segunda-feira, 30 de junho de 2025

As simbólicas gravuras de Fessard numa edição das fábulas éticas de la Fontaine, de 1766: Jupiter e os Raios. Nada em excesso. O Homem e a Sereia.

Apesar de todas as dificuldades e lutas, apoia-te na arte e na criatividade, e não percas as tuas asas nem deixes de manter o fogo do amor ardendo em ti, brilhando mesmo no chakra do cimo da cabeça, o das ligações aos mundos espirituais e à Divindade
As fábulas e contos contém energias psicomórficas que fazem vibrar catártica e luminosamente a alma. Há muitas, desde as do Panchantra às de Esopo, Fedro e La Fontaine, ou as dos nossos Gonçalo Fernandes Trancoso e Bartolomeu Paixão. São em geral simples e podem ser lidas e compreendidas por muitos, sempre com algum proveito moral ou iniciático e pondo-nos em contacto com linhas de força tradicionais milenárias. De vez em quando retempere-se pois em algumas delas. Erasmo, nos seus Adágios e Colóquios, tem bastante deste mesmo espírito. Neste artigo aproveitei fotografias tiradas há algum tempo de um livro e partilhei-as, sendo natural que ainda as comente mais particularmente. Mas fica a homenagem a esta linha da nossa, e da universal,  tradição ético-espiritual.
                                            


Nada em excesso, é uma regra pitagórica e que singrou ao longo dos séculos, sendo denominada também o caminho do meio e foi trabalhada por La Fontaine. Nestes tempos de tanta desmesura, e mesmo de hubris ou arrogância, como vemos na maioria dos políticos avençados ocidentais, e mais particularmente dos USA, UE e Israel, é necessário denunciarmos tais desequilíbrios e não nos deixarmos arrastar ou amilhazar, alienar ou infrahumanizar por eles.
As fábulas de la Fontaine, ou as de outros,  são pequenos tratados de moral e ética, de educação e iniciação, provindos da sabedoria milenar da humanidade multipolar e investem-nos de energias de bom senso e boa disposição, de amor e sabedoria, de compaixão e abnegação.
                                       
"Quem puder fazer bem, faça-o" Garcia de Resende, concluindo a sua narrativa do amor entre Pedro e Inês de Castro, garça ou sereia mítica da nossa história  passional e espiritual.

domingo, 29 de junho de 2025

Dos caminhos da sacralidade divina, angélica e humana nos azulejos do convento dos Cardais, à lisboeta rua do Século.

Aquando de uma audição musical em 29.6, na bela igreja do convento carmelita do séc.´XVII,  Ó alma que queres professar, orar, meditar, contemplar, ser: - Intui que os anjos e os santos e santas da tua vibração ou ordem te velam, agraciam, cobrem e inspiram, mesmo que para ti ainda só subtilmente na fé e aspiração...  
Os Anjos são muito osmóticos, e vivem compassivamente a paixão dos seres. Assim o anjo da Guarda pode revestir-se das vestimentas,  símbolos e estados de alma que atravessas na tua ascensão espiritual rumo ao que possas atingir ou receber gratamente da Divindade

Ora, lege, relege et invenies: Reza, lê, relê, medita e contemplarás ou descobrirás o interior vibrante ou alma do que demandas. No mundo cada vez mais informado e informatizado, formatado e manipulado, sabe escapar às narrativas oficiais e aos comentadores avençados e amilhazantes, e lê e informa-te alternativamente, e ama ou escreve os teus livros de culto.
                                              
Os anjos coroam a abnegação, o esforço, a aspiração, a devoção, o sacrifício, a persistência, a contemplação das pessoas, de Maria, da Humanidade, intensificam o amor e a adoração no coração e tingem-nos na aura de cores maravilhosas...
Se queres entrar pela porta estreita mas luminosa, persiste na tua demanda interior, repele a alienação televisiva, busca o ermo e a natureza para sintonizares com a vibração divina omnipresente e encheres-te dela,  e em Amor e Sabedoria dinamiza-a, irradia-a.

Sabe recolheres-te, sabe sacrificares as dispersões e distrações, e expande a tua auto-consciência até à tua dimensão espiritual  e à tua missão de comunhão com o fogo cósmico e divino, que atravessa todas as barreiras e grades e te enche no cálice ou santo graal do coração.   

Sabe dominar ou vencer prazeres e dores,  persevera nas tuas práticas espirituais, aspira à Luz Divina e acima das tristezas e desânimos,  ergue-te na vontade do Bem, na respiração da corrente curativa divina e na irradiação da verdade em sabedoria, para que diminuam a ignorância, o egoísmo e o ódio e a Humanidade possa reconhecer e viver mais a fraternidade multipolar da cornucópia da  Natureza,  e da presença da Divindade pessoal em cada um....

sábado, 28 de junho de 2025

Poema às almas que ainda virão e lutarão pela Verdade e a Divindade na Humanidade fraterna e multipolar.


Ó esperanças escondidas,

resisti na vossa integridade

e chegareis ao local sagrado

onde o peito respirará fundo

e se abrirá como espaço puro

da auto-consciência imortalizante.

 

Ó corvos das noites e profundezas,

ó leões do destemor e coragem, 

 despertai a vossa auto-consciência

serena e firme, corajosa e irradiante 

e desfrutai da felicidade do espírito

que é a humana essência vibrante

no Graal de cada coração. 


Ó almas que aspirais à verdade,

ó vivos e ardentes corações,

 resisti às distrações ou opressões

e comungai com vossa essência

e o corpo místico da Humanidade, 

 perseverando corajosamente

nas vossas lutas e uniões, 

em prol da  Justiça e da Verdade, 

religando a multipolar Humanidade 

à imanente e transcendente Divindade. 

sexta-feira, 27 de junho de 2025

O prefácio de Einstein ao livro "O Homem e os seus Deuses", de Homer W. Smith, de 1953. Previsões: o enfraquecimento das religiões e o perigo do nacionalismo

                                                          

 Homer William Smith (1895-1962) foi um biólogo, especialista nos rins e que se dedicou também à história da evolução da humanidade e das suas ideias e crenças, tendo publicado obras com sucesso tanto do foro fisiológico como de racionalismo histórico. Era um agnóstico e defendia apenas a evolução das espécies  e das  crenças. Em 1952 publicou a sua obra mais importante Man and His Gods, com um prefácio de Albert Einstein o qual pelo seu valor resolvi traduzir e comentar. 

 O livro é grande, um in-4º de 501 páginas, e Einstein diz que o leu cuidadosamente, dividido nove capítulos, que resumimos sumarissimamente,  tendo durante anos o norte-americano Homer W. Smith  estudado as religiões, realçando relações e  aspectos pouco realizados por muitos. No I capitulo, Talismã, descreve a evolução da humanidade e a civilização egípcia. No II, a Grande Mãe, os cultos femininos no Médio Oriente e Mediterrâneo. No III, O Céu é o meu trono e a terra o meu escabelo,  fala de alguns dos povos semitas, e em especial dos hebreus e sua religião. No IV O Deus ressuscitado e o Espírito sagaz, aborda os cultos e iniciações  dos mistérios orientais e greco-romanos. No V, Vinho Novo e odres velhos, o cristianismo e sua evolução e heresias. No VI, A elevação e a queda do Império de sua Majestade Satânica,  examina as fontes judaicas onde surge Satan como uma personificação da origem do Mal, e detém-se nas  concepções de S. Agostinho e de outros, incluindo o inferno, a inquisição, as bruxas e a sua repressão. No VII, O Problema das espécies descreve a evolução das ideias na Igreja  e os avanços das ciências em luta contra ela, detendo-se em Bacon, Ockan, Galileu, De Maillet e Erasmus Darwin. No VIII, A Luz será lançada ao Homem,  valoriza a saga do racionalismo e do evolucionismo e em especial em Charles Darwin e Spencer, mas também no historiadores do Cristianismo e em Julian Huxley. No IX Para qualquer Abismo, avança para  os pensadores e filósofos mais importantes, Loke, Kant, Hume, Huxley e a sua actualidade. Após um breve epílogo, o capítulo inumerado final intitula-se a História deste livro, onde se auto-biografa detalhadamente, bem como aos seus pais, descreve os seus livros anteriores,  o The End of Illusion como de um agnóstico e negador do livre arbítrio, e nomeia as fontes donde retirou muita da informação religiosa e mitológica, curiosamente citando alguns autores que entre nós Fernando Pessoa, sete anos mais velho que ele,  também apreciou: John Robertson, o discípulo de Charles Bradaugh, Reverend Alphonsus Summer, Andrew D. White,  e sobretudo a Encyclopaedia Britannica,  e a Encyclopaedia of Religion and Ethics, editada por J. Hastings.

 Albert Einstein (1879-1955), dispensa apresentações. O prefácio, escrito já no final da sua vida, mostra-o como um racionalista algo materialista, crítico das religiões e mais ainda dos nacionalismos exagerados, que ele conhecera bem ao fugir do nacional-socialismo hitleriano alemão, e que hoje está em crescimento disfarçado ou não em vários organismos e nações. Aprecia sobriamente a obra de um cientista e racionalista agnóstico como  ele, e não transparece ser dum  deum gnóstico ou, que seja, apenas um crente da religião. Para quem hoje imagina ou valoriza muito a espiritualidade de Einstein não será neste texto que se pode basear, pois nada nele pressupõe a existência do espírito ou duma alma imortal,  de capacidades de clarividência, da existência de espíritos celestiais, ou da Divindade. Mais, Einstein considera mesmo que as concepções religiosas são meramente cristalizações organizadas de imaginações e fantasmagorias e que passaram por uma fase animista e mitológica. Mais grave ainda, considera que tais concepções ou crenças foram induzidas pelo medo, nem sequer reconhecendo a alegria, a gratidão, o amor, a devoção ou mesmo a simples sensibilidade anímica como causadoras desse desvendar de presenças subtis sob as aparências objectivas do mundo, e que tanto caracteriza seja as diversas formas de animismo ou panteísmo, seja as iniciações, gnoses e místicas das diversas religiões e grupos. Também consideramos exagerada a  apreciação de Einstein das consequências das religiões nos seres humanos e a previsão do seu enfraquecimento, desaparecimento. Mais certeira e actual será então a sua crítica algo profética dos perigos de certos nacionalismos ou de certos fascismos europeus e oligárquicos que se perfilam cada vez mais autoritariamente na União Europeia, que esperemos que se liberte de tal direcção negativa. Mas passemos ao prefácio do notável cientista.

«O professor Smith gentilmente submeteu-me o seu livro antes da publicação. Depois de lê-lo minuciosamente e com intenso interesse, tenho o gosto de cumprir ao seu pedido de dar-lhe a minha impressão.
A obra é uma tentativa concebida amplamente para retratar as ideias animistas e míticas induzidas pelo medo do homem, com todas as suas difundidas transformações e inter-relações. Ela relata o impacto dessas fantasmagorias no destino humano e as relações causais pelas quais elas se cristalizaram em religiões organizadas.
Isto é um biólogo a falar, cuja formação científica o disciplinou numa objetividade severa raramente encontrada no puro historiador. Essa objetividade, no entanto, não o impediu de enfatizar o sofrimento ilimitado que, nos seus resultados finais, esse pensamento mítico ocasionou no homem.
O professor Smith vê como uma força redentora o treino na observação objetiva de tudo o que está disponível para percepção imediata e na interpretação dos fatos sem ideias preconcebidas. Na sua visão, somente se cada indivíduo se esforçar pela verdade é que a humanidade poderá alcançar um futuro mais feliz; os atavismos em cada um de nós que impedem um destino mais amigável só podem ser tornados inefectivos dessa forma.
O seu quadro histórico termina com o final do século XIX, e com uma boa razão. Naquela época, parecia que a influência dessas forças míticas, ancoradas em autoridade que podem ser denotadas como religiosas, tinha sido reduzida a um nível tolerável, apesar de toda a inércia e hipocrisia persistentes.
Mesmo então, um novo ramo do pensamento mítico já havia crescido forte, um não de natureza religiosa mas não menos perigoso para a humanidade: - o nacionalismo exagerado. Meio século mostrou que esse novo adversário é tão forte que coloca em questão a própria sobrevivência do homem. É muito cedo para o historiador atual escrever sobre este problema, mas é de se esperar que sobreviva alguém que possa assumir a tarefa numa data posterior.»
  

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Filipe Nery Xavier: As comemorações do centenário do nascimento do notável historiador, presididas pelo conde Mahem, em 1901, Nova Goa, descritas por Amancio Gracias.

                     

Belas e vívidas descrições por Amancio Gracias das comemorações do centenário do nascimento do historiador Filipe Nery Xavier, celebradas em 1901, em Nova Goa, e transmitidas à posterioridade (e à sua imaginação e clarividência) no seu prefácio à reedição do Bosquejo Histórico das Comunidades, de Nery Xavier, dado à luz em 1903, em Bastorá:

                           
«Foi num artigo publicado no nº 432  do jornal Heraldo de 25 de Julho de 1901 que aventei a ideia da celebração do centenário do nascimento de Filipe Nery Xavier, ideia que foi rapidamente ganhando terreno na consciência pública, sendo apoiada com muito entusiasmo por toda a imprensa portuguesa de Goa e Bombaim.
E como era preciso ouvir-se a opinião do público ilustrado sobre a maneira mais digna se se levar a efeito tal pensamento, se convocou uma reunião para o dia 18 de Agosto de 1901, nos paços municipais deste concelho, sendo assinado o respectivo convite pelo dr. Miguel Caetano Dias e mais alguns cavalheiros.
Nesse dia, pois, tendo-se reunido, nos mesmos paços, à hora prefixa um grande número de cidadãos, proprietários, homens de letras, jornalistas,funcionários públicos e negociantes,  o referido Dr. Dias declarou iniciados os trabalhos, e após um expressivo discurso, em que acentuou os méritos e serviços de Filipe Nery Xavier, bem assim os títulos que o recomendavam à gratidão e reconhecimento do país, convidou  o Sr. Conde de Mahem a presidir à Assembleia, convite que o mesmo titular agradeceu e aceitou. Constituída a mesa, falaram sucessivamente o dr. José Maria da Costa Alvares, Ismael Gracias, drºs Miguel Caetano Dias, P. A. Coelho, António Maria da Cunha e João Baptista Amancio Gracias, adoptando-se unanimemente as seguintes resoluções.
O Conde de Mahem, Dom José Joaquim Cristóvão de Noronha (1847-1929)

I Entalhar-se uma singela lápide com inscrição comemorativa na parede frontal das casas situadas nesta capital, onde F. Nery Xavier viveu, trabalhou e morreu.
II fazer-se uma
 nova edição revista correcta e anotada do Bosquejo Histórico das Comunidades, precedida do esboço biográfico do autor sendo encarregado desse esboço Amancio Gracias e de dirigir a reedição o dr. José Maria de Sá.
III. Fazer-se também, quando o permitam os meios, a reedição das outras obras mais importantes do mesmo escritor.
IV. Colocarem-se bustos em mármore de F. Nery Xavier nas salas das câmaras agrárias de Goa.
V. Realizar-se em qualquer dia do mês de Dezembro que for designado pela comissão executiva central, uma sessão solene comemorativa da pretendida celebração secular, nos paços municipais , convidando-se previamente os escritores do pais a falarem nesse dia em honra de Filipe Nery Xavier.
Nomeou-se em seguida essa comissão executiva que ficou constituída pela seguinte forma: Presidente, o conde de Mahem; vice-presidente,o coronel João de Melo Sampaio; vogais, Dr. Costa Alvares, Ismael G
racias, António Felix Pereira, dr. Prudente de Meneses, dr. Pedro António Coelho, Amancio Gracias (secretário).
                                                 ****
 
                        

 Realizaram-se efectivamente no dia 15  de Dezembro, com o maior esplendor, os festejos do centenário. De manhã, a banda de música do batalhão de infantaria tocou à alvorada percorrendo em seguida as principais ruas da cidade.
Às 5. h. da tard
e, no meio dum enorme concurso de gente de todas as classes sociais e em presença da comissão executiva, o conde de Mahem desvelou a lápide comemorativa entalhada na parede principal das preditas casas, que traz a seguinte legenda:

NESTA CASA VIVEU E MORREU
FILIPE NERY XAVIER
NASCIDO AOS 17 DE MARÇO 1801
FALECIDO AOS 26 MAIO DE 1875
HOMENAGEM DOS SEUS CONCIDADÃOS
NO SEU PRIMEIRO CENTENÁRIO
1901. 
A referida banda de música esteve no local desde as 16:30 executando as peças do seu reportório.
Muito antes da hora designada para a sessão solene, o vasto salão do município,que estava primorosamente decorado, se encheu à cunha, de damas e cavalheiros, achando-se ali brilhantemente representadas todas as classes sociais: grandes do reino, titulares, comendadores e cavaleiros, alto funcionalismo, oficiais da armada e do exército, representantes do município e da imprensa e de diversas instituições literárias, em suma clero, nobreza e povo.
As 19:15, abriu sessão o presidente da comissão executiva, dando sucessivamente a palavra aos oradores inscritos, Joaquim Vitorino Barreto Miranda, dr. Durante F. da Gama Pinto, F. X. Theodoro de Miranda, drs. J. J. Roque Correia Afonso, José Joaquim Fragoso, Frederico Guilherme Lourenço e José Benedito Gomes,todos os quais discursaram eloquentemente, sendo palmeados com muito entusiasmo. 
A meio da sessão, entrou s. exa. o governador geral, conselheiro E.A. Rodrigues Galhardo, acompanhado do secretário geral interino, capitão M. A de Matos Cordeiro, chefe do estado maior, capitão A. C. de Souza Araujo, administrador do concelho das Ilhas, capitão Nicolau Reis,comandante da bateria de artilharia, capitão Paulo Júdice e ajudante de campo, alferes A.da Fonseca.
Nos intervalos dos discursos, tocou a banda regimental.
Distribuíram-se nessa ocasião dois folhetos, um intitulado: «Um feixe de flores silvestres para a coroa da glorificação centenal de F. Nery Xavier», por Roque Bernardo Barreto Miranda, outro, em francês «Centenaire  Filippeneryne - Filipe Nery Xavier -apotheóse» por Soares Rebelo.
Terminou a sessão pelas 10:30 da noite.
Idênticas sessões se realizaram também em diversos concelhos e freguesias de Goa, bem assim no Instituto Instructivo Musical, desta cidade, proferindo-se discursos e memórias sobre o objecto do jubileu centenal.
Nova Goa, 3 de Julho de 1902.
J. B. Amancio Gracias. »
 
                                 
Ao transcrevermos beneditinamente estas páginas, homenageamos Nery Xavier, Amancio Graçias, o conde de Mahem e os outros intervenientes,  ressuscitando momentos de grande civismo e culto da investigação e preservação histórica na Índia portuguesa, em Nova Goa, no começo do séc. XX... 
Da figura anímica de Filipe Nery Xavier, esboçamos um brevíssimo resumo neste blogue, incluído em   Março e suas efemérides do encontro de Portugal e a Índia, do Oriente e o Ocidente, com as suas grandes almas: 
                                     
«Nasce neste dia 17 de Março em Nova Goa, em 1801, Filipe Nery Xavier, que será um notável investigador e historiador por mais de cinquenta anos, oficial maior da secretaria geral do  Governo da Índia, vogal de numerosas comissões de serviço público, director da Imprensa Nacional, sócio correspondente de várias academias (desde 1863, da Academia Real das Ciências de Lisboa) e autor de vasta opera, começada  com a Folhinha Eclesiástica, Histórica  e estatística de Goa para 1840, a que se seguiram várias outras obras sobre legislação, costumes, governos de vice reis e grafologia das suas assinaturas, destacando-se a Nobiliarchia  goana, ou catálogo das pessoas que depois da Restauração de Portugal em 1640 e até 1840, têm sido agraciadas pelos soberanos com diversos graus do foro da nobreza, fidalguia e condecorações de ordens militares,  e ainda  o Gabinete Literário das Fontainhas, "um verdadeiro tesouro de erudição arqueológica" (e não só, e como todas as suas obras) no dizer do seu sucessor J. B. Amancio Gracias no esboço biográfico com que prefaciou o Bosquejo Histórico das Comunidades,das Aldeias dos Concelhos das Ilhas, Salsete e Bardez, na reedição acrescentada por José Maria de Sá, dada à luz em Bastorá em 1903, e onde Nery Xavier apresenta a história das comunidades desde os tempos mais antigos e desenvolve-a a partir da chegada e interacção dos portugueses, transcrevendo dezenas de documentos, tais cartas régias, provisões, assentos, impostos, forais,  tudo  bem anotado. Aliás Amancio Gracias comentava assim a valiosa obra publicada por Nery Xavier em 1856 (e em 1859 sairá outra sobre S. Francisco Xavier), Instruções do Vice-Rei Marquês de Alorna ao seu sucessor Vice-Rei Marquês de Távora: «As anotações a este livro são copiosas, revelando vastos conhecimentos da nossa história pátria; por elas se pode bem à justa aquilatar a lucidez da inteligência, a força da vontade e o amor com que o autor diligenciava pôr os seus patrícios,os contemporâneos, o público em geral, ao corrente dos acontecimentos que andavam envoltos em pó nos arquivos.» 
Saudemos estas grandes almas indo-portuguesas onde quer que estejam e saibamos trabalhar perseverantemente como elas e com elas, para diminuir a  ignorância, fanatismo e violência contemporâneos e aumentar a Luz, a Cultura, a Paz, a Fraternidade, a Multipolaridade...

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Do livro "Da Alma ao Espírito", transcrição do 2º cap. "Sobre a Consciência e as práticas espirituais, o Espírito e o Divino." Melhorado .

                                 
II - SOBRE A CONSCIÊNCIA E AS PRÁTICAS ESPIRITUAIS, O ESPÍRITO E O DIVINO.

Quando tentamos aprofundar a consciência e a actividade mental que com ela concorre observamos vários tipos possíveis de consciência ou, se quisermos, de vários direccionamentos possíveis da atenção consciencial-mental a espelharem-se na nossa consciência de Eu, que poderemos dizer sobreponíveis ou complementares, os quais, com objectivos de auto-consciencialização espiritual meditativa, discriminaremos assim:
Em 1º lugar, podemos consciencializar-nos da nossa situação corporal, e temos a consciência postural, corporal e vertebral: se está mais ou menos alinhada ou direita, tensa ou descontraída, com problemas ou dores aqui ou acolá, podendo mesmo acontecer descontrairmos ou harmonizarmos, pela contração e distensão e pela respiração consciente, tais zonas ou órgãos, e consequentemente os centros nervosos e suas energias subtis.
Em 2º lugar, temos a consciência respiratória: ou seja, sobre a respiração, que absorve não só ar mas também certas forças subtis e psico-espirituais, lançamos ou deixamos cair a nossa consciência ou consciencialização (num ver e sentir interior) e observamos ou concentramo-nos nela, desfrutando dos seus efeitos benéficos, que vão desaguando na purificação e energetização pulmonar, dos centros de  força (chakras) e global, na interiorização e subtilização do conteúdo de consciência, esta em parte alcançada pela diminuição dos pensamentos dispersivos, os quais em geral ocupam o cérebro e  mente  impedindo a consciência de se interiorizar, concentrar, serenar.
Em 3º lugar, vamos passando para a consciencialização energética e vibratória: sentimo-nos mesmo num corpo subtil vibratório, de ondas e partículas, com o som ou crepitar interior que é um nível interno do que foi denominado pelos pitagóricos da música das esferas ou partículas a ecoar ou ressoar de certa forma ou frequência no nosso ouvir interior e cabeça.
Em 4º lugar, começamos a observar melhor os sentimentos e pensamentos, ou mesmo a sentir e até ver as imagens vivas que estão em nós e à nossa volta, provenientes de pensamentos e emoções, desejos e forças psíquicas ambientais, e que são imagens ou símbolos de energias e impressões, ora reais ora fantasiosas, nossos e dos outros e que subtilmente nos afectam. Tais pensamentos e imagens são o reflexo de vibrações dos planos ou níveis de vida astrais e psíquicos, evanescentes e mutáveis, onde não nos devemos deter demasiado, apenas observando e retirando alguma ilação e    dissolvendo o que possa obstar à calma e à claridade, de modo a prosseguirmos, com mais aspiração da consciência e do olhar interior, para o Ser e o mundo Espiritual e Divino...
Em 5º lugar, começamos a ter mais presente a consciência da auto-consciência, ou seja, ao estarmos conscientes de nós próprios, Eu subjectivamente sentido, num corpo psico-físico, utilizando um cérebro e uma alma, com os seus órgãos de percepção e pensamentos que estão mais ou menos harmonizados. Começamos assim a sentir a consciência pura ou observadora em nós e a intuir o mundo espiritual, e algo da consciência superior, dita Infinita ou Divina, que perpassa por nós o que gera transmite certa paz clarificadora, ou felicidade, ou mesmo visão da estrela do espírito...
Tal como sabemos que as sinapses e redes neuronais se desenvolvem com os exercícios psico-somáticos a que as submetemos, assim também a luminosidade do nosso ser e dos órgãos de percepção e irradiação da nossa entidade espiritual, chamados chakras em sânscrito, ou rodas de energia, se desenvolvem, harmonizam ou nos recarregam nos momentos de maior auto-consciência, respiração e abertura, esforço ou ligação espiritual e divina...
Quais as melhores práticas para trabalharmos e desenvolvermos tanto o nosso ser espiritual como os seus órgãos de percepção e comunicação, tanto mais que os vamos utilizar ou depender deles quando sairmos do corpo físico na morte, é uma questão importante e em grande parte a Religião, qualquer que ela seja, devia assentar nisto, para que não seja sobretudo crença, ritos e moralidade mas também vivência interior e fortificação e desenvolvimento da alma e suas capacidades subtis.
Em 6º lugar, como resultado da abertura e alinhamento da alma e do aprofundamento do nível da consciência, podemos obter a consciência da presença do Espírito e dos seus sinais ou atributos, nomeadamente a Luz, a paz, o amor, ou a mesmo a visão dele, subtil, no alto.
São níveis e realidades vivenciáveis pela inspiração, o amor, a concentração, a meditação, a oração e contemplação, embora estejam mais ou menos presentes no dia a dia no que fazemos, sentimos e pensamos, e por vezes subitamente aflorando, desvendando-se, expandindo o campo unificador da nossa consciência...
E assim, com o tempo, quando fechamos os olhos e meditamos ou oramos, por vezes conseguimos logo sentir a graça, isto é, a presença ou influência espiritual ou divina no nosso peito, na visão interior e em impulsos de acção “dharmica” (de ordem, dever, em sânscrito) ou justa...
Podemos igualmente sentir um dos órgãos energético-espirituais mais vibrante ou cheio, tal como o coração espiritual, com a abertura e sucessivos estágios ou estados de maior interiorização, unificação anímica e ligação superior, passando pela invocação e a visão, o amor e a alegria...
Podemos avançar então mais para o mistério da Divindade e em especial de Deus em nós...
Donde vem a presença de Deus, ou de onde emanam os seus eflúvios? Do Cosmos infinito, do centro do Sol, do centro do Cosmos, do mais íntimo de nós? Não será a simultaneidade, a instantaneidade, a plenitude que melhor O podem tentar, sempre limitadamente, caracterizar ou, melhor, fragil e distantemente descrever?
Como poderemos aumentar a receptividade a Deus, para além de levarmos um modo de vida harmonioso e justo, puro e elevado?
As nossas utilizações dos pensamentos e sentimentos e as nossas práticas espirituais poderão levar a quantificações possíveis, de tal forma que poderemos dizer que às 11:00, pela nossa abertura e trabalho elevativo da frequência vibratória, tenho ou estou consciente de quatro unidades de Presença ou Luz Divina e que às 12:00 tal aumentou, e que há assim uma ondulação e por fim uma média geral em cada dia ou mesmo na nossa vida, no que se vai tornando o nosso tónus interior, tingindo o denominado karana Sharira no Yogavedanta indiano, o corpo causal, que contem as nossas memórias e está mais contíguo ao núcleo identitário, a centelha espiritual?
Certamente que o estado da nossa aura e do nosso corpo espiritual melhoram e clarificam-se, ao acalmarem-se e harmonizarem-se as tensões e ondulações ao receberem-se forças e correntes luminosas da natureza e dos mundos e seres espirituais, quando fazemos tais meditações e práticas, por isso sem dúvida sempre recomendáveis e desejáveis...
E, assim, vamos abrindo-nos mais a Ele, seja em primeiro lugar no seu nível mais transcendental enquanto Espírito Absoluto Original, ou indianamente, Mahashudashakti, a grande energia pura coesiva omnipresente,  seja já enquanto Logos ou Inteligência-Amor, mas também ainda enquanto Espírito individualizado que está em nós, centelha, chispa do sol de Amor, e que é ou gera confiança, força e alegria, tornando-nos assim mais sensíveis às correntes das energias luminosas dos psíquicos e espirituais que envolvem e influenciam toda a humanidade, seja acordada seja quando dorme...
É com estes níveis e é nestes níveis que devemos trabalhar e auto-consciencializar-nos mais, identificando-nos como activos cooperadores da Divindade e dos grande seres. E para conseguirmos senti-lo ou mesmo irradiá-lo, a assimilação interior das grandes afirmações ou mahavakyas são recomendáveis, tal como "Eu sou um Espírito divino",  "Eu sou um Sol (ou uma centelha do Sol) divino",  “Om Tat Sat” ou “Tu é esta verdade divina”, o “Aham Brahmasmi” ou Eu sou o Espírito Primordial, partilhando-se tais realizações íntimas como luz e amor para os próximos e distantes, encarnados ou desencarnados... 
Finalizemos este pequeno ensaio saudando e invocando a Divindade enquanto Espírito Primordial, da qual uma boa imagem evocadora será o firmamento e espaço infinito, Aditi, a mãe dos Deuses na Índia védica, e que é em nós mais perceptível quando estamos numa frequência mental de consciência não-dual, quando saímos de uma meditação ou de um recolhimento, ou perante um horizonte imenso.
Aprofundar este sentir consciencial é certamente uma prática importante não só ao inspirarmos e expirarmos beneficamente diante de uma janela aberta ou por entre os prédios citadinos, as tensões das sociedades e os sofrimentos da Humanidade, mas também para cultuarmos e trazermos mais à dimensão humana tanto a Unidade cósmica Divina, denominada Tawid no Islão, próxima do Logos spematikoi (a inteligência-amor omnipresente cósmica) dos sábios greco-romanos, como a nossa entidade espiritual individualizada.
Saibamos pois resistir às crises e opressões, dúvidas e agitações, cepticismoe e vazio, mantendo a nossa ligação vertical com o mundo espiritual e o Divino e um relacionamento horizontal de compaixão e justiça, amor e sabedoria com os seres que vamos encontrando ou convivendo no Caminho da Vida, solidariamente. E que no nosso peito ou coração brilhe cada vez mais o Ser, o Espírito, a Centelha Divina. 
"que no nosso peito ou coração brilhe cada vez mais o Ser, o Espírito, a Centelha Divina" 

terça-feira, 24 de junho de 2025

Do livro "Da Alma ao Espírito", transcrição do 1º cap. "Das Tertúlias e das Amizades, do Amor e do Conhecimento", melhorado.

Relendo há dias, numa espera de atendimento, os primeiros capítulos do livro, sob a tão bela e simbólica fotografia da Alice Batista, senti que o valor deles é perene e, como a obra é pouco avistada e comprada, resolvi transcrever e partilhar alguns dos 33 ensaios, quem sabe impulsionando até algumas pessoas a procurarem-na.  

     I – Das Tertúlias e das Amizades, do Amor e do Conhecimento. 

Por vezes somos mais confrontados com o mundo, a multiplicidade, a dualidade, os outros, o outro que ora se opõe e ataca ora nos quer compreender e dialogar, conhecer ou acompanhar, ser amado ou amar...
Mas, como não temos os mesmos gostos, afinidades e visões do mundo e dos seus acontecimentos, dos seres e de nós, somos obrigados a discutir ou a calar, e a separar-nos, sentindo que não conseguimos acolher toda a diferença, amar toda a gente, ou que a concórdia, mesmo entre poucos, é bem difícil...
Assim, aconselharíamos prudência: não te exprimas plenamente com toda a gente, já que não te podes dar bem com todos, pois muitos não aceitarão o que pensas ou dizes, e por isso guarda-te, não te reveles ou te expresses demasiado política e filosófica, religiosa e espiritualmente sem estares certo da afinidade e receptividade dos outros...
Eis o rescaldo de uma tertúlia e jantar [com Luís Furtado, Francisco Moraes Sarmento, João Botelho e Manuel Bernardes], com discussões talvez mais do que conversa filosófica e religiosa, esquinas das  almas que não se dão plenamente, ou que não se harmonizam muito bem...
Mas se admitirmos que:
O Amor é a essência divina, pois é a força de atração e coesão de toda a vida manifestada.
O Amar é a fluidez natural da essência do ser humano e logo o desejar o Bem de todos os seres.
E se o Bem não é o prazer ou o que cada um deseja, mas sim o que é melhor para a sua alma em evolução num Cosmos de origem e imantação Divina, ou seja, num Todo ordenado pela Sabedoria-Amor consubstanciante, então podemos amar todos os seres, ainda que possamos desejar ou pensar que alguns mereçam ser presos ou reeducados, pelo sofrimento que causam nos outros, no planeta, no Cosmos, e outros serem mais apoiados ou amados, o que em geral se verifica no amor dos familiares e dos amigos e amigas...
Desejamos mais Amor quanto sentimos que podemos ser ou estar com os outros em amor, ou seja, quando há reciprocidade amorosa ou pelo menos aceitação potencializante e, por isso, certos desentendimentos políticos e intelectuais, ou esfriamentos afectivos e emocionais, são fatais para possíveis uniões, descobertas e criações. 
Contudo, a ordem sábia do Universo ou Cosmos, o Logos, Anima Mundi ou Rita (na tradição indiana), na sua visão dinamizante mais profunda das potencialidades interrelacionais, escapa-nos com frequência e faz-nos perder face a cada situação a fluidez desprendida e criativa tão necessária à nossa evolução e, portanto, à aceitação de certas diferenças ou desavenças como fases de um processo dialogante que ainda assim vale a pena ser perseverado...
Entre os milhares de pessoas que conhecemos algumas, por evidentes ou misteriosas afinidades, destacam-se e criam laços subtis mais fortes, para onde tende mais facilmente a nossa capacidade de empatia, o diálogo estimulante e aprofundante e, logo, o amor, com maior ou menor reciprocidade, com maior ou menor consciência do valor dos fios e canais sintonizadores, descobridores, transmissores e por fim geradores.
Todavia, mesmo estes seres afins estão dotados da sua liberdade própria e escolhendo por si mesmos o seu percurso, seja de Amor aproximativo ou unitivo seja de solitária via interior ou recolhimento, última via esta então diminuindo ou cortando a ligação mais interpessoal que se poderia afirmar potencialmente, para desilusão de quem aspirava a um relacionamento mais duradouro, a um projecto de investigação e acção mais continuado, a uma relação amorosa aprofundante e plenificante.
Em verdade, os seres são atraídos ou tendem intimamente para o Bem  Divino ou Cósmico, que é a Verdade, o qual impulsiona o processo evolutivo no tempo e no espaço dos seres, com os seus instintos,  afectos,  pensamentos, intenções e ideais, chegando a todos os níveis do Ser e da existência embora, na realidade manifestada que a nossa consciência normal consegue hoje captar e entender, poucos seres intuem ou querem alinhar-se com tal elevado nível e preferem seguir o seu ego, ou o que as ideias-forças sociais e mediáticas tentam impor, desviando-se, dispersando-se e  enfraquecendo as suas mais altas possibilidades de auto-consciencialização e realização espiritual, e logo evolução e cooperação no Cosmos...
As amizades, tanto as livres por espontaneidade e criatividade, mais ou menos marcadas pelas personalidades e egos, como as mais puras e sintonizadas com o Amor e a Verdade, tornam-se então factores potencialmente iluminantes e algo divinizantes, ao fortificarem-nos e ao aproximarem-nos da nossa essência e missão e logo duma certa plenitude nossa a qual, na sua irradiação social com os amigos tende para a reinvenção de dias mais claros e noites mais profundas, parafraseando Manuel de Faria e Sousa (1590-1649), sábio historiador português, geradores de subtis interacções e aproximações à verdade e ao amor dos seres e das coisas...
O grande desafio dos nossos dias, tão caracterizados por um excesso de informação e de comunicação, é sabermos não apanhar ou mesmo acumular tanto lixo, manipulação e ruído, e antes aprofundar as afinidades electivas, aquelas que nos elegem, elevam e frutificam, ora com pessoas, livros, ideias e ambientes naturais, ora com profissões, criações e vocações, ora ainda pelas meditações e contemplações mais germinantes no mundo espiritual e divino...
A partilha convergente de recursos e capacidades foi, é e será um dos desafios principais, pois numa sociedade mundial em crises conflituosas mais do que nunca são necessárias ilhas, oásis, paraísos, grupos, centros onde as almas se possam encontrar, dialogar, recompor, clarificar, solidarizar, criar...
Sabemos pouco da intensificação, protecção e germinação que as pessoas mais amorosamente interelacionadas podem fazer espiritualmente aos seus planos e criatividades, e logo aos seus seres psico-espirituais, e por isso há que meditar e trabalhar mais os nossos relacionamentos e a nossa essência espiritual e a sua ligação com a Alma do Mundo, o Logos, a Maha Shuda Shakti (a grande energia primordial pura), com as suas formas de pensamento, psicomorfismos ou arquétipos e as suas correntes e seres subtis, as quais podem inspirar e intensificar as nossas melhores potencialidades e aspirações, intenções e realizações.
Esta é aliás uma das zonas do conhecimento humano mais em destaque, a da ligação do mundo potencial espiritual com a realidade cerebral e física, e sabemos como as neurociências e a física quântica estão, através de alguns dos seus cultores, a tentar descobrir, investigar e clarificar os processos e paradigmas unificadores do Alto e do Baixo, da super-informação cósmica e da mente humana, da mente subtil e do cérebro físico e neuronal, com alguns aspectos da física moderna a valorizarem a extensão do espaço vazio em cada átomo da matéria, do corpo ou do cérebro, apto assim a conter ou a ser atravessado por múltiplas radiações, nomeadamente as energéticas, psíquicas e espirituais, bem como a realçarem o facto de que o observador influencia a coisa ou sub-partícula observada,  comprovando o que Antero de Quental, entre nós, denominou pioneiramente a “unidade da consciência”, da qual o magnetismo e a comunicação do pensamento seriam manifestações, o que está hoje a ser muito investigado sob a designação do campo unificado ou unitário de energia, informação e consciência, e no qual se verifica o entretecimento ou emaranhamento das mentes nele.
Esta actividade é realizada por nós diariamente nos sonhos e nas intuições, nas empatias e telepatias, nos pressentimentos e nas adivinhações, nas meditações e contemplações, processos que devemos cultivar e aprofundar para que os nossos potenciais sentidos subtis se desenvolvam nos seus vórtices e nos permitam aceder à crista da onda do auto-conhecimento planetário, com a nossa entidade pequena e humilde mas trabalhadora e cooperadora, e irmos vencendo as limitações do tempo e do espaço, na unidade da luz e da comunicação super-rápida e fazendo diminuir a ignorância, a obscuridade e a violência...
Só poderemos então finalizar este texto inicial com o pedido humilde que Ela, a Divindade que sustenta a Manifestação, e eles, o grandes Seres, nos abençoem, e que a chama do coração espiritual arda e irradie mais sábia, corajosa e amorosamente em cada um de nós, para que o mundo se torne mais puro e cósmico, isto, é criativo e belo...

sábado, 21 de junho de 2025

"Grécia, Musa do Ocidente", de João de Barros (1881-1960), um dos mestres espirituais de Portugal.

 João de Barros foi um dos últimos mestres da ordem espiritual de Portugal, que sob o nome de Ordem de Mariz foi por uns poucos ora mitificada ora mistificada, mas nunca foi visto como tal, embora tivesse pertencido a várias Academias, sido iniciado na Maçonaria e amplamente condecorado. Foi um republicano íntegro, notável pensador, poeta (quatorze obras) e conferencista, cultíssimo, óptimo prosador, de castiça linguagem, amando Portugal e o seu povo trabalhador, heróico e amante da liberdade, e gerou uma vasta obra, onde destacaremos Portugal, Terra do Atlântico, de 1923, onde afirma quase intemporalmente: "não nos compreendemos a nós próprios. Não somos solidários uns com os outros, na defesa e criação de um Portugal mais forte, mais digno, mais rico, mais próspero. Não nos sentimos ligados por ideal comum, não nos sentimos irmanados numa tarefa comum de reconstrução e de ressurgimento", e Presenças Eternas, de 1943, onde revisita grandes almas dos séculos XIX e XX, nomeadamente  Camilo, Gomes Leal, Antero de Quental ("Antero e o povo"), João de Deus, Jaime Batalha Reis, Guerra Junqueiro, Fialho de Almeida, António Patrício, Columbano,Teixeira Gomes e Manuel Laranjeira. 

Procurando entre as prateleiras consagradas à Grécia os livros dedicados ao Pitagorismo, encontramos a sua bela obra Grécia, Musa do Ocidente e, ao lermos o prefácio. já que não está na rede digital, decidimos partilhá-lo como homenagem a ele, ao Logos, ou pensamento desinteressado e à Grécia eterna, uma das nossas raízes mais valiosas, embora cada vez mais esquecida pois, tal como a civilização romana e o Latim, é algo afastada dos sistemas e programas de educação vigentes na União Europeia tecnocrática globalista e digamos mesmo, actualmente, infra-humanista...

                                     

João de Barros nascera  na Figueira da Foz, vivendo entre 4 de Fevereiro de 1881 e 25 de Outubro de 1960, e foi um notável republicano democrata, professor e pedagogo,  viajando em missão de estudo pedagógico em 1907, e com a República em 1910 sendo nomeado Director-Geral da Instrução Pública, vindo a desempenhar um papel importante na modernização do ensino, dentro da linha da Escola Nova. Chegou mesmo a Ministro dos Negócios Estrangeiros. Findando a 1ª República em 1928, com a entrada de Salazar e a ditadura do Estado Novo renunciou ao cargo de Director-Geral do Ensino Secundário e tornou-se apenas  professor no Liceu Passos Manuel, e passou a dedicar-se mais  ao ensaísmo, à literatura, à educação dos portugueses, nomeadamente adaptando para a editora Sá da Costa obras dos clássicos nacionais e internacionais para jovens. 

Fez parte da Oposição Democrática ao Estado Novo de Salazar e conviveu com muita gente, nomeadamente por escrito, tal como Manuela de Azevedo revelou ao publicar em 1971 Cartas a João de Barros, cento e noventa e cinco, durante sessenta anos por noventa e quatro autores.  No seu caminho fundara e dirigira com João do Rio (o brasileiro Paulo Barreto, o director no Brasil) a revista ou mensário artístico literário e social para Portugal e Brazil, Atlântida, entre 1915 e 1920, e colaborou ainda em muitas, tais a ÁguiaSerõesAqui e AlémSeara Nova, Ler, Ocidente, Serpente, Vértice.

Uma revista de grande qualidade literária e artística, com muita informação da movimentação cultural, na qual colaboraram grandes almas, tais como António Sérgio, Hipólito Raposo, António Patrício e Leonardo Coimbra, este, por exemplo, com um excelente artigo crítico da irresponsabilidade nietzschiana face à ética do bem e do mal, valorizando antes o auto-conhecimento socrático. 

Amostra grafológica da poética caligrafia de João de Barros, numa dedicatória a Victor Quartin, da conferência proferida no Brasil em 1920. O seu espólio está depositado na Biblioteca Nacional

Provindo dum grande amante conhecedor da Grécia, dum esteta e intelectual, dum ético e espiritual,  este breve texto, com tantas palavras hoje já quase perdidas ou não usadas e a merecerem ser reanimadas por nós,  deverá ser lido, sentido e meditado gostosamente...

                             GRÉCIA MUSA DO OCIDENTE

«De todos os miradouros espirituais do Ocidente, sobre todas as distâncias que o nosso desejo busca e abrange, erguem-se, diademando as perspectivas, as linhas puras e serenas do Partenon. Flor suprema do génio grega, suprema criação da Helada, uma límpida e constante alvorada dele irrompe e dimana. E é na sua claridade virginal que mergulham e florescem os sonhos e os ideais, ansiosos de eternidade e beleza.

De volta dele, para ele ascendendo ou nele abraçadas, aí vereis as musas gloriosas: - ao lúcido império de Minerva acolheram-se em bando, em ronda musical, levando Apolo consigo. E o próprio esplendor da luz, e a própria inspiração das musas, tornaram-se mais belos e mais fecundos quando um ritmo de equilíbrio através dele irradiou. Orfeu, Dionísio, abrigaram-se também na austera esbeltez do templo da Razão. O cântico do seu amor, ou o desvairo da sua alegria, aprenderam acentos indeléveis na voz tranquila e ordenadora de Minerva.

Tão grande é a amplitude do génio helénico, e tão complexa,que sob todos os signos o podemos amar e louvar, Eu amo-o e louvou-o sob o signo de Athena. Não da Athena guerreira, mas da Athena inefável que ofertou à Grécia a dádiva, quase sobrehumana do pensamento desinteressado, do pensamento que é volúpia e orgulho de pensar. Da Grécia recebemos essa dádiva única; e ela tem sido sempre a nobreza, a graça e a força da civilização ocidental.

E nem só Platão e Sócrates, e nem só os filósofos, souberam pensar e ensinaram a pensar. Em toda a arte helénica, a mais espontânea,a mais instintiva, a Inteligência deixou o seu profundo sorriso. Sorriso horizonte de mil sorrisos - até do sorriso da inconsciência dominada -onde se fundem numa só linha melodiosa as mais diversas expressões da alma.

Paixões, emoções, alegrias, tristezas, entusiasmos, heroísmos, ambições - tudo aí encontra a síntese, a essência da sua perenidade latente. E calmo, - desse vasto e calmo horizonte - levanta-se a todo o instante o Sol que ilumina o Partenon. Não apenas o Sol que das suas colunas divinas dá o tom moreno e doirado, onde correm frémitos de carne adolescente. Mas o Sol que as projecta sobre o mundo, numa sombra radiosa, numa sombra hospitaleira a todos os caminhantes da vida, sôfregos, sedentos, ávidos duma vida mais perfeita...» 

  O livro de 231 páginas relata muito detalhada, poética e sublimemente a viagem e  o encontro com a Grécia que fez graças ao convite do poeta e jornalista Costa Ouranis (1890-1953), estando enriquecida pelo seu bom conhecimento da cultura helénica. Do índice destacam-se alguns capítulos  mais perenes, tais como os dedicados ao santuário de cura de Asklepios, e aos mistérios de Eleusis,  ornados com sugestivas vinhetas de Saavedra Machado.Sim, o auto-conhecimento, a harmonização ou cura e a religação espiritual e vivência fraterna continuam a ser os grandes propósitos da Humanidade....

 

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Dia do Corpo de Deus, isto é, da celebração do mistério da Eucaristia, como presença divina. Uma gravura portuguesa bela e bem estimulante...

 Dia do Corpo de Deus, isto é, da celebração dos mistérios pluridimensionais  da Eucaristia, como presença espiritual e divina, a que podemos aceder seja na Igreja na celebração da missa e na comunhão, seja em casa e nas igrejas, nas nossas devoções ou mesmo contemplações mais sentidas das custódias do Santíssimo Sacramento, seja esculpidas seja em imagens. tal a que partilhamos: 

                           

 É uma gravura oitocentista impressa em Lisboa e vendida na Travessa de S. Domingos, nº 58, contendo na aura oval da custódia irradiando de forma flamejante a inscrição Bendito e Louvado seja o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, estando a hóstia ou partícula sagrada  sobre o varil em forma de lua crescente dentro da ampola ou coluna em vidro, numa custódia de grande qualidade artística sustentada ou apresentada por um par de Anjos de joelhos, como que elevando a custódia no espaço e em nós, ou seja, no nosso peito e coração como habitação visível do espírito ou possível do influxo divino. E que se potencializa tão radiante e ardentemente seja pela intercessão de Jesus seja pela nossa fé e aspiração à acção salvífica da comunhão das espécies reais ou imaginais, ou na contemplação delas, ou mesmo até do espírito divino em nós.

De notar que na partícula representativa do corpo de Jesus vemos   Jesus na cruz tendo S. João e a sua Mãe ao seu lado. O segundo nível da custódia contém um vaso e uma flor que se abre, e o terceiro nível é a ponta ou pináculo, que entra apropriadamente por entre os dois SS, vagamente lembrando a pomba do Espírito santo vista de frente. Relembremos a famosa e belíssima custódia de Belém, realizada pelo grande dramaturgo Gil Vicente, na qual o Espírito Santo como pomba trona ao alto, aqui provavelmente representada de uma forma mais esquemática. Diremos que a custódia da hóstia adorada ou venerada é também a do Espírito (santificante) em nós...

Nascendo na misteriosa última Ceia, tal como a conhecemos pelos quatro Evangelhos, em que Jesus terá instituído o sacramento Eucarístico, ou seja a comunhão das espécies, isto do pão e vinho, como corpo e sangue, de Jesus, ao princípio apenas como lembrança e acção de graças nas celebrações e refeições ou agapes dominicais. 

Foi só  lentamente que a doutrina  da transubstanciação  se foi desenvolvendo sendo afirmada dogmaticamente apenas no séc.XIII, em 1215, no 4º Concílio de Latrão:  com a consagração da hóstia e do vinho, a partícula torna-se  o corpo, e o vinho o sangue, em substância de Jesus. Pouco depois, em 1264, é instituída  a festa do Corpo de Deus e intensifica-se assim o culto do Santíssimo Sacramento já que a Eucaristia não estava a ter tanta frequência ou sucesso; e a partir da Contra-Reforma, iniciada pelo Concílio de Trento (1545-1563) face à oposição dos Protestantes à ideia da transubstanciação ou presença real de Jesus nas espécies, o culto do Santíssimo Sacramento mais se acentua, suplementando o da Eucaristia, com muitos escritos, celebrações, imagens, devoções, exposições, procissões e confrarias ou irmandades. Entre as nossas sorores místicas dos séculos XVI a XVIII que tenho estudado houve várias que tinham grande devoção pelo Santíssimo Sacramento e que obtiveram a graça de visões das energias espirituais que dele irradiavam, sobretudo quando o contemplavam demoradamente.  

Esta gravura, do século XVIII, com as dimensões de 14x8 cm, impressa e vendida numa loja lisboeta ao Rossio, deveria estar ligada a alguma irmandade ou confraria do Santíssimo Sacramento, e emoldurada belamente sob vidro num papel pintado  terá servido como fonte de inspiração, protecção ou mesmo contemplação e comunhão com o mistério ou a potencialidade da hóstia e da custódia como fontes valiosas de ligação religiosa, seja a Jesus, seja ao Amor Divino, seja ao Espírito Santo, dada a sua beleza, forma, simbologia. Ou ainda com os Anjos, ou o Anjo da Guarda... 

 

Como seria bom conseguirmos recuperar as experiência ou vivências dos devotos que tiveram este registo e o utilizaram, tais como as orações ou palavras que pronunciaram diante dele e os estados expandidos de consciência que alcançaram ou mereceram. 

Sendo difícil tal clarividência ao menos pratiquemos nós alguns momentos a contemplação de olhos abertos ou fechados, o louvor bendito ou das graças, em sons e mantras,  e tornemo-nos mais consciente do fogo do espírito e do seu corpo ou aura refulgente ou de Glória.

Que a saibamos meditar matinalmente e intuir que esta imagem registo da custódia do Santíssimo Sacramento da Eucaristia é um ícone teofânico do Espírito, uma avatarização ou descida do Espírito divino, ou ainda de Jesus Cristo, diante de nós ou dentro de nós...

Que a presença espiritual e as bênçãos Divinas e de Jesus e dos Anjos estejam mais plenamente com os que aspiram a elas e os que mais precisam...