| Transcrição do texto em processamento, pelo que terá de o ler na fotografia.. |
Lá fora chovia imenso. Vinha de lá um som esquisito: os barulhos da cidade, as buzinadelas dos carros, berros de pessoas, tudo misturado com os relâmpagos e trovões daquela noite chuvosa. Lá dentro o palhaço no seu minúsculo camarim sentia-se muito triste enquanto ia refazendo vagarosamente as pinturas da sua cara. Lá fora continuava a chover e o palhaço sentia-se ainda mais só. Aproximava-se o momento em que ele entraria em cena, altura em que esqueceria os seus desgosto e seria o que todos exigiam dele, um clown, um palhaço.
Olhou-se ao espelho, e viu vagamente reflectido, pois o espelho era tão velho, um sujeito imensamente cómico com um nariz muito grande e muito encarnado. Os sapatos eram tão grandes que pareciam os de um gigante, enorme de certeza. E as calças e os suspensórios tão divertidos. E ao mesmo tempo que ia pensando nisto a sua cara ficava mais alegre, os olhos brilhavam muito mais e as cores da cara ficavam muito agradáveis. Bateram à porta muito ao de leve, não o fossem incomodar. Era só para ele saber que... já faltava pouco. Os aplausos entraram um bocadinho pelas frinchas da porta e ele ainda se sentiu mais feliz. Ficou um bocado parado sorrindo ao mesmo tempo que uma sensação óptima lhe aquecia o corpo. Depois abriu a porta devagar e deslizou lentamente para o corredor compridíssimo que terminava no palco ou arena. Reinava um silêncio de morte, só se via uma luz lá muito ao fundo. A tristeza começou a apoderar-se de novo do palhaço pobre enquanto ele avançava lentamente por aquele túnel enorme, horrível, arrastando os sapatos, pensando em imensas coisas más ou tristes, ele que só queria não pensar em nada. Aquela caminhada custava-lhe imenso fazê-la sozinho. Nos tempos do Augusto era outra a disposição. Iam a contar histórias, a fazer números, riam-se imenso e chegavam lá ao fundo num instante. Espreitavam pela nesga do veludo vermelho que fazia de porta e suspiravam fundo: tudo corria bem, a casa estava cheia e havia imensas crianças nas primeiras filas. Mas Augusto, numa noite parecida com esta, despedira-se, cansado e feliz. Foi-se embora. Lembrava-se perfeitamente, era num número que ele tinha inventado e que era muito conhecido. Segurava numas escadas altíssimas e o Augusto começava a subir os degraus até ao alto, enquanto deixava atrás de si um rasto de sol, de luz de imensas cores, e lá em cima de tudo via-se uma estrela que brilhava imenso e que estendia as mãos para Augusto. Ele tentava abraçá-la mas nunca o conseguira fazer talvez por nunca ter subido todos os degraus, mesmo os mais altos. Mas naquela noite, após alguns números de grande sucesso, Augusto começara a subir os degraus da escada e nunca mais parara. Rompera o tecto, passou ao lado das estrelas e continuou a subir porque as escadas também subiam. Cresciam imenso e depressa ele estava altíssimo, quase que já não se via e de repente a estrela que balouçava algo tristemente começou a subir também iluminando a escada e depressa alcançou Augusto que subiu para cima dela e foram para um céu que a custo se descortinava, onde só deviam estar crianças e palhaços a brincar e a rir sempre... sempre...
Abanaram o clown, que sorria feliz; ele entrava na cena a seguir, mas o palhaço não acordava e continuava com riso feliz na cara. Tiveram que o abanar com mais força, mas o palhaço já não lá estava. Tinha partido a juntar-se a Augusto e aos outros palhaços e crianças que lá em cima, nos mundos subtis, brincavam felizes e espargiam sobre a Terra alegria. Por isso ele tinha um sorriso enorme na cara. Estava a fazer um número giríssimo com Augusto, e as crianças todas e os palhaços riam-se imenso... imenso...»
Saibamos estar mais alegres, sobretudo com as crianças, hoje mais frequentemente atemorizadas com a insensibilidade e violência que reinam. Saibamos transmitir-lhes sorrisos, amor, para que se descontraiam, se abram e deixem o seu coração e íntimo irradiar confiantemente.
Saibamos estar mais em amor e disponibilidade com os que nos rodeiam, com os que mais nos amam, pois nunca sabemos bem quando partiremos pela escada, pelo que devemos trabalhar e realizar a injunção iniciática com que Garcia de Resende concluiu a sua aproximação ao mistério do amor trágico mas imortal de Inês e de Pedro: "Quem puder fazer bem, que o faça"...
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| Um alma boa e luminosa sendo chamada para os mundos da Luz Divina, seja ela Inês, Sandra ou outra... |

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