Este texto foi escrito após a saída do corpo físico da Dalila Pereira da Costa, já só em corpo espiritual rumo aos mundos mais luminosos que sempre sentiu e intuiu, demandou e amou. Não fora ainda publicado, pois pensava completá-lo, o que faço hoje, 2.III.2022, levemente ampliado, quando se comemoram exactamente dez anos da sua entrada nos maravilhosos mundos subtis e espirituais, onde ela merecidamente estará certamente muito bem. No seu 105º aniversário, a 4-III-23, foi de novo relido e melhorado...
Dalila Pereira da Costa, uma das últimas grandes vates portuguesas, partiu...
Dalila Pereira da Costa, notável escritora, poetisa, ensaísta, jardineira, celtista, católica, mística e gnóstica, acaba de deixar a Terra e a sua bela casa ajardinada na Av. 5 de Outubro, no Porto, palco de tantas conversas, lanches, visitas ao jardim e à sua estufa e plantas, e algumas meditações...
As suas múltiplas obras espirituais, a sua clariaudiência nocturna, a sua bondade, o seu acrisolado amor a Maria mãe de Jesus, aos Anjos e Arcanjos e a Portugal, à Sabedoria perene e a uma melhor união entre o Ocidente e o Oriente, certamente perpetuar-se-ão em alguns dos seus leitores e amigos...
Nascida a 4 de Março de 1918 no Porto, de ramos de família com raízes durienses e irlandeses, licenciou-se em Letras na Universidade de Coimbra em 1944, onde recebeu o magistério de Joaquim de Carvalho, Damião de Peres e Torquato de Sousa Soares (este tendo-o eu ainda visitado em sua casa a conselho de Dalila), e manteve uma ligação forte com os ideais e os homens da Renascença Portuguesa, fundada no dealbar da República por Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes e Jaime Cortesão, grandes almas que cultivaram não só os bens e valores portugueses pelo amor, a saudade, a arte, a ciência, o tradicionalismo e patriotismo, como genialmente se lançaram em voos de criatividade literária e investigação filosófica e mesmo espiritual, em especial Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes e Jaime Cortesão. Discípulos destes, e muito amigos de Dalila, foram alguns valiosos pensadores, e destacarei dois com quem convivi mais amistosamente ao longo de alguns anos: Sant'Anna Dionísio (1902-1991) e Agostinho da Silva (1906-1994).
Sant'Anna Dionísio, Dalila Pereira da Costa e Pedro Teixeira da Mota. Capela de Rio Mau. |
A valorização da mitologia, da poesia, da filosofia e da mística como vias de salvação ou de iniciação foi uma das suas ideias forças vectorizantes da sua vida e obra, e num dos seus bons livros sobre a Tradição Espiritual Portuguesa, A Nau e o Graal, e pioneiro pois de 1978, defende o conhecimento como acto total de um ser total: «Em alma, corpo e espírito. Onde a realidade será conhecida partilhadamente pelo pensamento e sentimento. Onde o coração é o órgão eminente do conhecimento. Em participação com a Realidade». Vivermos mais conscientes do coração espiritual e da sua irradiação de Amor, diremos nós hoje, no seu aniversário de 2023, relendo-a, invocando-a...
Na realidade podemos dizer acertadamente que Dalila Pereira da Costa era um ser que levava consigo intima, discreta e como que curvadamente o coração feito graal, ou caminho para o Graal, pela sensibilidade e capacidade de empatia e de sintonização subtil grandes.
Estudiosa, atenta e sensível aos símbolos e forças manifestados na saga dos Descobrimentos, destacou a Cruz de Cristo, o Escudo real, a Esfera armilar e o Graal como símbolos vivos e criadores agindo sobre os seres "com a força de verdadeiros mandalas. Ideogramas do homem e do cosmos, sem cessar em todos os instantes e ubiquamente, durante sua obra no mundo - mostrando-lhe e repetindo-lhe o modelo do Todo organizado, para essa sua obra: como integração última".
Para esta aspiração e crença no regresso à Divindade, à Pátria-Mátria original, ao Paraíso, a mundo espiritual primevo, contribuía a sua forte capacidade de recuperar memória subtil, que lhe permitia recolher imagens contidas ou ressoantes como memórias nos locais que visitava ou mais amava (tal o seu Porto) ou mesmo recuar ao mundo espiritual antes da queda no corpo físico de origem animal, ou mesmo ainda como ela acreditava, a vidas passadas.
Uma visão da maior parte dos livros da Dalila por ordem cronológica |
Algumas dessas obras, como dissemos, são incursões no mundo imaginal, em que Dalila inspirada por captações em modos subtis de imagens, palavras, diálogos, partilha tal em forma poética, sendo por isso de difícil hermenêutica, de leitura compreendida na sua pluridimensionalidade, já que convergiam memória fundíssima, sonhos, desejos, imaginação, receios e visões. Levam títulos como Jardim de Alvorada (1981), A Cidade e o Rio (1982), Hora de Prima (1983), Mensagem do Anjo da Guarda (1993), Portugal Renascido (2000).
De conteúdo mais íntimo, vivencial e espiritual, em que tenta compreender os seus quatro grandes momentos visionários e extáticos são A Força do Mundo, de 1972, que publicara aliás antes em 1970 em francês sob o título L' Experience de l'Extase na revista Esprit, e os Instantes nas estações da Vida, de 1999, momentos que ela em geral, muito discreta, não falava interessando-se mais sobre os nossos trabalhos e realizações, e partilhando as suas angustias pela destruição da terra e alma portuguesa.
Fotografia na sua biblioteca, na
sala térrea, onde se encontravam os seus dois ou três mil livros e em geral recebia
as pessoas amigas, adornada com bastantes fotografias dos seus mestres e amigos, objectos oferecidos e, às vezes, com o seu cãozito a saltitar
esfuziantemente, numa imagem bela e significativa, durante um diálogo entrevista com Sandra Pinheiro, realizado em 21-VII-2009, três anos antes de ela nos deixar fisicamente, mas não subtilmente pois está connosco na comunhão do corpo místico da Humanidade, uma realidade da qual deveríamos estar mais cientes e, logo, espiritualmente mais alargadamente conscientes.
Que o Graal divino arda poderosamente na sua alma e os mestres e Anjos estejam com ela, e que como sibila de Portugal, da Natureza como manifestação
divina e da espiritualidade unitiva, possa ela inspirar ainda muitos
seres. Muita luz e amor na Dalila e, através dela e suas obras, em nós e no mundo...
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