Neste 145º aniversário do nascimento de Carl Gustav Jung decidimos partilhar uma palestra dele proferida em 1943 e intitulada A Psicologia da Meditação Oriental, (originalmente Zur Psychologie östlicher Meditation) que traduzimos lendo e gravando em vídeo (encontra-a no fim deste texto), e onde encontramos aproximações comparativas psico-espirituais do Oriente e do Ocidente, com realce para o Yoga e o Budismo, pelo que resolvemos também transcrevê-las neste blogue para ficarem mais visíveis que na simples leitura e audição, e trabalháveis, pois algumas são naturalmente discutíveis, já que generaliza alguns traços da Índia ou simplifica-os algo redutoramente. Leiamos-lo a partir do 3º parágrafo:
«O que os Europeus notam de imediato na Índia é corporalidade exterior que ele vê em toda a parte. Mas esta não é a Índia que o Indiano vê; não é a sua realidade. A realidade, tal como a palavra alemã Wirklikeit implica, é o que trabalha. Para nós a essência daquilo que trabalha [ou age] é o mundo da aparência; para o Indiano é a alma. O mundo para ele é um mero espectáculo ou fachada, e a sua realidade aproxima-se de ser o que chamaríamos um sonho.
Esta estranha antítese entre Ocidente e Oriente é expressa mais claramente na prática religiosa. Nós falamos de religião e elevação; para nós Deus é o senhor do Universo, temos uma religião de amor fraterno e nas nossas igrejas que aspiram ao céu há um altar mais elevado. O Indiano, por sua vez, fala de dhyana, duma auto-imersão, e do mergulhar em meditação; Deus está em todas coisas e especialmente dentro do homem, e uma pessoa vira-se do mundo externo para o interno. Nos templos antigos o altar estava mergulhado seis a oito pés no solo da terra, e aquilo que nós escondemos como o mais vergonhoso é o símbolo mais sagrado para o Indiano. Nós acreditamos em fazer, o Indiano no impassivo ser. Os nossos exercícios religiosos consistem em oração, adoração e cantar hinos. O exercício mais importante do Indiano é yoga, uma imersão no que chamaríamos um estado inconsciente, mas que ele louva como a mais alta consciência. Yoga é a mais eloquente expressão da mente Indiana e ao mesmo tempo o instrumento continuamente usado para se produzir esta peculiar atitude mental.
O que é então Yoga? A palavra significa literalmente jungir, isto é, o disciplinar das forças instintivas da psique, que em sânscrito são denominadas kleshas. O jungir [ou unir] tem como objectivo controlar estas forças que amarram os seres humanos ao mundo. As kleshas corresponderiam na linguagem de S. Agostinho, à soberba e à concuspicência. Há muitas formas diferentes de Yoga, mas todas perseguem o mesmo objectivo. Eu mencionarei apenas aqui que ao lado dos exercícios puramente psíquicos há uma forma chamada hatha yoga, uma espécie de ginástica consistindo principalmente de exercícios respiratórios e de posturas especiais do corpo .
Nesta conferência empreendi descrever um texto de yoga que permite uma profunda visão dos processos psíquicos da yoga. É um texto Budista pouco conhecido, escrito em chinês mas traduzido do original sânscrito, e datado de 424 d.C. É chamado o Amitayur-dhyana Sutra, o sutra da Meditação em Amitayus. Este sutra, altamente valorizado no Japão, pertence à esfera do Budismo teísta, no qual se encontra o ensinamento que o Adi-Buddha, ou o MahaBudha, o Budha Primordial, emanou os cinco Dhyani-Buddhas ou Dhyani - Bodhisattvas. Um dos cinco é Amitabha, "o Buddha do sol poente de incomensurável beatitude", o senhor de Shukavati, a terra da suprema beatitude. Ele é o protector do nosso período de tempo histórico, tal como Sakhya Muni, o Buddha histórico, é o instrutor. No culto de Amitabha, por estranho que seja, há uma espécie de festa ou refeição Eucarística com pão consagrado. Ele é representado por vezes segurando na sua mão o vaso doador do alimento da vida imortal, ou o vaso da água santa.»
«O que os Europeus notam de imediato na Índia é corporalidade exterior que ele vê em toda a parte. Mas esta não é a Índia que o Indiano vê; não é a sua realidade. A realidade, tal como a palavra alemã Wirklikeit implica, é o que trabalha. Para nós a essência daquilo que trabalha [ou age] é o mundo da aparência; para o Indiano é a alma. O mundo para ele é um mero espectáculo ou fachada, e a sua realidade aproxima-se de ser o que chamaríamos um sonho.
Esta estranha antítese entre Ocidente e Oriente é expressa mais claramente na prática religiosa. Nós falamos de religião e elevação; para nós Deus é o senhor do Universo, temos uma religião de amor fraterno e nas nossas igrejas que aspiram ao céu há um altar mais elevado. O Indiano, por sua vez, fala de dhyana, duma auto-imersão, e do mergulhar em meditação; Deus está em todas coisas e especialmente dentro do homem, e uma pessoa vira-se do mundo externo para o interno. Nos templos antigos o altar estava mergulhado seis a oito pés no solo da terra, e aquilo que nós escondemos como o mais vergonhoso é o símbolo mais sagrado para o Indiano. Nós acreditamos em fazer, o Indiano no impassivo ser. Os nossos exercícios religiosos consistem em oração, adoração e cantar hinos. O exercício mais importante do Indiano é yoga, uma imersão no que chamaríamos um estado inconsciente, mas que ele louva como a mais alta consciência. Yoga é a mais eloquente expressão da mente Indiana e ao mesmo tempo o instrumento continuamente usado para se produzir esta peculiar atitude mental.
O que é então Yoga? A palavra significa literalmente jungir, isto é, o disciplinar das forças instintivas da psique, que em sânscrito são denominadas kleshas. O jungir [ou unir] tem como objectivo controlar estas forças que amarram os seres humanos ao mundo. As kleshas corresponderiam na linguagem de S. Agostinho, à soberba e à concuspicência. Há muitas formas diferentes de Yoga, mas todas perseguem o mesmo objectivo. Eu mencionarei apenas aqui que ao lado dos exercícios puramente psíquicos há uma forma chamada hatha yoga, uma espécie de ginástica consistindo principalmente de exercícios respiratórios e de posturas especiais do corpo .
Nesta conferência empreendi descrever um texto de yoga que permite uma profunda visão dos processos psíquicos da yoga. É um texto Budista pouco conhecido, escrito em chinês mas traduzido do original sânscrito, e datado de 424 d.C. É chamado o Amitayur-dhyana Sutra, o sutra da Meditação em Amitayus. Este sutra, altamente valorizado no Japão, pertence à esfera do Budismo teísta, no qual se encontra o ensinamento que o Adi-Buddha, ou o MahaBudha, o Budha Primordial, emanou os cinco Dhyani-Buddhas ou Dhyani - Bodhisattvas. Um dos cinco é Amitabha, "o Buddha do sol poente de incomensurável beatitude", o senhor de Shukavati, a terra da suprema beatitude. Ele é o protector do nosso período de tempo histórico, tal como Sakhya Muni, o Buddha histórico, é o instrutor. No culto de Amitabha, por estranho que seja, há uma espécie de festa ou refeição Eucarística com pão consagrado. Ele é representado por vezes segurando na sua mão o vaso doador do alimento da vida imortal, ou o vaso da água santa.»
Depois, Jung começa a transcrever e a comentar esse texto que de certo modo não é muito típico da Índia ou da Yoga. Será numa segunda gravação que terminaremos a palestra.
Comentemos todavia este parágrafo algo discutível, pois sente-se perpassar nele um pouco de desvalorização do famoso mestre de então Ramana Maharishi e do sistema filosófico Advaita Vedanta: «Nós acreditamos em fazer, o Indiano no impassivo ser. Os nossos exercícios religiosos consistem em oração, adoração e cantar hinos. O exercício mais importante do Indiano é yoga, uma imersão no que chamaríamos um estado inconsciente, mas que ele elogia como a mais alta consciência.»
Discutíveis estas afirmações por "reduzir" a espiritualidade indiana a uma busca de um "impassivo ser", ou a desvalorizar nela os "hinos, cantos, orações e adorações", que existem na maior parte das religiões e sadhanas indianas, até como meio de nos aproximarmos do interior e do nosso ser, o qual não é passivo, mas que se desvenda mais no silêncio ou quietude da mente e das suas ondulações (vritis) e na compreensão e dissipação dos estados mentais que afligem, as klesas.
Comentemos todavia este parágrafo algo discutível, pois sente-se perpassar nele um pouco de desvalorização do famoso mestre de então Ramana Maharishi e do sistema filosófico Advaita Vedanta: «Nós acreditamos em fazer, o Indiano no impassivo ser. Os nossos exercícios religiosos consistem em oração, adoração e cantar hinos. O exercício mais importante do Indiano é yoga, uma imersão no que chamaríamos um estado inconsciente, mas que ele elogia como a mais alta consciência.»
Discutíveis estas afirmações por "reduzir" a espiritualidade indiana a uma busca de um "impassivo ser", ou a desvalorizar nela os "hinos, cantos, orações e adorações", que existem na maior parte das religiões e sadhanas indianas, até como meio de nos aproximarmos do interior e do nosso ser, o qual não é passivo, mas que se desvenda mais no silêncio ou quietude da mente e das suas ondulações (vritis) e na compreensão e dissipação dos estados mentais que afligem, as klesas.
Klesas que aliás ele nomeia embora de um modo um pouco reducionista, pois equipara-as à soberba e à concuspicência, da teologia cristã e augustiniana, quando as cinco klesas são mais que isso e são desenvolvidas pela psicologia yoguica indiana, nomeadamente em Patanjali e seus comentadore e em textos do Budismo. São elas Avidya, ignorância do que é real e essencial; Asmita, ego e egoísmo; Raga, prazer atractivo com apego; Dvesa, repulsão; e Abhinivesa, vontade de viver e medo de morrer.
Anote-se que nos Yoga sutras de Patanjali a yoga é assim apresentado no 1º sutra : Yoga citta vriti nirodha, ou seja Yoga, ou União, ou Unificação, é ou obtém-se pelo controle, aquietação ou eliminação das ondas mentais (os vritis). Só mais à frente do tratado no 2º livro, no 3º sutra, é que vem: «Avidya, Asmita, Raga-Dvesha, Abhinivesa, Klesha», de facto, estados psíquicos que resultando tanto de pensamentos e sentimentos como de actos e hábitos, geram os vritis, a agitação mental, e que portanto perturbam as pessoas que tentam meditar e tornarem-se mais unificadas com o seu espírito e com a Divindade.
Anote-se que nos Yoga sutras de Patanjali a yoga é assim apresentado no 1º sutra : Yoga citta vriti nirodha, ou seja Yoga, ou União, ou Unificação, é ou obtém-se pelo controle, aquietação ou eliminação das ondas mentais (os vritis). Só mais à frente do tratado no 2º livro, no 3º sutra, é que vem: «Avidya, Asmita, Raga-Dvesha, Abhinivesa, Klesha», de facto, estados psíquicos que resultando tanto de pensamentos e sentimentos como de actos e hábitos, geram os vritis, a agitação mental, e que portanto perturbam as pessoas que tentam meditar e tornarem-se mais unificadas com o seu espírito e com a Divindade.
Por fim, Jung considera que, fruto da mente indiana, «yoga é o
instrumento continuamente usado para se produzir a peculiar atitude
mental» de uma certa inconsciência que se considera a mais elevada consciência. Se isto, pelo aspecto mental superficial pode ser dito e visto, já numa visão mais completa não é assim pois o resultado da viagem meditativa para o interior é revelação, a auto-gnose do eu espiritual, e da Divindade nas suas formas, ou da sua unidade, pelo que a dimensão mais espiritual do Yoga parece ser ignorada ou não aceite por C. G. Jung, quando na realidade as práticas de yoga dão certos resultados em estados mentais e conscienciais mais estaáveis e subtis e não tanto entrar na inconsciência (como quer algo criticamente Jung), mas sim no contacto com o espírito, o mundo espiritual e a graça dos grandes seres e da Divindade...
Mais valiosa é a equiparação de Amitabha a um portador do santo vaso ou Graal...
Oiçamos então Jung:
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