Antero de Quental, sofrido mas destemido, e contemplando para além das aparências e à Verdade aspirando. Então, agora e sempre, na eternidade...
O soneto Inconsciente, de Antero de Quental, tal como outros, na sua linguagem simbólica e metafórica e nas suas fontes e pluridimensionalidade que, em certos níveis mais subtis e universais, podem mesmo ter escapado ao seu pensamento consciente, pois o poeta é movido pelo génio sempre maior do que ele tem consciencializado ou racionalizado, é bem desafiante.
Talvez por isso mesmo, nas poucas menções que lhe faz, numa carta a um dos amigos chama-lhe "abstruso", e noutra deseja que o poema dispense comentários, no fundo que se deixe compreender por si mesmo no sortilégio das palavras, imagens e ritmos. Mas, como estudantes ou amigos da sabedoria e na demanda da verdade, ousemos uma hermenêutica de algumas das linhas de força e causalidade, ou energias psíquicas, ideias, filosofias e intuições que estarão subjacentes ou contidas em tal soneto.
Foi já aos 32 anos, algures entre os finais do ano de 1874 e o decorrer de 1875, que o escreveu e enviou por carta para o amigo João Lobo de Moura, saindo à luz publicamente só em 1876, no nº 6 da revista bracarense Harpa, e em 1881, na edição da Renascença, por Joaquim de Araújo, dos vinte e um Sonetos e, por fim, na edição definitiva dos Sonetos Completos, de 1886.
O INCONSCIENTE
O espectro familiar que anda comigo,
Sem que pudesse ainda ver-lhe o rosto,
Que umas vezes encaro com desgosto
E outras muitas ansioso espreito e sigo,
É um espectro mudo, grave, antigo,
Que parece a conversas mal disposto...
Ante esse vulto ascético e composto
Mil vezes abro a boca... e nada digo.
Só uma vez ousei interrogá-lo:
— «Quem és (lhe perguntei com grande abalo),
Fantasma a quem odeio e a quem amo?
— Teus irmãos (respondeu), os vãos humanos,
Chamam-me Deus, há mais de dez mil anos...
Mas eu por mim não sei como me chamo!»
Constatamos Antero sentir ou idear Deus como um espectro, um fantasma, e quando usa o termo familiar sugere que lhe é tanto presença habitual como é de família, vindo-lhe assim de uma tradição familiar, genética, educativa e ambiental (visível e invisivelmente) católica. É uma figura ora atemorizadora ora aconselhadora, ora negativa ora positiva, ora que odeia (provavelmente por revolta contra aspectos seus históricos do Antigo Testamento ou por má consciência), ora que ama (ou está grato e adora pelo bem e amor que sinta).
Poderíamos admitir nesta descrição duma imaginária visão ou do pressentimento de presença subtil ou espectral, espiritual ou divina uma certa relação com as ideias do Guardião do Umbral, do Anjo da Guarda ou mesmo do Deus pessoal e íntimo que alguns místicos alcançaram, em especial os indianos, nos quais o culto da ishta devata, a manifestação pessoal que a Divindade faz no interior das suas almas, está muito patente em práticas, poesias e doutrinas. Contudo, no poema, tal presença subtil é sobretudo uma espectrização do conceito de Deus judaico-cristão, um seu duplo, de voz quase muda, figura do Ser com a particularidade de ser Inconsciente.
Diz-nos então que muitas vezes, emocionado, a tentou sondar e interrogar, mas só numa conseguiu pronunciar as palavras interrogantes que
fariam a verdade aparecer, e pode haver aqui uma ressonância do que acontece em certos contos de encantar e nas versões da demanda do
Graal: é preciso intuir bem como e quando se pode lançar a pergunta
que gerará a resposta ou a visão iluminadora ou libertadora. E assim teria acontecido, quando o espectro finalmente deixa a mudez e lhe responde: os
humanos chamam-lhe Deus mas ele próprio não sabe quem é.
Por detrás deste desenlace, que até pode parecer uma brincadeira para quem
crê na omnisciência divina, devemos observar uma motivação
crítica à fé e doutrina católica, pois nela haveria limitações, defeitos, e também a adopção da visão filosófica que
vê o Absoluto ou Deus como Inconsciente, algo que existia na Ideia de Hegel, na Vontade de Schopenhauer e no Divino inconsciente na matéria e consciente no espírito de Schelling, autores que Antero lera e conhecia. Mas a síntese influenciadora de que o Divino, o Todo-Uno ou o Absoluto não possui consciência em si mas só nos seres que estão nele, atingirá o seu zénite com Eduard von Hartmann (23.2.1842 a 5.6.1906), nascido no mesmo ano que Antero de Quental mas que este na
altura conhecia apenas indirectamente, já que um ano depois de escrito o poema confessa a um amigo que começara a ler e a entusiasmar-se com Hartmann.
A contextualização do soneto é ajudada pelo que o nosso querido Antero diz na carta de Outubro de 1875 ao seu íntimo amigo António de Azevedo Castelo Branco, a anteceder o envio do soneto, e que seguiu na companhia de mais três, todos ligados ao mistério da Divindade ou, como Antero sentia e intuía nessa época, Deus, e que são expressões poético-ideológicas do choque que a sua educação familiar e cosmovisão católica recebera no impacto das ideias modernas e filosóficas hauridas na Coimbra estudantil (tal como ele descreverá anos depois, em 14 de Maio de 1887, na famosa carta autobiográfica a Wilhelm Stork), e eram eles: Logos, Quia Aeternus e Disputa em Família.
Diz então na apresentação dos quatro sonetos (e duma fotografia) enviados em 1875 a António de Azevedo Castelo Branco:«Envio-te a minha efígie, que me parece um pouco hirta e pasmada: mas o aspecto hirto e pasmado é próprio dos filósofos, gente que tempera com assombros o pão que come. Vão também os sonetos em que te falei. Sobre eles podia dizer muito mais: mas ai deles, se não podem ser lidos sem comentário! Deus, dizia-se há perto de 2.000 anos é o Alfa e o Ómega: depois de muitos trabalhos e meditações, durante esse longo curso de anos, somos levados hoje a dizer que Deus é o Ómega e o Alfa... Creio ser isto tudo quando adiantámos e tal é o pensamento ou sentimento que inspira estes versinhos. Ei-los aí vão.»
Observamos, num registo algo divertido ou irónico, Antero expor a motivação dos versinhos: pôr em causa o estado de conhecimento de Deus por parte da humanidade, e portanto da religião, pese o trabalho de séculos de pensadores, teólogos e padres: só se saberia que [Ele] é o princípio e o fim de tudo.
Os três outros sonetos enviados timbram pela mesma nota vibratória, em especial o que intitulou Logos, este demonstrando como Antero estava longe ainda de conhecer e vivenciar, ou meramente admitir, o Logos Divino, Verbo, Palavra ou Buddhi, que é Amor Inteligência, conforme o apóstolo João proclamara no seu Evangelho, aquele que mais se alimentara da sabedoria grega e neo-platónica nas quais o Logos, como Inteligência, Intelecto e Razão Divina, era primordial e fundamental, ainda que sem a dimensão humanizada que o Cristianismo lhe atribuiu ao considerar Jesus como um seu avatar, ou mais precisamente, dum modo mais exclusivista que o indiano, a sua incarnação única, o Filho único de Deus, exclusividade que parece por alguns passos do Evangelhos que Jesus nem sequer aceitava.
No soneto Quia eternus o espectro faz uma nova aparição e ele é claramente uma ideia fantasmática e atemorizadora de Deus, em grande parte vinda da Tora do Judaísmo, e da sua adopção no Cristianismo como Antigo Testamento, com a sua concepção de Deus exclusivista e vingativa, o Jeová. Mas, acrescenta Antero de Quental, ainda assim, mesmo os que agora pensam que a Razão é Deus, ou que não há Deus, tal é a força dessa egrégora ou forma de pensamento antiga que ainda o temem.
No último soneto, Disputa em Família, mostra a humanidade avançando no conhecimento da verdade e querendo libertar-se desse Deus imaginado, criticando-o de um modo muito original, nomeadamente a ideia comum de que Jesus fora enviado pelo Espectro para ser um redentor sacrificial, descrevendo «o velho tirano solitário, de coração austero e endurecido, que um dia, de enjoado ou distraído, deixou matar seu filho no Calvário». Guerra Junqueiro e Fernando Pessoa serão outros dois poetas mais conhecidos que questionarão as ideias feitas sobre Deus, nomeadamente acerca do Pai de Jesus.
Mas, no verso final da Disputa em Família, o Deus antigo, o Jehova, parece triunfar pois afirma saber desde o princípio do mundo que viria tal fase contestatária da humanidade, pois fora o criador dela do mero barro. Ressalve-se neste último soneto ser menor a inconsciência de Deus pois, ainda que podendo não estar consciente de quem é, como é imaginado no soneto Inconsciente, sabe que foi o criador do ser humano. Muito provavelmente Antero não teria uma teoria completa ou sem contradições quanto à hipotética Inconsciência divina.
Sabemos por carta de Antero a Oliveira Martins, em 13-V-1876 que Antero só por essa altura acabara de ler pela pela 1ª vez um livro de Eduard von Hartmann (certamente L'Avenir de la Religion), sentindo fortes afinidades, embora discernindo-lhe limitações, e descrevendo-o peculiarmente e entusiasticamente:«Li o livro do Hartmann, mas proponho relê-lo, porque é um bom tema para cogitações. Ainda que o ache conciso e deficiente em certos pontos, agradou-me todavia muito: de tudo quanto tenho lido sobre o assunto é o que entra mais no meu modo de ver. Vou percebendo que o pessimismo de Hartmann se parece singularmente com o meu optimismo e estou morto por ler alguma coisa mais extensa deste simpático filósofo. Talvez que eu tenha inventado a Filosofia do Inconsciente sem o saber!.»
E uns vinte dias depois, escrevendo da Ponta Delgada natal, confirma que «abundo no modo de ver do Hartmann, enquanto ao futuro da religião», nomeadamente nas críticas ao "lado fraco do cristianismo" : - a falta de conhecimento (científico) da Natureza - mas aponta falhas por aceitar o aspecto maravilhoso ou imaginoso, e por preferir um monismo panteísta ao cristianismo, afirmando por fim com grande discernimento e mestria clarividente ou profética: «Creio que a obra destes séculos mais próximos será, não destruir o Cristianismo (quero dizer, o espírito cristão, o ponto de vista da transcendência metafísica moral) mas completá-lo com a ciência da realidade. A religião do futuro, de que nos fala Hartmann, não pode ser outra, e não julgo necessário ir procurar o Budismo, quando o que nele há de melhor se encontra no Cristianismo, e com uma forma sentimental mais pura, mais humana. Estabelecer em que termos normais se deve ser místico, dentro da realidade, de acordo com ela e considerando-a como um meio, um instrumento adequado para essa ascensão espiritual, tal é, meu querido amigo, a grande coisa, a obra da nova redenção. Fora disto só vejo um novo paganismo, uma nova e monstruosa superstição, culto do Grande Todo, culto da Humanidade, e outros cultos [tais modernamente os da Nova Ordem Mundial, do transhumanismo e transgendrismo, da ciência e da inteligência artificial], que, sob forma refinada, reflectida, civilizada, são uma volta à bestialidade primitiva donde partiu a nossa espécie.»
O livro base da doutrinação de Eduard von Hartmann, a Filosofia do Inconsciente, saíra à luz em alemão em 1869, seguindo-se várias edições, com grande sucesso, e em 1877 a primeira tradução francesa surgia (que Antero possuirá), embora desde 1876 já circulasse La Religion de l'Avenir, da qual tenho um exemplar anotado com o ex-libris do 2º Visconde de Pindela (1853-1922), licenciado em Direito por Coimbra e diplomata, num sinal da presença precoce de Hartmann entre nós. Poderemos concluir desta correspondência que Antero de Quental quando escreveu os poemas, nomeadamente o Inconsciente, não conhecia directamente a obra de Eduard von Hartmann e daí que pudesse admitir, meio a brincar: «Talvez que eu tenha inventado a «Filosofia do Inconsciente» sem o saber».
Já com este artigo quase concluído demos conta que o professor Joaquim de Carvalho, na sua Antheriana (hoje em dia, online) tem dois valiosos textos sobre as relações de Antero e Hartmann e aponta no primeiro para ser já de 1872 (mas é de 1873), o conhecimento das teorias de Hartmann através de dois bons artigos de Léon Dumont, na Revue Scientifique de la France et de l'Étranger, no nº de Julho a Dezembro de 1872, e que foram as fontes iniciais do conhecimento do Inconsciente e do pessimismo de Hartmann e que Antero terá absorvido, quem sabe se algo fatalmente.
Joaquim de Carvalho nomeia os cinco livros de Hartmann lidos ou possuídos, embora só quatro estejam na sua biblioteca em Ponta Delgada e mostra que também tinha e lera duas obras importantes sobre o pessimismo, de Taubert e de Moritz Venetianer, referidas no prefácio do tradutor francês Nolen à edição Philosophie de l'Inconscient, certamente compradas por causa disso. Mas analisando vários dos poemas pessimistas de Antero, tais o Elogio da Morte, Os Vencidos (do qual só se conhecem partes, pois foi destruído por ser demasiado pessimista), O Inconsciente, Homo, reconhece pelas suas datações que foram escritos antes de conhecer directamente Hartmann, em 1876, embora de facto já estejam nesses sonetos sinais das teorias principais de Hartmann, recebidas ao ler e cogitar os artigos de Léon Dumont na Revue Scientifique, e a saber: a ausência de consciência em Deus (para não o culpabilizar de crueldade face ao mal e sofrimento da vida) e as três formas de ilusão de felicidade ou ventura, tal como o poema Os Vencidos se poetiza: a do presente, a do além e a da Humanidade em si e na sua evolução.
Em cartas de Junho de 1877 Antero defende o pessimismo Hartmann enquanto «protesto da razão e até do senso moral contra o optimismo naturalista do século XIX, mas que não o será, creio, do séc. XX», e na realidade os séculos XX e XXI tem-lhe dado razão premonitória. Anote-se que pessimismo ou a desvalorização da vida ou do significado dela em Edward von Hartmann, e noutros pessimistas que desse modo criticavam o catolicismo e o protestantismo, como anota o judicioso e provavelmente católico tradutor de La Religion de l' Avenir, era diferente do que Antero gerara em si, pese o culto da morte e do não-Ser que este assumiu, pois como afirmou mais de uma vez era uma base de partida e transformação para um optimismo ético e dinâmico e onde uma certa mística de realização espiritual se encontra também.
A casa de Antero Quental em Vila de Conde |
Já nos últimos anos de vida, em Setembro de 1886, Antero de Quental, com uma evolução interior grande, vai valorizar Hartmann sob outro ângulo, afirmando numa carta enviada da recatada Vila do Conde ao poeta e seu tradutor Tommaso Cannizaro, agradecendo o envio de dois livros sobre S. Francisco de Assis: «Considero-o como o primeiro dos precursores do espírito moderno como representado por [Giordano] Bruno, Schelling e Hartmann, do Panteísmo espiritualista», e destacando depois no santo de Assis «a sua concepção do mundo e da vida, toda ela dum optimismo poético e panteísta, e a trágica e sombria concepção pessimista da Igreja, de um mundo radicalmente mau e condenado por Deus...», no fundo criticando até o pessimismo e lugubridade que Schopenhauer, Hartmann e ele próprio tanto tinham desenvolvido.
Na sequência dos poemas nos Sonetos Completos de 1886, o Inconsciente é o quarto dos vinte e um gerados entre 1874 e 1880, sendo com os dois primeiros, Homo e Disputa em Família, e o oitavo, Divina Comédia, intensamente questionadores da origem e identidade do ser humano e dos deuses ou Deus, nomeadamente enquanto frágeis imaginações, ou então intuições e visões mais ou menos acertadas, numa linha que vinha já desde 1865 com as Odes Modernas, poemas onde os ataques à Igreja, aos padres e às suas concepções e doutrinas foram bem fortes, mantendo-se na 2ª edição refundida de 1875, embora nesta tenham sido mitigados os entusiasmos revolucionários políticos, provavelmente por influência de Oliveira Martins, pois desaparece a dedicatória inicial a Germano Meireles, suplantado por assim dizer por Oliveira Martins, e a poderosa nota revolucionária final da 1ª edição e que já transcrevemos neste blogue.
Talvez por isso seja bem significativa outra menção a Eduard von Hartmann conservada no epistolário das glórias e calvários de santo Antero, quando como "mestre" responde ao seu jovem amigo e dinâmico estudioso Carlos Cirilo Machado (também já dialogado neste blogue) que o interrogava por carta nesse mesmo ano de 1886, sobre o Magnetismo e as Ciências ocultas:
Carlos Cirilo Machado, Visconde de S. Tirso, já celebrado neste blogue |
A tal unidade de consciência é coisa que não repugna à razão filosófica. Se ler [Eduard von] Hartmann, na Filosofia do Inconsciente verá que essa é uma das pedras angulares do sistema daquele engenhoso e profundo alemão [E em 1887 escreverá dele, na Filosofia da Natureza dos Naturalistas: «O representante nosso contemporâneo da alta especulação»]. Segundo ele, essa unidade, expressão da unidade fundamental das coisas [donde o monismo panteísta], existe latente ordinariamente, e só se manifesta obscuramente nos factos do instinto. O magnetismo será, segundo esta ordem de ideias, o momento em que essa unidade de consciência de latente se torna patente».
Observamos assim Antero reconhecendo a unidade panpsíquica, que denomina também o espírito, o inconsciente imortal e universal, a unidade da consciência que permeia tudo e todos e que embora inconsciente ou latente se pode tornar pelos instintos e pelas inspirações e intuições patente, coalescida, presente, vivenciável, tal como ele viu e sentiu, discernindo e acrescentando mesmo uma nota individualizadora catalizadora do acesso num grupo a tal conhecimento, supra-consciente diremos nós até, em vez de usarmos o limitador termo "inconsciente", que teria depois uma outra avatarização mais pessoal e problemática com Freud, pois o que tal termo de inconsciente significa é que a nossa ego consciência limitada ou condicionada não capta ainda tal informação e nível do ser pluridimensional que somos num mundo de múltiplas dimensões.
Já Antero de Quental, cremos que partiu da Terra crente na existência de uma vida post-mortem individualizada e mesmo em alguns sonetos (e como sabemos nos últimos cinco anos de vida terrena não os escreveu, mais dedicado à prosa filosófica) celebrara tal corpo místico ou dimensão subtil da humanidade, nomeadamente nos sonetos Com os Mortos e a Comunhão.
A sua demanda da verdade foi intensa e está bem comprovada na última menção a Hartmann, inserida na famosa carta autobiográfica a Wilhelm Storck, de 14.V.1887, onde depois de referir a sua doença nervosa que lhe sobreveio em 1874, e as insuficiência do naturalismo (mesmo de Hegel e de Goethe) e da teoria egoísta da strugle for life, afirma que lutara durante seis anos para vencer o arrastamento para "o pessimismo vácuo e para o desespero", e que «a reação das forças morais e um novo esforço do pensamento salvaram-me do desespero. Ao mesmo tempo que percebia que a voz da consciência moral não pode ser a única voz sem significação no meio das vozes inúmeras do Universo, refundindo a minha educação filosófica, achava, quer nas doutrinas, quer na história, a confirmação deste ponto de vista. Voltei a ler muito os filósofos, Hartmann, Lange, Du Bois-Raymond e, indo às origens do pensamento alemão, Leibnitz e Kant. Li ainda mais os moralistas e místicos antigos e modernos, entre todos a Teologia Germânica e os livros budistas.
Achei que o misticismo, sendo a última palavra do desenvolvimento psicológico, deve corresponder, a não ser a consciência humana uma extravagância no meio do Universo, à essência mais funda das coisas».
Pena foi que não tivesse conseguido ter mais unificação psico-somática, e vivências com os seus sentidos espirituais, nomeadamente possibilitando-lhe um alargamento da consciência psico-espiritual. Mas onde quer que estejam os dois, Eduard e Antero, muita luz e amor neles. E até sintonizando-os por versos dos já mencionados sonetos, primeiro do Comunhão, mais passivo, e o 2º Com os Mortos, mais meditativo e certeiro:
Seguirei meu caminho confiado,
Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhão dos nossos pais antigos.»
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,
Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.»
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