Em Março de 2003, movidos pela ganância das riquezas petrolíferas do Iraque e apoiados por alguns dos seus rivais, sob o falso pretexto de que tinham armas nucleares, uma coligação de estados ocidentais liderados pelos norte-americanos e britânicos bombardearam incansavelmente, mataram cerca de 150.00 pessoas e feriram, traumatizaram e envenenaram muitas mais, destruindo os principais centros do Iraque e em especial a cidade de Bagdad, mítica desde os contos das Mil e Uma Noites e as vidas dos santos e mestres sufis...
Vivendo então no Vale da Figueira, perto das termas do Agroal, Tomar, com a Maria, fazendo agricultura e vinha biológica, escrita e meditação, sem internet nem televisão, escrevi várias páginas e alguns poemas. E agora nestes tempos de novas mentiras e imperialismos ocidentais e sionistas assassinos ou mesmo genocidas, andando em busca nos meus diários escritos de referências ao querido amigo Afonso Cautela, para o seu In-Memoriam, encontrei algumas dessas páginas ou folhas de empatia e de indignação. A que transcrevo é um poema dirigido aos mártires e sufis, os místicos do Islão, tanto shia ou xiita como sunita, e ao António Barahona que então lançara um poema numa folha volante, insurgindo-se contra a profanidade e criminalidade norte-americana.
O poeta sufi, e amigo, António Barahona recebera o seu nome iniciático de Muhammad Abdur Rashid, com que assinou por vezes suas criações, e eu utilizei o Dara Mota, em homenagem a Dara Shikoh (1615-1659), o místico sufi e intereligioso que desde há muito gosto ou amo e a quem dediquei alguns textos, traduções e vídeos no Youtube.
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| Mian Mir, Mulla Shah e Dara Shikoh, numa pintura mogol do séc. XVII, hoje no Victoria and Albert Museum, Londres. |
Dara Shikoh, fora iniciado por dois mestres, Mian Mir e depois pelo seu discípulo e sucessor Mulla Shah, da ordem Qadiriyya ou, como eu traduzi, Kadirica, que foi muito importante na Índia, Paquistão, Iraque (Bagdad) e no Irão, pois gerou ou inspirou valiosos místicos na continuidade de uma linhagem ou silsila viva ainda hoje, e que remonta ao famoso Ali, o 1º Imam dos Xiitas, casado com al-Zahra Fatimah, a filha do Profeta.
O poema refere ainda o famoso Mevlana Rumi (1207-1273) e o seu mestre Sham de Tabriz, pois li-o, peregrinei ao seu mausoléu em Konya, Turquia e senti bem a elevada espiritualidade e amor que realizaram, o que transparece bem na sua vasta obra poética, Diwan, infelizmente em geral mal traduzida do persa nos meios ocidentais.
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| O túmulo de Mevlana, em Konya, Turquia, alto templo do amor. |
Eis o poema então bastante sentido e de coração, datado mas perene tanto pelas destruições e ameaças que o imperialismo ocidental e sionista ainda causa no mundo como pelo valor eterno da realização mística de alguns destes seres do Oriente sagrado.
cidade mítica de ouro, prata e jóias,
tens agora os teus jardins regados de sangue
e os céus límpidos toldados de fumo e bombas.
Ó comunhão sufi e cristã,
ó pontes entre o Eufrates e o Tejo,
dificilmente construídas ao longo dos séculos,
como se atrevem eles a profanar-vos?
Convocam-se os espíritos mais luminosos
as mesquitas e os santuários acessos,
irradiem luzes e orações santas,
vem juntar o teu coração, ó irmão.
Ó Mohamed Al Rashid Barahona,
epifania sufi na finisterra Lusa,
crê que os antigos cavaleiros e iniciados
estão ao lado dos mártires de Bagdad.
A vida é curta e rápida,
caravana que atravessa o deserto.
Funde-te no Todo Poderoso
ó Quadiri, ó Irmão,
Assim te diz Dara Mota.
Os disparos assassinos e brutais
retalham o corpo inteiro da humanidade.
Todos estamos a ser atacados,
todos estamos a ser derrotados.
Mas no fim, o vencido criminoso
será o aparente vencedor:
Bush e a mafia que o rodeia,
Blair, o criminoso e colérico inglês
e todos os que se vendem ao imperialismo,
ao dólar, consumismo e hubris americana.
Restam-nos os mundos espirituais e divinos,
onde assassinos, mentirosos e manipulados não entram,
ò Kadir, ò Rashid, ò Shem Tabrizi, ò Rumi, assim o diz Dara.




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