João de Barros foi um dos últimos mestres da ordem espiritual de Portugal, que sob o nome de Ordem de Mariz foi por uns poucos ora mitificada ora mistificada, mas nunca foi visto como tal, embora tivesse pertencido a várias Academias, sido iniciado na Maçonaria e amplamente condecorado. Foi um republicano íntegro, notável pensador, poeta (quatorze obras) e conferencista, cultíssimo, óptimo prosador, de castiça linguagem, amando Portugal e o seu povo trabalhador, heróico e amante da liberdade, e gerou uma vasta obra, onde destacaremos Portugal, Terra do Atlântico, de 1923, onde afirma quase intemporalmente: "não nos compreendemos a nós próprios. Não somos solidários uns com os outros, na defesa e criação de um Portugal mais forte, mais digno, mais rico, mais próspero. Não nos sentimos ligados por ideal comum, não nos sentimos irmanados numa tarefa comum de reconstrução e de ressurgimento", e Presenças Eternas, de 1943, onde revisita grandes almas dos séculos XIX e XX, nomeadamente Camilo, Gomes Leal, Antero de Quental ("Antero e o povo"), João de Deus, Jaime Batalha Reis, Guerra Junqueiro, Fialho de Almeida, António Patrício, Columbano,Teixeira Gomes e Manuel Laranjeira.
Procurando entre as prateleiras consagradas à Grécia os livros dedicados ao Pitagorismo, encontramos a sua bela obra Grécia, Musa do Ocidente e, ao lermos o prefácio. já que não está na rede digital, decidimos partilhá-lo como homenagem a ele, ao Logos, ou pensamento desinteressado e à Grécia eterna, uma das nossas raízes mais valiosas, embora cada vez mais esquecida pois, tal como a civilização romana e o Latim, é algo afastada dos sistemas e programas de educação vigentes na União Europeia tecnocrática globalista e digamos mesmo, actualmente, infra-humanista...
João de Barros nascera na Figueira da Foz, vivendo entre 4 de Fevereiro de 1881 e 25 de Outubro de 1960, e foi um notável republicano democrata, professor e pedagogo, viajando em missão de estudo pedagógico em 1907, e com a República em 1910 sendo nomeado Director-Geral da Instrução Pública, vindo a desempenhar um papel importante na modernização do ensino, dentro da linha da Escola Nova. Chegou mesmo a Ministro dos Negócios Estrangeiros. Findando a 1ª República em 1928, com a entrada de Salazar e a ditadura do Estado Novo renunciou ao cargo de Director-Geral do Ensino Secundário e tornou-se apenas professor no Liceu Passos Manuel, e passou a dedicar-se mais ao ensaísmo, à literatura, à educação dos portugueses, nomeadamente adaptando para a editora Sá da Costa obras dos clássicos nacionais e internacionais para jovens.
Fez parte da Oposição Democrática ao Estado Novo de Salazar e conviveu com muita gente, nomeadamente por escrito, tal como Manuela de Azevedo revelou ao publicar em 1971 Cartas a João de Barros, cento e noventa e cinco, durante sessenta anos por noventa e quatro autores. No seu caminho fundara e dirigira com João do Rio (o brasileiro Paulo Barreto, o director no Brasil) a revista ou mensário artístico literário e social para Portugal e Brazil, Atlântida, entre 1915 e 1920, e colaborou ainda em muitas, tais a Águia, Serões, Aqui e Além, Seara Nova, Ler, Ocidente, Serpente, Vértice.
| Amostra grafológica da poética caligrafia de João de Barros, numa dedicatória a Victor Quartin, da conferência proferida no Brasil em 1920. O seu espólio está depositado na Biblioteca Nacional |
Provindo dum grande amante conhecedor da Grécia, dum esteta e intelectual, dum ético e espiritual, este breve texto, com tantas palavras hoje já quase perdidas ou não usadas e a merecerem ser reanimadas por nós, deverá ser lido, sentido e meditado gostosamente...
GRÉCIA MUSA DO OCIDENTE
«De todos os miradouros espirituais do Ocidente, sobre todas as distâncias que o nosso desejo busca e abrange, erguem-se, diademando as perspectivas, as linhas puras e serenas do Partenon. Flor suprema do génio grega, suprema criação da Helada, uma límpida e constante alvorada dele irrompe e dimana. E é na sua claridade virginal que mergulham e florescem os sonhos e os ideais, ansiosos de eternidade e beleza.
De volta dele, para ele ascendendo ou nele abraçadas, aí vereis as musas gloriosas: - ao lúcido império de Minerva acolheram-se em bando, em ronda musical, levando Apolo consigo. E o próprio esplendor da luz, e a própria inspiração das musas, tornaram-se mais belos e mais fecundos quando um ritmo de equilíbrio através dele irradiou. Orfeu, Dionísio, abrigaram-se também na austera esbeltez do templo da Razão. O cântico do seu amor, ou o desvairo da sua alegria, aprenderam acentos indeléveis na voz tranquila e ordenadora de Minerva.
Tão grande é a amplitude do génio helénico, e tão complexa,que sob todos os signos o podemos amar e louvar, Eu amo-o e louvou-o sob o signo de Athena. Não da Athena guerreira, mas da Athena inefável que ofertou à Grécia a dádiva, quase sobrehumana do pensamento desinteressado, do pensamento que é volúpia e orgulho de pensar. Da Grécia recebemos essa dádiva única; e ela tem sido sempre a nobreza, a graça e a força da civilização ocidental.
E nem só Platão e Sócrates, e nem só os filósofos, souberam pensar e ensinaram a pensar. Em toda a arte helénica, a mais espontânea,a mais instintiva, a Inteligência deixou o seu profundo sorriso. Sorriso horizonte de mil sorrisos - até do sorriso da inconsciência dominada -onde se fundem numa só linha melodiosa as mais diversas expressões da alma.
Paixões, emoções, alegrias, tristezas, entusiasmos, heroísmos, ambições - tudo aí encontra a síntese, a essência da sua perenidade latente. E calmo, - desse vasto e calmo horizonte - levanta-se a todo o instante o Sol que ilumina o Partenon. Não apenas o Sol que das suas colunas divinas dá o tom moreno e doirado, onde correm frémitos de carne adolescente. Mas o Sol que as projecta sobre o mundo, numa sombra radiosa, numa sombra hospitaleira a todos os caminhantes da vida, sôfregos, sedentos, ávidos duma vida mais perfeita...»
O livro de 231 páginas relata muito detalhada, poética e sublimemente a viagem e o encontro com a Grécia que fez graças ao convite do poeta e jornalista Costa Ouranis (1890-1953), estando enriquecida pelo seu bom conhecimento da cultura helénica. Do índice destacam-se alguns capítulos mais perenes, tais como os dedicados ao santuário de cura de Asklepios, e aos mistérios de Eleusis, ornados com sugestivas vinhetas de Saavedra Machado.Sim, o auto-conhecimento, a harmonização ou cura e a religação espiritual e vivência fraterna continuam a ser os grandes propósitos da Humanidade....

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