Ramanuja, Aum Sri Gurabe Namah
Sri Ramanuja (1017-1137) foi um dos mestres da espiritualidade indiana mais importantes nascido nos tempos medievais pois abordou, a partir dos textos tradicionais, mas com originalidade e profundidade os mistérios da ligação ao espírito e à Divindade. E estando a trabalhar nele para o divulgar hoje, dei-me conta, ao procurar a sua data de nascimento, que era exactamente hoje 25 de Abril o seu dia de anos, jayanti, conforme o calendário lunar de 2023.
Vivendo no Sul da Índia, religioso em Kanchipuran, na linha Vaishnava, isto é, seguindo um linha devocional (bhakti) e com adoração especial a Vishnu Narayana, era também um filósofo Vedanta, mas não tanto só Advaita, pois foi o fundador duma das quatro escolas, a que vê diferenças entre Atman e Brahman, espírito individual e a Divindade.
Comentou, em Bhashya, as obras principais da espiritualidade indiana, nomeadamente os Vedas, os Brahma Sutras, as Upanishads, a Bhagavad Gita, tal como compete a qualquer novo acharya ou professor mestre dum novo ensinamento.
Perante a linha dominante do Advaita Vedanta, ainda hoje muito seguida, só há um Espírito, uma Divindade, uma Consciência, sendo os diversos seres apenas manifestações transitórias ou temporais dessa Consciência, Brahman, que perpassa por elas, de tal modo que a iluminação ou libertação está em reconhecermos que não existimos, que a ideia de eu (ahamtva) é uma fantasia de ignorantes, um egoísmo primário, uma ilusão, tal como a ideia de que há espíritos individuais imortais, e que devemos é reconhecer esse Um Espírito Consciência omnipresente, omnipenetrante.
Sri Ramanuja vai então afirmar que embora a Divindade seja essa entidade única de consciência ela é também um ser individual e que acolhe em si os seres individuais, que são eus conscientes ou conhecedores de si mesmo, do mundo e da Divindade suprema, Parabrahman.
No Vedartha-Sangraha, no qual expõe sua cosmovisão baseando-se ou interpretando as Upanishads, escreve no s. 99: «Os eus individuais (atman) são essencialmente de natureza de puro conhecimento, sem restrições e limitações. Eles cobrem-se de ignorância ou nesciência sob a forma de karma. A consequência é que a abrangência do seu conhecimento é cortada de acordo com o karma. E assim revestem-se de formas desde as divinas até às das espécies mais baixas. O conhecimento é então limitado pelas especificidades corporais, e de acordo com elas ficam sujeitos a prazeres e dores, que na sua essência constituem o samsara, o rio da existência transmigratória. Para tais individualizações, tão perdidas no samsara, não há outro meio de emancipação, do que se entregarem à suprema Divindade (...) A natureza essencial do eu individual é tal que ele é [ou deveria ser] completamente servidor e instrumento de Deus e portanto Deus é o seu eu interior (...). Esta entrega é trabalhada ou fortificada pela devoção amorosa à Divindade...
Chamar-se-à visistadvaita ao seu sistema ou cosmovisão, pois há a unidade não dual divina, advaita, mas que inclui as diferenças em si, visista. Face às três visões de relacionamento do mundo, eu e Deus vistas pelos rishis védicos e expostas nas Upanishads, a 1ª como havendo diferença de natureza entre eles, 2ª Brahman é o eu interior de todas as entidades, da terra ao ser humano, e que constituem o seu corpo, 3ª unidade de Brahman com o mundo tanto no aspecto causal como factual, Ramanuja afirmará, no Vedartha Sangraha s 117: «Nós sustentamos a Unidade porque só Deus existe sendo todas as outras entidades seus modos. Nós sustentamos ou afirmamos ambos, a Unidade e a Pluralidade, já que o Brahman um tem todas as entidades físicas e espirituais como seus modos e portanto existe qualificado pela pluralidade. E defendemos ou afirmamos a pluralidade já que as três entidades - os eu individuais, o mundo e a Divindade suprema - são mutuamente distintas na sua natureza substantiva e atributos e não há transposição mútua das suas características.»
Este comentário às Upanishads, o Vedartha Sangraha tem muitas passagens valiosas. Uma delas, por exemplo, é aquela em que explica que o éter ou akasa interno, referido na Chandogya VIII, i, 3 como o éter contido no lótus do coração, é infinito como o do exterior e é a própria Divindade. Algumas vezes Ramanuja recorre a outros textos, tal no Mahabharata, Moksa CLXXIX,4: em que Brahma diz a Rudra: «O teu eu interior, o meu eu interior, e o eu interior de todos os seres em corpos é o senhor supremo Narayana».
Também no seu comentário à Bhagavad Gita encontramos detalhadas compreensões destes mistérios primordiais. Oiçamo-lo quanto à Divindade, Brahman:
A suprema Pessoa ou Individualidade (parama Purusa) cujo jogo (lila) é a criação, preservação e dissolução de todo o Universo, e cuja natureza essencial está livre de qualquer traço de imperfeição e que é auspiciosa, e que é o imenso Oceano de todas as qualidades auspiciosas começando com o ilimitado e pre-eminente conhecimento (jnana balaisvarya), força (virya sakti), glória, energia, poder e brilho, que são naturais em si, é chamada a suprema Divindade (Parabrahma)» Gītābhāṣya 18, 73.
Ou ainda:« O atman é emitido ou manifestado por Brahman, é regido por Ele, constitui o Seu corpo, serve-O, habita Nele, é mantido por Ele, e [por fim] Ele retira-se dele.» Śrībhāṣya, 2.3. 42
Quanto ao caminho da realização, como era um Vaishnava, um devocional e não tanto um yogi da linha do Raja Yoga de Patanjali, ele vai desvalorizar as capacidades de percepção extra-sensorial do yogi, da meditação e do samadhi, para valorizar a meditação (dhyana ou upasana) apenas como um relembrar (smriti) firme de um texto ou frase sagrada, que gera pela imaginação um tipo de visão semelhante ao da percepção directa, mas que só ganha a capacidade de conhecer atman ou Brahamn quando alcançar o estado de amor ou devoção, bhakti prema.
Mas este estado de amor e do mais elevado conhecimento vem ou acontece por graça e por isso cita no Vedartha-Sangraha, a famosa frase da Katha Upanishad, 2. 23: «Este Atman não pode ser ganho pelo estudo dos Vedas, nem pelo pensamento, nem por muito ouvir; só aquele que Este Um escolhe, por ele, Ele é obtido; a ele este Atman revela a sua própria forma.»
Realçará muita a meditação devocional amorosa pelo Atman, já que pela sua indiferença ao mundo e o forte amor concentrado para com a Divindade que gera, a pessoa consegue ser escolhida ou recipiente da Graça Divina.
A meditação ou a visão yoguica não leva, para Ramanuja, à auto-realização, ou à realização de Brahman, mas apenas serve para gerar a devoção ou amor à Divindade.
E assim o caminho religioso ou espiritual para Sri Ramanuja consiste em estudar os textos sagrados para obter um conhecimento correcto, em desenvolver as virtudes da equanimidade e generosidade, em realizar as acções desinteressadamente e como adoração a Deus, o que gera desprendimento e calma e, finalmente, a meditação ou visão do atman interno individual (atman darshana) que gera gratidão e devoção à Divindade, a qual deve ser aprofundada ainda pela consideração ou meditação dos Seus atributos, levando a que Ela se manifeste ou desvende mais, nomeadamente como a regente interna (antaryamin), a voz da Consciência de Antero de Quental, o reino dos Céus que está dentro de nós.
Saudemos e invoquemos as bênçãos de Sri Ramanuja e que a nossa devoção ou amor à Divindade aumente.
Bibliografia utilizada, da tradição tão valiosa deste mestre e que foi abordada brevemente mas que esperamos aprofundar ainda: Sri RAMANUJACARYA. Vedartha-Sangraha. English translation by S. S Raghavachar, with foreword by Swami Adidevananda. Mysore, Sri Ramakrshna Ashrama, 1978.
LESTER, Dr. Robert C. Ramanuja on Yoga. Madras, Adyar Library and Research Center, 1976.
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