terça-feira, 6 de junho de 2023

Helena P. Blavatsky mistificou? Qual a originalidade e valor da "Isis sem véu"? Por W. Emmete Coleman. Tradução contextualizada.

                                                    

 William Emmete Coleman foi um bibliotecário e espiritualista,  defensor da liberdade de consciência e religião e anti-esclavagista, vindo a ser um administrativo do General Cambay na Guerra Civil norte-americana. Foi um orientalista e membro da American Oriental Society, da Royal Asiatic Society of Great Britain and Ireland, e da Pali Text Society. Questionou tanto aspectos do Cristianismo como casos de Espiritismo, nomeadamente aqueles em que participou Madame Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891) bem como o seu companheiro o então jornalista e antes militar Henry S. Olcott (1832-1907), e investigou a originalidade ou o plagiarismo das suas duas obras principais  Ísis sem véu, e Doutrina Secreta, escrevendo alguns artigos importantes dada a grande credulidade com que tais obras foram recebidas como provenientes de textos com milhares de anos (no caso da Doutrina Secreta, as famosas e nunca confirmadas estâncias do Livro de Dzyan) e de mestres invisíveis, os famosos Mahatmas dos Himalaias que se corresponderiam com ela por cartas, por vezes bastante prosaicas como podemos constatar.  

Se observamos cuidadosamente a Ísis Sem Véu discernimos que embora haja citações do código de Manu, das  Shastras, ou  textos sagrados indianos, a maioria das fontes  são mais da tradição grega, hebraica e cristã, e em seguida de vários religiosos, ocultistas e herméticos ao longo dos tempos, culminando com as últimas correntes do magnetismo, do evolucionista e do espiritismo, esta considerada por ela como o elo entre a ciência e a religião, teoria enaltecedora do espiritismo, que na altura praticava e muito valorizava, e que diminuirá com a sua progressiva orientalização e autonomização com os Mahatmas. 

O coronel Olcott, colaborador de Blavatsky, com W. Q. Judge, na redacção da Ísis sem Véu, dará mais tarde no seu diário Old Dairy Leaves os nomes dos livros e autores mais utilizados, tais The Gnostics and their remains de Charles William King, The Rosicrucians: their rites and mysteries de Hargrave Jennings, o Sod: the mysteries of Adoni, e os Vestiges of the spirit-history of man, de Samuel Fales Dunlap, The Hindu Pantheon de Edward Moor e obras de Roger Gougenot des Mousseaux,  Eliphas Levy, Louis Jacolliot, Max Müller, Huxley, Tyndhal e de Herbert Spencer.

A obra principal de William Emmette Coleman  perdeu-se contudo em  1906, no terramoto de S. Francisco  na  Califórnia, e era nela que detalhadamente demonstrava os plágios e as manipulações de Helena P. Blavatsky na feitura de tais obras, pelo que nos ficaram apenas alguns artigos, tal o seu índice das fontes não referidas na Ísis sem véu, e que foi inserido no fim da obra crítica de Blavatsky, do  Vsevolod Solovyov's: A Modern Priestess of Isis, de 1895. Emmete nascera a 19 de Junho de 1843, tivera um breve casamento, pois a mulher morrera cedo e partira para os mundos espirituais a 4 de Abril de 1905.
O artigo é val
ioso, embora certamente tenhamos de ter em conta que provém de um crítico do conhecimento e fidedignidade de Helena P. Blavatsky, pelo que será sempre bom ouvir as versões bem apreciadoras da sua vida e obra, e que são muitas, pesem as também muitas críticas. Mostra-nos os aspectos iniciais da sua actuação como espírita, depois a fundação de uma agremiação  teosófica, em seguida  a sua repulsão do movimento espírita e, posteriormente, a sua reformulação na Índia e no Ceilão (1880), em contacto com tradições religiosas e espirituais locais, e algumas personalidades, do que se tornou modernamente o corpus doutrinário da Teosofia ou, como René Guénon lhe chamou, o Teosofismo, título de uma obra sua também contra-corrente, e muito crítica de Blavatsky, Annie Besant e Charles Leadbeater e da vulgarização superficial da tradição espiritual indiana que fizeram. Caberá a cada um de nós tirar as suas ilações do texto transcrito, o qual certamente pouco afectará a estima e aceitação que tanta gente tem por tão discutida como audaciosa e criativa personalidade, e pela sua tão rica e tantalizante obra, ainda que frequentemente abstrusa, contraditória, mitificadora e inconfirmável. Fernando Pessoa (1888-1935) acompanhou vários aspectos da vida de Blavatsky e da Teosofia, pois teve de traduzir alguns livros deles, e deixou registos críticos sobre as confusões e vulgarizações teosóficas, algo que já demonstrei em 1988 e 1980 nos livros de inéditos dele que publiquei, em especial o Rosea Cruz, e que brevemente publicarei neste blogue.     (https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2023/11/blavatsky-teosofia-e-fernando-pessoa.html)         

As Fraudes de Madame Blavatsky
por W. Emmette Coleman

Tradução do artigo no The Summerland (Summerland, Califórnia), de 18 de abril de 1891.

«É bem sabido que a fundadora da Teosofia, Mme. H. P. Blavatsky, denunciou durante vários anos o Espiritualismo [Espiritismo] e a mediunidade em termos inequívocos. Em contrapartida, talvez seja bom apresentar alguns factos relativos à ligação desta mulher com fenómenos espiritualistas e outros alegados fenómenos ocultistas. Em 1874, ela atraiu pela primeira vez a atenção do público americano em conexão com alegadas manifestações maravilhosas para ela de "espíritos", através dos [irmãos] Eddy em Chittenden, Vermont. Clamou-se, entre outras coisas, que uma fivela ligada a uma condecoração, enterrada com seu pai, fora trazida do túmulo dele na Rússia para ela na casa da família dos Eddy, pelo poder de um espírito. Subsequentemente, confirmou-se que as condecorações dos oficiais russos nunca eram enterradas com os corpos daqueles a quem eram atribuídas. É claro, portanto, que o alegado fenómeno espiritual foi um truque ou um estratagema, sem dúvida combinado entre ela e os médiuns. Esses médiuns foram por várias vezes apanhados em truque, e possuo uma grande quantidade de provas positivas quanto ao carácter fraudulento das manifestações de Chittenden. Há poucas dúvidas de que todos os fenómenos "maravilhosos" descritos como ocorrendo naquele lugar, em conexão com a Sra. Blavatsky, eram fraudulentos, --- surgidos por arranjos pré-concebidos entre a Madame e os médiuns.
Em 1875, a Madame estava intimamente envolvida em certas manifestações, alegadamente vindas de "John King", através da mediunidade do Sr. e da Sra. Holmes, em Filadélfia. A Sra. Blavatsky afirmou então ser ela própria uma médium do referido John King; e através dela, vários fenómenos dele teriam ocorrido, incluindo longas mensagens através de batidas, escrita directa e pintura por John King, transporte de objectos, etc., todos semelhantes em carácter a muitos que, mais tarde se afirmou, terem sido realizados através dela pelos mahatmas ou adeptos. Ela enviou ao General F. J. Lippitt um quadro, que disse ter sido pintado por John King para o General; mas as provas de que este quadro tinha sido feito pela própria Madame foram publicadas mais tarde. Também foi vista a levantar-se durante a noite e a pintar quadros que, segundo ela, eram produzidos pelo poder dos espíritos. Os Holmes foram expostos como fraudulentos tanto antes como depois da parceria deles com Mme. Blavatsky  nas manifestações de "John King" em 1875; e há fortes evidências de que ela e os Holmes estavam em conluio na produção de fenómenos falsos, principalmente com o propósito de enganar o Coronel Olcott, levando-o a acreditar nos seus notáveis poderes ocultistas.
Em 1874 e 1875, Mme. Blavatsky declarou muitas vezes, da maneira mais enfática, que ela era uma espiritualista de longa data e a campeã dos médiuns, e que o Espiritualismo [principalmente espiritismo] era o salvador do mundo, etc. Em 1875, ela instituiu uma nova sociedade, chamada "Teosófica", inicialmente de natureza quase espiritualista, mas posteriormente com um carácter anti-espiritualista mais pronunciado. Após a transferência da sede desta sociedade para a Índia, em 1878-79, tornou-se radicalmente anti-espiritualista e tem sido desde então uma dura opositora daquilo que professava tão ardentemente em 1874-75. Na Índia, tornou-se muito conhecida pela realização de uma série de supostos feitos de magia, proclamados como sendo em parte obra sua e em parte de certos adeptos que viviam nos Himalaias Tibetanos. Provas abundantes das fraudes praticadas na realização destes feitos foram publicadas pelos seus confederados na culpa, Madame e M. Coulomb, e pelo Sr. Richard Hodgson, no seu relatório de um exame científico dos referidos fenómenos [para a Society for Psychical Research, de Cambridge.]

Tenho provas evidentes de que vários dos principais trabalhadores da Sociedade Teosófica reconhecem que a fraude foi praticada por Mme. Blavatsky e seus assistentes na produção de seus feitos que teriam sido produzidos pelos adeptos e por ela mesma. Li o original de uma carta [de...] provavelmente o mais apto e um dos mais honestos dos principais líderes teosofistas do mundo, na qual ele confessa o seu conhecimento das fraudes praticadas por Mme. Blavatsky e dos seus assistentes na produção de fenómenos espúrios em relação ao tempo. Ele contou sobre o truque da "idosa senhora" de escrever cartas falsas dos Mahatmas, exemplificando um caso em que um amigo seu foi levado a ir para a Alemanha, em obediência a uma carta espúria do Mahatma; tendo ele mesmo recebido uma dessas cartas falsas da Madame. Embora acredite que alguns dos fenómenos mahatmicos sejam genuínos, está convencido de que quase todos são fraudulentos. Diz também que foi avisado pela Condessa Wachtmeister, amiga confidencial e defensora da Madame, "para ter cuidado com as manifestações falsas" feitas por Mme. Blavatsky. Diz também que o Sr. A. P. Sinnett, o autor de Budismo Esotérico, detectou-a numa tentativa de o enganar, com uma carta espúria "precipitada", e que isso quase levou Sinnett a desistir de todo o empreendimento. Diz, além disso, que o Dr. Franz Hartmann, o mais prolífico dos autores teosóficos, tinha escrito um panfleto, no qual, tal como o Coronel Olcott e o Sr. Cooper Oakley, declarava que um grande número de fenómenos da Madame H.P.B. eram fraudulentos. Foi publicado que o Dr. Hartmann, o Sr. William Q. Judge (Presidente da secção americana da Sociedade) e um hindu nativo destruíram o santuário de truques em Madras, no qual os espúrios fenómenos dos mahatmaa foram realizados durante tanto tempo pela Madame, com a ajuda dos Coulombs.
Este santuário continha provas tão palpáveis dos truques que tinham sido realizados com a sua ajuda, que estes três o destruíram, para evitar o seu exame pelo Sr. Hodgson e outros. Esta destruição foi confirmada pelo Dr. Hartmann ao Sr. Hodgson. Diz-se também que o conhecimento das suas fraudes na Índia está mantido sobre a cabeça da Madame Blavatsky pelo Sr. Judge, e que a Sociedade [Teosófica] foi obrigada a pagar as despesas do Sr. Judge de voltar da Índia para a América, tendo ele ameaçado que, se tal não fosse feito, exporia publicamente a fraude que tinha descoberto.
A Sra. Anne Kingsford, autora do livro O Caminho Perfeito, e outrora uma teosofista proeminente, rompeu sua ligação com a Sociedade Teosófica, alegando como razão a sua descoberta das fraudes praticadas por Madame Blavatsky. O Sr. Allan O. Hume foi um dos teosofistas mais proeminentes da Índia, e foi a pessoa a quem foi endereçada, em conjunção com o Sr. Sinnett, a correspondência de Koot Hoomi, que culminou com a publicação por este de O Mundo Oculto e Budismo Esotérico. Quando ele descobriu a fraude que Madame Blavatsky e seus confederados haviam praticado contra ele e outros, cortou sua conexão com a Sociedade, e desde então não teve mais nada a ver com ela. Assim, temos a própria "cabeça e frente" da Sociedade ciente das fraudes da Madame, a saber, o Coronel Olcott, W. Q. Judge, A. P. Sinnett, Dr. Hartmann, Dr. Cooper Oakley, Condessa Wachtmeister, Anne Kingsford, A. O. Hume e o autor da carta mencionada, que não deu permissão para a publicação de seu nome. [Entre nós também Fernando Pessoa se deu conta disso, e anotou-o. E de igual modo o seu contemporâneo e amigo Dr. João Antunes, escrevia em 1917: «É óbvio, Blavatsky foi uma construtora gigante mas nem sempre os seus materiais foram duma discriminada confecção»].

As doutrinas da Teosofia estão contidas nas duas obras de Madame Blavatsky, Ísis Sem Véu e A Doutrina Secreta. O conjunto dessas teorias e afirmações peculiares é plagiado de outras obras e autores. Eu descobri a fonte de onde foram "emprestadas". Não há nada original por si só na Teosofia. O seu primeiro livro, Ísis Sem Véu, é uma compilação de outros livros, a maioria sem o devido crédito. A maior parte do conteúdo desta obra foi copiada, com ligeiras alterações, de outros livros, sem creditar a matéria emprestada às fontes de onde ela foi roubada. Eu rastreei até a fonte original a maior parte do conteúdo da obra, e uma massa tão gigantesca de plagiarismo não adulterado o mundo provavelmente nunca vira antes. Para além disso, as citações de outros autores neste livro estão, em muitos casos, grosseiramente deturpadas, distorcidas e pervertidas; e em vários casos, citações espúrias fabricadas pela Madame sem escrúpulos, são atribuídas a vários livros e autores. Para além disso, toda a obra é uma massa de erros e equívocos de todos os tipos imagináveis. O extremo descuido da autora e a sua grande ignorância em todos os ramos do conhecimento são visíveis em todas as páginas da obra.
A literatura mundial nunca antes foi amaldiçoada com tal monumento de plágio, falsificação literária, falsidade, ignorância, erros e balbúrdia geral como tal alegada produção dos mahatmas Tibetanos na Ísis Sem Véu. Estou agora a publicar em The Golden Way, uma exposição, detalhada, com provas de todas as afirmações, do verdadeiro carácter desta produção única. É provável que eu possa, em algum momento futuro, publicar um livro dando uma exposição completa da Teosofia em todas as suas características, com provas completas da verdade de cada ponto apresentado.»

Emblema ou selo da Sociedade Teosófica, com sede em Adyar, Índia, com o seu famoso e tão verdadeiro mote ou lema, "Não há Religião mais alta que a Verdade". A sede é ainda hoje, pesem tantas mistificações, um local paradisíaco, com uma excelente biblioteca, embora o vento do espírito pareça não soprar já muito por lá...

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