O embaixador Armando Martins Janeira, diplomata, escritor e profundo conhecedor e divulgador da presença portuguesa no Japão e em especial de Wenceslau de Moraes, nasceu em Felgueiras, Bragança, em 1 de Setembro de 1914 e desencarnou no Estoril, com 73 anos, no dia de 19 de Julho, de 1988. Casara aos 45 anos com a alemã Ingrid Bauer, que o acompanhou com grande qualidade na sua missão e o continuará no amor e partilha da amizade luso-nipónica, sendo fundadores, em 1981, da Associação de Amizade Portugal Japão. Ainda o ouvi por duas vezes...
Sendo diplomata desde 1939, esteve duas vezes no Japão: como 1º Secretário de Legação, de 1952 a 1955, e como Embaixador de Portugal, de 1964 a 1971, em Tóquio.
Deixou uma vasta obra histórica e ensaística e nela destacaremos por ordem cronológica e pela temática nipónica, em 1956 Caminhos da Terra Florida – A Gente, a Paisagem, a Arte Japonesa, e O Jardim do Encanto Perdido – Aventura Maravilhosa de Wenceslau de Moraes no Japão.
Em 1962 imprime O PEREGRINO, em Lisboa, num in-fólio oceânico de 72 páginas
em papel de arroz. Dentro de estojo em algodão estampado ao modo
japonês, constitui uma valiosa aproximação a Wenceslau de Moraes, com referências
importantes ao Shinto e ao Budismo na sua vida e obra e como foi
acolhido pelas duas religiões aquando da sua morte. É uma belíssima edição,
muito bem ilustrada com um postal até escrito por Wenceslau, uma
toalhinha japonesa e uma gravura em madeira do estilo ukiyo-e, provavelmente já do séc. XX, além de imagens
fográficas de Wenceslau. Tiragem de 100 exemplares numerados e portanto rara.
Em 1966 sai Um Intérprete Português do Japão. Wenceslau de Moraes. E em 1970 O Impacte [Impacto]Português Sobre a Civilização Japonesa, que virá a ser reeditado em 1988.
Em 1971 dá à luz uma boa escolha e bem apresentada, intitulada Wenceslau de Moraes. Selecção de textos e introdução de Armando Martins Janeira.
Em 1981 é impresso o excelente Figuras de Silêncio – A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, com prefácio do prémio Nobel da Literatura Shusaku Endo, e onde aborda muito bem as grandes almas portuguesas no Japão: o capitão-do-mar Jorge Álvares, Fernão Mendes Pinto, os missionários jesuítas S. Francisco Xavier, Luís de Almeida, Luís Fróis, João Rodrigues e Diogo de Carvalho e finalmente "o último dos grandes aventureiros lusíadas: Wenceslau de Moraes."
Os seus livros estão repletos de sabedoria não só dos outros mas de si próprio e nesse sentido escreveu: «O significado da vida e da
felicidade — todos os sábios do Oriente e do Ocidente nos ensinam — só
se encontra quando o homem se dedica a uma grande tarefa, se entrega
inteiramente a uma missão e se dissolve no poder imenso que o transporta
para além da existência individual».
Vivendo no Japão cerca dez anos, onde
ajudou a «erguer 15 monumentos comemorativos da grande obra portuguesa»,
um museu, uma escola infantil e um cortejo histórico, este descobridor
moderno confessará: «Foi uma luta combatida e vivida num fervor de cruzada,
não para ressuscitar um legado histórico, mas para inserir a História na
vida de hoje e amanhã. Isto só no Japão poderia ter sido conseguido.
Oxalá um dia em Portugal igual eco se levante, para que assim a obra
portuguesa no Japão desça da leniente seara dos eruditos para o campo da
cultura geral, e aí tome um significado vivo e universal, hodierno e
criador — para que o amor entre os dois povos se engrandeça».
Foi e é, de portugueses e estrangeiros, quem melhor compreendeu Wenceslau de Moraes e também o Japão, destacando nele, na antologia referida, págs. XV-XVI, duas fases: «Nos primeiros anos de Japão, Moraes vivia no encanto da cor, na surpresa do exótico, no arroubo das maravilhas pitorescas do lendário Dai-Nippon. Este lado superficial deu-lhe em Portugal grande voga: ainda hoje para os leitores de Portugal, Moraes é apenas um escritor exoticista, delicado e louco, perdido no lindo sonho de um romântico Japão (...)
O Moraes profundo e verdadeiro é o dos últimos anos do Japão. É o homem que amadurece no sofrimentos os seus verdadeiros valores humanos. É o estrangeiro isolado em um meio hostil, por vezes insultado, perseguido, mas nunca desistindo do grande propósito da sua vida - conhecer a essência da vida oriental e fazer o relato detalhado das suas reacções ocidentais no ambiente estranho que o cerca. Este relato minucioso é um documento de inestimável valor humano pois até hoje ninguém nos deixou uma confissão tão íntima e interessante das suas experiências diárias de oriental entre orientais.»
O Moraes profundo e verdadeiro é o dos últimos anos do Japão. É o homem que amadurece no sofrimentos os seus verdadeiros valores humanos. É o estrangeiro isolado em um meio hostil, por vezes insultado, perseguido, mas nunca desistindo do grande propósito da sua vida - conhecer a essência da vida oriental e fazer o relato detalhado das suas reacções ocidentais no ambiente estranho que o cerca. Este relato minucioso é um documento de inestimável valor humano pois até hoje ninguém nos deixou uma confissão tão íntima e interessante das suas experiências diárias de oriental entre orientais.»
Realçará ainda dois aspectos muito importantes: «Moraes escreveu a primeira história de amor entre um ocidental e uma japonesa - a confissão do seu drama com Ko-Haru; e porque foi também o pioneiro na análise da vida diária de uma comunidade japonesa, a pequena cidade de Tokushima, Moraes mostra também mais largueza e visão do futuro.»
Do seu conhecimento do amor religante ou religioso dos japoneses há um trecho de Armando bem curioso e instrutivo: «O Japonês ama carinhosamente os seus templos, quer sejam xintoísta- erguidos no cimo das montanhas para de mais perto adorar o Sol - quer na sua penumbra sorria tranquila a plácida face de Buda, infundindo bondade e profunda paz espiritual conquistadas pelo esforço ingente de renunciar ao mundo para se dissolver no universo, e assim, dentro do humano, atingir o infinito. O Japonês ama acima de tudo os seus velhos templos e os seus antigos jardins, que desde há mais de mil anos trata com esmerado carinho, e onde ainda hoje vai procurar retemperar a sua alma de serenidade e de paz.»
Encontra-se presente na Câmara Municipal de Cascais, no seu Centro Cultural, uma exposição dedicada a Armando Martins Janeira e com eventos e conferências a decorrer, embora as últimas (uma minha) tenham sido adiadas por causa do Covid.
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