segunda-feira, 23 de novembro de 2020

"No túmulo de Christian Rosenkreutz", poema de Fernando Pessoa. Breve comentário, e vídeo, de Pedro Teixeira da Mota. 21-11-2020..

Leitura comentada deste importante poema rosicruciano pessoano, na manhã de 21-11-2020, dia em que às 19:00 participarei online na apresentação e diálogo acerca do recente livro de Rui Lomelino de Freitas, Os Manifestos Rosacruzes, editado pela Alma dos Livros.

Este famoso poema No túmulo de Christian Rosenkreutz, embora tivesse sido enviado para publicação na revista Sudoeste, de Almada Negreiros, em 1935, acabou por ser dado à luz só em 1940, portanto ao contrário de ter sido em vida, como digo no vídeo. Transcrevi-o na Rosea Cruz, em 1989. Eis o poema que, contendo algumas variantes, foi transcrito agora neste artigo de modo diferente em relação ao que foi lido no vídeo, talvez ficando mais correctamente nas palavras e ensinamento:

I
Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Esse mal, essa queda, esta descida
Até à noite que nos a Alma obstruiu,

Saberemos enfim essa escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida...
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui

Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,

Foi criado, e a Verdade lhe morreu...
De Além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
De aquém o Mundo que criou Lha implora...

II

Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

Mas se a Alma sofre a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo,

Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue actual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.

III

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas quando enfim a porta aberta?
.......................................

Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala»

******** 

Tentarei brevemente acrescentar por escrito ainda alguns comentários ou textos elucidativos de Fernando Pessoa, no qual manifesta a sua incapacidade de em vida alcançar mais que sombras e sonhos, crendo contudo que quando liberto do corpo e do Deus limitador deste mundo (Jehova) e na fé e ligação a Jesus Cristo conseguirá buscar o Bem profundo e o segredo da realização de 
mestre.
Primeira quadra: 1º sabermos ou conseguirmos despertar, em ou
como alma consciente de si mesma, ser imortal. 2º Intuir, vencendo as trevas ou escuridão interior, e ver espiritualmente o mundo divino 
donde saímos.
Segunda quadra: A Verdade, e que é apenas o que da Realidade
concebemos, escapa-nos sempre na sua totalidade, embora Deus a conceba ou contenha em si, pelo menos virtualmente, enquanto Eu 
do Absoluto.
1º e 2º tercetos: Visão gnóstica dualista pessoana: Deus é apenas uma
criação do Espírito Além Deus, logo limitado, em queda na manifestação; é o Deus ou demiurgo (Jehova na concepção hebraica) preso ao seu mundo, o qual lhe implora o bem, a verdade ou a libertação, mas que ele não tem nem pode dar, pois o Espírito Absoluto lha nega ou lhe veda.

No II soneto, a 1ª e a 2ª quadra, mostram-no numa muito elevada especulação, propor que o Verbo e Infinita Luz ao ser levantado ou manifestado do Caos se tornou sombra e ausência no mundo, mas que a alma sofrendo tal, pode, ao contemplar o Verbo humanado em Jesus Cristo, que é então a Rosa perfeita crucificada no Deus ou demiurgo deste mundo, ter percepção de tal Luz. Está de acordo com o facto de Jesus ter sido crucificado e morto  pedido das autoridades religiosas judaicas por estar a pôr em causa o sistema religioso vigente e o demiurgo limitado imaginado como Jeová.

Nos dois tercetos seguintes, dá-se então um despertar nosso e uma elevação ao Mestre e ao Bem, que estão para além de Deus, ao comungarmos da alma e sangue do Cristo. Fernando Pessoa confessa-se um gnóstico cristão, crente na intermediarização divina de Cristo, ou Verbo, e talvez mesmo de Jesus, sua dimensão humana. De qualquer forma, fala ainda de se poder buscar e não garantidamente realizar.

III e último soneto. 1ª quadra, Fernando Pessoa, descendo de novo ao mundo físico, reafirma um dos seus mantras mais repetidos: "neste mundo tudo é sonho e sombra", e se nos sonhos algo da verdade possamos captar, tal é ainda ilusório, e de facto serão quanto muito vislumbres de planos psíquicos, astrais. Na 2ª quadra repete outro dos seus lemas ou constatações ocultas, que só viu e tocou sombras, pelo que não sabe se tais entidades existem. É de facto o perigo da magia e das suas ilusões, passadas nos planos astrais, quando a visão a aspirar-se é a espiritual e a divina.
No penúltimo terceto, Fernando Pessoa retoma outra das suas linhas de forças, a de que ouve algo, presente mas não vê, e assim como sair da prisão e labirinto?
No terceto conclusivo do poema, Fernando Pessoa vai lançar-se na
fé e esperança cristã normal da vida num Paraíso? Vai afirmar que é 
aqui e agora que devemos realizar o Mestre e o Bem?
Não. Regressa à aristocracia silenciosa rosa cruz, por ele tão louvada
em contraposição à vulgarização das doutrinas por certos movimentos, e talvez sugerindo-nos: - «cala, entra dentro do teu peito e tenta entrar nele, ler nele, ver nele, ser a rosa desabrochada».

Seguem-se os 23 minutos, com leitura comentada ainda de parte de um outro poema bem valioso e confessional, os "Superiores Incógnitos", de 5-9-1934.

                      

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