Pintura de Bô Yin Râ |
Ananta,
infinito, ilimitado, eterno, ininterrupto, perene. Eis uma das
aproximações descritivas de Brahman, a Divindade ou o Espírito Absoluto, Primordial.
Tanto pode ser enquanto infinito no espaço e no tempo que dele
brotaram, como em Si mesmo, como no que
se possa predicar Dele, pois tudo transcende, mormente a frágil mente humana tão condicionada pelo cérebro e o corpo físico. Em tal sentido podemos constatar a existência de uma
teologia apofática e negativa atingida ou confessada tanto no Vedantā
indiano como em místicos cristãos, tais Eckart, Nicolau de Cusa, pela qual Deus ou o Absoluto está para além da relação predicativa, e "não é
isto, nem aquilo", pelo que o melhor é nada se predicar e menos ainda se tentar definir Dele.
Este "não é
isto, nem aquilo", é na Índia o “Neti,
neti”, e é quase um mantra, ou frase de poder espiritual, desde que surgiu pela primeira vez expresso no Avadhuta Gita, 1.25, atribuído a Datatreya: «tattvamasy ādivākyena svātmā hi pratipāditaḥ / neti neti śrutirbrūyād anṛtaṁ pāñca bhautikam», ou seja, «Tu és Isto", assim falaram do Eu próprio (espiritual) os livros sagrados. Não isto, não isto, diz a tradição escrita do que provém dos cinco elementos.»
Ao longo dos séculos muitos meditaram nesta complementaridade da afirmação positiva Tat Twam Asi, Tu és Isto-Ele (o Espírito), e a negativa Neti, neti, "não és isto, não és isto", o que de material te constitui ou te rodeia. E, em termos práticos, caminhar na vida ou na rua repetindo, sentindo e assimilando este mantra é até uma boa forma de dissipação de identificações e atracções mundanas e logo de intensificação da auto-consciência.
No século XX Ramana Maharish (1879-1950, em cima na fotografia, à esquerda) foi um mestre que realizou bem tal realidade última e infinita e que recomendava o vichara, auto-conhecimento interrogativo constante, "Quem sou eu, quem sou eu", baseado no discernimento do atmam (espírito] e do neti neti, aos seus discípulos, em Arunachala, onde o seu centro ou ashram ainda mantém tal tradição viva e onde estive em peregrinação e sadhana (práticas espirituais) duas vezes, a primeira com carta de recomendação do Kavi Yoga Shudhananda Bharati, já então com 80 e tal anos, mas que vivera alguns anos em jovem com Ramana Maharishi.
A meditação no espaço infinito, ou ainda na fonte oceânica primordial de onde todas as possibilidades de manifestação consciencial e energética emanaram ou brotaram, denominado já no nível dos elementos subtis o Ākāśa luminoso, e que podemos contemplar olhando o céu, é ainda outro método recomendada pelos mestres dos Upaniṣadas e do Vedānta, tanto mais que a sua transparência e luminosidade quase ilimitada tem a a similitude de infinidade com o próprio Absoluto ou Brahman.
"O que nós contemplamos, nos tornamos", é um ditado popular por muitos mestres dedilhado...
Este versículo Taittiriya Upanishad é muito valioso pois assinala a união entre o microcosmos e o macrocosmos e diz-nos que pela experiência interior contemplativa descobrimos, vemos, sentimos e realizamos tanto o mais íntimo como o mais longínquo e de um modo unificador. Quem pratica a meditação, a aspiração amorosa e a contemplação recebe tais graças de quando em quando. Já os grandes ou verdadeiros mestres, estabilizados no Espírito interior e Divino, desfrutam-na quando querem e em níveis bem mais profundos e amplos que os das pessoas penas no caminho..
É bem provável que alguns cientistas, físicos, astrónomos ou amantes do cosmos e dos mundo distantes, graças às belíssimas imagens e até filmes de galáxias, constelações e estrelas maravilhosas possam desse convívio e contemplação do macrocosmos ter algumas experiências e intuições do infinito consciencial em que vivemos e em que temos o nosso ser essencial, que não é isto nem aquilo, nem corpo, personalidade ou ego...
No Astavakra Gita, texto clássico da filosofia não dual Vedanta, que traduzi e comentei em 2007, encontramos alguns versículos que utilizam esta palavra e conceito, e que são poderosos: II.23: «Em mim, Oceano Infinito (maya anantam aham bhodau, ou no oceano sem limites que eu sou). quando se ergue o sopro da Inteligência Cósmica (cittavate) logo se produzem as várias ondas de mundos». 24.: «Em mim, Oceano consciencial infinito, ao cessar o sopro da Mente Cósmica, para infelicidade do negociante que é o Eu incarnado (jiva), o barco do universo afundar-se-á.» 25.: «Em mim, Oceano Infinito, maravilha das maravilhas, as ondas dos eus individuais erguem-se, chocam, jogam e desaparecem de acordo com as suas naturezas específicas.»
Nestes versículos realça-se a natureza pura e infinita do Ser primordial e que quem se mantém mais como observador do que identificado ao corpo e ao ego, consegue mais sentir e realizar esta dimensão consciencial divina que está subjacente à multiplicidade tão ilusória do universo. E que, embora ela seja o suporte ou o acume de cada indivíduo, se torna bastante mais difícil de ser realizada ou vivenciada no mundo moderno, com tanta agitação de informação e desinformação, com tanta obrigação e opressão, pelo que bem de temos de invovar e aprofundar a Paz, o Om Shanti, Shanti, Shanti....
No cap. XVII, do Astavakra Gita refere-se como pessoa mais capaz de vivenciar Brahman, a consciência infinita e beatífica, aquela que de mente vasta (citta udara) não se deixa prender nas atracções e aversões, tão desenvolvidas nos dias de hoje. Já no cap. XVIII, por exemplo, valoriza-se a capacidade de silêncio, de afastamento da agitação exterior, afirmando-se mesmo: «Para o ser silencioso (muni) que vê com o olho espiritual o Espírito imperecível (Atman aksaya) e livre de tristeza, onde está (ou o que importa) o conhecimento, o universo, eu sou o corpo ou o corpo é meu?»
A este ver com o olho espiritual no versículo 78 faz-se corresponder o ser de visão firme, aquele que não se deixa perturbar nem amedrontar pelas forças contrárias ou opostas.
Concluamos esta breve, breve entrada do Glossário de termos espirituais em sânscrito com a lembrança que Infinito diz-nos também que não tem nem princípio nem fim, nem alfa nem ómega, que o Ser divino sempre foi, é e será, e é esta a dimensão mais desafiante para o ser humano enquanto espírito....
Possamos nós, senti-lo, sê-lo e vivê-lo mais, em sabedoria, coragem, verdade e amor, diariamente, com persistência e em especial ao levantar e ao acordar, em uníssono ou comunhão invocadora dos mestres e dos nomes-faces da Divindade: Aham Brahmasmi anantam anandam Eu sou um com a Divindade, infinita, beatífica; ou ainda meditando com amor e gratidão o famoso Sat Chit Ananda (este já no nosso glossário), ou como vem na Taittiriya Upanishad, 2.11 Satyam Jnaanam Anantam Brahma, a Divindade, ou seja, o Espírito é Ser verdadeiro, Consciência inteligente e Harmonia beatífica..
Ornamento por Bô Yin Râ: Jivatman... |
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