Eis-nos na nona parte (das talvez 12) da entrevista, primeiro em diálogo presencial e depois ampliada livremente para constituir o livro O Rosto e a Obra, Autores portugueses da Espiritualidade, 12 entrevistas, pelo António Paiva, dado à luz pela Espiral Editora.
António Paiva - E quanto aos vegans, o que te parece esta abordagem e o seu sucesso actual?
Pedro Teixeira da Mota - O veganismo parece-me um esforço de pureza radical de alguma juventude ocidental, talvez ligada a linhas de força ecológicas, de sustentabilidade e de minimalismo, e seria bom discernirmos as motivações principais, tal como quantos sentem (ou consciencializam) mesmo o sofrimento que a produção dos lacticínios (e nem falamos da carne) provoca nos animais e quantos o fazem por um sentido de pureza ou então apenas por moda selectiva. É certamente uma movimentação valiosa, seja pelo empreendorismo e empregos que desenvolve, seja pela aproximação menos violenta à utilização e sobretudo exploração, por vezes muito pesada ou mesmo cruel e trágica, dos animais para a alimentação e vida humana, já que para além dos queijos vegans, mesmo ao nível de roupas, sapatos, cremes (e lembro-me da Sapato Verde, da Alexandra e do Mário, à rua das Chagas), tem surgido muita oferta boa, embora algumas ainda não para todas as bolsas...
Contudo, descobrirmos e trilharmos o caminho justo, axial quanto às diversas energias possíveis de interacção, passando por excessos ou não, deve ser vivido e assumido diariamente, criativamente, sem ser algo demasiado fixado ou predeterminado, mas sim com atenção e empatia, liberdade e alegria, sinceridade e humildade, sabendo discernir, acolher e transmutar as energias e situações, nomeadamente as desarmoniosas e adversas, pressentindo os perigos e consequências, nomeadamente os que possam resultar de excessos ou de carências.
Há uma constante interpenetração de energias e de seres, pois estamos interligados num todo, e este holismo a física moderna tem comprovado, com alguns cientistas mais abertos às energias subtis e à espiritualidade, e alguns mestres e movimentos, a tentarem aprofundá-lo, com maior ou menor argúcia ou mesmo clarividência, com maior ou menor urgência de acções, como é o caso do aquecimento global.
Na verdade, afectamos globalmente muito a Natureza, mas mesmo individualmente e laboratorialmente o observador influencia o que observa, com a física quântica a comprovar tal, havendo até uma imitação empática resultante de mecanismos neuronais que espelham o que é observado, de tal modo que por vários processos subtis aquilo que somos, vimos, sentimos ou fazemos interage com os outros, põe-nos em ligação com eles, e em especial com as pessoas que vibratoriamente e animicamente estão mais próximas de nós.
As pessoas com uma vida mais controlada, auto-consciente e ecológica podem ser mais criativas e respeitadoras da ordem universo, dos ambientes, dos seres e impulsionar a humanidade num caminho de menos desequilíbrio consumista, semi-cego e violento, que afecta tanto os eco-sistemas, os animais e as pessoas, de modo a que haja mais harmonia, luz e unidade fraterna, tão ameaçadas nos nossos tempo por medidas autoritárias e repressivas que muitos governos e redes sociais têm implementado por várias razões e em especial à custa do corona virus, condicionando direitos humanos e destruindo empresas e economias médias e locais.
António Paiva – Tu és uma pessoa que escreve e que fala. Regularmente és um orador convidado em eventos. Voltemos pois à Palavra. Que usos tens feito dela?
Pedro Teixeira da Mota – É sempre bom questionarmos as nossas palavras, não só faladas como também escritas ou meramente pensadas, algo a que em geral as pessoas pouco ligam.
Na verdade não as aprofundamos tanto quanto deveríamos, em grande parte pela rapidez da vida e o escasso tempo para nos observarmos e conhecermos. Reconheço em mim próprio tal, já que em geral não vejo-oiço os vídeos que vou gerando e ficam no meu canal do Youtube, alguns deles com meditações, orações e mantras, não extraindo assim observações aperfeiçoadoras...
É evidente que quem está ligado com as tradições orientais, seja da Índia, seja do Japão e China, ou está a par de algumas realizações das últimas décadas, nomeadamente em movimentos e grupos ligados às energias, crescimento pessoal e transpessoal, estados expandidos de consciência, ou quem aprecia a música, o canto, os sons, as taças tibetanas, etc., tem alguma consciência do valor e do poder dela.
Tal é visível de vários modos e em muitos grupos com práticas de emissão e modulação de sons ou palavras, seja em voz alta, baixa ou inaudível, nomeadamente com mantras indianos, salmos, mistificantes decretos ou pretensas fórmulas mágicas e kabalistas. Ou então, mais passiva e frequentemente, apenas ouvindo-se certas músicas.
Na realidade, para além do valor da musicoterapia, ainda pouco desenvolvida e acessível, é útil ter-se algum tipo de hino, canto, mantras e orações, ligados a certas energias, ou mesmo faces da Divindade, com os seus nomes próprios, e que sejam trabalhados dentro de nós com mais regularidade ou fidelidade, com ou sem acompanhamento instrumental. E que em certa proporção nos talham, como dizia Fernando Pessoa, ou que nos esculpem, como escreveu em quadra, Agostinho da Silva.
Eu diria até mais, que configuram o nosso campo electro-magnético, psicomórfico e espiritual, tal como hoje em dia chamo, para acrescentar um pouco à designação de um bom investigador, Rupert Sheldrake, mais simples, de campos mórficos, em que estamos todos interligados, e que já não serão apenas energético-telúricos mas também, enquanto forças do mundo espiritual e dos seus seres, que subsistem mesmo como forças arquétipas ou específicas de certos locais, povos, crenças, tradições e grupos.
Não há só a ressonância mórfica (ou nas formas) de ritmos e padrões vibratórios que vêm de energias ligadas ao electro-magnetismo da Terra no seu posicionamento no sistema solar e ao corpo energético do ser humano e dos animais, mas há uma interacção possível a partir do que emanamos animicamente (e não diremos apenas mentalmente) e do que chega ao nosso próprio ser, nomeadamente dos níveis mais elevados das nossas opções e ligações superiores.
Um exemplo: é nos dado iniciaticamente, ou escolhemos, e praticamos ou trabalhamos certo som ou nome consagrado à Divindade, seja Aum, Krishna, Shiva, Narayana, Jesus, Deus, Allah Akbar, Al Rahim, Amaterasu omikami, etc. Todavia, nas práticas adoptadas, o que brotar ou ressoar mais no nosso interior e movimentar luminosamente as nossas energias anímicas é que deverá ser o nome, mantra ou oração mais importante de ser seguido ou praticado no momento para chegarmos ao silêncio e a uma unificação, a nossa.
Portanto, descobrirmos dentro de nós quais são os sons, mantras, dhikrs ou invocações que nos harmonizam, fortificam e religam ao Alto, dentro deste mundo de manifestação tão dispersante e ilusório e em que há tantas dualidades e tantas forças em luta, ou se quisermos tantas vozes e sons dissonantes, é uma ajuda importante no nosso Caminho.
Se tivermos de facto os canais anímicos abertos através do som, da oração, da meditação, da respiração, da atenção, da intenção, do amor e da aspiração é mais fácil uma pessoa manter uma ligação com os níveis superiores, e somos então menos afectados pelas acções e reacções do dia-a-dia, e conseguimos mais facilmente limpar-nos, harmonizar-nos e centrar-nos, nomeadamente quando chegamos a casa, ou quando meditamos mais tempo.
António Paiva - Mas tens tido experiências desses níveis subtis, dos efeitos dos sons, palavras, mantras, seja por ti mesmo seja do exterior?
Pedro Teixeira da Mota - Quem medita, e esforça-se por uma vida harmoniosa, verdadeira e peregrina acaba por ter ao longo dos anos vivências internas valiosas de tais invocações, cantos, meditações, ou então experiências e conhecimentos pelo exterior.
Há tempos estive a jantar no restaurante vegetariano Govinda, em cima do jardim de Oeiras. O dono de então tinha uma ligação forte com a Índia e com o movimento Hare Krishna, no qual há a consciência de que o amor ou devoção (bhakti) transmite-se aos alimentos ao serem preparados, tanto mais que são oferecidos a Sri Krishna e a Radha, havendo especial atenção ao que ocupa a mente e que sentimentos temos em tais momentos. Ora lembro-me na Índia de ter chegado a um ashram dum mestre com milhares de discípulos na linha da meditação no som e na luz e ele ter-me recebido. Fez-me sentar ao seu lado e depois de algum diálogo, valorizou a vibração de amor que emana de nós a cada momento e da importância dela ao cozinharmos, contando-me que uma vez recebera o almoço e quando começara a comer sentira que algo se passara. Interrogando os discípulos sobre o que sucedera na cozinha confirmaram-lhe que tinha havido uma discussão forte. Também uma vez, há muitos anos numa caminhada em Portugal, encostei-me a um muro e ao fim de pouco tempo comecei a sentir-me estranhamente mal e avançando um pouco percebi que era um matadouro. Dois pequenos exemplos.
Ora as energias subtis que emanam de seres (visíveis ou invisíveis) e de grupos algo negativos, que procuram fazer dinheiro, ter poder, visibilidade e explorar as pessoas e os seus prazeres, gostos e receios, acabam por envolver ou aprisionar dirigentes e seguidores de modos por vezes muito limitadores ou destrutivos das suas melhores potencialidades.
Isso acontece em alguns movimentos da nova Era ou de cultos religiosos novos, muitos originados na civilização, tão desequilibrada, consumista e exploradora norte-americana, cheia de aparências falsas, de palavras que parecem de oiro mas que são depois de chumbo, com muitas aldrabices ou mistificações quanto a canalizações, iniciações, extra-terrestres, datas proféticas, métodos, práticas, etc.
É então importante aguçarmos a sensibilidade e melhorarmos o discernimento, seja quanto às pessoas que falam e o que as suas vozes nos indiciam, seja o que escrevem ou ensinam, de modo a não deixarmos entrar na nossa consciência e mente (sobretudo sem darmos conta) informação falsa ou manipulada que afectará a nossa bússola interna da verdade, algo que pouca gente cultiva, frequentemente enchendo-se de informação desnecessária, por exemplo, ocultista ou esotérica, que é teórica, incomprovável e frequentemente falsa, e que no fundo só vai pesar e atrapalhar, pagando-se ainda por cima bastante (o que é em geral sinal de vigarice) pelos cursos, consultas, seminários, etc.
Uma ascese vigilante dos sentidos e dos instintos, dos alimentos e das palavras, das imagens e das músicas, das vibrações e intenções que entram em nós é fundamental, se queremos harmonizar e unificar os nossos níveis ou corpos físico, etérico, astral e mental, e assim mais integrados fortalecer as ligações com o mundo espiritual e os seus seres, e com o Ser Divino, nas Suas Faces, estas conforme a invocação, dedicação e adoração de cada ser.
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