O Amor dos Livros é o Amor da Sabedoria e da comunhão com os seus autores e ensinamentos. É pois aprofundamento do conhecimento, ligação subtil às almas imortais, intensificação da luz espiritual em nós e demanda e aproximação da Divindade.
Entrarmos e lermos numa Biblioteca é prestarmos culto aos autores presentes, às suas ideias e mensagens, e sobretudo à Divindade, à santa Sabedoria, a Hagia Sophia, donde tudo emanou e emana na sua íntima e profunda essência, que nos desafia e interpela sempre.
Quando trabalhamos em paz e aspiração numa biblioteca, ou com os nossos modestos livros, o coração psíquico e espiritual abre-se mais e somos verdadeiramente cavaleiros ou cavaleiras na demanda do Graal, da taça da beleza, sabedoria e amor que conseguimos sintonizar, compreender, recolher e viver desses elos da Tradição Perene que contemplamos, abordamos, e que chegam ao mar da nossa alma, banhando-a ou incandescendo-a harmonizadora e curativamente.
Cada livro em si, no autor e época, no conteúdo e estilo, nos aspectos da edição e da ilustração, ou mesmo da encadernação, é uma súmula ou microcosmos de muitos contributos valiosos e anónimos para os quais a menção do artista, do impressor ou da editora é apenas a ponta do iceberg do que estamos a ver e a interrelacionar-nos, tanto é o que subtilmente nos toca e se comunica,
E quando consideramos imaginalmente as pessoas que possuíram o livro, e o anotaram ou assinaram, ou os amigos e investigadores, livreiros e alfarrabistas que nos recomendaram ou transmitiram, entramos então numa fraternidade de elos de uma riqueza vivencial por vezes extraordinária.
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A Catarina, com o seu pai José Manuel Rodrigues, os responsáveis da Livraria Antiquária do Calhariz, e ao meio outro ilustre alfarrabista e investigador, Luís Burnay.
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E que emoção nos toca, quando subitamente descobrimos que um livro tem no seu interior a assinatura de uma pessoa de família ou amiga, o local, a data e que desconhecíamos. Ou quando lemos a dedicatória sentida do autor, impressa ou manuscrita, ou mesmo a modesta anotação anónima mas iluminante e amplificante.
Que ressonâncias gratas para com a Natureza são impulsionadas na nossa alma pela descoberta de umas papoilas, ou folhinhas graciosas e flores algo esmaecidas mas ainda coloridas, ou mesmo um trevo de quatro folhas, fazendo-nos cogitar a autoria, o momento, a cena, os sentimentos, a mensagem que se tentou perenizar nessa espécie de garrafa de água lançada ao oceano, e que com a sua imensa e misteriosa delicadeza ressuscita agora e nos submerge, fazendo-nos transcender o tempo limitado horizontal e penetrar no coração espiritual, na gratidão, na comunhão do corpo místico dos espíritos (tão procurada entre nós por Antero de Quental, Leonardo Coimbra e Fernando Pessoa, entre outros), e logo na imortalidade ou mesmo eternidade...
A comunhão com os livros e o Logos ou Intelecto agente que está por dentro e detrás deles, obtida no seu cuidar e ler, aprender, anotar e amar, tende a tornar-nos semeados ou fecundados por eles e logo a gerar também outros, que desejaríamos sábios, belos, valiosos e úteis, embora saibamos pela sabedoria indiana (Bhagavad Gita II, 47) que temos direito ou mesmo o dever (dharma) de agir mas não necessariamente de recolher os frutos naturais, merecidos ou desejados, sobretudo tendo em conta a situação do mercado editorial e da distribuição dos livros e a forte manipulação superficializante e alienante em relação à sabedoria mais verdadeira e profunda...
O Amor-Sabedoria nos livros é pois fecundo, frutífero, iluminante e unificador mas também desprendido e libertador. E sendo eles um dos seus melhores ou mais preciosos vasos, sempre disponíveis e tão subtil e luminosamente inspirando-nos como guias ou musas das almas no Caminho, que as nossas mãos e corações continuem a saber cultivá-los, amá-los, aprofundá-los...
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