Amizades eternas são aquelas em que o Amor ardeu tanto que a sua substância divina alquimizou, dourou e uniu as almas para sempre, ou quando elas o querem sentir e reactualizar.
Amizades vivas são aquelas em que o entusiasmo arde forte e reciprocamente e permitem um contacto próximo ou até unitivo. Nelas sentimos também algo dos mistérios da criação, da gestação, tal como Miguel Ângelo representou na capela Sistina: Deus esticando o dedo até Adão. Talvez ainda uma melhor leitura do que a literal de Deus realizando a criação humana, será a escatológica que nos diz que mesmo tendo os espíritos já entrado no ciclo mundano e terreno e cada vez mais se materializado, Deus, ou o Princípio Divino, transcendente e imanente, ainda quer e permite que os que estão afastados Dele o respirem, oram, invoquem, adorem...
Tomando tal à letra, alguns de nós esticam os dedos, as mãos, os braços, os pulmões e lançam do seu peito ígneas chamas de aspiração a Deus e ao Amor, Fontes da Vida e Plenitude, por entre tanta desagregação dos vínculos sãos da convivialidade humana.
"Bem aventurados os puros do coração porque eles verão a Deus", foi dito, animando-nos a polir o coração, a tentar entrar dentro dele, a clamar a partir dele, a humildificar-nos nele.
Tal dito anima-nos a procurar a pureza do coração, a sua limpeza, o desembaciamento dos vapores passionais ou aflitivos da vida, ou mesmo o seu desemparedamento dos tijolos do egoísmo nas suas diversas formas, objectivos que a aspiração a Deus consegue mais ou menos, sobretudo se for secundada pela correcta acção de querer e fazer o bem, ou se a dois ou em grupo mais sentimos a abnegação do Amor.
A meditação, com a ascese ou sobriedade, a respiração, a aspiração e a oração, são os meios principais de limpeza da psique e logo dos seus órgãos principais: o coração afectivo que aspira, deseja, ama, entrega-se e o olho espiritual do discernimento, da concentração e que se abre, vê e recebe...
Na tradição indiana yóguica chaucha, em sânscrito, significa a pureza, a qual, secundada pelo contentamento, santosha, e por tapas, o ardor ascético de desprendimento dos bens do mundo e da aspiração à comunhão espiritual e divina, ajuda a controlarmos, transformarmos e melhorarmos o nosso ser, comunicando-se tal em certa medida aos que nos rodeiam, estão mais afins e ressoantes, ou amamos.
Pessoas que conhecemos ou que avistamos são muitas, mas poucas são as mais afins nas tonalidades da alma, na ressonância recíproca de vibrações e aspirações, de vozes e interesses, de criatividades e respostas aos conflitos do mundo. É a proximidade ou semelhança de tais sensibilidades que nos aproximam e permitem o desabrochar dessa flor tão rara da amizade, o Amor, o qual liga a base ao cume da montanha e que se inicia numa atração recíproca admirativa, se fortalece nos trabalhos em comum e se apura na responsabilização do não fazer ao outro o que não gostaríamos que nos fizessem e que culmina no fazer o máximo de bem pelo outro para que seja salutarmente feliz, e consigamos alcançar a unidade amorosa em sintonia espiritual e divina, isto é, na Verdade.
No adjectivo salutar, do verbo salutare, que tanto significa saudar como salvar, está a grande arte da vida mais perfeita, este jogo da Oca, de dados que diariamente durante vinte e quatro horas, despertos ou a sonhar, são lançados numa dança de interacções fabulosas e inesgotável na sua representação e hermenêutica, algo que os pitagóricos destacavam e trabalhavam, quando ao fim do dia reviam o que tinham feito e o que fora melhor ou pior sentido ou realizado, e se arrependiam ou alegravam.
Discernirmos então diariamente que semente lançar, e com que força e intenção, é bem importante, sobretudo se aceitamos ou intuirmos que a vida é mesmo um grande jogo da Oca ou da Glória, doxa, palavra grega que significa Luz a qual é no fundo a substância de cada momento ou estado da vida e da consciência: mais ou menos luminoso e que vai desenvolvendo e fortificando o corpo da imortalidade consciente ou da Glória...
Sem nos desviarmos para a ideia de conceber um jogo da Glória para crianças ou adolescentes, ou da vida de Antero de Quental ou Fernando Pessoa, regressemos aos dados diários lançados, lembrando-nos que podemos observá-los com a imparcialidade do observador no cimo da montanha vendo os acontecimentos desenrolando-se, posicionados no alto ou no centro da roda da Fortuna.
Os antigos pitagóricos, assim como ao findar do dia reviam os acontecimentos que tinham vivido, porque assim desenrolavam e sacudiam o tapete das cinzas das impressões e imagens do dia, para regressarem de novo ao esplendor da criança pura que adormece serena e em cada dia renasce e parte para um novo ciclo, não de apenas vinte duas horas ou cartas do Tarot mas de todo o tempo vivido e por viver, assim de manhã meditavam (relembrando por vezes seus sonhos), e abriam-se aos novos raios psico-solares e intuíam o que deveriam fazer ou até quem encontrar e o que despertariam mais no seu ser e irradiariam subtilmente para o universo, em subtis e insuspeitadas comunhões.
Muitos dirigiam-se ao Sol, ao Logos, ao Sol Invictus, visível ou invisível, respirando-o e pedindo as suas bênçãos e inspirações, pois no Sol físico viam a imagem visível da Divindade, a mais pura e adequada de se adorar a Deus, e nele venerar os Seus mais próximos ou vizinhos (como lhes chamava Erasmo), mensageiros, angelos, até para que o seu olho espiritual se lhes abrisse mais na luz espiritual.
Outros pitagóricos intensificam mais o cálice do seu peito e coração, e comungam na devoção e nas luzes coloridas que recebem, e desejam que os seres mais afins com tal Luz possam vir a acolhê-la também e assim poderem na união que faz força comungarem melhor do espírito da verdade, de Deus e seu Amor.
Uma milícia de seres puros, uma satsanga luminosa, era e é um desiderato salutar de todos os tempos, pois são muitas as forças em conflito e em nós a Luz tem que se unir ou reunir para brilhar mais e igualmente ajudar a clarificar tanta alma manipulada, alienada, infrahumanizada, de modo a diminuirmos a ignorância, a violência e o sofrimento, contribuindo-se para a tarefa criativa de se harmonizar a Humanidade, a Terra, o Cosmos, e a Divindade. Nestes tempos de tão grande conflito entre as forças opressivas e as libertadoras, informe-se então muito bem e medite para se fortalecer, equilibrar e abrir à Luz, à Verdade e à Divindade.
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| De Nicholai Roerich: O Eterno Feminino, o Espírito Santo, o Amor, atraindo e unindo as almas afins... |
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