Quando contemplamos o percurso de Augusto de Santa Rita (1888-1956), discernimos um artista, um poeta dotado de grande sensibilidade e capacidade de escrita impactante e que vibra com as lutas da sua época, nas quais o simbolismo, o saudosismo, o modernismo e o futurismo se alternam nas almas mais despertas, mais vanguardistas, levando-as lutar contra um meio ambiente bastante limitado e logo algo opressivo, e em que o culto das artes e belas letras estava reduzido a poucos, e em geral mais conservadores e sem o sopro criativo desassossegado da nova geração.
A luta da chamada geração coimbrã de 1870, liderada por
Antero de Quental, realista e revolucionária, contra os formalistas, românticos e do elogio mútuo, chefiados por António Feliciano Castilho, denominada Questão do Bom Senso e do Bom Gosto, não
terminara ainda e algo dessa continuidade vemos nos ataques seja de Almada
Negreiros a Júlio Dantas, ou de Fernando Pessoa a António Correia de
Oliveira, o poeta de Belinho (nome da sua casa em Esposende), como lhe chamou o poeta da Mensagem.
Augusto
de Santa Rita, nascido e vivendo em Lisboa, sendo da mesma idade (1888) que Fernando
Pessoa e convivendo nos mesmos cafés e tertúlias, estava bem a par do que se
passava e se não surge na revista Orpheu, por motivos de escolha dos
colaboradores e mais por Luís Montalvor do que Fernando Pessoa, e talvez por não ser tão provocador e europeísta-modernista, logo no ano seguinte, em 1916, lança a
revista Exilio, mais eclética e moderada, nos colaboradores e artigos, mas na qual o próprio Fernando Pessoa se vai abrigar ou incluir,
gorada que estava a aventura dos dois números de Orpheu, mas não com
a verve esperançosa perdida, já que não só publica pela 1ª vez na revista o poema a
Hora Absurda, como escreve na parte final dois textos de grande
importância enquanto teorizador e chefe de fila do movimento
modernista lisboeta, por ele denominado ainda de sensacionismo e que apresenta como esotérico e dinamizador da alma portuguesa...
Para Fernando Pessoa tal era a continuação superlativa e triunfadora da sua passagem pela revista Águia, em que se profetizara como o novo Super Camões, mas onde não fora tão bem acolhido (e onde Augusto Santa Rita também colaborara, em 1912 e 1913), e que tivera o seu auge na Orpheu enquanto independência em relação às linhas mais rurais e tradicionalistas, mais metafisicas e religiosas que pontificavam em Teixeira de Pascoaes e de algum modo em Leonardo Coimbra, os dois líderes intelectuais da revista, embora tal corte e independência tivesse sido também gerado pela não publicação dum texto de Pessoa, recusada por Álvaro Pinto, o director e proprietário inicial da revista, que se publicaria com direcções e séries sucessivas, de 1910 a 1932, sem dúvida com a Revista Portugal, Orpheu e a Presença, as quatro revistas literárias mais profundas e importantes dos séc. XIX e XX.
Em verdade o ideário do movimento da Renascença Portuguesa e da sua revista Águia tinha sido uma tentativa de exprimir sem limitações formais (por vezes já com laivos modernistas, tal na colaboração de Augusto de Santa Rita e de Pessoa) o Amor, a Sabedoria, a Beleza, à Justiça, cultivados e ligados à Terra, ao Céu, à Mulher, à família, a Portugal, ao Divino, este tanto com os seus espíritos da natureza, anjos, deuses do panteísmo como com as pessoas do Cristianismo.
Ora as primeiras obras de Augusto de Santa Rita, antes até da revista Exílio, mostram-no um poeta de grande lirismo, tanto humano como religioso, cheio de aspiração mística e espiritual e senhor de uma linguagem rica e expressiva, com amplo uso de símbolos e de intersecionismos de planos de consciência e do espaço e do tempo, arte que manifestou com grande capacidade, por exemplo, na revista Exílio e no Auto da Vida Eterna, neste merecendo elogios fortes de Fernando Pessoa, e nas Praias de Mistério, talvez devedoras das numerosas vezes que terá contemplado o mar e as praias de S. João do Estoril, então uma zona apenas de Natureza pura e sem casas, e com um potencial tremendo, e que poderão tê-lo intensificado nos seus sonhos de transformação psíquica e espiritual, em que aliás tanto ele como Fernando Pessoa muito se envolveram e que Pessoa manifestou sobretudo em três cartas, à tia Anica, a Armando Côrtes-Rodrigues e a Mário Sá Carneiro. Acrescente-se que Fernando Pessoa frequentava também esta zona da orla marítima, seja a casa dos Santa Rita, seja mais tarde a dos seus primos Freitas da Costa.
Essa sua alta e fina sensibilidade até intuitiva, por vezes claramente consciente da anima mundi, da alma das coisas,
do corpo subtil astral, e com manifestos sinais de clarividência interior,
está pois presente em muita da obra de Augusto de Santa Rita, nomeadamente até nos livros e revistas para
crianças, que não devem ser reduzidos a moralismos do Estado Novo,
como nesse prefácio se escreve, pois na famosa revista Pim Pam Pum, nascida em 1926 e durante quinze
anos, até 1940, magnificamente dirigida por Augusto de Santa Rita, ele publicou numeroso e valiosos contos e poemas, bem ilustrados por artistas das novas gerações de então, e abandonou-a apenas
porque separando-se de Graciette Branco, a jovem colaboradora que se tornara a sua
mulher, durante 11 anos, e de quem nascera um filho, sentiu que deveria passar a novos projectos e publicações, que se concretizaram no famoso Teatro do Mestre Gil, na apologia do Teatro dos Fantoches como instrumento de cultura, na Cartilha Visual, para o ensino pré-primário, e num Poema de Lisboa, publicado já postumamente.
Que
Augusto de Santa Rita não vivia numa obediência a directrizes salazaristas e antes seguia e partilhava natural e sabiamente, e de modo acessível e divertido às crianças, a sua ética e pedagogia como resultado de uma
consciência profunda do valor do belo, do bem e do verdadeiro, e
logo da justiça, da compaixão e da solidariedade, podemos comprovar em 1939 quando,
fundando a revista A Risota, publica no sexto e último número,
apreendido pela Censura, uma caricatura muito forte do Mussolini, como um buldogue. As consequências foram fortes numa certa destituição de cargos que exercia, mas que posteriormente reaveu quando provou que não queria provocar problemas nas relações com a Itália O neto de Augusto de Santa Rita, o Guilherme, investigou até na Torre do Tombo o processo da Censura e pode aprofundar o sucedido, destacando que o António Ferro e Salvação Barreto foram as testemunhas abonatórias.
Que assim aconteça ou seja:
Ilustração auspiciosa de Castañé, com Eduardo Malta os dois principais colaboradores artísticos de Augusto de Santa Rita e do Pim Pam Pum... Aum... |
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