sábado, 1 de maio de 2021

Amaterasu ô-mi-kami, a face Feminina Divina, do Sol, do Japão, do Shinto. Vídeo de culto. Mantras-noritos

A mais conhecida ou a principal face Divina no Japão é Amaterasu-ô-mi-kami, um Kami primordial, o do Sol, feminina.
A palavra kami  terá múltiplas origens etimológicas e pode ter brotado do reconhecimento de entidades invisíveis, subtis ou espirituais ou então apenas de qualidades de lugares da natureza, locais de poder, ou seja que tinham algo de especial, de extraordinário. 
Isso era Kami, e tanto poderiam ser assim tais objectos ou locais habitados por Kamis, deidades ou espíritos celestiais, ou ser eles mesmo Kamis, tais como montanhas, quedas de água, árvores ou pedras mais impressionantes.
 Com o tempo, frequentemente tais árvores, pedras ou águas vieram depois a ser mantidas em santuários já construídos por mão humana, em madeira, tradição que se conservará muito até hoje, com aspectos ecológicos valiosos de preservação de bosques e florestas sagradas e a reutilização das madeiras posteriormente em outros santuários ou em talismãs. Para além da beleza e poder que essas árvores centenárias tão cultuadas, e protegidas e sinalizadas pelas shide, tiras de algodão ou papel branco, nos transmitem, em geral presentes em quase todos os santuários...
 
  Esta palavra Kami tem muito esoterismo e para uns Kami viria de kuma, canto, nó e kumu, esconder, ligados aos sítios mais secretos da natureza e fontes de água, este reconhecimento sendo acompanhado de uma apreciação da natureza como lugar de culto. Para outros Ka seria o interior e secreto, e mi, o visível e tangível. Ou  o som Ka seria o misterioso e escondido, e o mi, o da maturação, da plenitude. Ou ainda o Ka, o fogo vertical e o mi, a água, horizontal. 
E, portanto, a sua pronúncia concentrada e sentida, de dentro para fora, e de fora para dentro, ou unindo os opostos, ajudaria o espírito, o shin (e Shinto: shin do, espírito caminho), a manifestar-se mais na nossa sensibilidade e consciência e, logo, a tornar-nos mais conscientes do mundo espiritual, dos kami. Ora os noritos, ou orações, baseiam-se no poder da palavra ou som, o kotodama, que tem efeitos em nós e no mundo dos kami ou espíritos-deidades, saudados ou evocados também pelo curvar-nos e depois com as mãos unificadas bater de palmas (hakushu) duas ou três vezes.
Com o tempo os Kami deixaram de ser só cultuados na natureza e em locais de poder e passaram a habitar certos santuários, os jinjas, seja ainda na natureza, seja já nas vilas e cidades. E também em pequenos santuários em casa, os chamados kamidanas, tal como será o pano de fundo de todo o vídeo de orações que gravamos na madrugada do dia 1 de Maio e que me obrigou depois a escrever esta apresentação.   
Já os famosos matsuri, as festividades, tão garridos e animados, também traduzidos como sacrifícios, obediências, e que têm muito das nossas procissões, poderiam estar ligadas a matsu,  esperar, o aparecimento, miare, de uma manifestação divina, ou kami, um espírito celestial, estando estes matsuris em geral consagrados a um ou outro kami, e sendo ele mesmo levados em santuários portáteis, os mikoshi, levados aos ombro por devotos, tal o que vemos na imagem dum matsuri em Osaka, em 2011.
Ora a divindade solar Amaterasu-ô-mi-kami surge nas cosmogonias transcritas no início do séc. VIII como gerada do olho direito de Izanagi-no-mikoto, o qual com
Izanami-no-mikoto constitui o casal cósmico primordial, e já depois de  outros Kamis ou espíritos celestiais terem sido gerados. Nesses livros primordiais Kojiki e o Nihon gi, ou Nihon-Soki, terminados em 712 e 720, portanto bem antigos, quando Portugal estava sob o domínio árabe e a começar a formar-se, Amaterasu é irmã de Suzano, o deus da Lua e do Vento. No Kojiki, Susano-wo é um dos deuses superiores ou celestiais (em contraposição aos terrestres) que mata uma deusa Oge tsu hime e dela nascem os vários tipos de espécies ou produções agrícolas...
Do irreverente comportamento dele para com a irmã resultou a decisão de Amaterasu-ô-mi-kami refugiar-se num caverna e não mais dar a luz ao mundo, provocando grande inquietação nos kamis e seres, que através de uma artimanha conseguiram fazê-la sair da gruta e voltar de novo a aquecer e a iluminar os mundos e seres. Este episódio do Kojiki adquiriu ao longo dos anos grande fortuna da arte e foi a principal fonte da iconografia mais antiga dela.
Mas como é que havendo tantos kami anteriores e superiores ela se vai tornar de certo modo a principal deidade ou Kami do Japão não é fácil discernir-se rapidamente, embora por ser o Sol, elemento primacial do mundo, e depois por os imperadores do Japão terem sido considerados como descendentes dela, seja natural tal primazia. Mas, claro, houve também aspectos humanos e políticos, de clans e de zonas que a tomaram como a sua protectora.
O santuário de Ise (na imagem, tão simples quão sagrado, em 2011) que lhe está consagrado é o ponto fulcral dessa adoração e sacralização, e as peregrinações a Ise são desde há muito dever quase obrigatório do japonês que conserva o culto pelas suas antigas tradições espirituais. Na segunda metade do séc.XIII foram compilados os cinco livros do Shinto-go-busho, que são ainda hoje fonte de orações e ensinamentos.
A ligação da família imperial a Ise e a Amaterasu o-mi-kami vem desde os primórdios, tem mesmo a entrega por ela de três tesouros imperiais, o que nunca foi posto em causa pelos grandes teólogos e estudiosos do Shinto e, embora em Ise a deusa Amaterasu-o-mi-kami tenha o seu santuário principal e tenha sido ao longo dos séculos uma mulher da família imperial a mestra das sacerdotisas ou mikos,  há outros jinjas ou santuários consagrados a ela só, ou a ela e mais algum kami. Para além disso, há muitos japoneses que particularmente, pessoalmente, sentiram em Amaterasu, seja a Divindade, caso de alguns filósofos e teólogos shintoístas, seja por ela mais fácil o acesso a ligação pessoal ao mundo espiritual  ou divino (ao modo da ishta devata indiana), e portanto lhe recitam as suas orações ou noritos, ou  meditações, poemas e orações gerados por eles...

Está neste caso o autor deste artigo, que tendo estado no Japão 40 dias, peregrinando a Ise, a Tokushima, ao Fuji, Omiwa, etc.,  e tendo-se prepara-se com boas leituras para isso, sentiu bastante os Kami e o Shinto e voltando a Portugal com um pequeno altar-santuário-portátil ou Kamidana, fazendo algumas meditações sintonizantes e sentindo bem a ligação com Amaterasu-ô-mi-kami, com certa regularidade, tal fez nascer alguns vídeos consagrados ao culto de tal ligação, ou a Amaterasu, o último sendo o pretexto para este texto e que pode ouvir com o link assinalado no fim...
A ideia, para quem se possa assustar com o que lhe parece um paganismo ou politeísmo, é bem mais simples, e denomino-a as Faces Divinas:
A Divindade primordial e infinita manifesta-se em certos Seres, aspectos ou Faces Divinas para se tornar acessível aos humanos e para lhes permitir desenvolverem estados de harmonia, amor e de aspiração, ou mesmo união interna divina.
Amaterasu o mi kami  é uma dessas faces, tal como há noutras religiões, seja seres humanos seja anjos ou deusas. É feminina, está ligado ao Sol, não só ao que vemos com os olhos físicos mas ao Espiritual e portanto através dela, do seu culto meditativo e da sua possível desvendação abençoante, o nosso coração em gratidão abre-se em graal para a Divindade.
 Estes 10 minutos de invocação do seu nome, e de repetição de mantras e orações de algumas tradições que tenho trabalhado, nomeadamente o Om Mani Padme Hum budista, o Tat Twam Asi vedanta-indiano e o Spiritus Dei cristão, são um meio para as pessoas sentirem e praticarem bhakti, sentimento-devoção-aspiração-concentração para o nosso despertar consciencial espiritual e para a abertura aos seres e à sabedoria universal, e à Divindade, de um modo ecuménico, vivo, vibrante...

              

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