domingo, 19 de julho de 2020

Armando Martins Janeira, especialista de Wenceslau de Moraes e da presença portuguesa no Japão, na comemoração da sua desencarnação.

                                                
O embaixador Armando Martins Janeira, diplomata, escritor e profundo conhecedor e divulgador da presença portuguesa no Japão e em especial de Wenceslau de Moraes, nasceu em Felgueiras, Bragança, em 1 de Setembro de 1914 e desencarnou no Estoril, com 73 anos, no dia de 19 de Julho, de 1988. Casara aos 45 anos com a alemã Ingrid Bauer, que o acompanhou com grande qualidade na sua missão e o continuará no amor e partilha da amizade luso-nipónica, sendo  fundadores, em 1981, da Associação de Amizade Portugal Japão. Ainda o ouvi por duas vezes...
Sendo diplomata desde 1939, esteve duas vezes no Japão:  como 1º Secretário de Legação, de 1952 a 1955, e como Embaixador de Portugal, de 1964 a 1971, em Tóquio.
                                      
 Deixou uma vasta obra histórica e ensaística e nela destacaremos por ordem cronológica e pela temática nipónica, em 1956  Caminhos da Terra Florida – A Gente, a Paisagem, a Arte Japonesa, e O Jardim do Encanto Perdido – Aventura Maravilhosa de Wenceslau de Moraes no Japão

 Em 1962  imprime O PEREGRINO, em Lisboa, num in-fólio oceânico de 72 páginas em papel de arroz. Dentro de estojo em algodão estampado ao modo japonês, constitui uma valiosa aproximação a Wenceslau de Moraes, com referências importantes ao Shinto e ao Budismo na sua vida e obra e como foi acolhido pelas duas religiões aquando da sua morte. É uma belíssima edição, muito bem ilustrada com um postal até escrito por Wenceslau, uma toalhinha japonesa e uma gravura em madeira do estilo ukiyo-e, provavelmente já do séc. XX, além de imagens fográficas de Wenceslau. Tiragem de 100 exemplares numerados e portanto rara.
Em 1966 sai Um Intérprete Português do Japão.  Wenceslau de Moraes. E em 1970  O Impacte [Impacto]Português Sobre a Civilização Japonesa, que virá a ser reeditado em 1988.
 
Em 1971 dá à luz uma boa escolha e bem apresentada, intitulada Wenceslau de Moraes. Selecção de textos e introdução de Armando Martins Janeira.
 
  Em 1981 é impresso o excelente Figuras de Silêncio – A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, com prefácio do prémio Nobel da Literatura Shusaku Endo, e onde aborda muito bem as grandes almas portuguesas no Japão: o capitão-do-mar Jorge Álvares, Fernão Mendes Pinto, os missionários jesuítas S. Francisco Xavier, Luís de Almeida, Luís Fróis, João Rodrigues e Diogo de Carvalho e finalmente "o último dos grandes aventureiros lusíadas: Wenceslau de Moraes."
Além de cinco livros escritos em inglês, há ainda alguns inéditos em vias de serem publicados. 
                               
  Os seus livros estão repletos de sabedoria não só dos outros mas de si próprio e nesse sentido escreveu: «O significado da vida e da felicidade — todos os sábios do Oriente e do Ocidente nos ensinam — só se encontra quando o homem se dedica a uma grande tarefa, se entrega inteiramente a uma missão e se dissolve no poder imenso que o transporta para além da existência individual». 
Vivendo no Japão cerca dez anos, onde ajudou a «erguer 15 monumentos comemorativos da grande obra portuguesa», um museu, uma escola infantil e um cortejo histórico, este descobridor moderno confessará: «Foi uma luta combatida e vivida num fervor de cruzada, não para ressuscitar um legado histórico, mas para inserir a História na vida de hoje e amanhã. Isto só no Japão poderia ter sido conseguido. Oxalá um dia em Portugal igual eco se levante, para que assim a obra portuguesa no Japão desça da leniente seara dos eruditos para o campo da cultura geral, e aí tome um significado vivo e universal, hodierno e criador — para que o amor entre os dois povos se engrandeça».
                                           
Foi e é, de portugueses e estrangeiros, quem melhor compreendeu Wenceslau de Moraes e também o Japão, destacando nele, na antologia referida, págs. XV-XVI, duas fases: «Nos primeiros anos de Japão, Moraes vivia no encanto da cor, na surpresa do exótico, no arroubo das maravilhas pitorescas do lendário Dai-Nippon. Este lado superficial deu-lhe em Portugal grande voga: ainda hoje para os leitores de Portugal, Moraes é apenas um escritor exoticista, delicado e louco, perdido no lindo sonho de um romântico Japão (...) 
O Moraes profundo e verdadeiro é o dos últimos anos do Japão. É o homem que amadurece no sofrimentos os seus verdadeiros valores humanos. É o estrangeiro isolado em um meio hostil, por vezes insultado, perseguido, mas nunca desistindo do grande propósito da sua vida - conhecer a essência da vida oriental e fazer o relato detalhado das suas reacções ocidentais no ambiente estranho que o cerca. Este relato minucioso é um documento de inestimável valor humano pois até hoje ninguém nos deixou uma confissão tão íntima e interessante das suas experiências diárias de oriental entre orientais.»
Realçará ainda dois aspectos muito importantes: «Moraes escreveu a primeira história de amor entre um ocidental e uma japonesa - a confissão do seu drama com Ko-Haru; e porque foi também o pioneiro na análise da vida diária de uma comunidade japonesa, a pequena cidade de Tokushima, Moraes mostra também mais largueza e visão do futuro.» 
Do seu conhecimento do amor religante ou religioso dos japoneses há um trecho de Armando bem curioso e instrutivo: «O Japonês ama carinhosamente os seus templos, quer sejam xintoísta- erguidos no cimo das montanhas para de mais perto adorar o Sol - quer na sua penumbra sorria tranquila a plácida face de Buda, infundindo bondade e profunda paz espiritual conquistadas pelo esforço ingente de renunciar ao mundo para se dissolver no universo, e assim, dentro do humano, atingir o infinito. O Japonês ama acima de tudo os seus velhos templos e os seus antigos jardins, que desde há mais de mil anos trata com esmerado carinho, e onde ainda hoje vai procurar retemperar a sua alma de serenidade e de paz.»
  Encontra-se presente na Câmara Municipal de Cascais, no seu Centro Cultural, uma exposição dedicada a Armando Martins Janeira e com eventos e conferências a decorrer, embora as últimas (uma minha) tenham sido adiadas por causa do Covid.

Sem comentários: