segunda-feira, 18 de março de 2024

Místicas portuguesas dos séc. XVII e XVIII e seus ensinamentos. Contextualização e linhas de força do que será a conferência no I Congresso Internacional de Espiritualidade e Mística, a 26 de Abril, no Bom Jesus do Monte.

 Resumo programático da comunicação, para o I Congresso Internacional de Espiritualidade e Mística, Místicas portuguesas dos séculos XVII e XVIII, e que virei a realizar de acordo o alento do Espírito Santo, que conseguir merecer, no Bom Jesus do Monte, no dia 26 de Abril de 2024, pelo meio da tarde.

Nas raízes etimológicas, gregas, da nossa palavra mística, encontraremos os mistés, os iniciados ou iniciadas, que praticavam o silêncio não só receptivo preparatório, como até posterior, às experiências indizíveis que obtinham no decurso dos Mistérios.

Tal implica que, para além do corpo físico, ou do que vemos e experienciamos com os cinco sentidos e a mente, existem outros níveis de ser e dimensões que alcançam ou chegam até às profundezas ou alturas do Divino, as quais exigem contudo, para se nos revelarem e tornarem compreensíveis, que adoptemos modos de vida e práticas psico-espirituais correctos que nos permitam merecer as graças de estados intensificados de consciência, de amor, de união.

O místico é pois quem experienciou o que poderemos designar por sagrado, em sentido lato ou, em sentidos mais precisos, o espírito, o divino, ou ainda quem tem apenas a tendência, aspiração e sensibilidade para tal.

No Ocidente Cristão Português, a tradição mística é muito antiga e ininterrupta, e vem desde os eremitas da serra de Ossa até às milhares de sorores e almas religiosas que se protegeram em mosteiros e conventos e aí puderam soltar a ave-balão do seu coração, sem os pesos dos envolvimentos e preocupações mundanas, rumo às alturas ora devocionais ora mesmo místicas e de êxtase de que tantos testemunhos nos ficaram: hagiográficos, literários, artísticos ou mesmo de intercessão.

Esta comunicação baseia-se no estudo das vidas e ensinamentos de algumas místicas portuguesas dos séculos XVII-XVIII, da época do Barroco, freiras de diversas ordens, que se destacaram qualitativamente no seu magistério monacal e conventual, na ascese, nas práticas devocionais, no amor, nas graças, visões, uniões e êxtases, ou ainda na poesia e doutrina, por vezes com forte influência na sociedade, e baseia-se portanto no que elas realizaram. A fonte documental principal são cerca de dez livros do séc. XVIII escritos com diligente cuidado e sábio discernimento sobre as vidas delas, e contendo escritos ou falas das sorores, e mais um ou dois pequenos manuscritos de relações das suas vidas. 
Espera-se que desta comunicação se possa avaliar melhor a qualidade do amor e de dádiva ao sagrado e ao Divino, e às Suas Pessoas, bem como da operatividade das vias que tais místicas portugueses seguiram em vidas tão abnegadas e ardentes quão luminosas e exemplares.»
 
Como bibliografia podemos exemplificar com uma das mais instrutivas obras acerca das vidas das nossas sorores, Os Desposórios do Espírito celebrados entre o Divino Amante, e sua Amada Esposa, a venerável Madre Soror Mariana do Rosário, Religiosa de Véu Branco no Convento do Salvador da cidade de Évora composto por Frei António de Almada, Religioso dos Eremitas de Santo Agostinho na Província de Portugal, jubilado na Sagrada Theologia. Lisboa, na Ofcina de Miguel Manescal da Costa, 1766,

domingo, 17 de março de 2024

Da leveza dos corpo e almas. Desprendimento do mundo, amor a Deus. Sentidos espirituais, corações e elevações.

  Há pessoas que embora tenham os corpos bastante volumosos ou fortes são leves porque se enchem constantemente de vibrações de amor, de abnegação, de devoção, de adoração. O seu conteúdo interior material de ossos e de carne é como que subtilizado, aligeirado, desvanecido, sublimado e por isso elas avançam harmoniosamente, menos pesadamente no caminho da vida. 

Também podemos ver a imponderabilidade da sua massa corporal resultar de estarem a ser atraídos para os planos subtis e espirituais que penetram e envolvem a Terra e que assim os roubam à maior densidade e peso no plano físico e mesmo de certos planos psíquicos conflituosos e plenos de vibrações negativas, hoje em dia muito insidiosos e absorventes pelas manipulações das notícias do mundo pelos meios de informação. Por isso o recolhimento, a menor exposição possível aos canais televisivos é fundamental para nos conseguirmos elevar um pouco acima da horizontalidade infrahumanizadora que predomina...

Caso extremo e raro, e ainda hoje pela maioria duvidado, passava-se com os místicos e místicas antigos que foram vistos elevados do solo, centímetros ou metros, parados ou em voo, arrebatados pelos seus estados intensificados de amor à Divindade ou ao Bem. Dos mais conhecidos devemos nomear S. Teresa de Ávila e S. José de Cupertino, mas em Portugal houve também os que conseguiam derrogar a lei da gravidade e foram vistos a levitar, caso de S. Pedro de Alcântara, na Arrábida, ou de místicas como a  soror Maria Francisca da Conceição, clarissa em Trancoso, e a Madre Brízida de Santo António.. Podemos pensar que o desprendimento do mundo terreno, e as asas com que aspiravam aos céus e à Divindade nas orações e contemplações as conseguiam arrebatar no corpo e na alma, de certo modo testemunhando assim mais visivelmente a força do espírito, num corpo espiritual em acção.

Noutras pessoas é a comunhão com a natureza, o ar, o infinito, a beleza que os faz sair da densificação-coisificação corporal separada do Todo que eles ainda sabem sentir, assimilar e unir-se. Foram muitas as almas poéticas que se elevaram e extasiaram com os lírios do campo, os rouxinóis do Mondego, as serras de Sintra e da Arrábida, e lembramo-nos de Frei Agostinho da Cruz, o místico da Arrábida, tal como já no século XX o professor liceal e malogrado  poeta Sebastião da Gama, que tão bem a cantou na Serra-Mãe.

Há quem considere que o coração de tais almas, ao perseverar na humildade e oração, na paz e na alegria, ao estar quase sempre flamejante e confiante, liga-se incessantemente a uma correnteza espiritual que se intercomunica e de algum modo as eleva e subtiliza, uns chamando-lhe Alma do mundo, outros Espírito Santo, outros Campo unificado de energia consciência informação...

Para outros seres mais dedicados ao estudo e à meditação, o principal factor será a consciência desenvolvida ou apurada da presença espiritual Divina nas suas almas e corações que as eleva em relação a muitas das horizontalidades e pesos da vida, fazendo-as entrar em estados de amor, suavidade, alegria e leveza grandes. Nas místicas portuguesas dos séc. XVI, XVII e XVIII acontecia bastante essa forte consciência da Presença Divina no centro do peito e da alma, e deram testemunho disso várias delas, ora vendo-a, ora sentindo-a até queimá-las como fogo de Amor, tais como Brízida de Santo António, Mariana da Purificação e Mariana do Rosário.

 Muitos mais seres, se orassem e meditassem, poderiam alcançar tal consciência através dos sentidos espirituais, mas na maioria dos seres estes sentidos não estão despertos e activos devido à vida demasiado materializada e exteriorizada, e poucos conseguem confirmar por experiência própria o que lê ou ouvem de tais casos de maior despertar espiritual, e em geral deixam-se envolver em grupos e práticas de esoterismo duvidoso e perigoso pensando que por magias, ritos sexuais e cabalas conseguem dominar forças e até entidades e atingir estados a que chamam transcendentes mas que frequentemente os tornam desequilibrados, vítimas...  

Algumas pessoas que oram e meditam mais simplesmente  conseguem ver algumas luzes ou imagens nos seus momentos de interiorização mais conseguidos, e mesmo que venha tal dos planos subtis astrais e não dos mais elevados espirituais,  numa clarividência que pode provir de herança genética ou dos antepassados, ou por desenvolvimento voluntários, isso sempre os harmoniza e lucidifica, em vez de luciferizar. Embora o mais importante seja a nossa sinceridade no caminho do bem e da verdade e da aspiração e adoração da Divindade, certamente que é sempre valioso  ver símbolos,  os planos espirituais, os santos, os mestres e anjos, ou mesmo a presença espiritual e Divina, embora poucos obtenham tais graça, bem mais fácil de acontecer nos mosteiros (das várias religiões) em que as almas abnegadas, ao entregarem-se à vida tão difícil quão valiosa de recolhimento, oração, e santificação, viam frequentemente o mestre Jesus ou outros seres espirituais.

Já quanto ao sentido da audição subtil,  pese a tradição imaculada de Pitágoras ouvindo a música das esferas e de na mística portuguesa ter havido uma ou outra monja que conseguira ouvir a música celestial ou dos Anjos, caso da soror Mariana do Rosário,  em geral apenas ouviram as locuções internas do Mestre,  hoje pouquíssima gente o consegue, pois a barulholatria em que se vive na sociedade moderna é um factor impeditivo forte para conseguirmos sentir mais os ritmos cósmicos, os sons subtis internos, os diálogos com o ser amado divino.

Já na tradição indiana , ainda se valoriza nos nossos dias a meditação no som, palavra ou verbo divino,  Vak, Sat Naam, e do qual o Om é a sonorização audível mais apresentada e recomendada, embora certos mestres prefiram as quatro mahavakyas, as grandes afirmações, para se interiorizarem e despertarem espiritualmente, as quais remetem para a nossa íntima ligação com a Divindade, Brahman. E muitos meditam num nome divino, o ishta devata nama, aquele com que sentem mais acessível a ligação à Divindade, interna e do coração.

Assim na Índia há milhões de pessoas que diariamente pronunciam o Om muitas vezes, ou concentram-se no som do silêncio, o nada, mas poucos resultados e testemunhos surgem, além de um ou outro yogui dar algumas descrições. Os gurus actuais mais conhecidos destacam-se sobretudo pela  grandeza de vaidade exterior e pobreza de realização interior. Mas falam de tudo, abençoam e deixam-se adorar com uma facilidade impressionante, e mesmo Portugal não tem escapado a tais patranhices dada a fraca qualidade do nosso esoterismo e yoguismo.

Tais promessas gregas ou indianas eram infundadas, ou não soubemos qualificar-nos para aprofundar os caminhos para tal audição da música das esferas de que Pitágoras falava e teria ouvido, ou não é tal necessário?

Se lermos ou estudarmos algumas referências da sabedoria indiana vemos que fazem corresponder o som  com o elemento éter ou akasa ou espaço e que ouve-se pelo órgão do ouvido. Mas pouco falam do ouvido subtil,  um órgão subtil contraparte do ouvido físico, tal como olho espiritual o é dos olhos físicos. Como o poderemos ligar os dois ouvidos, como discernir e cumprir melhor as suas mais elevadas funções?

Podemos pensar que é ouvindo com bastante sensibilidade e recolhimento interior a música e a voz, que iremos despertar o ouvido espiritual. Ou pensar que falando e cantando luminosa e harmoniosamente,  o ouvido espiritual se harmonizará e afinará. Mas também há técnicas em que se fecham os ouvidos físicos, e se repete interiormente uma oração, uma jaculatória, um mantra e se tenta interiorizar a consciência por uma audição interna dessa vibraçao pronunciando-se dentro de nós.

 Como os órgãos do sentidos são influenciados pelo que experienciamos, despertaremos ou pelo menos harmonizaremos o ouvido espiritual se cantarmos, orarmos  harmoniosamente, vendo ou imaginando tal na sua subtileza e essencialidade. Entre nós, uma ou outra soror portuguesa, tão activas nos cantos e orações, conseguia, talvez pela sua sensibilidade e devoção maior, receber a graça de ouvir acompanhamentos subtis às suas actividades nos coros das missas, tal a Soror Mariana do Rosário, em Évora.

Assim, se nos interrogarmos, porque é que os nossos sentidos espirituais estão tão adormecidos, porque não conseguimos ver tanto com o olho espiritual, nem sentir com o coração, nem ouvir a voz do Mestre, talvez devamos reconhecer que eles estão cobertos ou soterrados de imagens, de impressões, de sons, de partículas karmicas (geradoras de influências) que obscurecem a visão ou a audição para dentro e para fora. As purificações visam remover essa matéria indesejável e por isso as pessoas no caminho místico e espiritual sujeitavam-se a muitas asceses e limpezas, embora hoje menos, pois também se abusava outrora do castigar do irmão corpo, como lhe chamava S. Francisco de Assis.

 A utilização predominante dos sons nasais nas práticas de oração, respiração e meditação orientais (e não só pois ao Aum indiano corresponde o Amen cristão, o Hum budista, o Amin islâmico)  visa, ao ressoarem mais na cabeça, provavelmente estimular a energia dos centros superiores cerebrais, e limpar os canais ou antenas mais altos da alma, de tal modo que sentimentos e emoções são gerados e as lágrimas ou risos, físicos ou só psíquicos, podem ser a contraparte  da intensificação da circulação da energia psico-espiritual do amor e do coração, seja ela auto-emanada, seja ela também recebida por graça de circulação de ligação do céu e da terra, ou mesmo de descida do mundo espiritual e Divino.... 

Todavia a graça da contemplação de Deus nasce da perseverante adoração e  amor com que possamos aspirar a religar-nos a Ele e não das técnicas, sendo certamente a leveza da circulação energética no microcosmo humano e a fé justificada ou seja a  confiança mais fundamentada  da sintonização do ser humano com Deus o que abre mais as portas da alma e do coração às graças divinas e à consciencialização delas

Escassas são porém as pessoas que se dirigem ao coração, que lhe falam, ou interrogam ou meditam, para que  espírito, almas do corpo místico da Humanidade,  Anjos ou mesmo a Divindade possam ser através dele sintonizados e   inspirações deles acolhidas. 

O culto do sagrado coração de Jesus e depois, historicamente (já só no final séc. XVIII)  de Maria, deve ser assumido também dentro de nós, seja porque temos o influxo de um ou ou outro desses grandes seres em nós, seja porque a nossa própria centelha divina está mais desperta e irradiante. Nomeadamente quando, apesar das dificuldades da vida,  há  estabilização da presença espiritual ou  quando a graça mais forte da presença Divina se manifesta.

Assim quando os seres e os seus corações estão mais purificados, leves e  receptivos, eles podem seja desferir votos e flechas benéficas para os outros como receber informações ou sinais do seu eu espiritual, dos mestres e anjos, e do universo subtil e espiritual. Comunicam assim acima das limitações do tempo e do espaço  circulam mais ligeira e harmoniosamente nos mundos subtis e imaginais, ou mesmo voando ou levitando, pelo menos nas legendas vivas que nos deixaram para emular.

sábado, 16 de março de 2024

Apresentação de "Primórdio [Cordis]" de Maria de Fátima Silva, no ALI, do Convento da Terra, no Torrão.

                                                                  

Para além do que direi in loco e de coração na inauguração da exposição da Fátima, no ALI do Convento da Terra, pediu-me o Mário Caeiro, o dinamizador, que escrevesse umas palavras:

Esta exposição da Maria de Fátima Silva, organizado pela associação do Convento da Terra, no Torrão, contém os núcleos principais da sua obra pictórica onde  as raízes arqueológicas, históricas, míticas e espirituais nos são apresentadas com  grande dinamismo de formas, cores e perspectivas, constituindo-se como pinturas cheias de simbolismo, de emoções, de tragédias e glórias, e que nos desafiam a senti-las e a compreendê-las, o que nem sempre é fácil tal a carga histórica e simbólica, pessoal e estética, com que a Fátima as investe.

Podemos discernir alguns núcleos, tal um primeiro da memória dos tempos da Atlântida e pré-históricos, através das suas pedras, megalitos, antas e monumentos, a que ela acrescenta as suas intuições, seja de cultos e sacerdócios, seja de Anjos e Deuses que habitavam tais locais sagrados e respondiam, ou correspondiam, às aspirações dos povos e orantes.

Esta é uma raiz que subjaz Portugal e cada a alma portuguesa que sente mais ou menos fortemente tais pilares e eixos dos tempos antigos que ainda sobrevivem ora na nossa paisagem ora apenas numa vaga memória ou imaginação colectiva, como é o caso da Atlântida, e que alguns rochedos ou ilhas próximas da nossa costa a fazem emergir imaginalmente do Oceano que a engoliu.

O segundo núcleo é o Amor de Inês e de Pedro, tanto na sua essência do amor intenso sentido e realizado como no da fragilidade trágica face às circunstâncias adversas mas capaz de se imortalizar, e que encontrou na Fátima a discípula preferida, ela se deixando mergulhar em tudo o que a fará sentir ou saber mais de tal vivência e história tanto trágica como gloriosa, atestada perenemente na estatuária dos dois amantes jazentes na brancura da eternidade no templo do mosteiro cisterciense de Alcobaça, e que ela tem repetidamente peregrinado, como aliás outros locais ligados à vida de Pedro e Inês, sempre atenta ainda ao que em gravuras e livros antigos pode recolher.

O terceiro núcleo fundamental liga-se aos Anjos e na maioria das suas pinturas eles estão presentes, em formas diversas, em conúbio com os seres humanos, os animais, as pedras, e introduzindo assim face à materialização progressiva da humanidade que se intenta infra-humanizar (WEF), um contra-discurso pictórico em que a dimensão espiritual surge intensamente presente no nosso quotidiano, e logo salvando-nos da redução a meros consumidores materializados do que os manipuladores meios de comunicação social querem e intentam. O Anjo apela à nossa interiorização, oração e meditação e  elevam-nos acima da horizontalidade para dimensões mais vastas da consciência e da existência e podem abençoar-nos com a sua luz,  paz, amor e lucidez.

É certamente  difícil avaliar os sentimentos e pensamentos que as obras e seus núcleos suscitarão nas pessoas que os virem, embora seja em geral agradável o todo qualitativo de cada uma das suas pinturas, nas cores, formas, conjuntos, movimentos, planos, personagens, narrativas e mensagens.

Teríamos de saber se, após as contemplarem mais ou menos demoradamente, ficaram com maior amor à terra, à arqueologia, à pré-história, às brumas das civilizações antigas, ou se ficam mais decididas a serem amor e não se deixarem matar pelos  inimigos externos ou mesmo internos, e assim se erguerem como cavaleiros e cavaleiras do Amor, Fiéis do Amor Divino na Terra e  entre os humanos e, finalmente, se conseguem sentir ou então (bem mais difícil) ver interiormente o Anjo, os Anjos, e se nas suas orações e meditações eles passam a ser invocados e orados, talvez aumentando o número e a força dos que ainda exclamam alguma versão da oração do "Anjo da Guarda, minha subtil companhia, inspira a minha alma de noite e de dia", e de tais práticas e esforços de religação recebem inspirações e energias.

Talvez possamos finalizar lembrando um quarto núcleo na tão rica e promissora obra da Maria de Fátima Silva: o mar, não só de amar mas daquele que abraça ou cinge toda a nossa costa ou, para quem vive no interior, as costas, pois a Fátima e a sua família, que a acompanha e apoia nas suas incursões e peregrinações, vivem mesmo junto ao Oceano Atlântico e assim recebem mais as suas vibrações harmonizadoras, purificadoras, inspiradoras...

E com este núcleo finalizamos estas breves  palavras escritas a pedido do Mário Caeiro para a inauguração da exposição da Fátima no Torrão, junto ao convento da Nossa Senhora da Graça, outrora das Terceiras e Sorores Clarissas, com a sua valiosa mística franciscana de amor divino, humano e da Natureza (e onde floresceram almas agraciadas), certamente uma terra muito promissora na linha do Agostinho da Silva que apelou a novos conventos, algo que vinha já de Antero de Quental com a sua Ordem de Mateiros, para se constituírem como enclaves de resistência económica, cultural, espiritual e fraterna, tal o Montado do Freixo Meio, do Alfredo Cunhal Sendim, no Alentejo profundo, face ao desumanismo ameaçador, onde se podem gerar criativa e dinamicamente actividades e crescimentos conscienciais belos e valiosos para as personas, para a Natureza, para a harmonia entre a Terra e o Céu.

Os quatro núcleos perfazem os Quatro elementos ocidentais tradicionais, a Terra e a Água, dos megalitos desde o Neolítico, da Atlântida e do Oceano, o Ar e o Fogo, dos Anjos mensageiros, anunciadores, comunicadores e do amor que uniu e une Pedro e Inês, e cada um de nós enquanto "Fiel do Amor" esforçando-se por realizar o lema da bandeira Amor omnia vincit, mais  desfraldada agora sobre o Convento do Torrão, e no nosso coração.

Pedro Teixeira da Mota.

sexta-feira, 15 de março de 2024

"Na Era do Fruto Permitido", um livro de biologia, agroecologia e arqueologia, história das mentalidades e utopia, do Alfredo Cunhal Sendim.

No extenso e milenário  Montado do Freixo do Meio, próximo de Montemor-o-Novo, realizou-se recentemente a apresentação do livro na Era do Fruto Permitido, do Alfredo Cunhal Sendim, o qual, com as suas actividades e projectos agro-florestais, tem sido um excelente impulsionador da transformação de pessoas em praticantes de produção biológica saudável e harmonizadora, ou então seus consumidores mais conscientes.  

Poema do Manuel Calado: Em tempos de confusão/ No Paraíso Perdido/ Vamos criar, com paixão,/ Novo Fruto permitido...

O título do livro tem na ligação profunda à Terra e à agro-ecologia uma da suas raízes mas outra é a sede de saber e cultura do Alfredo, o seu amor estudioso das transformações evolutivas da humanidade (desde há 2,5 milhões de anos) e da sua sobrevivência na Terra (ecosistema do solo, desde há 300 milhões de anos), rumo a um futuro melhor, designável como fruto apetecido-permitido, já não proibido, mas lutado, obtido e de certo modo permitido, seja no sonho utópico, seja na realidade do nosso mundo contemporâneo em que tantas forças asfixiantes das melhores tentativas se exercem frequentemente.

Imagens da mesa de apresentação pelo fotógrafo Joel Canavilhas.

A obra foi apresentada por Alfredo Cunhal Sendim, Ana Luísa Janeira, Manuel Calado e Pedro Teixeira da Mota numa bela tarde outonal, cheia de sol forte e no meio de centenas de simpáticos cogumelos, arrebatados aos seus solos e gnomos, mas que serviram para os visitantes matinais os descobrirem e colherem e, em certos casos, identificar, podendo levar os comestíveis, os outros ficando para uma calda freixiana que fortificará a terra e as produções onde for derramada.

A Fátima Gravinho, do grupo de não-violência de Shantidas e da Manuela Lourenço, e produtora de roupas de lã com tingimentos naturais, à conversa com o António Mantas, agrónomo e historiador da agricultura biológica em Portugal.

Num dia de festa de colheitas, confraternizado por cerca de duzentas pessoas no já tradicional almoço de produtos locais, acompanhado de uma feirinha de artesões e produtores locais, cerca de umas cinquenta pessoas assistiram à apresentação dos frutos principais do extraordinário projecto que representa no panorama nacional o Montado do Freixo do Meio e as suas actividades que ligam em verdade o passado mais remoto, com o futuro do vasto amanhã, havendo ainda  a atribuição de prémios aos melhores projectos locais e regionais agrícolas e artesanais  apresentados por oito participantes.

O Alfredo, o Pablo Casero e uma das premiadas do concurso de projectos.

Quanto ao livro, embora pequeno no tamanho, é bem grande no conteúdo, um in-8º de 90 páginas, com uma bela capa e ilustração do amigo Joakim Manik, e está  dividido em sete capítulos, e no 1º,  Na Era do Fruto Permitido,  explica a génese da obra: as conversas comigo na loja da Herdade do Freixo do Meio no Mercado da Ribeira, as leituras de Agostinho da Silva e as suas teorias da passagem da humanidade de recolectora a agricultora, e de Epicuro como um propugnador dum saber moderado, responsável e transformador do mundo, a influência de Wenceslau de Morais e sua grande osmose com a Natureza, o diálogo com Lurdes de Castro e sobretudo constante com o activista Pablo Casero, e ainda a frequência dos livros e bibliotecas, e como tudo isso o fortaleceu na sua decisão de querer alcançar um conhecimento melhor sobre a orgânica do Universo e ser "autor, realizador e actor no teatro do mundo", e partilhá-lo... 

No 2º parágrafo, Esse Teatro do Mundo, Sobre a orgânica do Universo, Alfredo vai nomeando as pessoas com quem foi dialogando, os autores lidos, e as teorias ou peças do puzzle que se foram encaixando, seja para a sua visão do mundo, seja para os seus projectos, e assim vemos passar Edgar Morin e a sua simplificação da complexificação, Paulo de Magalhães e a importância duma visão sistémica e protectora da bio-diversidade, a realização  a partir das leituras de Goethe, Espinosa, Monod, Antero de Quental e Fernando Pessoa  de que o «Espírito é reactivo, pan-relacional e auto-organizativo».

O pensamento de Espinosa sobre "Deus que é o mundo", e dialogado com um seu bom conhecedor Fréderic Lenoir, destaca-se e moderniza-se com o cientista Monod que afirma, o que é, direi, algo discutível para os mais espiritualistas:«A velha aliança rompeu-se; a humanidade sabe finalmente que está sozinha na imensidade indiferente do universo, onde emergiu por mero acaso. Como o seu destino, o seu dever também não está escrito em lado nenhum. Cabe-nos a nós escolher entre o Reino ou as trevas" diz . Uma coisa é certa, depois de Monod não dependemos de qualquer transcendente para explicar este teatro, podendo a partir daí, sem subjugações forçadas, edificar uma ética fundamentada na objectividade da natureza, deixando para cada um o tratamento do que não vê». 

Eis sem dúvida uma visão valiosa, e merecedora contudo de uma boa cogitação nossa para que não seja apenas  uma posição materialista e simplificadora ou contestatária de tanto ideologia e crença religiosa e filosófica, frequentemente sem dúvida meramente imaginativa ou discursiva e não fundada na realidade.

Refere em seguida Claude Lévi-Strauss, com o seu pensamento algo pessimista de que «o mundo começou sem a humanidade e vai acabar certamente sem ela»,  e o começo dos seus tão importantes diálogos com um vizinho, o arqueólogo Manuel Calado que abre as portas da história científica do passado, embora reflictam sobre o mito ibérico de Gargoris e Habidis, e lancem o aviso que se o fim dos dilúvios aconteceu há 12.000 anos, propiciando uma boa estabilidade para a humanidade, o caos climático que se adivinha agora pode dar lugar a novas purificações pela água. 

                                      

O capítulo III, A Humanidade Incluída, é o mais longo,  rico e complexo, pois nas suas 36 páginas traça a história da humanidade primitiva, em termos arqueológicos e de mentalidades, a partir de um cruzamento de leituras e sobretudo conversas que nos fazem assistir à passagem do nomadismo ao sedentarismo, citando o historiador Ruther Bregman e a sua teoria de que as pessoas são boas, e que é o "acesso atribulado ao poder" e às notícias do mundo que desequilibra e fanatiza as pessoas, e como a nossa auto-domesticação correlacionada com a oxiticina foram as responsáveis, com a geração genética, e a selecção natural, pelo nosso sucesso na evolução no mundo dos primatas. 

Nesse sentido do alargamento consciencial da pessoa no grupo ou todo, dialogará com o antropólogo Juan Luis Arzuaga, ligado ao tesouro de Atapuerca, que explicará como o "corar representa uma auto-denúncia em benefício da comunidade", ou Campillo Alvarez, que é a bacia de Eva e o seu tamanho e não a costela de Adão, que permitiu a evolução a que chegamos, ou com o biólogo Rui Oliveira, bom conhecedor da aprendizagem social já existente nos peixes e que pela cognição simbólica e a linguagem atinge em nós os níveis actuais de conhecimento e sua transmissão.

Em seguida dá uma visão da evolução da Humanidade desde o fim do Holoceno, dos caçadores recolectores, até ao Mesolítico, com as comunidades de Muge no Tejo,  e no Sado, com os seus concheiros, e que viveram milénios já com dignidade humana comunitária. E depois como com o Neolítico passamos de um atitude eco-centrada, de agro-ecologia, com seus direitos e deveres, para uma antropo-centrada e de domínio da natureza, face à qual somos superiores. 

Relata as descobertas arqueológicas com o Manuel Calado nos próprios terrenos do Freixo do Meio, e como o fogo, as mós de pedra e a cerâmica permitiram a utilização conservada e para troca da bolota e do seu pão ou biscoitos, iniciando uma sociabilização acelerada e um enriquecimento.

Perpassa em seguida pela  agroecologia ancestral, com as suas «queimadas, rotações, sementeiras, plantações, enxertias e poda», que perpassou nos anos 60 no japonês Fukuoka, um teórico e praticante bastante divulgado então, e critica, na linha de James C Scott (Against the grain, a deep history of the earliest states, 2011) a linearidade da visão dualista ou de monocultura propugnada desde o século XVIII por Jethero Tull, segundo o qual a evolução fora no sentido de recolector, agricultor, monocultura, estado, civilização, quando as práticas de recolecção e a agro-ecologia ancestral sempre subsistiram e são compatíveis com estados civilizacionais avançados.

Manuel Calado, Alfredo, Maria Luísa e o Pedro.

Analisará com a ajuda de Manuel Calado a passagem do nomadismo recolector para um crescente sedentarismo com a estabilização climática, o desejo de comunidade e a pastorícia, destacando-se importância da domesticação da cabra e da ovelha que chegaram vindas do Crescente Fértil antes da agricultura e suas hortas, e daí que o báculo fosse um símbolo de poder sagrado, sobrevivendo alguns exemplares votivos belíssimos, em xisto e marfim,   em museus, tal no Nacional de Arqueologia aos Jerónimos, ou, na imagem seguinte, no museu de Geologia à Academia das Ciências.

As  conversas com o notável fundador da Escola Livre, José Pacheco, que envolveram o Ailton Krenak, Jared Diamond, Viveiros de Castro e o Paulo Freire, foram também importantes para clarificar a passagem das fases harmoniosas e comunitárias do neolítico para as conflituosas, violentas, dualistas que separaram as pessoas e as viraram umas contra as outras, aguçando um individualismo, seja pessoal seja de tribos em lutas de sobrevivência, poder ou supremacia.

A evolução das sociedades, mentalidades e práticas agrícolas ibéricas é narrada em alguma páginas com contributos vários, até se chegar à romanização e depois, com a queda do império romano e o afluxo dos povos do norte da Europa e depois dos Árabes gerando-se uma nova época harmoniosa, comunitária e de agro-ecologia, quando se extrai do ecosistema apenas o suficiente para se viver, surgindo na Alta Idade Média os "casais", no modelo agroflorestal, recolectivo, do montado. 

                                        

Alfredo vai assim considerar que já vivemos muitas pequenas Idades de Ouro na nossa História, comunitárias, integrais, igualitárias, pacíficas, particularmente no Neolítico (anterior ao enriquecimento proveniente das tecnologias, acumulações de recursos, agricultura de monocultura, estratificação social, dualismo ético e separador da unidade com os outros e com a Natureza),  nomeando já na história lusa as relações nos portos dos fenícios na nossa costa, a prosperidade romana, a auto-organização popular do início da Idade Média (os municípios e seus homens bons, tão valorizados por Alexandre Herculano),  as festas do Espírito Santo, os Descobrimentos e até a mobilização por Timor, sem dúvida um dos últimos actos da grande alma portuguesa.

Para concluir esta sua dinâmica e moderna investigação e apreciação da evolução da humanidade, da sociedade, da ética e da agricultura, Alfredo Cunhal Sendim deixará como linhas de trabalho para as gerações futuras:

«Desenvolvimento pessoal. As festas do Espírito Santo. O Estudo da Pré-história. O estudo da evolução  e do funcionamento da mente humana. O estudo da evolução da Humanidade. O estudo da Agroecologia e da gestão dos ecosistemas.»

A parte final do livro, de 16 páginas, intitulada propriamente A Era do Fruto Permitido, é a mais utópica e pioneira e Alfredo inicia-a com a citação dum poema do seu amigo e cooperador Manuel Calado: «Em tempos de confusão/ No Paraíso Perdido/ Vamos criar, com paixão,/ Novo Fruto permitido...», lançando-se depois num projecto da realização da nova era, do quinto império, ou da era do fruto permitido, para o qual, após referir os contributos da oração e meditação, do desenvolvimento pessoal, do Eneagrama, dos círculos de aprendizagem do José Pacheco, e da ultrapassagem do dualismo por um posicionamento integral, para o que delineia um modelo de transição, exemplificado a partir da ilha de S. Jorge nos Açores, bastante original, bem pensado e quem sabe se um dia, qual nova ilha da Utopia de Thomas Morus e de José V. de Pina Martins, se concretizará.  Não iremos aqui parcelar e limitar tal pioneiro projecto da Era do Fruto Permitido nas nossas terras e ilhas do Espírito Santo, até para ter mais razões de ler o livro. 

A obra conclui com pequenas biografias de alguns amigos que participaram mais nas conversas, o Avelino Ormonde, o Francisco Rodrigues Casero, ou Paco Casero, o Manuel Calado, o Pedro Teixeira da Mota e o Rui Filipe Oliveira, seguindo-se duas páginas de valiosa bibliografia e seis páginas com as referências a setenta e uma notas ou citações inseridas no texto.


Eis uma obra valiosa e concentrada que poderá certamente estimular  estudos, encontros e aprofundamentos, o que por si só o Alfredo o faria, e com seus livros, amigos e autores queridos,  quem sabe para uma nova edição, tanto mais que a primeira foi sóbria ou parca na tiragem. 

                                   

quinta-feira, 14 de março de 2024

Uma oração e invocação, dialogante, da Divindade, algo pictográfica, hermética ou mesmo hieroglífica, mas sábia, sentida, realizada.

 Uma oração e invocação dialogante com a Divindade sentida e realizada entre quatro e as cinco horas da tarde do dia quatorze de Março de 2024, em elevação do coração e de todo o ser a Deus, escrita de seguida linha a linha, com diferentes esferográficas e sobre um papel de revestimento de parede bastante texturizado e levemente colorido. Não transcreverei o texto, oração, poema, senão na parte inicial, pelo menos por enquanto, pois até poderá decifrá-lo... Ora, lege, lege, relege, labora et invenies...

A DIVINDADE, sagrada, maravilhosa, fonte do AMOR, da SABEDORIA e do PODER,

CONTEM-NOS, TRASCENDE-NOS, AMA-NOS, INSPIRA-NOS, GUIA-NOS

quando a Ela nos abrimos e a tentamos sentir, invocar, adorar, merecer, chamar.

DEUS é o Ser Consciência e Alegria, realizaram alguns sábios orientais

SAT CHIT ANANDA, assim se pronuncia e invoca em sânscrito.

Esta essência da Divindade e dos seres devemos adorar, amar, cultivar, semear

Senti-la como jorrando do Oceano Divino a que o nosso peito se consegue abrir

Eu Sou o Ser espiritual, a centelha divina, o Atman, desenvolvendo uma personalidade harmoniosa.

(...)

(...)

 

quarta-feira, 13 de março de 2024

Dos trabalhos interiores e harmonizadores das gerações actuais, quando há tantos seres mal individuados e muito manipulados

                                     

Cada um de nós é uma alma, uma psique, entre o corpo animal e o espírito subtil, puxada por um pelos instintos e  pelo outro pelos ideais e aspirações, e assim se dividindo, de certo modo, numa alma mais animal, noutra mais racional  e noutra mais espiritual...

Cada um de nós é assim um campo de batalha entre as diferentes almas a todo o momento da vida no corpo físico, obrigando a equilíbrios entre a satisfação de  prazeres e desejos e a dos chamamentos ou imperativos do eu espiritual,  este com a sua capacidade racional, compassiva, abnegada, a função harmonizadora e a dimensão interiorizante e espírito-divinizante.

O Eu que detém as rédeas da vontade ora se submete mais ao corpo e alma animal e segue as suas impulsões e desejos, forças e fraquezas, ora tenta controlá-los  e realizar mais as suas capacidades de harmonia interna e externa, ou mesmo de paz, intuição, adoração, gratidão, amor, unidade, abnegação, tão necessárias nos nossos dias de tantos conflitos mundiais e pessoais, e em que por vezes temos mesmo que levantar a voz contra tanta hipocrisia e maquiavelismo da elite oligárquica ocidental e seus ineptos, insensíveis e corruptos dirigentes políticos, que, por exemplo, tanto usam erradamente o dinheiro público para armamento e vacinas  como causam tanta mortandade eslava e até palestiniana.

Para suplantarmos tal, a  oração, a meditação e a respiração psíquica são os meios principais pois, a qualquer momento, através deles, tentamos libertar-nos ou amainar as ondulações mentais reactivas e sintonizar mais com a nossa alma espiritual, mais próxima do espírito, e dos planos subtis a que temos acesso pelas afinidades, tendências e linhas de força desenvolvidas e, logo,  daí podendo recebermos influxos luminosos e restauradores.

Uma vida justa e de aspiração ao aperfeiçoamento, de labor pelo conhecimento e  sua partilha, e de atenção à voz da razão ou da consciência interna, outrora também chamada a voz do daimon, génio ou Anjo, e que subitamente nos clarifica, sugere ou aconselha por dentro, fortificam uma maior sintonia com a ordem e justiça na Terra, o Dharma indiano e o Tao chinês, e com o mundo espiritual, e ajudam-nos a estarmos mais norteados na nosso caminho e peregrinação da vida.

No meio de tanta informação e desinformação, de tanta manipulação e alienação da verdade, de tanta opressão e guerra, conseguirmos controlar a nossa curiosidade e ingestão de notícias, e a consequente reactividade psíquica tantas vezes desanimadora e negativa, é fundamental para não nos dispersarmos e enfraquecermos, para não desistirmos da nossa missão de luz, amor e sabedoria na Terra...


No meio de tantos factores ambientais artificiais, stressantes  e enfraquecedores, conseguirmos controlar a nossa constante oscilação psico-somática, ou ainda das gunas, como se dirá na Índia,  é pois uma tarefa e arte que exige uma discriminação constante do que devemos deixar entrar em nós de alimentação-informação, do que conseguimos aguentar ou assimilar, do que devemos apoiar, ou ainda do que deverá ser a nossa reacção ou síntese face ao que vemos, ou nos dizem, ou nos fazem.

Nada fácil é estarmos abertos à humanidade viva, sobretudo em conflito ou sofredora,  e sabermos reagir e actuar com compaixão, coragem  e justiça e simultaneamente preservar  a  saúde psico-somática tão facilmente afectada pela violência, o discernimento mental, e um certo desprendimento derivado da compreensão da dificuldade de haver muita unidade no meio de tantos seres pouco individuados e muitos manipulados pela Educação e os meios de informação e comunicação social, estes acrescentando ainda censuras ao que não interessa ao belicismo racista e autoritário da oligarquia financeira ocidental.

O contacto com a Natureza, a boa leitura, dialogo e escrita, a alimentação biológica, o trabalhar e agir em amor e compaixão, o recolhimento, o fechar os olhos, o sentir-nos no interior do corpo, o respirar consciente, profunda e retentivamente, o sentir o coração e as suas aspirações e orações, o invocar o Anjo da Guarda ou o Mestre, o adorar alguma forma de manifestação ou face da Divindade, são ainda os melhores meios de harmonização psico-corporal e  social  que podemos dispor para tentarmos religar-nos mais aos mistério do Espírito e da Divindade e para acrescentarmos mais luz aos nossos corpos espirituais que vamos talhando na vida terrena...

terça-feira, 12 de março de 2024

Oração a Antero: reflexões anterianas diante da sua estátua no jardim da Estrela. Com vídeo, e partes das cartas mais imortais, a António Molarinho e a Fernando Leal.

No dia das eleições legislativas, 10 de Março de 2024, após cumprir o direito e dever cívico, resolvi ir ao jardim da Estrela e, apesar do bruá-bruá ou chilrear das crianças, gravar uma  homenagem a ele, que no fundo são reflexões sob a sua inspiração, ditas talvez com solenidade a mais, mas com alguns horizontes belos da Natureza, mesmo que limitada num jardim. São 17 minutos.
Nelas cogito que, embora nós não possamos saber ao certo o que Antero de Quental diria do conflito da Ucrânia, da destruição e genocídio de Gaza ou ainda das eleições legislativas, se lermos e meditarmos os seus ensinamentos, discerniremos melhor a verdade e a justiça e poderemos assimilar tais forças e logo pensarmos e agirmos melhor ou bem. Mais à frente do improviso, contextualizo com as confirmações científicas modernas de Dean Radin e de Rupert Sheldrake as intuições de Antero quando à unidade panpsíquica do Cosmos e ao corpo colectivo e subtil da Humanidade.
E como mencionei as cartas de Antero de Quental a Fernando Leal, a António Molarinho, a Jaime de Magalhães Lima e a António Azevedo Castelo Branco como constituindo das suas mais valiosas transmissões éticas e espirituais, resolvi transcrever parte de duas cartas, a António Molarinho e a Fernando Leal, a quem saudamos luminosamente...

                            

I   Da carta a António Molarinho, inserida no livro póstumo, 1921, Lira Romantica. Meridionais, onde Antero, após ter elogiado os poemas que este lhe enviara considerando-os belos, valiosos e que ficarão sempre como testemunho da sua fase da juventude idealista e sonhadora, afirma a sua descrença da sobrevivência da poesia nos novos tempos históricos,  embora conclua com um  valioso enaltecimento do Bem e Amor que podemos gerar no Universo, numa bela visão. Dediquei um texto a António Molarinho: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2018/08/a-carta-de-antero-de-quental-antonio.html

I - « (...) E todavia essa iminente condenação da poesia pelo destino da história é talvez, no fundo justa. Quero, pelo menos, crer que o seja, para não renegar da fé nas leis superiores do desenvolvimento da humanidade. Essa pesada democracia, esse mundo de trabalho material e de ciência quase tão material como ele, esse monstro de esforço e cálculo, brutal e sem estranhas como agora nos parece, traz talvez em si alguma grande ideia da justiça, que compense à farta as delicadezas e as ternuras que lhe faltam. A poesia tem embalado, com a sua divina melopeia, as dores da humanidade, tem adormentado o sentimento acerbo das suas inenarráveis misérias; mas essas dores, essas misérias não as pode ela suprimir. A ciência e a democracia suprimi-las-ão talvez. [Que belo idealismo, utópico, de Antero....] Como não sei. Ninguém sabe. Mas é essa a fé deste século audaz, e a fé tem sido sempre o pressentimento dalguma grande renovação histórica, dalguma nova revelação da humanidade. Quero ter eu também essa fé e quase direi com Tertuliano: credo quia absurdum. Com tudo isso, meu caro poeta, o momento presente é triste, é amargo. Sentimo-nos tão deslocados! Parece-nos este mundo tão pouco o nosso mundo! Quase que temos a consciência duma gradual fossilização, da transformação lenta da nossa carne e do nosso sangue numa substância estranha, morta, mineral, sentimos que alguma coisa nos soterra e a pouco e pouco nos reduz ao estado de seres paleontológicos, representantes dum período já obsoleto na sucessivas estratificações históricas da humanidade.

É que somos, com efeito, os representantes duma espécie prestes a desaparecer - e é força que se cumpram os decretos do destino...
Desapareçamos pois de bom grado. Não se aflija. No fundo do verdadeiro poeta há sempre um crente. Apele para as energias superiores da sua alma, pense que a arte, por bela e sedutora que seja, não é ainda assim mais do que um reflexo, um símbolo do ideal supremo da vida moral, e que esse ideal, subsistente por si, não precisa de formas, caducas afinal ainda as mais esplêndidas, para se afirmar, pois o que é tira-o de si, da sua substância inesgotável, espiritual, infinita.
Depois a vida, a nossa vida individual e humana, é tão pouca coisa! Se não pode passar cantando, passa-se de outro modo. E ás vezes vale mais isso. Creia que a virtude pode mais e é mais que a arte. E dura mais também: dura eternamente. As obras do bem, ligadas indissoluvelmente à substância do Universo, absorvidas, desde o momento da sua produção, para nunca mais saírem dele, vinculadas, pela cadeia duma casualidade superior, a todas as suas evoluções através dos tempos, dos espaços, dos mundos, vão aumentar o tesouro da energia espiritual das coisas, fecundá-las nos seus mais íntimos recessos e, sempre presentes, sempre activas, eternizam, nessa sua perene influência, a alma donde uma vez saíram. O Universo só dura pelo bem que nele se produz [sublinhado nosso]. Esse bem é às vezes poesia e arte. Outras vezes é outra coisa. Mas no fundo é sempre o bem e tanto basta.
Ame pois a poesia, mas não ponha nela senão aquela parte da sua alma e do seu coração que razoavelmente se pode pôr nas coisas frágeis e caducas deste mundo. Fazendo assim, a poesia o consolará de muitos desgostos e não lhe dará nenhum.
Creia-me muito do seu coração,
Praia da Granja, 26 de Agosto de 1889
Anthero de Quental. »

https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2014/10/fernando-leal-oficial-cientista-e-poeta.html

II - Da carta a Fernando Leal, de 1880, e que brota do mesmo fundo profundo espiritual e ético de Antero de Quental, tal e qual Sócrates e o seu Daimon, voz da consciência ou do Logos, Génio ou Anjo da Guarda:

«(...) É bom, é até necessário passar pelo Pessimismo, mas não se deve ficar nele por muito tempo. O Pessimismo não é um ponto de chegada, mas um caminho. É a síntese das negações na esfera da natureza, a luz implacável caída sobre o acervo de ilusões das coisas naturais. Mas, para além da natureza, ou, se quiser, escondido, envolvido no mais íntimo dela, está o mundo moral, que é o verdadeiro mundo, ao qual a harmonia, a liberdade e o optimismo são tão inerentes como ao outro a luta cega, a fatalidade e o pessimismo. Afinal, não vivemos verdadeiramente senão na proporção do que partilhamos desse mundo íntimo e perfeito, ou, mais exactamente, da parte dele que desentranhamos de nós mesmos e fixamos nos nossos pensamentos, nos nossos sentimentos e nos nossos actos. Já vê que a existência tem um fim, uma razão de ser, e o Fernando, embora diga sinceramente o contrário, no fundo não o crê. Lá no fundo do seu coração há uma voz humilde, mas que nada faz calar, a protestar, a dizer-lhe que há alguma coisa por que se existe e por que vale a pena existir. Escute essa voz: provoque-a, familiarize-se com ela, e verá como cada vez mais se lhe torna perceptível, cada vez fala mais alto, ao ponto de não a ouvir senão a ela e de o rumor do mundo, por ela abafado, não lhe chegar já senão como um zumbido, um murmúrio, de que até se duvida se terá verdadeira realidade. Essa, meu amigo, é a verdadeira revelação, é o Evangelho eterno, porque é a expressão da essência pura e última do homem, e até de todas as coisas, mas só no homem tornada consciente e dotada de voz. Ouça essa voz e não se entristeça.»
Face de Antero, revestido de toga greco-romano, qual Sócrates, com quem ele declarou mais de uma vez as afinidades que os uniam... Que possam agora dialogar...

E a gravação no olisiponense e tão histórico e harmonizador Jardim da Estrela.