Erasmo num altar lisboeta... |
O questionar as narrativas oficiais sempre foi apanágio dos que estudavam, investigavam, discerniam e apreendiam mais a Verdade que os seus contemporâneos, que se deixavam enrolar pelas aparências e manipulações, ou mesmo pressões, dos que queriam determinar e fixar o que era verdadeiro ou não, seja na religião seja na ciência, saúde, política, historiografia longa ou do quotidiano.
Se no séc. XXI as duas narrativas mais impostas (com sanções, censuras e bloqueios) pela aliança de grupos de pressão (sobretudo indústrias farmacêuticas e dos armamentos, Fórum Económico Mundial e elite política financeira anglo-americana) e órgãos de comunicação são as dos vírus e vacinas, e as do relato, caracterização e apoio ao conflito entre a Ucrânia-USA-NATO-UE e a Rússia, há muitas outras que subsistem, algumas com séculos, pois a História humana não deve existir sem as narrativas oficiais e, discordando delas, as heterodoxas, alternativas ou contra-oficiais (hoje frequentemente denominadas pelas primeiras como conspiracionistas), pois só com diferentes compreensões dos factos ou diferentes olhares interpretativos e críticos, é que ela (história e suas almas historiadoras) pode ser digna de si mesma, isto é, livre e dialogante na demanda da verdade.
Um dos terrenos mais fértil em narrativas oficiais foi o religioso, em alguns séculos fecundíssimo, nomeadamente no Cristianismo primordial e na altura do Renascimento e da Reforma, quando diferentes religiosos se digladiaram na compreensão da dogmática antiga e moderna graças a uma consciência psíquica menos limitada e aos novos conhecimentos críticos dos textos sagrados e da evolução dos dogmas e costumes na Igreja. O embate foi tão grande, ainda que também justificado por razões políticas, nacionais e económicas, que aconteceu mesmo a Reforma Protestante, cindindo-se a Igreja Católica e as várias igrejas protestantes.
Erasmo numa gravura que José V. de Pina Martins, seu estudioso e amigo, me ofereceu. |
Um sofista, ou escolástico caturra, num desenho de Holbein para o Elogio da Loucura, |
Frontispício gráalico de uma edição de Aldo Manuzio dos Adágios. |
Para Erasmo nada disso era automático, pois dependia de cada pessoa a possibilidade de ela se elevar do mero fenómeno físico à comunhão na sua alma e coração com Jesus e a Divindade. Por isso foi acusado por alguns de negar a transubstanciação, acusação de que ele se defendeu sem contudo aderir ao termo e ao conceito plenamente.
Erasmo chamara à missa synaxis (e nisto foi criticado, segundo o slogan dos mais reacionários: Erasmo, amigo de novidades) uma palavra vindo do grego e que significava concentração, assembleia ou reunião, festa religiosa, união, e que foi utilizada por autores cristãos dos primeiros tempo para designar ora as reuniões de orações e acções de graças, ora aquelas em que se celebrava a eucaristia e que se vieram a tornar a missa.
Ao realçar tal palavra Erasmo valorizava o aspecto interior de concentração da alma piedosa ou devota em relação da Deus, e seria esse aspirar moral e interior de revestir-se de Cristo, de realizar a philosophia christi, a filosofia de Cristo, tal como ele designava o ensinamento de Jesus, que permitiria a comunhão com o Espírito.
O valor da Eucaristia era espiritual e consistia num morrer, tal como sucedera a Jesus, para o ego e seus defeito e paixões, e um renascer moral, ético, de piedade e de religação harmoniosa com os outros, com o mestre e a Divindade, e que se gerava através da conversão das potências da alma, e da aspiração e arrebatamento para o invisível, o espiritual, o eterno.
Havia uma consciência do corpo místico da Igreja forte em Erasmo nomeadamente na oração e na Missa, pois nela os laços de amor fraterno com os participantes e do amor devocional para com Deus eram intensificados. E era por isso que embora usando também o termo eucaristia preferiu várias vezes usar o de synaxis, já que através deste termo ela realçava a tradição grega que via na celebração religiosa uma conciliatio e communio entre os membros do corpo místico de Cristo, ou da Igreja.
Erasmo era algo crítico quanto a inovações que não lhe pareciam verdadeiramente conformes a tradição e assim considerava que era mais na adoração em silencio que nos podíamos avizinhar da Divindade do que por grandes cantos exteriorizantes, em vozes estridentes ou melificas, e musicas ou danças. E considerava mesmo a sucessão ritual da missa como sem grande importância, e valorizava mais cinco palavras ditas do coração e para edificação que dez mil superficiais.
Esta profundidade do sentido da missa de Erasmo continua a ser pouco seguida pelos responsáveis das celebrações religiosas que optam por condescender com a barulholatria que reina hoje em quase toda a parte, enquanto as pessoas ficam mais presas à exterioridade do rito do que à ressurreição de Cristo, do Logos, do Amor Sabedoria em nós, que esta a ser representada e evocada. E é pena pois perde-sem assim os momentos em que a a renovação dos fiéis podia ser intensificada numa religação ao mundo espiritual e divino.
Com efeito para os autores ou primeiros padres gregos, tal Gregório de Niza, e na linha deles, Erasmo, o que caracterizava a comunhão era a conciliação ou intensificação da amizade entre os participantes e a comunhão com a Divindade ou com o seu Logos, Cristo, Palavra de Amor Sabedoria e que gerava efeitos beatíficos, ou mesmo extáticos ou "instáticos" em alguns mais místicos, no fundo sentir mais o amor, alegria e fraternidade emanados da fonte Divina.
Estes ensinamentos se na
época se dirigiam especificamente para as reuniões de cristãos,
nada os interdita de serem estendidos a outros grupos ou assembleias de seres unidos na busca da verdade e do bem (e na resistência mais coesa ao mal das manipulações e opressões), podendo
por isso concluir-se que muitas reuniões de outras redes, associações, religiões e
espiritualidades lucrariam com os conceitos tradicionais gregos desenvolvidos por Erasmo, de
que as reuniões ou ritos dependem ou brilham pela intensificação de laços de
amizade entre os seus participantes e pelos laços de aspiração,
adoração e comunhão das bênçãos espirituais e divinas, quaisquer
que sejam as designações e localizações que sentimos ou lhes atribuímos, desde o Bem e a Verdade, ao Logos, aos mestres fundadores das religiões, à Divindade, ao Absoluto...
Possamos pois nós na esteira de Erasmo, a quem saudamos com muito amor, constantemente conciliar-nos fraternalmente e persistentemente comungar mais do espírito, do Logos Amor-Sabedoria, e da Divindade, no que merecermos...
Que a lucidez e a sabedoria, a independência e a coragem de Erasmo estejam connosco! |