terça-feira, 18 de abril de 2023

Sant'Anna Dionísio: "A Sinceridade Política de Antero", de 1949. No dia dos 181 anos de Antero, mestre para os nossos tempos.

Na sua valiosa e pouco relembrada obra A Sinceridade Política de Antero, num in-8º de 80 páginas, dado à luz no Porto em 1949, Sant'Anna Dionísio, o notável discípulo de Leonardo Coimbra e professor liceal durante muitos anos, e que publicou três livros sobre o poeta-filósofo, e com quem convivi bastante, vem defender a sinceridade ético-política de Antero de Quental que fora posta em causa por Piteira Santos e Manuel Mendes, numa polémica forte, pois  «descobriram recentemente que Antero de Quental, afinal, não foi o grande espírito que estamos habituados a admirar, sincero, transparente, inteiriço, mas uma espécie de bom reitor (para não dizer uma espécie de actor de grande estilo in rebus ideologicis [em assuntos ideológicos) que na intimidade sorria com bastante sem-cerimónia das grandes cenas que por vezes representava com impressionante ênfase. Segundo essas solícitas almas, Antero era isto; perante o público, traçava a toga das grandes dobras e recortava, com gestos solenes as mais belas frases; inter amicos, fazia chacota da sua própria solenidade e advertia os íntimos de que não tomassem a sério as suas atitudes forenses.
Como exemplo flagrante invoca-se a carta dirigida pelo Pensador-poeta a Faria e Maia depois da sua epístola aos eleitores do partido socialista no círculo de Alcântara.
Como se um homem, mesmo quando da grandeza de Antero, não possa ter também as suas horas de fadiga, de desesperança e até de ironia!
 No presente opúsculo tentaremos demonstrar que, na verdade, em Antero, a mais que legítima fadiga e amargura que tantas vezes ficou a boiar no seu íntimo no final de alguns acontecimentos por ele mesmo catalizados (como foi a chamada questão de Coimbra ou a labareda fugaz da Liga Patriótica do Norte) explicam-se perfeitamente pelo desencanto que a malícia e a mediocridade dos seus companheiros de acaso tantas vezes nele suscitaram».

Em cinco capítulos Sant'Anna Dionísio defende o que para os outros era uma causa perdida: no primeiro, Onde está a insinceridade, mostra a sinceridade de Antero, seja na Rolinada, contra a decisão do ministro Rolim de Moura de não conceder certas dispensas aos estudantes, e que fora a causa de uma greve  e  emigração épica  de 800 estudantes da Academia de Coimbra para o Porto, liderada por ele e Vieira de Castro,  seja na sua estadia curta e dura mas por duas vezes como tipógrafo em Paris, seja ainda na sua adesão sacrificial ao pedido dos estudantes do Porto para a liderar a Liga Patriótica no Norte, contra o imperialismo inglês do Ultimatum, a uns meses de morrer e que, ao não ser apoiada pelos partidos políticos, foi um factores da sua desincarnação precoce.
No segundo capítulo Como e porque se pretende pôr em dúvida a seriedade política de Antero, questiona se, mais do que o amor da verdade nesses dois críticos há,  é «uma intenção política de se eliminar uma força que, apesar de distante, é ainda uma força viva, e que incomoda pela orientação proudoneana e «idealista». E prova como houve uma luta contra o socialismo de Antero, Fontana e Azedo Gneco «pela corrente republicana e positivista dirigida por Teófilo Braga», o seu "infatigável detractor" e que fez tudo para que a figura de Antero não se impusesse na história, nomeadamente com ataques traiçoeiros e a publicação após a sua morte das suas poesias com critérios discutíveis e considerações negativas, no livro Raios de Extincta Luz, algo que seria impossível nos nossos dias com os direitos de autor na posse da família de Antero.
No terceiro capítulo A candidatura de Antero nas eleições de 1879 e 1880, mostra-nos  que Antero fora convidado a candidato a deputado por um partido de operários em 1871, o que recusou, e que trabalhou em 1873 em «constituir grupos autónomos com uma programa comum, independente de todos os partidos políticos». E que  em 1875, quando o Partido Socialista foi fundado, colaborou na elaboração do programa, mas só se filiando em 1877,   e veio  recusar em  1878 a candidatura proposta por um partido republicano, no qual concorreu porém seu amigo, mais ambicioso, Oliveira Martins embora só tenha sido presenteado  com 37 votos.
Ora é em 2 de Agosto de 1879 que Antero escreve do Porto a Faria e Maia a tal carta cujo teor e fim tanto escandalizou os dois socialistas da revista Seara Nova Piteira Santos e Manuel Mendes, e outros, a qual é antecedida por esta contextualização, em geral postergada ou olvidada pelos críticos de Antero: «Isto por aqui parece-me cada vez mais podre. Entre os progressistas alguns há de boas intenções: mas tenho observado na história que quase sempre são precisamente os homens de boas intenções que fazem as maiores asneiras. Tal é a natureza humana e a das humanas sociedades. Entretanto, não quero ser pessimista, e por isso exclamo, ainda que com tíbia convicção: Deus proteja os progressistas.  
Se, por acaso, vires nos jornais, que sou candidato Socialista por Lisboa, não tomes isso a sério. São coisas que podem acontecer a qualquer, independentemente da própria vontade e determinação, exactamente como apanhar chuva ou ouvir um discurso maçador». 
Ora esta última frase que para pessoas medianas na sua materialidade e sem experiência de estados mais expandidos e elevados de consciência e sobretudo de visão filosófica de sentir e encarar o mundo como Antero tinha, e que podemos religar até com a sua afirmação de não sentir saudades de nada, apenas mostra o seu desprendimento, o seu fluir natural nos eventos e intervenções, sem estar petrificado, encaixado ou formatado em posições, doutrinas, disciplinas, oportunismo e carreirismos políticos, que sabemos terem corroído demasiado a via socialista em Portugal sobretudo com o passar dos anos do post 25 de Abril  
Ora precisamente cinquenta dias depois, a 28 de Setembro, Antero escreve uma carta pública à Comissão Eleitoral do Partido Socialista «Aceitando a candidatura, que novamente me oferece a Comissão do Partido Socialista no círculo 98, folgo poder dar uma vez mais aos socialistas portugueses um testemunho da minha inalterável adesão à causa socialista», Não de deve ver pois contradição entre a carta pública na qual Antero diz em 1880 a sua adesão a uma via socializante,  com o que dissera na carta de desprendida naturalidade com que serviria a ideia ou causa socialista sendo candidato a deputado, tal como chove ou faz sol e na qual parece mesmo um digambara, ou asceta do Jainismo indiano, a falar, podendo realçar-se ainda a sua disponibilidade, a sua abertura generosa e desprendida ao que  lhe  pediram para engrossar e valorizar a lista de candidatos.
Que não houve por parte de Antero  menosprezo pela causa do socialismo vemos em várias das suas cartas, e citaremos apenas a de 29 de Junho de 1889, em que Francisco Chaves e Melo lhe pedira um autógrafo para um seu amigo socialista alemão  Josef Zervas: «... Gostosamente acedo ao desejo do seu amigo Zervas, desejo que é por certo extremamente lisonjeiro para mim. A qualificação de socialista que dá ao seu amigo ainda o torna mais estimável aos meus olhos, pois isso bastaria para estabelecer entre nós uma espécie de relação fraternal.»
  E concluiremos este breve contributo para os poucos anterianos que lerão este texto, e os mais que raros que sinalizarão qualquer apreciação ou discordância, com um extracto do excelente posfácio de Sant'Anna Dionísio, com quem convivi bastante na década de 80 e que ressuscito um pouco dado o valor do seu conhecimento e  a  sinceridade, ética exigente na demanda filosófica e de liberdade, além do estilo castiço e  sibilina doçura no diálogo interrogativo e maiêutico.
Oiçamos então alguns dos ensinamentos sempre actuais de Antero de Quental e de Sant'Anna Dionísio, face ao pragmatismo unilateral, ao carreirismo partidário e à falta de cultura e de humanismo de tantos políticos e consequentemente dos cidadãos, tão influenciados pela demagogia e a manipulação mediática, hoje em dia mil vezes maior que outrora:
De Sant'Anna Dionísio, no posfácio da obra:«Na verdade, Antero queria a Justiça - mas acima, se não pudesse ser ao lado da Justiça, punha ele a Liberdade - aquela liberdade ontológica e sincera que todos os democratas verídicos solicitam e desejam para ficar e não para suprimir sob qualquer pretexto falacioso ou circunstancial. A inspiração profundamente ética e proudhoneana do seu pensamento afastava-o radicalmente das soluções puramente economistas. Quer dizer; Antero, se hoje fosse vivo, abominaria o totalitarismo sob qualquer forma que ele se lhe apresentasse, no ar que respirasse ou ainda em indecisa nuvem na linha do horizonte. Tanto assim, que nos legou certas afirmações que não esquecem mais - embora o Sr. M [anuel] M[endes], na sua embófia de político empírico, sabidíssimo, citadinamente ria.» 
Por exemplo, estas por ele citadas em parte no seu Testamento filosófico de Antero de Quental, de 1949, tão valorizadoras da revolução interior, ética e consciencial e que Antero nos transmitiria, por exemplo, numa carta de 1874 a João Lobo de Moura: «A grande revolução só pode ser uma revolução moral e essa não faz de um dia para o outro...»
 O crescimento da flor no lótus da alma universalizada, espiritualizada...
Ou num artigo escrito para o Grémio Alentejano, na Primavera de 1862, quando ele tinha apenas  20 anos, estudante em Coimbra, já então irradiava plenamente a sua genialidade, e valorização da seriedade política e da liberdade muito: «A liberdade é a primeira condição para que alcancem as sociedades o fim para que as destina a Providência. É a condição essencial, porque o fim é a realização do bem, e só pode ser bem para um indivíduo o que ele tiver como tal, e livremente escolher e aceitar.
Quem, em nome do bem social, tenta defraudar um povo do sagrado direito (o direito da liberdade) é hipócrita que com as palavras de vida propina o veneno e a morte a quem dá crédito a suas palavras mentirosas. Essas palavras adoçicadas, são piores que a ameaça, porque sob a refalsada doçura escondem a traição» 
Ainda da sua fortíssima valorização da Verdade, da Liberdade e do Bem em termos até tão actuais face à ditadura ou tirania da oligarquia mundial e a sua nova ordem que controla a maior parte dos políticos euro-atlânticos, fala-nos neste passo escrito em 1868 para o seu opúsculo Portugal perante a Revolução de Espanha. Considerações sobre o futuro da Política Portuguesa no ponto de vista da democracia ibérica: «Que importa que o poder saia dos eio da nação, se é sempre poder? E a tirania, porque somos nós que a criamos, deixa de pesar menos por isso, de ferir, de rebaixar a nossa dignidade de homens livres? Não é na substituição da ditadura de Sila à de Mário, da de Napoleão à de Robespierre, da de Espartero à de Isabel II, que está o segredo das revoluções, mas na extinção total da ditadura, fosse ela de um santo, da tirania, fosse ela a de um deus. Ora a tirania e ditadura é a unidade política, a centralização dos poderes; tirania e ditadura da pior espécie, porque são sistemáticas, legais, organizadas, destruindo a ordem natural com o pretexto da ordem política, esmagando toda a iniciativa, toda a individualidade, toda a nobreza, e reduzindo uma nação ao estado de rebanho paciente e uniforme a que, por única consolação, se deixasse o direito de eleger o pastor , e o cão  que o faz entrar na forma. Será isto um ideal humano?»
Que quadro melhor que este para descrever a  situação em Portugal  e sobretudo em alguns países da União Europeia, tla repressão policial violentíssima de Macron em França, ou a que se faz na Alemanha, Holanda e  Bruxelas?
Que melhor frase que a seguinte de Antero de Quental para caracterizar muitas das instituições políticas ou censuras mediáticas e das redes sociais:  "ferir, e rebaixar a nossa dignidade de homens livres?"
 
Meditemos e resistamos, impulsionados até com estas palavras cheias de verdade e que ainda não estavam transcritas para a Web. Um presente de Antero de Quental no seu 181º aniversário. Muita luz e amor nele, e forças em nós!!!

2 comentários:

Anónimo disse...

Certamente, uma justa correspondência de Amigo para Amigo.

Abraço do Coração,
Senhor Pedro Teixeira da Mota.

Com os meus cumprimentos,
Maria Brito de Azevedo

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças muitas, Senhora Maria Brito de Azevedo.
Votos de luminosas inspirações anterianas. Abraço fraterno.