sexta-feira, 27 de junho de 2025

O prefácio de Einstein ao livro "O Homem e os seus Deuses", de Homer W. Smith, de 1953. Previsões: o enfraquecimento das religiões e o perigo do nacionalismo

                                                          

 Homer William Smith (1895-1962) foi um biólogo, especialista nos rins e que se dedicou também à história da evolução da humanidade e das suas ideias e crenças, tendo publicado obras com sucesso tanto do foro fisiológico como de racionalismo histórico. Era um agnóstico e defendia apenas a evolução das espécies  e das  crenças. Em 1952 publicou a sua obra mais importante Man and His Gods, com um prefácio de Albert Einstein o qual pelo seu valor resolvi traduzir e comentar. 

 O livro é grande, um in-4º de 501 páginas, e Einstein diz que o leu cuidadosamente, dividido nove capítulos, que resumimos sumarissimamente,  tendo durante anos o norte-americano Homer W. Smith  estudado as religiões, realçando relações e  aspectos pouco realizados por muitos. No I capitulo, Talismã, descreve a evolução da humanidade e a civilização egípcia. No II, a Grande Mãe, os cultos femininos no Médio Oriente e Mediterrâneo. No III, O Céu é o meu trono e a terra o meu escabelo,  fala de alguns dos povos semitas, e em especial dos hebreus e sua religião. No IV O Deus ressuscitado e o Espírito sagaz, aborda os cultos e iniciações  dos mistérios orientais e greco-romanos. No V, Vinho Novo e odres velhos, o cristianismo e sua evolução e heresias. No VI, A elevação e a queda do Império de sua Majestade Satânica,  examina as fontes judaicas onde surge Satan como uma personificação da origem do Mal, e detém-se nas  concepções de S. Agostinho e de outros, incluindo o inferno, a inquisição, as bruxas e a sua repressão. No VII, O Problema das espécies descreve a evolução das ideias na Igreja  e os avanços das ciências em luta contra ela, detendo-se em Bacon, Ockan, Galileu, De Maillet e Erasmus Darwin. No VIII, A Luz será lançada ao Homem,  valoriza a saga do racionalismo e do evolucionismo e em especial em Charles Darwin e Spencer, mas também no historiadores do Cristianismo e em Julian Huxley. No IX Para qualquer Abismo, avança para  os pensadores e filósofos mais importantes, Loke, Kant, Hume, Huxley e a sua actualidade. Após um breve epílogo, o capítulo inumerado final intitula-se a História deste livro, onde se auto-biografa detalhadamente, bem como aos seus pais, descreve os seus livros anteriores,  o The End of Illusion como de um agnóstico e negador do livre arbítrio, e nomeia as fontes donde retirou muita da informação religiosa e mitológica, curiosamente citando alguns autores que entre nós Fernando Pessoa, sete anos mais velho que ele,  também apreciou: John Robertson, o discípulo de Charles Bradaugh, Reverend Alphonsus Summer, Andrew D. White,  e sobretudo a Encyclopaedia Britannica,  e a Encyclopaedia of Religion and Ethics, editada por J. Hastings.

 Albert Einstein (1879-1955), dispensa apresentações. O prefácio, escrito já no final da sua vida, mostra-o como um racionalista algo materialista, crítico das religiões e mais ainda dos nacionalismos exagerados, que ele conhecera bem ao fugir do nacional-socialismo hitleriano alemão, e que hoje está em crescimento disfarçado ou não em vários organismos e nações. Aprecia sobriamente a obra de um cientista e racionalista agnóstico como  ele, e não transparece ser dum  deum gnóstico ou, que seja, apenas um crente da religião. Para quem hoje imagina ou valoriza muito a espiritualidade de Einstein não será neste texto que se pode basear, pois nada nele pressupõe a existência do espírito ou duma alma imortal,  de capacidades de clarividência, da existência de espíritos celestiais, ou da Divindade. Mais, Einstein considera mesmo que as concepções religiosas são meramente cristalizações organizadas de imaginações e fantasmagorias e que passaram por uma fase animista e mitológica. Mais grave ainda, considera que tais concepções ou crenças foram induzidas pelo medo, nem sequer reconhecendo a alegria, a gratidão, o amor, a devoção ou mesmo a simples sensibilidade anímica como causadoras desse desvendar de presenças subtis sob as aparências objectivas do mundo, e que tanto caracteriza seja as diversas formas de animismo ou panteísmo, seja as iniciações, gnoses e místicas das diversas religiões e grupos. Também consideramos exagerada a  apreciação de Einstein das consequências das religiões nos seres humanos e a previsão do seu enfraquecimento, desaparecimento. Mais certeira e actual será então a sua crítica algo profética dos perigos de certos nacionalismos ou de certos fascismos europeus e oligárquicos que se perfilam cada vez mais autoritariamente na União Europeia, que esperemos que se liberte de tal direcção negativa. Mas passemos ao prefácio do notável cientista.

«O professor Smith gentilmente submeteu-me o seu livro antes da publicação. Depois de lê-lo minuciosamente e com intenso interesse, tenho o gosto de cumprir ao seu pedido de dar-lhe a minha impressão.
A obra é uma tentativa concebida amplamente para retratar as ideias animistas e míticas induzidas pelo medo do homem, com todas as suas difundidas transformações e inter-relações. Ela relata o impacto dessas fantasmagorias no destino humano e as relações causais pelas quais elas se cristalizaram em religiões organizadas.
Isto é um biólogo a falar, cuja formação científica o disciplinou numa objetividade severa raramente encontrada no puro historiador. Essa objetividade, no entanto, não o impediu de enfatizar o sofrimento ilimitado que, nos seus resultados finais, esse pensamento mítico ocasionou no homem.
O professor Smith vê como uma força redentora o treino na observação objetiva de tudo o que está disponível para percepção imediata e na interpretação dos fatos sem ideias preconcebidas. Na sua visão, somente se cada indivíduo se esforçar pela verdade é que a humanidade poderá alcançar um futuro mais feliz; os atavismos em cada um de nós que impedem um destino mais amigável só podem ser tornados inefectivos dessa forma.
O seu quadro histórico termina com o final do século XIX, e com uma boa razão. Naquela época, parecia que a influência dessas forças míticas, ancoradas em autoridade que podem ser denotadas como religiosas, tinha sido reduzida a um nível tolerável, apesar de toda a inércia e hipocrisia persistentes.
Mesmo então, um novo ramo do pensamento mítico já havia crescido forte, um não de natureza religiosa mas não menos perigoso para a humanidade: - o nacionalismo exagerado. Meio século mostrou que esse novo adversário é tão forte que coloca em questão a própria sobrevivência do homem. É muito cedo para o historiador atual escrever sobre este problema, mas é de se esperar que sobreviva alguém que possa assumir a tarefa numa data posterior.»
  

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