sábado, 21 de novembro de 2020

"Os Manifestos Rosacruzes": a "Fama" e a "Confessio", por Pedro Teixeira da Mota.

                                                            
Tendo sido agora dados à luz Os Manifestos Rosacruzes numa edição original portuguesa, por Rui Lomelino de Freitas, na editora Alma dos Livros, que me enviou um exemplar e me convidou a participar, com outros investigadores, estudiosos e rosacrucianos num evento online entre 21 e 27, cabendo-me a mim intervir no dia 23, resolvi reler os Manifestos, o que não fazia já desde 1989, quando publiquei uma recolha extensa das referências à Rosa Cruz e ao rosicrucianismo encontradas no espólio de Fernando Pessoa, sob o título Fernando Pessoa, Rosea Cruz. Textos estabelecidos e comentados por Pedro T. Mota.

Dessa leitura resultou uma breve destilação espontânea, no dia 20 à noite, quando terminei a leitura da Confessio. Fiz poucas referências a Fernando Pessoa, o que ficará para o dia 23, exprimindo antes o que senti em relação a esses dois textos publicados pelo editor Wessen, em 1614 e 1615 em Cassel, na Alemanha, mas que circulavam já antes em manuscritos pois foram escritos entre 1608-1609, e que deram tanto brado e tantos frutos, criando em muita gente a crença numa Fraternidade Rosa Cruz e numa eminente reforma do Mundo, tanto mais que na primeira edição de 1614 a Fama estava antecedida por um texto intitulado a Reforma genérica e geral de todo o vasto Mundo, em grande parte baseado na obra de Traiano Boccalini, Ragguagli di Parnasso, dado à luz em Veneza, em 1612, pelo editor Pietro Farri, e de uma entusiástica carta de Adam Haselmayer que, conhecendo já por manuscritos as mensagens da Fraternidade Rosa Cruz, apela a eles e profetiza a iminente queda do Papado e dos Jesuítas e o começo do Império do Espírito Santo.

Sabemos hoje que os textos foram redigidos dentro de um grupo de humanistas ou letrados alemães, da cidade de Tübingen, destacando-se entre eles o jovem Valentim Andrea, o qual, anos mais tarde, por mais de uma vez, confessará que foi tudo um jogo, um "ludíbrio", não deixando contudo de crer no amor ou caridade cristã e nos seus frutos, enquanto pedagogo e pastor protestante que foi.
Aliás o tom protestante e fortemente anti-católico, contra o Papa, chamado mesmo de Anti-Cristo e de víbora, está bem presente, e a filiação ao protestantismo, ao Imperador e autoridades temporais é afirmada, tal como a valorização da Bíblia e dos desígnios deJehova, o qual estaria a suscitar para breve grandes mudanças, se não mesmo o fim dos tempos.
A mistificação é grande na maioria das afirmações e promessas dos dois Manifestos, que sónuma grande ingenuidade se podem aceitar, contudo algumas frases mantras e a história romanceada da vida do fundador Christian ou Cristão Rosacruz e que com alguns irmãos ele chamou a si, se teriam tornado a Fraternidade Rosa Cruz, tocaram as pessoas, suscitaram grandes reacções e panfletos, embora nunca ninguém os conhecesse ou visse (como entre nós Fernando Pessoa escreverá).
Já nos finais do séc. XIX e começos do XX alguns clarividentes (ou imaginativos clarividentes), dirigentes de grupos ocultistas, afirmaram sem dúvidas que Christian Rosenkreutz existira e era um iniciado com uma longa história na Humanidade, assinalando-lhe sucessivas reincarnações algo mistificadoras...
Ora logo no séc. XVII vários pensadores, filósofos, ocultistas e cientistas, entusiasmadosco
m a ideia da ideia da Fraternidade e da sua reforma do  mundo e pessoal, e acrescentaram tanto valiosos ensinamentos como muitos pontos ao conto, que se foi tornando assim uma concreção heterogénea de escritos  que manifestavam os conhecimentos e aspirações de gnose, de esoterismo, de alquimia, de kabala, de simbologia, de aritmologia, de astrologia, de profecias e de utopias na época, e particularmente da Europa. ainda que na descrição da viagem ao Oriente de Rosencreutz, onde ele estivera a aprender alguns anos e donde trouxera livros e ensinamentos eram países árabes. Quais os ensinamentos ou axiomata recebidos não são especificados, para além de nomes gerais como melhorias ou reformas da Filosofia, Física, Magia, Medicina, ou a ideia do ser humano como microcosmos em unidade com o Divino, ou ainda quatro ou cinco aforismos, mais ligados até com a tradição cristã.
Todavia, nos Manifestos há críticas lançadas contra o Papa e Maomé, estas num certocontra-senso talvez explicável pelas limitações dos conhecimentos da época, pois tal referência a Maome seria provavelmente derivada da ameaça otomana. Investigando, deparei-me com o nome do sultão Mehemed III, que reinou até 1603. Poder-se-ia admitir que a referência seria a ele, como que chefe dos islâmicos que ameaçavam a Europa, que portanto a feitura manuscrita original dos manifestos seria até antes da data de 1604, 1605. Uma hipótese...
                                                                                                                         Eram muito vastos os conhecimentos gerais e espirituais conhecidos e trabalhados pelo círculo de Tubingem, que contava com estudiosos de valor como Tobias Hess (seguidor de Paracelso e de Simon Studion, o autor da Naometria, obra que de modos numéricos e proféticos influenciou os Manifestos e as Núpcias), Johann Arndt, Christophe Besolt, Tobias Adami e Wilhelm Wense (dois discípulos de Campanella), os quais representavam ainda o culminar de uma livre investigação nos campos diversos do saber, nomeadamente da Religião. da espiritualidade, do hermetismo e da incipiente Ciência, a qual linha evolutiva tinha por detrás seres como Marsilio Ficino, Pico della Mirandola, Erasmo, Reuchlin, Paracelso e Campanela, para não falar dos místicos da Theologia Germanica ou mesmo do reformador, cheio de fé e independência mas ainda  pouco aberto ao espiritual, 

Lutero.
A isto devemos acrescentar a profusão de grupos, associações e movimentos que
proliferavam na Europa e na Alemanha na época e dos quais certamente a invenção ou impulso da Fraternidade Rosa Cruz ora hauriu ora deu algumas forças e inspirações, tais como a Militia Crucifera Evangelica, fundada ou reorganizada em 1586, em Luneberg, por Simon Studium, a Fruchtbringende Gesellschaft, a Sociedade Frutuosa, e a Orden der Unzertrennlichen, a Ordem dos Inseparáveis, ambas fundadas em 1617, tendo Valentim 
Andrea pertencido à primeira.
As Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreutz, publicadas em Estrasburgo
posteriormente à Fama e à Confessio, em 1616 pelo editor Zetzner, mas escrita antes segundo Valentim Andrea, é já uma obra diferente e bastante mais genial, claramente um romance que se poderá denominar iniciático, carregado de ensinamentos, simbolismo e alquimia, e herdeiro de outras obras, renascentistas de grande imaginação e misteriosas, capazes de serem interpretadas em multidimensionalidades bem luminosas, tal como o Sonho de Polifilo, Hypnerotomachia Poliphili, de 1499, ainda incunábulo, um dos mais belos livros de sempre...
Esperamos escrever ou gravar mais alguns aspectos da saga rosacruz, ou rosicruciana, nomeadamente quanto aos contributos de Fernando Pessoa, ainda hoje tão florescente no mundo. Segue-se o breve improviso de 15 minutos:

            

4 comentários:

Anónimo disse...

Purple rose.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças. Que haja belas cores nas nossas rosas!

Anónimo disse...

Yes.Beautiful roses.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Alguns acrescentos valiosos no texto...