sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Desenhos de José Pinto Antunes e escritos e poemas dedicados por mim a Attar e a José Pinto Antunes

 Tendo recebido há dias um belo desenho do José Pinto Antunes, da série de ilustrações geradas por ele para o poema do persa Attar, a Conferência dos Pássaros, e que esteve exposta na livraria galeria de arte do ISPA e para a qual contribui com o texto da exposição, já publicado neste blogue, resolvi hoje contemplar melhor o belíssimo desenho aguarelado que ele e o Hélder, da galeria Hélder Alfaiate, da Ericeira,  ofereceram à escolha e escrever um pequeno poema, algo na linha da poesia sufi ou amorosa de Attar, de Dara Shikoh, ou mesmo minha, por vezes... 
E assim o reproduzo tal como o escrevi entre a 19:00 e as 19:30 deste 3 de Agosto lisboeta, ardente, mesmo a 250 metros do curso do aurífero Tejo e das Tágides nossas...
Do mais extenso texto dedicado às pinturas e desenhos do José, sobre a Conferência das Aves, de Attar, transcrevo agora apenas os primeiros parágrafos, contextualizantes, seguindo-se a reprodução do meu poema a eles dedicado.
  «O belo poema metafórico de Attar, aliás Farïd al-dîn 'Attâr (1142-1221, em Nichapour, no Khorassan, Irão, e que foi um perfumador, ervanário, curador), intitulado Mantiq al-Tayr, o Colóquio ou Linguagem das Aves, ou ainda Conferência dos Pássaros, extenso nos seus mais de quatro mil e seiscentos versos, foi de todas as obras de Attar a que teve mais sucesso ao longo dos séculos, conhecendo-se algumas versões em diferentes línguas desde esses remotos tempos. No Ocidente, em França, houve traduções em 1819 e 1863, e no século XX e XXI alargou-se o número.
Corre entre nós uma das versões, mas abreviada e fraca, da
obra, sob o nome de Conferência dos Pássaros, editada pela Cultrix, sendo uma tradução da versão inglesa de C. S. Nott, que a fez ou traduziu da tradução francesa de Garcin de Tassy, de 1863, realizando nos USA em 1954 tal feito de retalhar e alterar substancialmente, retirando muito da espiritualidade da obra. Uma lástima. Hoje já há outras versões em português, de melhor qualidade.
Depois de ter sido um boticário de perfumes e ervas, impressionado pelo desprendimento e comando do corpo e alma de um dervishe, Attar foi iniciado na via espiritual pelo sheik Mudj al-din, de Bagdad, e da sua demanda restam-nos cerca de uma dúzia de obras das quais as mais valiosas são o Pand-Nama, Livro dos Conselhos, Asrar-Nama, O Livro dos Segredos (a sua última obra, e da qual há uma tradução comentada excelente de Christiane Tortel), Elahi-Nama, o Livro Divino e o Tadhkarat al-Auliya, Memórias dos Santos, esta contendo histórias e ensinamentos de 142 sufis do Irão, do Egipto e da Arábia, entre os quais Jafar Sadiq, a iraquiana Rabia Basri, Junayd, Hazrat Abdul Jilani, Mansur al-Hallaj, todos eles verdadeiramente entregues ardentemente ao Amor Divino.
O grande especialista de mística islâmica e persa Louis de Massignon foi um estudioso e admirador de Attar, e realçou
a afirmação do famoso Jalâl- ud dîn Rûmî: dois séculos depois da desencarnação de al-Hallâj a sua luz (nour), ou alma espiritual (de al-Hallâj), manifestara-se em Farîd 'Attar, tornando-se o seu mestre espiritual.  
Não sabemos ao certo se assim terá sido, mas a comunhão dos amigos de Deus, a comunidade dos santos ou sufis, a auliya, é conhecida, é real, todos os que meditam mais profunda e intensamente vivenciam-na de um modo ou outro por graça, pelo que naturalmente Attar foi abençoado pelo Alto e o Ser Divino, e pelos sufis, sendo Mansur al-Hallaj, um famoso mártir no Islão da afirmação da não-dualidade entre o humano e o divino, certamente um potencial inspirador dele e, quem sabe, o seu mestre ou guia invisível. Mevlana Rumi, que segundo algumas versões ainda se teria encontrado com Attar, quarenta e cinco anos mais velho que ele, diria ainda que Attar era a sua alma íntima, tal como Sana'i o seu olho espiritual. 
Attar, na Conferência ou Diálogo dos Pássaros, agora entre nós inspirando o pintor José Pinto Antunes a ilustrá-la em mais de cem desenhos, compila numerosas histórias tradicionais e acrescenta algumas novas, adicionando sobretudo comentários de ordem moral e espiritual, e propondo a tradicional ascese e renúncia ao mundo e aos seus prazeres e seres (uma metodologia talvez hoje discutível quando se expressa de modos algo humanamente egoístas: «Enquanto não morrermos para nós próprios e não formos indiferentes às criaturas, a nossa alma não estará livre. Um morto vale mais que aquele que não está inteiramente morto às criaturas, pois ele não poderá ser admitido para o outro lado da cortina»), em troca ou em prol do amor ardente pelo Divino, o único que merece e perdura.
O amor a Deus (denominado bhakti, prema, na tradição indiana) é então o objectivo e a necessidade máxima e muitos exemplos são dados de amor extraordinários ou intensíssimos entre os seres e pares humanos e como daí podemos tirar impulsos para a nossa 
caminhada de amor para Deus, neste século XXI cada vez menos propenso a amores devocionais como outrora flamejaram no Cristianismo e no Islão medievais ou mesmo posteriores.
A Conferência dos Pássaros congrega então milhares de aves na demanda de acesso ao misterioso ser, Simurgh, a qual as vai levar, com dúvidas e diálogos esclarecedores, por um caminho de individuação e iniciação longo e árduo (per aspera ad astra) até Simurgh, onde apenas chegam trinta delas, as que acreditaram na mestra poupa e nelas próprias e mantiveram a chama da aspiração e do Amor unitivo mais fortemente».
 Desse Amor, do Amor, nos fala, nos transmite então ainda o poema que se segue, para já apenas na fotografia do manuscrito, e que gerei na linha de Erasmo que defendia, em carta aos irmãos polacos Laski, que o anel das Graças deve ser mantido, e assim vai oferecido ao José Pinto Antunes e aos sufis nomeados...
A vida é uma caravana minotáurica
e nela se desenvolve um caleidoscópio
tão infinito, multifacetado e sedutor
Que todos geramos muito amor.

Da conferência das aves elegeu-se a pôpa
Assim cada um de nós escolhe o que ama
E fecha-se frequentemente ao que devia amar.
E se não fosse a popa, o anjo, o mestre
Muitos de nós se perderiam na travessia.

O mundo dos animais e dos humanos
Sem serpentes emplumadas, sem asas,
Não teria os tapetes de oração a ligar ao Céu
Não teria a visão dos seres de coração.

Passam os séculos, os poemas, as pinturas
E só fica o coração ardente vivo,
Aquele que agora somos em comunhão
Com o misterioso Simurgh Divino. 

Que a lucidez do teu olhar fino e colorido
Drapeje a tua aura das melhores intenções
E, levando aos lábios, o Graal do Amor,
Sente e recria a grande Unidade, no destemor.

Cresçam as nossas asas, flameje o Amor 
Ouve no silêncio o canto das aves e de Simurgh
Ò Attar, ò Dara Shikoh, ò José, ò Pedro, ò Alma leitora,
Entremos pelo coração e cheguemos à Divina Adoração
                               e Comunhão.
             ***** 
Transcrito em uníssono com a partida do José da Terra. Muita luz e amor na sua alma rumo a Deus. VI-IV-2019.

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