terça-feira, 10 de junho de 2025

10 de Junho, dia de Portugal e da amizade perene com a Rússia. O tratado de 1798, em parte transcrito e contextualizado na história desta amizade ígnea ou de corações.

 Os testemunhos de relações directas entre Portugal e a Rússia começam no século XVIII, com os contactos entre a Academia das Ciências de Lisboa e a de São Petersburgo, bem como os de alguns portugueses que estiveram na Rússia. Segundo  o livro e a exposição Relações entre Portugal e a Rússia, séculos XVIII a XX, Lisboa, 1999, o 1º documento é de 1720, de A. De Vieira, agente do czar Pedro o Grande (1672-1725) . O 2º é do Abade Tomás da Silva Avelar, de 1724, enviado a Paris e daí a Moscovo, para a coroação da Rainha Catarina I. O 3º do médico e filósofo Ribeiro Sanches, de 1735. O 4º o do envio da Academia das Ciências de Petersburgo de dez volumes de obras  para o conde da Ericeira, presidente da Academia das Ciências. O estabelecimento das relações diplomáticas começará em 1770 e concretiza-se em 1779 com a nomeação tanto do primeiro ministro plenipotenciário na corte de S. Petersburgo, Francisco José Horta de Machado (1746-1817) como do ministro plenipotenciário da Rússia em Portugal, Guilherme Nesselro.

Francisco José Horta de Machado. Pintura da família dos Condes de Alte e de Marin. 

Alexandre, Príncipe de Bezborodko, Chanceler, o lider diplomático Russo.
 Do contacto diplomático presencial e estável e das necessidades de dois povos dinâmicos e navegantes nasceu o Tratado de Amizade, Navegação e de Comércio entre as duas monarquias da Rússia e Portugal e que foi assinado em Lisboa e Pavlesk em Dezembro de 1798, e dado à luz em Lisboa no ano de 1800 na Régia Oficina Tipográfica, num in-4º de 65 páginas, bilingue Português e Francês.

Ora nestes tempos de cegueira e inveja russófoba da direcção da União Europeia e da NATO convém homenageá-lo e relembrá-lo no seu pioneirismo, tanto mais que ao longo do tempo houve valiosos negócios e diálogos entre os dois povos irmãos, com vários portugueses viajando até à Rússia ou interessando-se pela sua civilização, arte (por exemplo, Bilibin e Nicholai Roerich), ciência e literatura (em especial Tolstoi e Dostoievsky), e deles mencionaremos José Silvestre Ribeiro, Jaime de Magalhães Lima, Jaime Batalha Reis, Visconde de Figanière, César Porto (A Rússia, hoje e amanhã, 1929: "Ó Rússia como não te hei-de amar") Alfredo Apell, Leonardo Coimbra, Raul Fontes, Fernando Namora e Rómulo de Carvalho.

Nestes tempos em que a União Europeia, a NATO e os USA procuram vencer e desagregar a Rússia à custa do trágico conflito na Ucrânia, e com a maioria dos portugueses televisivamente amilhazados e governamentalmente manipulados e escravizados, é bem possível que a 3º grande Guerra aconteça, pois tal é o desígnio da oligarquia infrahumanista e dos seus tentáculos de instituições (o denominado Deep State) e grupos de pressão, que tentam alienar e sujeitar os cidadãos. Fica o aviso nestes tempos de decadência ética, cultural, civilizacional e de discernimento, que falta em tanta gente boa mas amilhazada e alienada violentamente contra a Rússia e a sua luta contra os extremistas ucranianos e a expansão da NATO e do globalismo neoliberal infrahumanista do Fórum Económico Mundial e &.

                                           

 TRATADO DE AMIZADE, NAVEGAÇÃO, E COMÉRCIO      renovado entre PORTUGAL e a RÚSSIA, e assinado em Petersburgo aos 16/27 de dezembro de 1798.


NÓS DONA MARIA, Por graça de Deus Rainha de Portugal, e dos Algarves, d'aquém, e d'além mar, em África Senhora, de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, etc. Fazemos saber a todos os que a presente Carta de Renovação, Confirmação, Aprovação e Ratificação virem: Que em 16/27 de Dezembro do ano de mil setecentos noventa e oito próximo precedente se concluiu, e assinou em São Petersburgo a renovação do Tratado de Amizade, de Navegação e de Comércio de 9 de Dezembro do ano de mil setecentos oitenta e sete entre Nós, e o Sereníssimo, e Potentíssimo Senhor Paulo I, Imperador, e Autocrator de Todas as Rússias, Irmão Nosso Caríssimo; sendo Plenipotenciários para este efeito da Nossa parte, Francisco José de Horta Machado, do Nosso Conselho, Nosso Ministro Plenipotenciário junto a Sua Majestade Imperial de Todas as Rússias, e Comendador da Ordem de Cristo; e por parte de Sua Majestade o Imperador de Todas as Rússias, Alexandre Príncipe de Bezborodko, Chanceler, Conselheiro Privado actual, Senador, Director Geral das Postas [Correios], e Cavaleiro das Ordens de Santo André, de Santo Alexandre Newsky, e de Santa Ana, e Grão Cruz das de São João de Jerusalém, e de São Vladimir da Primeira Classe; Victor de Kotschoubey, Vice-Chanceler, Conselheiro Privado actual, Camarista actual, Cavaleiro de Santo Alexandre Newsky e Grão-cruz de de São Vladimir da segunda Classe; Theodoro de RostopinConselheiro Privado actual, Membro do Colégio dos Negócios Estrangeiros,  Cavaleiro da Ordem  de São Alexandre Newsky, e da de Santa Ana da primeira Classe; e Pedro de Soimonnoff, Conselheiro Privado actual, Senador Presidente do Colégio de Comércio, Cavaleiro da Ordem  de São Alexandre Newsky, e de Santa Ana da primeira Classe, e Grão da Cruz da de São Vladimir da segunda Classe, da qual renovação do Tratado o teor é o seguinte:

           Em nome da Santíssima, e Indivisível Trindade.

Sua Majestade Fidelíssima a Rainha de Portugal e sua Majestade o Imperador de Todas as Rússias, vendo com grande satisfação que o Tratado da Amizade, de Navegação e de Comércio concluído entre Elas, seus Vassalos, Estados, e Domínios respectivos a 9/20 de Dezembro de 1787, começou a aumentar os vínculos mercantis entre Portugal, e a Rússia; e igualmente animados do desejo de continuarem a promover a Indústria, o Comércio e a Navegação directa dos seus Vassalos, Estados, e resolveram renovar o sobredito Tratado. E nesta Consideração, elegeram, e nomearam por seus Plenipotenciários, a saber: Sua Majestade Fidelíssima a Rainha de Portugal, ao Senhor Francisco José de Horta Machado, do seu Conselho, seu Ministro Plenipotenciário junto a Sua Majestade e o Imperador de todas as Rússias, e Comendador da Ordem de Cristo, e Sua Majestade o Imperador de todas as Rússias ao Senhor Alexandre Príncipe de BezborodkoChanceler, Conselheiro Privado actual, Senador, Director Geral das Postas, e Cavaleiro das Ordens de Santo André, de Santo Alexandre Newsky, de Santa Anna, e Grã Cruz das de S.João de Jerusalém, e de São Vladimir da primeira classe; Senhor Victor de Kotschoubey, Vice-Chanceler, Conselheiro Privado actual, Camarista actual, Cavaleiro de Santo Alexandre Newsky, e Grão Cruz da de São Vladimir de segunda classe; e ao Senhor Pedro de Soimonoff, Conselheiro Privado actual; Senador Presidente do Colégio do Comércio,  Cavaleiro de Santo Alexandre Newsky, e Grão Cruz da de São Vladimir de segunda classe; os quais Plenipotenciários depois de se haverem respectivamente comunicado os seus plenos poderes, entraram em conferência; e tendo maduramente deliberado sobre a matéria, concluíram e ajustaram os Artigos seguintes.

 ARTIGO I. 

«Haverá entre Suas Majestades a Rainha de Portugal, e o Imperador de todas as Rússias, seus Herdeiros, e Sucessores, de uma, e outra parte, assim como entre seus Vassalos, uma paz perpétua, boa inteligência, e perfeita amizade, para o que as  Partes Contratantes se obrigam tanto por si, como por todos os seus Vassalos, sem excepção, a tratar-se reciprocamente como bons amigos em todas as ocasiões, tanto por mar, como por terra,  e águas doces; e não só a evitar tudo o que possa redundar em prejuízo  de uns, e de outros, mas a ajudar-se mutuamente por todas as sortes de bons Ofícios, sobre tudo no que toca à Navegação e ao Comércio.»

ARTIGO II.

«Os Vassalos Portugueses gozarão na Rússia de uma perfeita liberdade de consciência, segundo os princípios da absoluta tolerância que ali se concede a todas as religiões, podendo livremente satisfazer aos deveres, e dar-se ao Culto da sua Religião tanto em suas própria casas, como nas Igreja públicas que ali se acham estabelecidas, sem experimentar jamais a este respeito a menor dificuldade.
Os Vassalos
Russianos não serão do mesmo modo jamais perturbados, nem inquietados em Portugal, pelo que toca à sua Religião; e observar-se-á para com eles a este respeito o que se pratica com os Vassalos das outras Nações de uma Comunhão diferente, sobre tudo com os Súbditos da Grã Bretanha.»

ARTIGO III. 

 «Suas ditas Majestades se obrigam mutuamente a procurar aos Vassalos respectivos de uma, e de Outra todas as facilidades, assistência, e protecção necessárias para o progresso do seu Comércio recíproco, e sobretudo da Navegação directa entre os dois Estados em todos os lugares dos seus Domínios, em que a Navegação, e o Comércio forem para o futuro permitidos a outras nações.»

ARTIGO VI, diminui o valor dos  impostos para os vinhos de produção de Portugal, das Ilhas da Madeira e dos Açores, bem como do sal.

ARTIGO VII, diminui as tarifas para «as produções da Rússia em baixo especificadas, quando elas forem transportadas directamente em Navios Portugueses ou Russianos e por conta dos Vassalos portugueses ou Russianos; a saber o cânhamo, a linhaça, o óleo de cânhamo, e de linho, o ferro de toda a sorte de dimensões, em que se compreende o ferro delgado, entrando também os arcos de ferro, as âncoras, as peças de artilharia, as balas e as bombas.»

ARTIGO VIII. Beneficiam de diminuição de impostos o azeite de oliveiras, O anil do Brasil, o tabaco do Brasil, em rolo, folha ou pó, bem como da exportação russa os brins, lonas e as mais fazendas de linho próprias para o velame do navios.

ARTIGO XV. «As embarcações de Guerra das duas Potências Aliadas acharão igualmente nos Estados respectivos as Enseadas, Rios, Barras e Portos livres, e abertos para entrar, ou sair, e ficar ancoradas o tempo que lhes for preciso, sem sujeição a visita alguma, conformando-se igualmente com as Lei gerais de Polícia, e com as dos Tribunais da Saúde, estabelecidas nos Estados respectivos.
Nos Portos
 grandes não poderão entrar por cada vez mais do seis de Embarcações de Guerra, e nos pequenos mais do que três, a não se haver pedido, e alcançado licença para maior número...»

ARTIGO XXIII. «Será permitido aos Comerciantes Portugueses estabelecidos na Rússia, edificar, comprar, vender e alugar casas em todas as cidades deste Império, que não tiverem privilégios municipais, ou Forais particulares que se oponham as estas aquisições. Todas as casas que forem possuídas e habitadas por Comerciantes Portugueses em São Petersburgo, Moscovo e Archangel serão isentas de todo e qualquer aquartelamento, em quanto lhes pertencerem, ou eles mesmo as habitarem.»

ARTIGO XXXIV. «Os Vassalos de um ou outra Potencia contratante poderão livremente retirar-se dos Estados respectivos quando lhes bem parecer, sem experimentar o menor obstáculo da parte do Governo, que conceder-lhe-á com as cautelas prescritas em cada lugar os Passaportes do costume, para poderem sair do país, e levar livremente os bens que ali houverem trazido, ou adquirido, depois de constar que satisfizeram todas as suas dívidas, assim como os direitos estabelecidos pelas Leis, Estatutos e Ordenações do País donde quiserem sair.»

ARTIGO XXXVI. «No caso que venha a paz romper-se entre as duas Altas Partes Contratantes (o que Deus não permita) não se confiscarão os Navios, nem os bens dos respectivos Vassalos comerciantes, nem se apreenderão as suas pessoas, mas antes conceder-lhe-á ao menos o espaço de um ano para vender, alhear, ou transportar os seus efeitos, e para com este fim passar a toda a parte que lhes parecer conveniente, depois de ter contudo  pago as suas dívidas: o que se entenderá semelhantemente dos Vassalos respectivos que estiverem ao serviço de uma, ou de outra das Potências inimigas, sendo permitido a uns e a outros antes da sua partida, dispor, segundo bem lhes parecer, e convier, daqueles efeitos de que se não houverem podido desfazer, assim como das dividas a que tiverem que pretender; e serão os seus devedores obrigados a pagar-lhes, como se tal rompimento não tivesse havido.»

De Nicholai Roerich...

Do texto escrito em francês, do prefácio escrito ou aprovado pelo imperador Paulo I ao Tratado, transcrevemos a parte inicial pelo seu brilho histórico e geográfico, bastante exemplar para os nossos dias...

NOUS PAUL PREMIER, Par la grace de Dieu Empereur & Autocrateur de Toutes les Russies, de Moscovie, Kiovie, Vladi- mirie Novogorod, Czar, de Gasan  Czar d'Astracan, Czar de Siberie, Czar de la Chersonese Taurique, Seigneur de Plescau, & Grand-Duc de Smolensco, de Lituanie, Volhynie, & Podolie, Duc d' Estonie, de Livome, de Courlande, & Semigalle, de Samogitie, Carélie, Twer, Jugorie, Permie, Wiatka, Bolgarie & d'autres; Seigneur, & Grand-Duc de Novogorod inferieur, de Gzernicovie, Resan, Polock, Rostow, Jaroslaw, Belo Oserie, Udorie, Obdorie, Gondinie, Vitepsk, Mitis-law, Dominateur de tout le coté du Nord, Seigneur d'Ivérie, & Prince Héréditaire, & Souverain des Czars de Cartalinie, & Georgie , comme aussi de Cabardinie, des Princes de Gzircassie, de Gorsk, & d'autres. Successeur de Norwége, Duc de Shleswic-Holstein, de Stormarie, de Dithimarsen, & d'Oldenbourg, Seigneur de Jever, & Grand Maitre de l' ordre Souverain de Saint Jean de Jérusalem, &c. &c. &c. Faisons favoir par les présentes qu' en conféquence de Notre désir conforme á celui de Sa Majesté Trés Fidelle la Reine de Portugal, concernant le renouvellement du Traité d'amitié, de Navigation, & de Commerce, conclu entre Nos deux Etats le 9/20 Decembre 1787, Nos Plenipotentiaires respectifs, munis d' instructions , & plein-pouvoirs nécéssaires, ont arrêté, & Signé á S Petersbourg le 16/7 Decembre de l'année passée 1798 un nouveau Traité, qui est mot a mot de la teneur suivante: (...) 

Que a amizade de Portugal e a Rússia, e dos seus espíritos celestiais e humanos,  se mantenha sempre viva, luminosa, frutífera. E, quando os governos se desviarem deste amor fraterno, que os cidadãos saibam honrar e perseverar as ligações históricas e de coração das duas grandes Almas e povos, mesmo que sujeitos a censuras e perseguições, mantendo assim sempre o fogo do Amor e a luz do Logos entre as almas russas e portuguesas.

A luz divina, das montanhas sagradas do Este, por Nicholai Roerich. Que ela nos ilumine! 

Sem comentários: