sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Agostinho da Silva e os veios, elos e mestres de Portugal. Escrito a 4 de Abril de 1994, após o enterro.

No dia 4 de Abril de 1994 realizaram-se no Mosteiro dos Jerónimos e no Alto de S. João as cerimónias, muito concorridas, da despedida de Agostinho da Silva, oitenta e oito anos perfeitos. Tendo estado nelas, chegado a casa, escrevi um texto no meio de um caderno que, há poucos dias o abrindo, me permitiu recuperar tal testemunho e partilhá-lo, com leves acrescentos, tanto mais que já se encontram no blogue alguns textos dos encontros com ele, pouco antes da sua partida...

                              Mestres de Portugal

Voltaram à terra hoje os elementos de que se compunha o corpo físico de Agostinho da Silva, bem acompanhados por flores e pessoas em número elevado. Quanto à sua alma e espírito, esses, dum plano subtil psíquico elevado, sorriam aos seus discípulos, amigos e admiradores-admiradoras.

Talvez fosse o último dos discípulos de Leonardo Coimbra, Teixeira Rego e Fernando Pessoa que os conheceu pessoalmente, embora a este último só o tivesse avistado fugazmente e nunca lhe falando, pois na Seara Nova de António Sérgio ignoravam-no. Restam agora os que foram discípulos dos discípulos desses participantes na revista Águia e no movimento da Renascença Portuguesa. Todavia é natural que se estejam a preparar alguns novos "mestres", quer de antigos discípulos seus, quer dos novos que, através das sínteses universais que Agostinho trabalhou, evocou e partilhou, chegarão a  estados ou níveis conscienciais de maior auto-realização, sabedoria, amor e universalidade.

O que é ser mestre? Em Agostinho da Silva era estar aberto dinamicamente ao Alto e, horizontalmente, porta aberta a todos, disponibilidade grande, alma extensa como os quatro cantos do universo e onde tanto se falasse a língua portuguesa como a criatividade e a inteligência fossem cultivadas.

Agostinho da Silva conseguiu abrir e partilhar o seu verbo, a sua palavra, a um ritmo natural, espontâneo, português, nascido na época galaico-portuguesa mas com raízes em Roma e Grécia e para isso laborava o seu pendor de filólogo (licenciara-se em Filologia Clássica com 20 valores e traduzira Virgílio). Depois, com o rei Dinis e S. Isabel, e os frades franciscanos e adeptos joaquimitas, a pomba do Espírito santo levantava voo com ele, e fazia as caravelas [antigas e actuais, exteriores e interiores] chegarem aos fins do mundo e nesse encontro e diálogo com gente de Moçambique e Índia, Malaca e Timor conversar, comerciar e amar.

De Luís de Camões e do P. António Vieira, a Ilha dos Amores e o Império da Língua Portuguesa actualizaram-se em Agostinho da Silva graças ao amor e à rapidez e desembaraço de quem tanto viajara (e no Brasil estagiara) e tantas reflexões e conferências, famílias e amizades, grupos e ligações, cartas e intercâmbios fizera.

E, finalmente, na soma das influências e ligações da sua alma, a geração do princípio do século XX, de Sampaio Bruno a Leonardo Coimbra, de Teixeira de Pascoais a Fernando Pessoa, encontrava nele um original continuador, sobretudo pelo dinamismo da sua vida de português das Sete Partidas, a vasta cultura universalista, o pendor de partilhar  conhecimentos e o lutar pela justiça e solidariedade social, na linha da tradição fraterna, grupal, comunitária  e iluminadora do culto do Espírito santo.

Quem conheceu e amou o professor Agostinho não pode deixar de testemunhar o calor e entusiasmo que ele trouxe à vida e aos diálogos e que transmitia ora em faíscas inspiradas ora em atenção e interesse sincero pelos outros, sempre pronto a sugerir, a interligar, a entusiasmar.

Agostinho da Silva foi um bom continuador tanto dos monges e cavaleiros da Idade Média como dos navegadores, marinheiros e missionários dos Descobrimentos. Foi neles, e sobretudo nas linhas de energia e objectivos que os guiaram, no fundo a Tradição Espiritual de Portugal, que Agostinho da Silva  exaurou a luz que brilhou, atraindo tantas pessoas.

A partir delas, Agostinho projectou-se para um futuro, utópico para quase todos [por vezes demasiado], mas coerente com as potencialidades libertadoras do ser humano, pois essencial e clara nele era a visão do ser humano, que não era o objecto da sociedade de consumo, o número do partido, mas o criador anímico e espiritual.

[Gratos ao seu exemplo e convívio, palavras e energias, ligações e impulsos, saibamos continuar a trabalhar, nestes tempos de opressivas narrativas oficiais e censuras, as linhas de energias naturais e sãs e os objectivos elevados e libertadores da Tradição Espiritual Portuguesa e Universal!]

                             

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