasmo e tom a elas.
[Vai-te auto-dominando a par das tuas criatividades]
Os espíritos medíocres podem vangloriar-se dos espectáculos externos, porque não lhes é dado conceber algo mais elevado, mas não deixa de ser verdade que as almas superiores e os espíritos de elite oferecem a quem sabe vê-los um espectáculo ao qual nada pode se comparar.
[Quão raros são os que conseguem admirar a interioridade dos grandes seres.]
A vulgarização, mesmo levada ao extremo, é uma satisfação para o orgulho dos que sabem, um alívio para os que esqueceram, uma necessidade para os que ignoram.
Na literatura, o trabalho fácil não é, no fundo, senão o trabalho sem valor.
[Esforcemo-nos, studium em latim e bem assinalado por Erasmo, é estudo, esforço, e até consagração à república das Letras.]
Em mais de uma ocasião, o que se chama tão maldosamente de falta de inspiração, não é outra coisa senão uma profunda ignorância da questão, ignorância causada pela preguiça de se informar ou pela incapacidade de tratar a questão.
[Trabalhemos, que a inspiração virá.]
A arte de escrever consiste precisamente em introduzir nas composições uma espécie de felicidade contínua.
[Bom apelo a um estado de maior conexão com a dimensão espiritual beatífica, criativizada.]
A leitura representa para um grande número de pessoas, incapazes de qualquer meditação original, o único recolhimento de suas vidas.»
[Logo, leia mais boas obras, para que a sua alma e o mundo melhorem...]

Acredita no poder da Divindade e do seu corpo místico, do Bem, do Amor, da Verdade e, lendo, escrevendo, falando e agindo, luta pelas Utopias libertadoras!

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