Tendo sido agora dados à luz Os Manifestos Rosacruzes numa edição original portuguesa, por Rui Lomelino de Freitas, na editora Alma dos Livros, que me enviou um exemplar e me convidou a participar, com outros investigadores, estudiosos e rosacrucianos num evento online entre 21 e 27, cabendo-me a mim intervir no dia 23, resolvi reler os Manifestos, o que não fazia já desde 1989, quando publiquei uma recolha extensa das referências à Rosa Cruz e ao rosicrucianismo encontradas no espólio de Fernando Pessoa, sob o título Fernando Pessoa, Rosea Cruz. Textos estabelecidos e comentados por Pedro T. Mota.
Dessa leitura resultou uma breve destilação espontânea, no dia 20 à noite, quando terminei a leitura da Confessio. Fiz poucas referências a Fernando Pessoa, o que ficará para o dia 23, exprimindo antes o que senti em relação a esses dois textos publicados pelo editor Wessen, em 1614 e 1615 em Cassel, na Alemanha, mas que circulavam já antes em manuscritos pois foram escritos entre 1608-1609, e que deram tanto brado e tantos frutos, criando em muita gente a crença numa Fraternidade Rosa Cruz e numa eminente reforma do Mundo, tanto mais que na primeira edição de 1614 a Fama estava antecedida por um texto intitulado a Reforma genérica e geral de todo o vasto Mundo, em grande parte baseado na obra de Traiano Boccalini, Ragguagli di Parnasso, dado à luz em Veneza, em 1612, pelo editor Pietro Farri, e de uma entusiástica carta de Adam Haselmayer que, conhecendo já por manuscritos as mensagens da Fraternidade Rosa Cruz, apela a eles e profetiza a iminente queda do Papado e dos Jesuítas e o começo do Império do Espírito Santo.
Já nos finais do séc. XIX e começos do XX alguns clarividentes (ou imaginativos clarividentes), dirigentes de grupos ocultistas, afirmaram sem dúvidas que Christian Rosenkreutz existira e era um iniciado com uma longa história na Humanidade, assinalando-lhe sucessivas reincarnações algo mistificadoras...
Ora logo no séc. XVII vários pensadores, filósofos, ocultistas e cientistas, entusiasmadoscom a ideia da ideia da Fraternidade e da sua reforma do mundo e pessoal, e acrescentaram tanto valiosos ensinamentos como muitos pontos ao conto, que se foi tornando assim uma concreção heterogénea de escritos que manifestavam os conhecimentos e aspirações de gnose, de esoterismo, de alquimia, de kabala, de simbologia, de aritmologia, de astrologia, de profecias e de utopias na época, e particularmente da Europa. ainda que na descrição da viagem ao Oriente de Rosencreutz, onde ele estivera a aprender alguns anos e donde trouxera livros e ensinamentos eram países árabes. Quais os ensinamentos ou axiomata recebidos não são especificados, para além de nomes gerais como melhorias ou reformas da Filosofia, Física, Magia, Medicina, ou a ideia do ser humano como microcosmos em unidade com o Divino, ou ainda quatro ou cinco aforismos, mais ligados até com a tradição cristã.
Todavia, nos Manifestos há críticas lançadas contra o Papa e Maomé, estas num certocontra-senso talvez explicável pelas limitações dos conhecimentos da época, pois tal referência a Maome seria provavelmente derivada da ameaça otomana. Investigando, deparei-me com o nome do sultão Mehemed III, que reinou até 1603. Poder-se-ia admitir que a referência seria a ele, como que chefe dos islâmicos que ameaçavam a Europa, que portanto a feitura manuscrita original dos manifestos seria até antes da data de 1604, 1605. Uma hipótese... Eram muito vastos os conhecimentos gerais e espirituais conhecidos e trabalhados pelo círculo de Tubingem, que contava com estudiosos de valor como Tobias Hess (seguidor de Paracelso e de Simon Studion, o autor da Naometria, obra que de modos numéricos e proféticos influenciou os Manifestos e as Núpcias), Johann Arndt, Christophe Besolt, Tobias Adami e Wilhelm Wense (dois discípulos de Campanella), os quais representavam ainda o culminar de uma livre investigação nos campos diversos do saber, nomeadamente da Religião. da espiritualidade, do hermetismo e da incipiente Ciência, a qual linha evolutiva tinha por detrás seres como Marsilio Ficino, Pico della Mirandola, Erasmo, Reuchlin, Paracelso e Campanela, para não falar dos místicos da Theologia Germanica ou mesmo do reformador, cheio de fé e independência mas ainda pouco aberto ao espiritual,
Lutero.
A isto devemos acrescentar a profusão de grupos, associações e movimentos que proliferavam na Europa e na Alemanha na época e dos quais certamente a invenção ou impulso da Fraternidade Rosa Cruz ora hauriu ora deu algumas forças e inspirações, tais como a Militia Crucifera Evangelica, fundada ou reorganizada em 1586, em Luneberg, por Simon Studium, a Fruchtbringende Gesellschaft, a Sociedade Frutuosa, e a Orden der Unzertrennlichen, a Ordem dos Inseparáveis, ambas fundadas em 1617, tendo Valentim
Andrea pertencido à primeira.
As Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreutz, publicadas em Estrasburgo posteriormente à Fama e à Confessio, em 1616 pelo editor Zetzner, mas escrita antes segundo Valentim Andrea, é já uma obra diferente e bastante mais genial, claramente um romance que se poderá denominar iniciático, carregado de ensinamentos, simbolismo e alquimia, e herdeiro de outras obras, renascentistas de grande imaginação e misteriosas, capazes de serem interpretadas em multidimensionalidades bem luminosas, tal como o Sonho de Polifilo, Hypnerotomachia Poliphili, de 1499, ainda incunábulo, um dos mais belos livros de sempre...
Esperamos escrever ou gravar mais alguns aspectos da saga rosacruz, ou rosicruciana, nomeadamente quanto aos contributos de Fernando Pessoa, ainda hoje tão florescente no mundo. Segue-se o breve improviso de 15 minutos:
4 comentários:
Purple rose.
Graças. Que haja belas cores nas nossas rosas!
Yes.Beautiful roses.
Alguns acrescentos valiosos no texto...
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