segunda-feira, 10 de abril de 2023

Um dito e parábola de Jesus: Realizar interiormente e semear e frutificar generosa e despreendidamente.

 

Do notável pré-rafaelita John Millais: semeia, frutifica..

Disse Jesus: «Eis que o semeador saiu, encheu a sua palma [de sementes] e lançou. Caíram algumas no caminho e as aves vieram e picotaram-nas. Outros caíram entre as pedras e não criaram raiz na terra e não produziram espiga para o alto, para o céu. E outras caíram entre os espinhos, que abafaram a semente, e os vermes comeram-as. E outras caíram sobre terra excelente, e ela deu fruto para o alto, para o céu, excelente, e veio sessenta por medida e cento e vinte por medida.»

O mestre invoca a paisagem agrícola do seu país, em grande parte pedregosa e desértica, com algumas terras apenas mais receptivas e fecundas. E explica como a vida humana é também uma semeadura, uma lavoura: nascemos com um terreno de alma onde podem desabrochar qualidades que darão mais ou menos frutos excelentes, para nós e para o todo envolvente, e que conforme o que aprendemos, semeamos e nutrimos, e os ambientes e circunstâncias, assim se colhe e colheremos.

Podemos interpretar no sentido de quem ouve a educação ou o ensinamento moral, ética e espiritual e não liga, continuando no seu egoísmo, distraindo-se, dispersando-se, descuidando-se, esse acabará infértil. Outras pessoas dessensibilizaram e endureceram os seus corações e tornam-se más, apesar de saberem da importância do amor e da solidariedade. Outras ouvem os ensinamentos espirituais e morais, mas as lutas e canseiras da vida (os espinhos) dão-lhes pouco tempo para desenvolverem as sementes da abnegação, do amor e da religação ao espírito, ao mundo espiritual e à Divindade. 

Finalmente há os que, recebendo ensinamentos pedagógicos,  éticos, religiosos e espirituais, os põem em prática e dão frutos, nuns mais e noutros menos, mas o coração deles está vivo, sofre, aspira, ama e a alma floresce e frutifica. É portanto um dito de apelo ao trabalho psíquico de consciencialização e conversão, para tornarmos a terra da nossa alma mais viva e fértil.

Este ensinamento da parábola está bem presente em todas tradições pedagógicas e religiosas mundiais e os três evangelistas Marcos, Mateus e Lucas transcrevem-na:  por exemplo, em Marcos 4, 3-8, onde  se acrescenta a secura que o sol forte também provoca no diminuir do enraizamento e colheita, e em Lucas, 8, 5-8, onde se refere as semeadas no caminho serem pisadas pelas pessoas e comidas pelas aves.  Já Mateus, indiciando talvez ser uma narrativa posterior, não narra e apenas pressupõe a parábola  e é dada a chave da sua interpretação: a semente é a palavra, e os insucessos da frutificação nas semeadas no caminho derivam da má compreensão, da acção do diabo; as nos terrenos pedregosos, dos que não conseguem deixar crescer as raízes por sofrimentos e perseguições; e as nos espinhos são as infertilidades ou infidelidades derivadas dos envolvimentos nas preocupações e prazeres do mundo.

A versão copta de Tomé destaca-se pela simplicidade de não apresentar expressamente uma hermenêutica e pela originalidade da imagem do encher a mão, dando um sinal de sensibilidade e vivência pessoal: - a semeadura é com a mão toda, ou com toda a alma, e essa palma aberta e franca gera a palma da glória, a qual significa luz, donde o corpo glorioso, que deveremos ir formando pelos nossos labores: ad astra, per aspera, às estrelas pelas asperezas.

De facto a parábola e metáfora é simples mas pode ser aprofundada certamente na interpretação dos símbolos componentes e assim quanto aos espinhos, um hermeneuta medieval de tomo, o franciscano Frei Álvaro Pais (1280-1350, bispo de Silves, no seu Espelho de Reis, obra que influenciou a educação na corte portuguesa, interpreta-os como os cuidados prejudiciais às coisas divinas, e sem dúvida, embora talvez se possa descoisificar e diminuir o plural das "coisas divinas" (tal ritos, preceitos, etc.) e antes acentuar mais a unidade da religação espiritual e divina, o peixe grande ou pérola que devemos valorizar mais que tudo.

A partir desta demanda de unificação e vivência do amor, do espírito e da Unidade, age pois bem, harmoniosamente, sem pensares sequer em resultados, pois eles virão por si próprios, naturalmente mais ou menos visivelmente, pois tudo esta entrelaçado no grande Campo de informação, consciência e energia, a Anima mundi antiga. 

As sementes que frutificam muito significam então tanto o desabrochar mais constante da consciência espiritual, como também a frutificação em serviço, o que geramos de causalidade não-egoísta no mundo, ou em afinidades e sincronicidades. Para o que veio Jesus à Terra, senão para ajudar ao desprendimento, ao amor e à realização espiritual  divina das pessoas, pares, famílias, grupos, povos?

A terra é fundacionalmente local e sinal de trabalho, esforço, humildade. E assim pelos nossos actos, sentimentos e pensamentos vamos gerando o amadurecimento e frutificação do nosso coração interior e puro, aquele estado consciencial e até psico-somático onde se opera ou nutre o desabrochamento do Amor e do Espírito.

O que pedia Jesus aos discípulos mais próximos? Vinde viver comigo, ou ouvi-me com regularidade, e aprendei a despertar a vossa energia-consciência espiritual e testemunhai a graça divina no amar, trabalhar, ensinar, orar.

E perguntaria: - O que conseguis fazer pelos outros, face às suas necessidades ou apelos, que saís do vosso egoísmo e descanso?  

Auto-conhecer-se espiritualmente, ligar-se divinamente e logo empatizar, amar,  compartilhar, apoiar, é a mensagem simples e evidente deste dito, parábola e metáfora de Jesus que nos chegou nas diversas formulações ou narrativas oficializadas por S. Jerónimo e ainda na de S. Tomé, na língua copta do Egipto, forte terra mãe da humanidade mediterrânica e dos seus deuses e religiões...

Jesus, com Morya, desenhando na terra seca ou deserto: pelos pés e mãos o ser abre caminho para o Templo divino... Pintura de Nicholas Roerich.

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