segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

As Quadras ou Cantigas (1ª p.) de Antero de Quental, nas juvenis "Primaveras Românticas". Com gravação delas.

Primaveras Românticas, Versos dos vinte anos (1861-1864) é o livro das composições líricas de Antero de Quental, criadas entre os 19 e os 23 anos, e por ele dadas à luz primeiro num pequeno livro, Beatrice, 1863, e em publicações periódicas de Coimbra  e de Penafiel, sendo finalmente recolhidas sob este título já só em 1872, quando estava a chegar aos seus 30 anos, com Duas Palavras prefaciais onde afirma «... não me envergonho de ter sido moço. Ter sido moço é ter sido ignorante, mas inocente./ A luz intensa e salutarmente cruel da realidade dissipa mais tarde as névoas doiradas da fantasiadora ignorância juvenil. Mas a inocência, a inteireza daquele indomato amore com que abraçamos as quimeras falazes dum coração enlouquecido pelo muito desejar, essa inocência é a justificação sagrada daquelas ilusões, o que as torna respeitáveis...»
 As Duas Palavras prefaciais concluem assim, quando Antero de Quental estava na sua fase mais revolucionária (as Odes Modernas, que a iniciaram, tinham saído já em 1865)  mas não desdenhava do que, quinze anos depois, em 1887, na carta autobiográfica a Wilhelm Storck considerará "poesias de amor e fantasia" mas também "du Heine du deuxième qualité":«Depois, desse passado de ingénua e quase sublime ilusão, há ainda um ensino prático, imediato, a extrair para a vida real, para a vida real, para a vida da acção e da justiça. Essas ilusões como que nos estão dizendo de contínuo, na sua linguagem misteriosa: «Fostes crianças: sois já homens. Pois sede agora homens tão lealmemte, tão completa e resolutamente como soubestes ser crianças. Ponde nas acções fortes a alma, o ardor intrépido que pusestes nos sentimentos apaixonados... e não teremos existido debalde».
Se isto é assim, encontrarão ainda os espíritos justos alguma utilidade moral nestes versos de rapaz.»
A obra contém a Beatrice, Peppa, Idílio Sonhado, Maria, Cantigas e, finalmente, Poesias Diversas. Ora foram as Cantigas, que estão divididas em três partes, intituladas À Guitarra, Ao Luar e Limoeiro Verde, contendo cada uma várias quadras, que escolhemos para ler e comentar...
Lemos e comentamos em duas gravações as quadras da À Guitarra, publicadas inicialmente em Penafiel, em Dezembro de 1864 no jornal O Século  XIX, fundado pelo pai de Joaquim de Araújo, Rodrigo Teles de Menezes e Germano Vieira de Meireles, e transcrevemo-las aqui, tanto mais que elas não estavam ainda disponíveis digitalmente, a não ser num Pdf e nos extractos que a  Amazon mostra nos resultados do Google, numa açambarcadora propaganda opressiva de qualquer concorrência, mesmo que apenas divulgativa.
 I
«Três cordas têm a guitarra
Uma d'ouro, outra de prata...
A terceira que é de ferro,
Todos lhe chamam ingrata.

Ninguém faça ramalhetes
Com flores que hão-de murchar...
Ninguém tenha cordas d'ouro
Se não as quer ver estalar.

Aprendem todos comigo
O que pode acontecer
A quem canta os seus amores
Num cabelo de mulher...
Das três cordas da guitarra
Só a terceira dá ais...
Bastou-me um amor na vida,
Um só amor e não mais!
Quantas folhas tem a rosa?
Quantos raios tem o sol?
De quantas ervas do monte
Faz o ninho o rouxinol?
Quantas ondas d'água amarga
De tantas que andam no mar,
Quantas ondas são precisas
Para um homem se afogar? 

Dizei-me, ó rosas do monte,
E ondas que andais a fugir,
Quanto amores se querem
Para um peito se partir?

Não sei quantos peitos tenho,
Nem já quantos corações...
Mas não cabem dentro deles
Minhas grandes aflições!

Quem tem vida para isto
Mais valia não a ter!
Palavras leva-as o vento...
Quem as podera esquecer!

Das três cordas da guitarra
Uma chora, outra dá ais...
Bastou-me um amor na vida,
Um só amor e não mais!» 
 
Segue-se a leitura, comentada. Numa 2ª gravação foram lidas e comentadas as restantes quadras d' À Guitarra", também neste dia, 17.II.2020.
                      

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