quinta-feira, 26 de junho de 2025

Filipe Nery Xavier: As comemorações do centenário do nascimento do notável historiador, presididas pelo conde Mahem, em 1901, Nova Goa, descritas por Amancio Gracias.

                     

Belas e vívidas descrições por Amancio Gracias das comemorações do centenário do nascimento do historiador Filipe Nery Xavier, celebradas em 1901, em Nova Goa, e transmitidas à posterioridade (e à sua imaginação e clarividência) no seu prefácio à reedição do Bosquejo Histórico das Comunidades, de Nery Xavier, dado à luz em 1903, em Bastorá:

                           
«Foi num artigo publicado no nº 432  do jornal Heraldo de 25 de Julho de 1901 que aventei a ideia da celebração do centenário do nascimento de Filipe Nery Xavier, ideia que foi rapidamente ganhando terreno na consciência pública, sendo apoiada com muito entusiasmo por toda a imprensa portuguesa de Goa e Bombaim.
E como era preciso ouvir-se a opinião do público ilustrado sobre a maneira mais digna se se levar a efeito tal pensamento, se convocou uma reunião para o dia 18 de Agosto de 1901, nos paços municipais deste concelho, sendo assinado o respectivo convite pelo dr. Miguel Caetano Dias e mais alguns cavalheiros.
Nesse dia, pois, tendo-se reunido, nos mesmos paços, à hora prefixa um grande número de cidadãos, proprietários, homens de letras, jornalistas,funcionários públicos e negociantes,  o referido Dr. Dias declarou iniciados os trabalhos, e após um expressivo discurso, em que acentuou os méritos e serviços de Filipe Nery Xavier, bem assim os títulos que o recomendavam à gratidão e reconhecimento do país, convidou  o Sr. Conde de Mahem a presidir à Assembleia, convite que o mesmo titular agradeceu e aceitou. Constituída a mesa, falaram sucessivamente o dr. José Maria da Costa Alvares, Ismael Gracias, drºs Miguel Caetano Dias, P. A. Coelho, António Maria da Cunha e João Baptista Amancio Gracias, adoptando-se unanimemente as seguintes resoluções.
O Conde de Mahem, Dom José Joaquim Cristóvão de Noronha (1847-1929)

I Entalhar-se uma singela lápide com inscrição comemorativa na parede frontal das casas situadas nesta capital, onde F. Nery Xavier viveu, trabalhou e morreu.
II fazer-se uma
 nova edição revista correcta e anotada do Bosquejo Histórico das Comunidades, precedida do esboço biográfico do autor sendo encarregado desse esboço Amancio Gracias e de dirigir a reedição o dr. José Maria de Sá.
III. Fazer-se também, quando o permitam os meios, a reedição das outras obras mais importantes do mesmo escritor.
IV. Colocarem-se bustos em mármore de F. Nery Xavier nas salas das câmaras agrárias de Goa.
V. Realizar-se em qualquer dia do mês de Dezembro que for designado pela comissão executiva central, uma sessão solene comemorativa da pretendida celebração secular, nos paços municipais , convidando-se previamente os escritores do pais a falarem nesse dia em honra de Filipe Nery Xavier.
Nomeou-se em seguida essa comissão executiva que ficou constituída pela seguinte forma: Presidente, o conde de Mahem; vice-presidente,o coronel João de Melo Sampaio; vogais, Dr. Costa Alvares, Ismael G
racias, António Felix Pereira, dr. Prudente de Meneses, dr. Pedro António Coelho, Amancio Gracias (secretário).
                                                 ****
 
                        

 Realizaram-se efectivamente no dia 15  de Dezembro, com o maior esplendor, os festejos do centenário. De manhã, a banda de música do batalhão de infantaria tocou à alvorada percorrendo em seguida as principais ruas da cidade.
Às 5. h. da tard
e, no meio dum enorme concurso de gente de todas as classes sociais e em presença da comissão executiva, o conde de Mahem desvelou a lápide comemorativa entalhada na parede principal das preditas casas, que traz a seguinte legenda:

NESTA CASA VIVEU E MORREU
FILIPE NERY XAVIER
NASCIDO AOS 17 DE MARÇO 1801
FALECIDO AOS 26 MAIO DE 1875
HOMENAGEM DOS SEUS CONCIDADÃOS
NO SEU PRIMEIRO CENTENÁRIO
1901. 
A referida banda de música esteve no local desde as 16:30 executando as peças do seu reportório.
Muito antes da hora designada para a sessão solene, o vasto salão do município,que estava primorosamente decorado, se encheu à cunha, de damas e cavalheiros, achando-se ali brilhantemente representadas todas as classes sociais: grandes do reino, titulares, comendadores e cavaleiros, alto funcionalismo, oficiais da armada e do exército, representantes do município e da imprensa e de diversas instituições literárias, em suma clero, nobreza e povo.
As 19:15, abriu sessão o presidente da comissão executiva, dando sucessivamente a palavra aos oradores inscritos, Joaquim Vitorino Barreto Miranda, dr. Durante F. da Gama Pinto, F. X. Theodoro de Miranda, drs. J. J. Roque Correia Afonso, José Joaquim Fragoso, Frederico Guilherme Lourenço e José Benedito Gomes,todos os quais discursaram eloquentemente, sendo palmeados com muito entusiasmo. 
A meio da sessão, entrou s. exa. o governador geral, conselheiro E.A. Rodrigues Galhardo, acompanhado do secretário geral interino, capitão M. A de Matos Cordeiro, chefe do estado maior, capitão A. C. de Souza Araujo, administrador do concelho das Ilhas, capitão Nicolau Reis,comandante da bateria de artilharia, capitão Paulo Júdice e ajudante de campo, alferes A.da Fonseca.
Nos intervalos dos discursos, tocou a banda regimental.
Distribuíram-se nessa ocasião dois folhetos, um intitulado: «Um feixe de flores silvestres para a coroa da glorificação centenal de F. Nery Xavier», por Roque Bernardo Barreto Miranda, outro, em francês «Centenaire  Filippeneryne - Filipe Nery Xavier -apotheóse» por Soares Rebelo.
Terminou a sessão pelas 10:30 da noite.
Idênticas sessões se realizaram também em diversos concelhos e freguesias de Goa, bem assim no Instituto Instructivo Musical, desta cidade, proferindo-se discursos e memórias sobre o objecto do jubileu centenal.
Nova Goa, 3 de Julho de 1902.
J. B. Amancio Gracias. »
 
                                 
Ao transcrevermos beneditinamente estas páginas, homenageamos Nery Xavier, Amancio Graçias, o conde de Mahem e os outros intervenientes,  ressuscitando momentos de grande civismo e culto da investigação e preservação histórica na Índia portuguesa, em Nova Goa, no começo do séc. XX... 
Da figura anímica de Filipe Nery Xavier, esboçamos um brevíssimo resumo neste blogue, incluído em   Março e suas efemérides do encontro de Portugal e a Índia, do Oriente e o Ocidente, com as suas grandes almas: 
                                     
«Nasce neste dia 17 de Março em Nova Goa, em 1801, Filipe Nery Xavier, que será um notável investigador e historiador por mais de cinquenta anos, oficial maior da secretaria geral do  Governo da Índia, vogal de numerosas comissões de serviço público, director da Imprensa Nacional, sócio correspondente de várias academias (desde 1863, da Academia Real das Ciências de Lisboa) e autor de vasta opera, começada  com a Folhinha Eclesiástica, Histórica  e estatística de Goa para 1840, a que se seguiram várias outras obras sobre legislação, costumes, governos de vice reis e grafologia das suas assinaturas, destacando-se a Nobiliarchia  goana, ou catálogo das pessoas que depois da Restauração de Portugal em 1640 e até 1840, têm sido agraciadas pelos soberanos com diversos graus do foro da nobreza, fidalguia e condecorações de ordens militares,  e ainda  o Gabinete Literário das Fontainhas, "um verdadeiro tesouro de erudição arqueológica" (e não só, e como todas as suas obras) no dizer do seu sucessor J. B. Amancio Gracias no esboço biográfico com que prefaciou o Bosquejo Histórico das Comunidades,das Aldeias dos Concelhos das Ilhas, Salsete e Bardez, na reedição acrescentada por José Maria de Sá, dada à luz em Bastorá em 1903, e onde Nery Xavier apresenta a história das comunidades desde os tempos mais antigos e desenvolve-a a partir da chegada e interacção dos portugueses, transcrevendo dezenas de documentos, tais cartas régias, provisões, assentos, impostos, forais,  tudo  bem anotado. Aliás Amancio Gracias comentava assim a valiosa obra publicada por Nery Xavier em 1856 (e em 1859 sairá outra sobre S. Francisco Xavier), Instruções do Vice-Rei Marquês de Alorna ao seu sucessor Vice-Rei Marquês de Távora: «As anotações a este livro são copiosas, revelando vastos conhecimentos da nossa história pátria; por elas se pode bem à justa aquilatar a lucidez da inteligência, a força da vontade e o amor com que o autor diligenciava pôr os seus patrícios,os contemporâneos, o público em geral, ao corrente dos acontecimentos que andavam envoltos em pó nos arquivos.» 
Saudemos estas grandes almas indo-portuguesas onde quer que estejam e saibamos trabalhar perseverantemente como elas e com elas, para diminuir a  ignorância, fanatismo e violência contemporâneos e aumentar a Luz, a Cultura, a Paz, a Fraternidade, a Multipolaridade...

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