Dara Shikoh em jovem, com um dos seus principais mestres, Mian Mir (1550-1635). |
A primeira obra escrita pelo faquir sufi e príncipe mogol Dara
Shikoh, nascido no equinócio da Primavera de 1615, a 20 de Março, e que hoje comemoramos com muito amor, havendo outros artigo no blogue e gravações no Youtube) intitula-se Safinat-ul-Awliya e foi escrita quando tinha 25 anos, em 1049 a. H., ou 1640, e nela apresenta-nos curtas biografias e alguns ditos, asceses e contemplações, dos Amigos de Deus, os
Awliya, os mestres ou santos mais vizinhos (na expressão de Erasmo) da Divindade, presentes em
todas as tradições religiosas ou espirituais e que devemos estudar e cultivar, embora nesta obra Dara apenas convoque os islâmicos, começando no profeta Maomé. Eis o seu belo e auspicioso
começo, que traduzimos e partilhamos como um presente de anos de Dara Shikoh, neste dia auspicioso também do equinócio da Primavera:
- "Este escritor humilde
acalentou sempre uma reverência e obediência plena ao grande
corpo místico dos Amigos de Deus. Dia e noite ele não tinha outro
pensamento senão o deles, e considerava-se a si próprio como um dos
seres que acreditava neles e os procurava alcançar.
Por
esta razão ele resolveu começar um breve compêndio dos seus ditos
e actos. Porque se não temos a fortuna auspiciosa do contacto
pessoal com tais amigos, ao menos se
meditarmos sobre as boas qualidades destes amigos e falarmos deles, conseguiremos manter a mente firme e luminosa [e assim mais aberta ao espiritual e à Divindade].
Sobre tal, do fundador da nossa religião há um dito (hadit):
"Sabe
que a seguir aos Mensageiros ou Profetas de Deus há os grandes
Mestres, os Auliya ou Awliya, os Amigos de Deus, acerca dos quais diz
o seguinte verso no Livro, Alcorão:
- «Eles são simultaneamente os
amantes e os amados de Deus».
Este grande corpo místico
existiu sempre no passado, existe no presente e continuará a existir
no futuro. E o mundo é permanente e perdura estabelecido
firmemente graças às bênçãos destes seres santos. [Que bela descrição duma realidade também expressa por Marsilio Ficino, Pico della Mirandola e Erasmo]
Deste modo Pir Ali
Haywari escreveu no seu livro Kashaf-ul-Mahjub:
"A Divindade nunca
deixa este mundo sem conservar nele alguém que dará testemunho e
prova da Sua existência. E Ela nunca deixa a sua gente sem um
Mestre."
Há um dito tradicional mencionado na literatura dos Hadits
com a mesma ideia. Diz o Profeta abençoado (Maomé): "A minha gente nunca
estará desprovida de um grupo de pessoas que andarão sempre no
caminho da rectidão, e essas quarenta pessoas pertencerão todas à
minha religião, terão as características do profeta Abraão."
Portanto,
a seguir aos profetas, não há outras pessoas mais próximas da
Presença de Deus Omnipotente do que esses. Não há pessoas mais
respeitadas que eles ou que estejam mais na confidência de Deus. Não
há seres mais compassivos, mais magnânimos nem mais independentes
do que eles, e nenhuns mais sábios e perfeitos, mais eruditos e ao
mesmo tempo práticos, humildes e gentis, heroicos e caridosos, do
que os membros desta hierarquia.
Um dia perguntaram ao sheik Abu-Abdullah Salami (possa a paz de Deus estar nele): Como é que as pessoas reconhecem os amigos de Deus, os Auliyas, a partir da massa da Humanidade?
Ele respondeu: "Um Mestre é conhecido pela doçura da sua língua, pela sua disposição alegre, pela frescura da sua face, pela generosidade do seu coração, pela ausência da tendência de descobrir defeitos nos outros, pela capacidade de perdoar as ofensas, por uma benevolência plena para todas as criaturas de Deus."
Portanto amar os Mestres é verdadeiramente amar a Deus, estar próximo deles é estar próximo Dele, procurá-los é procurá-Lo, unir-nos com eles é unir-nos com Deus, e mostrar o respeito por eles é mostrar respeito por Deus.
Neste sentido disse o Sheik-ul-Islam Hazrat Khwaja Abdullah Ansari: "Ó Deus, que grande estatura deste aos teus amigos, pois quem os procura encontra-Te, e enquanto uma pessoa não Te ver, não os reconhecerá".
Nesta obra, biografa e cita, com grande simplicidade e claridade, na 1ª secção, cronologicamente, o Profeta Maomé e depois a sucessão dos califas, os doze Imans shia, e outros mestres. Nas secções seguintes biografa os sufis das diferentes ordens, sisilas ou tarikas, começando na dos Qadiri, seguindo-se a Naqsband, a Chisthi, Kubrawi, Suhraswari, os santos de ordens mistas, e termina na última secção com as mulheres santas: as mulheres do profeta, as filhas, entre as quais a radiosa Fátima ou Zahra, e outras mulheres.
Cita cerca de vinte e duas obras ou fontes e introduz algumas das suas peregrinações, sonhos (tal um em que se encontrou com quatro dos Imans shia), diálogos e experiências espirituais. E dá a sua visão ou compreensão da hierarquia dos Amigos e Amigas de Deus: muito numerosos os discípulos solitários, depois um grupo de 40.000, os Maktum, onde alguns dos quais não estão conscientes do seu estatuto, e nomeia depois como mais elevados 130, os Akhbar, os vigilantes da corte Divina, seguindo-se dois grupos de 40 pessoas cada, denominados Rahyun e Abdal, e depois sete mestres chamados Abrar, e acima deles quatro, os Autad, e por fim, o Kutb ou Ghaus, que é o polo, eixo, cabeça ou chefe da hierarquia, tendo à sua esquerda e direita dois Imans.
A proveniência desta informação tão detalhada sobre a Hierarquia dos mestres, escreve Dara Shikoh, são os livros dos antigos sábios, sem especificar quais, mas é possível que algumas das fontes principais sejam Ibn Arabi e Suhrawardi, tal como alguns dos bons estudiosos das suas obras poderão discernir.
Dara Shikoh terminará o seu livro, afirmando que é através das bênçãos da Hierarquia que se pode obter a fé e a graça de Deus e, considerando-se o mais baixo dos faquires ou sufis, fecha a obra com um verso:
"Eu não tenho esperança, por causa dos meus actos e pensamentos.
A minha confiança está só na Tua misericórdia, ó Divindade amada."
- Que demandada por nós, Ela nos agracie também!
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