Pina Martins: as ideias e mensagens, na sua juventude. Os livros dos vinte anos, em que assina Duarte de Montalegre: o 2º, Juventude e Educação, Coimbra, 1942.
José Vitorino de Pina Martins, nascido em Penalva do Castelo, em 1920, mesmo antes de se licenciar na Universidade de Coimbra em 1947, começou a notabilizar-se como alma plena de aspiração à verdade e assim através de intervenções e escritos penetra em demandas, conhecimentos e problemas de sempre e da época, clarificando ambientes, gerando ou intensificando o amor e entusiasmo, ideais.
As primeiras publicações poéticas, doutrinárias e literárias são dadas à luz com o pseudónimo Duarte Montalegre, escolhido provavelmente pela ligação ao rei D. Duarte, ou mesmo ao cavaleiro medieval Dom Duardos (do romance de cavalaria Palmeirim de Inglaterra, quase tão bom como o Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda, de um outro Cavaleiro do Amor, Jorge Ferreira de Vasconcelos), e com o Mont Joy dos peregrinos cristãos do Caminho de Santiago, e talvez ainda mesmo com o seu signo natal de Capricórnio, tradicionalmente ligado ao ser que sobe determinado os mais altos montes, tal como ele foi realizando em vida graças à sua cultura, persistência e alma.
É da segunda obra sua, escrita aos 22 anos, quando era estudante universitário e bem cristão, pois antes estudara brevemente num Seminário, que vamos transcrever o início pois mostra bem o seu génio e idealismo, a sua aspiração, pureza e bondade, rigor e força e, talvez, algum ingénuo optimismo e boa vontade perante o mundo e a evolução das mentalidades que se iria verificar, seja num sentido que já aponta da civilização afrodisíaca, de Bergson, seja a da manipulada e opressiva nova ordem desejada pela oligarquia mundial.
Juventude e Educação foi inicialmente uma tese apresentada na II Semana de Estudos Sociais da Juventude Universitária Católica, realizada no Porto, lida diante das autoridades religiosas e oficiais, integrada depois nos fascículo 6-7 e seguinte, de 1942, da Estudos, Revista de cultura e formação católica e só em seguida brilhando autónoma como separata, impressa por Pina Martins e começa com Palavras preliminares, duas páginas de bastante riqueza e perenidade idealista, que transcreveremos em homenagem ao seu espírito, agora já no além da morte e onde, provavelmente ao contrário do que ele pensava e escreveu, se encontra ainda a peregrinar, a caminhar, a interagir, rumo a uma maior ligação ou mesmo união de ele e de todos com a Divindade, o que não se consegue automaticamente sendo-se bom na Terra como por vezes se crê.
Anote-se que após as Palavras Preliminares, a obra divide-se numa 1ª parte onde aborda a Juventude em função da vida, a de ontem, a de hoje e de sempre, a sua psicologia, fé, corpo, inteligência, sensibilidade e verdade, e a juventude universitária católica, e numa 2ª parte, da Educação da Juventude em função do Homem, onde valoriza uma vida completamente norteada pela ética: «uma educação da sensibilidade, da vontade, do carácter, da imaginação, pela subordinação de todas as actividades do Homem aos imperativos morais. (...) Eis porque todas as palpitações da nossa alma, todos os movimentos volitivos e todos os desejos e todas as sensações e toda a vida em suma do Homem, devem ser norteadas pela norma. E assim, pela educação integral o homem será Homem integral, isto é, perfeito, pelo menos em vontade impertérrita de o ser, pois caminha triunfantemente para Deus. E Deus está no coração daquele que, integralmente, o procurar.»
Eis uma metodologia acertada e perene, mas trabalhosa e difícil, a da unificação de todas as nossas forças instintivas e anímicas, de que resultará a aproximação ao íntimo coração, aonde a Divindade se pode manifestar, mistério que deveremos sempre meditar e aprofundar, e tê-lo em vista, aspirando e trabalhando para ele já desde a juventude....
Eis uma metodologia acertada e perene, mas trabalhosa e difícil, a da unificação de todas as nossas forças instintivas e anímicas, de que resultará a aproximação ao íntimo coração, aonde a Divindade se pode manifestar, mistério que deveremos sempre meditar e aprofundar, e tê-lo em vista, aspirando e trabalhando para ele já desde a juventude....
«Palavras Preliminares. - Do seio úbere da Terra brotaram os primeiros rebentos.
Através dos troncos robustos das árvores ou de caules esguios das flores, circulou a seiva, numa convulsão espásmica de anseio.
E a seiva multiplicou-se nas árvores em coloridos explendentes e nas flores em perfumes capitosos e maciezas policromas.
A terra foi dentro em breve, a túnica alvíssima do noivado simbólico do mundo com a vida. No céu azul rasgaram-se auroras de luz. E o sol - oiro e chama - comungou do azul do céu a força criadora com que fecundou, num beijo casto, as virtualidades mais recônditas do húmus.
Chegou a Primavera.
A mocidade, senhores, é a primavera dos homens. O fluir perene do tempo vai marcando nos seres, a rota que o destino lhes traçou. Esse destino é a vida.
Na história dos seres humanos há duas fases distintas: a vida corpórea, aquém da morte, e avida incorpórea, para além da morte.
Dois caminhos? Não; um só caminho. Para além da morte não há caminho que é movimento, inquietação, ansiedade, bater das asas constante para um fim; para além da morte há Deus e Deus enche a imortalidade com a presença augusta de sua essência infinita. A vida incorpórea é a primavera eterna das almas.
Nascemos para viver plenitude da nossa finalidade substancial. Essa plenitude sós e compreende na grandeza e na bondade e na perfeição consumada de Deus: Deus é pois o nosso fim substancia. A nossa missão é alcançá-lo, percorrendo o caminho até à meta.
[Questão: dado que muito poucas pessoas o conseguem em vida, não teremos que caminhar no além, seja de que modo e com que auxílios for, para chegarmos à meta divina?]
Não permitamos que os nossos olho se deixem fascinar pelo brilho das estrelas. Não permitamos que os nossos sentidos se deixem embalar pelo ritmo das músicas langorosas e encantar para sempre no jardim das ilusões. Por detrás de cada pétala, há um espinho, para além desse espinho, há uma dor e no meio da verdura luxuriante há pérfidas Armidas [carácter ficcional de maga moura, criada pelo poeta católico Torcato Tasso] para amordaçarem a nossa boca e cerrarem os nossos olhos e enlanguescerem a nossa vontade e envenenarem o nosso sangue.
Temos um caminho para andar. Percorramo-lo. Parar é morrer; e levamos dentro de nós a vida, porque somos a primavera da vida imperecível.
Senhores:
As flores são a poesia da Primavera.
Somos portadores de Cristo - Cristóferos - a primavera plena, por antonomásia. O nosso ideal é portanto a poesia da nossa juventude. Ai daquele que não tem um ideal! Coração morto, alma em sudário, personalidade amortalhada em Nirvana, ele há-de ver cair, uma a uma, as folhas amarelecidas dos seus frios raciocínios. E por fim também ele há-de cair, tombado, ao sopro letal do devir, na vala comum do esquecimento.
Mas nós não morreremos: [ e aqui estou eu confirmar o puer eternus Pina Martins...]
Porque em nós estua a vida que por ela própria é a vida; porque em nós cachoa o Infinito, atraindo-nos irresistivelmente; porque em nós floresce a primavera nos deslumbramentos da sua fascinação; porque em nós se concretiza a juventude e juventude é perenidade essencial permanecendo através do fluxo acidental do que se perde; porque enfim a nossa inteligência, os mundos, a luz,a nossa crença e a nossa alma, o nosso sangue e os nossos sonhos, as nossas dores e a nossa prece, nos proclamam, tão alto que os universos ouvem, [e] nos segredam, tão baixo que nos nossos corações quase cessam de bater para escutar, a hora a hora, momento a momento, estas palavras dum verso [da tradução] de Delille:
- Vós sois imortais! »
Que citações e ideias mais valiosas encontramos, após estas belas palavras preliminares? Eis algumas: Paul Claudel: «A adolescência não é feita para o prazer mas para o heroísmo»; Pina Martins: «Hoje, a juventude tem um ideal de vida como ontem, mas, muito mais do que ontem, esforça-se por vivê-lo intensamente. Estamos aqui a demonstrar o nosso ideal e a nossa fé, para nos fazermos melhores e fazermos melhores os outros». Vauvernargues: «Amai criar em vós paixões nobres». Pina Martins: «E, embora Brunetière haja sustentado que na base da arte há um princípio de imoralidade, nós, com S. Tomás e Santo Agostinho, continuarem a ver no belo que ela exprime, o splendor ordinis ac veritatis capaz de nos elevar até Deus; capaz, porque seja esplendor da ordem, de ordenar a alma o jovem onde tantas vezes reina o tumulto e o pandemónio». Pasteur:«Sou sábio, dizem, porque tenho a fé dum bretão; se mais sábio fora, teria a fé de uma bretã». «E no seu túmulo, leem-se estas palavras luminosas: Feliz de quem traz consigo um Deus, um Ideal de Beleza, e que lhe obedece; Ideal de Arte, Ideal de Ciência, Ideal da Pátria, Ideal das Virtudes do Evangelho». Pina Martins:«Escreveu Plotino que juventude é potência de todas as coisas. De todas as coisas grandes, é claro, porque a potência de coisas pequenas e de actos que sejam negações, é fraqueza». Garrigou-Lagrange:«A personalidade cresce na medida em que a alma se eleva acima do mundo sensível e se liga mais intimamente pela inteligência e a vontade ao que faz a vida do espírito». Jonatas Serrano: «Os seres materiais são apenas símbolos de realidade mais altas. O poeta é quem compreende essa linguagem misteriosa dos seres, e através da variedade infinita das formas, entrevê a própria essência fugidia das coisas [e dos seres]».
Nas suas Últimas Palavras, com que encerra o seu "trabalhinho", reafirma a vontade da juventude nem se entregar à civilização afrodisíaca nem ao comunismo, «pois quer realizar em si a humanidade natural que a aproxime da Divindade.
A Juventude de hoje quer que, amanhã, na vida, as gerações que a sucederem, possam dizer com verdade e com justiça:
Sejamos homens [e mulheres]; sigamos o exemplo e rota luminosa daqueles que esperam de nós, aquilo que dos seus maiores não receberam»
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