Mostrar mensagens com a etiqueta The Prophet of Kahlil Gibran. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta The Prophet of Kahlil Gibran. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Kahlil Gibran, o poema acerca da Religião, no "Profeta". Em inglês e português, com breve hermenêutica psico-espiritual.


E um  sacerdote ancião disse, Fala-nos da Religião.
E ele disse:
Falei eu hoje de algo diferente?
Não é a religião todas as ações e toda a reflexão,
E aquilo que não é nem ação nem reflexão, 
mas uma maravilha e uma surpresa 
sempre a brotar na alma, 
mesmo quando as mãos talham a pedra ou cuidam do tear?

Quem pode separar a sua fé das suas ações, 
ou a crença das suas ocupações?
Quem pode estender as suas horas diante de si,
e dizer: "Isto para Deus e isto para mim próprio;
Isto para minha alma, e aquilo para meu corpo?"

Todas as vossas horas são asas que batem
através do espaço do eu para eu.
O que veste a sua moralidade apenas como a sua melhor roupa
 estaria melhor nu.
O vento e o sol não rasgarão buracos na sua pele.

E quem define o seu comportamento pela ética aprisiona 
o seu pássaro cantor numa gaiola.
A canção mais livre não vem através de grades e fios.
E  aquele para 
 quem o adorar é uma janela, 
para abrir mas também para fechar, 
ainda não visitou a casa de sua alma 
cujas janelas estão abertas da aurora à aurora.

A vossa vida diária é o vosso templo e a vossa religião.
Sempre que entrarem nele, levai convosco tudo o que tendes.
Levem o arado e a forja e o martelo e a lira,
As coisas que  modelastes na necessidade ou pelo prazer.
Pois quando sonhais não podeis erguer-vos acima das vossas realizações nem cair mais baixo do que os vossos falhanços.
E levai convosco todos os homens:
Pois na adoração não podeis voar mais alto
do que as suas esperanças nem humilhar-vos
mais baixo do que o desespero deles.

E se haveis de conhecer Deus, 
não sejais por isso um decifrador de enigmas.
É melhor olhares à tua volta 
e vê-lo-ás brincando com os vossos filhos.
E olhai para o espaço;  vê-lo-ás caminhando na nuvem, 
esticando os Seus braços no relâmpago e descendo na chuva.
Vê-lo-ás a sorrir nas flores,
depois a erguer-se e a acenar com as Suas mãos nas
árvores.
Comentário: Kahlil Gibran, através do discurso Mustafá, ensina que tudo é ou pode ser religião, tudo serve para religar, ou não, o ser consigo, com os outros, com o sagrado, mas esta assunção do quotidiano como religioso, desde o que fazemos ao que pensamos, não fica apenas pelo agir e estar consciente, pois há uma contraparte em que o sagrado, o infinito, o divino pode brotar subitamente do interior numa sensação íntima, sublime, inexplicável, de graça. Kahlil Gibran, que não abafou a natureza espiritual humana inata, sentiu-o, vivenciou-o, escreveu-o com sangue e alma e consegue ainda fazê-lo sentir a quem o lê empaticamente, sabiamente.
A experiência de religiosidade que Khalil Gibran apresenta e propõe é idêntica à da espiritualidade: brota livremente, acima de horários e regras, e quando se está a trabalhar, a pensar ou a contemplar pois quem tem a alma bem aberta e abrangendo a Humanidade e as suas múltiplas actividades, em tudo pode sentir a mão da Vida (uma expressão que ele gosta de usar) ou da Divindade, inspirando, impulsionando e sobretudo falando na Natureza e nos seus fenómenos. 
É um poema simples, mas com momentos intensos de constante unidade dinâmica  - "Todas as vossas horas são asas que batem
através do espaço, do eu para eu "- 
 e pouco ou nada realça nas religiões com as suas doutrinas, crenças, ritos, práticas e orações. Noutros poemas (e no Profeta há o poema discurso sobre a oração) e noutros livros (e escreverá um  consagrado  ao Jesus, e às contradições entre o original ou verdadeiro e o que foi historificado) entrará mais nelas, mas neste poema, a sua alma nascida e crescida nos montes e cedros do Líbano, e tão sensível e criativa, sofrida, viajada e universalizada, apela sobretudo à liberdade, à abertura e ao voo espontâneo da alma na totalidade e unidade da vida humana, parte duma Natureza que reflecte tão bem a Divindade  que nos permite religar a Ela.  
Destaca ainda o Espaço para o contemplarmos como ventre, matriz e janela sempre aberta para o Infinito Divino, e como campo unificado de comunicação de eu para eu. A mensagem e mantra essencial deste poema será talvez: "a vossa vida diária é o vosso templo e religião..." Assim seja, e muito Amor nele!

«And an old priest said, Speak to us of Religion.
And he said:
Have I spoken this day of aught else'?
Is not religion all deeds and all reflection,
And that which is neither deed nor 
reflection, but a wonder and a surprise
ever springing in the soul, 
even while the hands hew the stone or tend the loom'?
Who can separate his faith from his actions, 
or his belief from his occupations?
Who can spread his hours before him,
saying, "This for God and this for myself;
This for my soul, and this other for my body'?"
All your hours are wings that beat
through space from self to self.
He who wears his morality but as his
best garment were better naked.
The wind and the sun will tear no holes in his skin.
And he who defines his conduct by ethics 
 imprisons his song-bird in a cage.
The freest song comes not through bars and wires.
And he to whom worshipping is a window, 
to open but also to shut, 
has not yet visited the house of his soul 
whose windows are from dawn to dawn.
 
Your daily life is your temple and your religion.
Whenever you enter into it take with you your all.
Take the plough and the forge and the
mallet and the lute,
The things you have fashioned in
necessity or for delight.
For in revery you cannot rise above your
achievements nor fall lower than your failures.
And take with you all men:
For in adoration you cannot fly higher
than their hopes nor humble yourself
lower than their despair.
 
And if you would know God be not
therefore a solver of riddles.
Rather look about you and you shall
see Him playing with your children.
And look into space; 
you shall see Him walking in the cloud, 
outstretching His arms in the lightning 
and descending in rain.
You shall see Him smiling in flowers,
then rising and waving His hands in trees.»