sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Um poema espiritual. E ilustrado com uma pintura de Nicholai Roerich e outra de Bô Yin Râ.

A acompanhar o poema, já com algum tempo: 1ª pintura de Nicholai Roerich, e 2ª de Bô Yin Râ.

 Maravilha das maravilhas,
Das longínquas plagas Deus abençoou
E sua fortaleza infinita em mim se instalou,
vasta como o espaço omnipresente,
trepidante como o voo dos besouros nos jardins,
assim minha alma tornou-se mel na colmeia divina.


O mundo que geme, sofre e luta,
As montanhas tingidas de sangue ou de paz,
Até quando o clamor das gentes?
Quem se alevanta em silêncio possante
E destemido em grupo firme avança? 

 
Peregrino, que o vento balance os teus passos,
Que a tua alma feliz conserve o corpo em saúde
E que ajudes os que mais precisam.
O sol está-se a pôr. Felizes dos que o contemplam.


Deus e o Amor aparecem mais na aurora,
com as partículas vitais dançando no espaço,
E a alma, compenetrando-se do infinito,
Torna-se Amor ao ser enchida por Ele. 

 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Transcrição de um texto auto-iniciático, quando findava os 21 anos na Terra.

Uma das imagens na Índia da Divindade Primordial como Vasudeva Narayana. Musicado no fim..

          Transcrição, com leves acrescentos sinalizados , de um texto algo iniciático, ou auto-iniciático, ao findar dos 21 anos na Terra:

                                        ****      AUM    PAX     IHVH   ****

 «Dado que não podemos ser mais do que sozinhos [a sós, mas não só] e porque esperei até agora que me viessem iniciar, resolvi iniciar-me pois que os 21 anos (3x7) estão a chegar ao fim. Ou seja, Deus resolve iniciar-se a si próprio, pois que [esta iniciação] é a simples tomada de consciência de que Deus e Eu são um [ou que há unidade ou ligação entre a Divindade e o Eu espiritual, o cerne íntimo de cada pessoa, tão desatendido por muitos].

Por isso orando a Deus, que me torne puro e que tenha fé em mim próprio, resolvo tomar [mais, e sempre a reactualizar] consciência da Unidade eterna [e logo não me deixar envolver tanto na desunidade conflituosa ambiental e mundial].

A vida é assim um dia a dia em que a iluminação total [que não há, mas apenas um realizar de mais luz] será um dia. O despertar para a divina harmonia omnipresente [tão visível na luz do sol de cada novo dia]. Abrir-me de par em par às energias absolutas do Espírito, dissolver-me no Oceano da Divindade [quando chegar a hora do fim da manifestação cósmica, geral ou pessoal]. A Iluminação.

Porém isso é um dia num momento nirvânico, a realização, mas até lá há o dia a dia ilusoriamente [pela limitada avaliação dimensional sensorial e mental] progressivo,

porém certo num tentar atingir o mais profundo de mim mesmo, onde já se passou da personalidade para a luz divina da Beatitude,

porém certo um ritmo [de atenção] do coração para entrar em Vasudeva [a brilhante divindade, em sânscrito, sinónima de Naryana], Mestre no lótus [centro subtil no centro do peito],

porém certo o silêncio interior para que a voz interior (não sonora, anahata] se faça ouvir,

porém certo as orações [ou mantras] a Deus, pureza, fé, força, amor, união.

porém certo as concentrações em Deus, nos [seus] altos atributos,

porém certo a meditação e contemplação possíveis,

porém certo para já os exercícios [de respiração e concentração na linha do Kriya Yoga] do Atma Bodha Satsanga [associação em França, fundado por Rishi Atri],

porém certo as respirações transmutadoras, os cânticos suaves, as asanas correcta,

porém certo um pensamento causal, ideias [mais] iluminadas e profundas,

porém certo as meditações de kundalini, de chakras, de aura, de tapasia [esforço ardente, na tradição yogi],

porém certo servir, amar, vibrar conscientemente, beatificamente,

e o Om Mani Padme Hum,

e a gratidão a Deus e à vida, sinceramente por tudo,

e o reconhecer a pequenez infinitesimal deste ser,

e o tentar descobrir e realizar algo que possa ajudar os seres,

e a intuição búdica do coração e aí prasada [ou graça] de Narayana [nome da Divindade primordial na Índia, sinónima de Vasudeva], ou o Sol no hrid [coração subtil].

                                                     

   Uma música indiana calma e bela, devocional, a Narayana Vasudeva:  https://www.youtube.com/watch?v=SdSb8X4D54I

 

Possamos nós caminhar diariamente mais atentos e conscientes da subtileza espiritual da vida e mais em amor-sabedoria criativa, fraterna e alegre.

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

"Dia do Anjo da Guarda". Quem são os Anjos e Arcanjos? Que relação podemos ter com eles?

Quem são os Anjos?  Seres espirituais, entidades subtis, que se consideram estar acima do ser humano pela sua subtileza e maior proximidade da Divindade e que são conhecidos pelas descrições dos que os viram, dos que os descreveram, dos que os teorizaram e dos que os desenharam, pintaram e esculpiram, desde há milénios em quase todos os povos.

Geralmente representados com asas, corporização terrena das irradiações dos seus raios luminosos e flamejantes, das correntes energéticas que deles emanam, podemos por vezes vê-los pelo olho espiritual nas nossas meditações ou recebermos símbolos e sinais, ou ainda vê-los indirectamente nas formas de nuvens por eles modeladas ou assumidas, ou noutras formas e coisas.

São chamados e considerados  mensageiros de Deus, tal como a etimologia da palavra angelos, pela maioria dos que lhes dedicaram amor, estudos, páginas ou meditações, pois estando mais próximos do mundo divino podem sentir e ver mais claramente os merecimentos e necessidades dos seres humanos e ajudá-los. Daí até a utilidade das orações à Divindade e simultaneamente aos Anjos, seus auxiliares no Cosmos  e no planeta. 

Cada ser tem um génio, um anjo da guarda (ou dois na tradição islâmica) e a eles se referiram muitos autores pagãos e cristãos, destacando-se entre nós desde o P. Diogo de Vasconcelos com o seu livro do Anjo da Guarda, em 2 volumes, uma obra seiscentista bem volumosa e erudita, até Fernando Pessoa que os refere várias vezes e os poetizou mesmo, para além de ter repetido uma frase do seu amigo e iniciador Alesteir Crowley: "a conversação com o santo anjo da guarda é a mais alta obra de magia", pela qual afirma que tal abertura aos níveis espirituais mais elevados de nós próprios é realmente a mais importante obra de magia ou de domínio das nossas forças instintivas e anímicas.

Admitindo-se que as pessoas desde que incarnam na Terra têm o seu génio ou anjo custódio, é natural que  a perda da consciência da ligação angélica resulte de não serem  educadas nesse sentido, de não acreditarem, porque não apelam a ela ou porque se densificaram e cousificaram muito, cegando para eles. Há contudo pensadores ocultistas, como Rudolf Steiner, que pensam que logo aos sete anos, quando teoricamente começamos a ser educados para compreender o que é bem e mal, o anjo da guarda despede-se da pessoa, deixa de lhe dar consciência e protecção, e retira-se para planos mais elevados, a criança começando a assumir-se a si própria. 

Creio porém que é algo artificial a divisão-cisão, certamente criada em termos funcionais por acabar o 1º septenário, pois muitíssimas crianças tem amadurecimentos bem mais tardios ou até difíceis, para além de que nada parece indicar a existência de maior protecção apenas até tal idade.  Outros dizem, e com razão, que mesmo que o anjo se retirasse de uma proximidade maior ele não deixaria de estar no interior ou sobre a pessoa, pois ele próprio, pode-se dizer, é um dos níveis dela, o anjo nela, um anjo solar segundo alguns.

São mistérios grandes estes níveis e investigá-los deveria ser apanágio de muitos, mas não sucede e são poucos os que conseguem sair da luta pela sobrevivência ou das múltiplas preocupações e lutas, distrações e alienações sociais. Um deles foi sem dúvida Fernando Pessoa que se interrogou mesmo por escrito se o santo anjo da guarda  seria ele o Mestre, ou até o Eu superior da pessoa?

Há quem pense que na evolução do ser humano, tal como deixaremos o corpo físico ao morrermos carnalmente, assim também um dia deixaremos o anjo que seria como que a nossa alma ou corpo causal e angélico protector, porque construíramos um outro para nós durante a vida. Mas provavelmente ambos subsistem, embora quem sabe, como antigos seres íntimos tornados apenas amigos.

Na realidade, quanto ao anjo ser abandonado, e depois de nos ter abandonado aos sete, como se fosse a  nossa vez de lhe aplicar a reciprocidade, parece ser uma teorização exagerada, tal como a de que ele seja apenas o correspondente a um corpo subtil elevado, o causal, pois como nós ele é um espírito, embora de outra ordem ou categoria na imensa escala de seres que liga os reinos vegetais e animais, a Humanidade e a Divindade.

                                         

Quando se admite que o Anjo está em nós e que é um nível interno mais elevado na nossa consciência ou da nossa identidade, deduz-se naturalmente que ele só pode ser consciencializado por nós quando os níveis inferiores do corpo, sentimentos e pensamentos estão aquietados, quando a personalidade está harmoniosamente integrada com a vida na terra, e portanto o nível unitivo da consciência, o que nos liga à Divindade, com quem os anjos tem sempre relação, pode funcionar ou manifestar-se e assim permitir ao Anjo ocupar o campo ou ecrã da nossa consciência, de forma directa ou indirecta, em visão ou intuições. 

Em geral são momentos fugazes, tal ao acordarmos ou ao meditarmos, nos quais a paz, o silêncio e  a luz do nível em que ele vive ou que ele próprio emana chega até nós, por vezes ocorrendo mesmo alguma intuição ou visão de formas angélicas.

Estes momentos de chegada de luz são como que a construção duma ponte ou de um canal ou de um fio de ligação com ele, o que se vai repetindo e fortificando nas meditações, de modo a que  a presença angélica ou do mestre interno, ou a da própria estrela do nosso espírito, se vá desvendando mais, sob a graça Divina.

Entre nós várias igrejas mostram o Anjo seja em retábulos num dos altares laterais, seja no pórtico, lembrando que a cada uma deles estaria associada um Anjo, ou que os Anjos e Arcanjos existem e que a este nosso companheiro subtil pouco ligamos, mesmo que ainda saibamos de cor ou coração alguma oraçãozinha infantil, mas bem eficaz se perseverada. Tal como:  «Anjo da Guarda, minha companhia, inspirai a minha alma, de noite e de dia». Ou, «Anjo da Guarda, minha subtil companhia, ajuda-me a abrir mais o coração à luz Divina». Ou «Anjos e Arcanjos, invoco-vos. Ajudai-me a estar mais ligado com Deus.» Mas também o virar-nos para o Oriente e invocar as correntes luminosas ou bênçãos dos mestres e espíritos celestiais, é outra oração simples e que podemos realizar com criatividade espontânea.

Um exemplo: no ígneo convento da Ordem de Cristo em Tomar, na sua charola, face ao seu altar no centro octogonal, está um espírito celestial  apenas com a cabeça e as asas, preside à direcção do nascente, Ex Oriens Lux, relembrando-nos da nossa solaridade, dos mestres do Oriente e que na nossa vida devemos orientar-nos pelas intuições e visões que o ser angélico em nós nos possa lançar, segredar ou lembrar, e que devemos com perseverança trabalhar, orara, invocar.

Como se sabe, acima dos Anjos existem os Arcanjos, não só os três, quatro ou sete mais famosos, mas os das nações, entre os quais o de Portugal, cultuado oficialmente desde o tempo de el-rei D. Manuel  e que está igualmente representado numa bela e popular escultura quinhentista  dentro da charola, na capela octogonal aberta.

Da Leitura Nova (dos forais portugueses), de Dom Manuel.

Se invocamos nas orações matinais e nocturnas o Anjo da Guarda,  tentando sintonizar com a sua alma tão sábia quão amorosa e bela, que nos protege e inspira do alto, também deveríamos de quando em quando sintonizar com o Arcanjo de Portugal, e com as suas frutificações potenciais que em geral os nossos governantes destroem ou contrariam já que estão tão vendidos aos regentes e fabricantes do dólar e ao euro que lhes pagam e permitem as suas vidas e funções tantas vezes daninhas em relação aos povos e à justiça e harmonia do planeta.

Saibamos então tanto por uma vida justa, bela, ordenada e consciente angelicamente, como nos momentos diários mais concentrados, elevar-nos a tais seres e níveis, conscientes de que eles estão em contacto com os raios, bênçãos e Seidade divina e que eles são, como alguns de nós, portadores do Graal, do cálice que recebe a sabedoria e o Amor divino, ou as forças e símbolos adequados auspiciosamente, e o partilham para os que aspiram ou merecem tal bebida de sabedoria e imortalidade, noutros canais ou veios da Tradiçãou ou Espiritualidade Perene denominada de ambrósia e de amrita.

domingo, 1 de outubro de 2023

Erasmo: Da consideração ou contemplação do céu como portal extático para a sublimidade infinita da Divindade..

                                                        
Erasmo, no seu excelente Modo de orar a Deus, que em 2008 traduzi  com Álvaro Pereira Mendes, e contextualizei e comentei, encerra magníficas pérolas de sabedoria e uma delas é a seguinte afirmação, quase inicial, e que merece ser aprofundada: "A consideração [reflexão ou meditação] da sublimidade grandiosa de Deus pode arrebatar [lançar ou propulsionar] a alma no louvor e no amor de Deus, constituindo isto um hino". 

O verbo considerare provem etimologicamente de cum e sidus, significando este último vocábulo as estrelas, as constelações, o céu. Encaminha-nos ou projecta-nos assim para uma das formas mais naturais de ligação à existência Divina: através da contemplação da noite estrelada, com as suas cintilantes e coloridas estrelas e planetas, infinitamente harmoniosa e até musicalmente, como nos fala a expressão «música das esferas» que Pitágoras teria ouvido e ensinado, e que foi também referida por Virgílio entre outros vates, filósofos e cientistas.

Na realidade, ao considerarmos a sublimidade ou a grandeza do Cosmos, e do seu Logos, ou Espírito imanente, emanado da Divindade Primordial, podemos elevar-nos na sintonização com tais níveis espirituais, gerando-se um estado expandido de consciência, de certo modo comprovado hoje até cientificamente nos efeitos da desactivação das zonas do córtex direito, as mais ligadas ao pensamento normal analítico, e na  acalmia da frequência de ondas cerebrais, quando  se entra em contemplação, oração, meditação e adoração.

Erasmo poderá estar a descrever mesmo a experiência de orar com as mãos, os olhos e a consciência virados para o céu e o espaço infinito e então um dito de Horácio, quase referente ao centro energético do cima da cabeça, será apropriado: feriam sidera vertice, “alcançar com o cimo da cabeça o céu”. Mas poderia mais simplesmente estar a rezar o "venha a nós o Teu reino" no interior do seu aposento, fechada a porta, em meditação, apenas com a visão espiritual a abrir-se celestialmente. 

No seu livro Da Concórdia amável da Igreja, escreverá ainda nesta linha de contemplação das alturas: «o primeiro auxílio de Deus, isto é, o primeiro grau de beatitude, é que elevemos os olhos para os montes», tanto terrenos como da eternidade e mundo celestial, cujo cume para alguns mais clarividentes é o mistério do Amor.

Também nos mestres da literatura latina Virgílio e Cícero, tão apreciados por Erasmo, surge este mesmo verbo sidere com os sentidos de debruçar-se, deter-se e fixar-se, três expressões fluindo até como que num processo de oração interiorizante que nos leva a deixar pousar ou decantarem-se os pensamentos e sentirmos mais conscientemente a subtil e íntima presença espiritual ou divina e a deixarmos nessa fixação ou estabilização mental o espírito brilhar mais luminosamente para nós. 

Petrarca, recebendo a coroa da inspiração poética da sua musa Laura.

Petrarca (1304-1374), «o primeiro dos homens modernos» (segundo Michelet e Pierre de Nolhac), o iniciador do Humanismo, ao ressuscitar o estudo e a valorização da cultura e literatura greco-latina, no seu De Ignorantia valoriza muito os filósofos antigos e diz que nos livros de Cícero «frequentemente uma pessoa acredita que está a ouvir mais um apóstolo que um filósofo pagão», e transcreve uma sua interrogação, da talvez melhor obra ciceroniana, e na linha de expansão acima exposta: «que pode haver de mais claro e distinto, para quem considera o céu e contempla as coisas celestes, que a existência de um Deus, de uma inteligência superior para as dirigir?» (De Natura Deorum, II, 6).

Quanto à sublimitate Dei, a sublimidade de Deus, o que não  poderíamos dizer ou anotar, ainda que sempre insuficientemente tal a transcendência e inefabilidade divina em relação a nós, pese a sua subtil imanência? 

Evoquemos apenas o tratado (I séc. d.C.) atribuído a um Longino, Do Sublime, durante séculos o manual da beleza do pensamento e do discurso, da ordem retórica da composição, no qual a sublimidade é «o eco de uma mente nobre», capaz de descrever ou de elevar as pessoas ao transcendente e ao divino. Todavia, investiguemos ainda as raízes etimológicas do sublime, escolhida como causadora do arrebatamento por Erasmo, e que ressoa ascendentemente na palavra sublimação, pois o verbo sublimo, are, significa elevar, exaltar, subir, glorificar. Encontramo-nos assim numa aproximação às alturas, ao mundo espiritual ou para alguns à presença espiritual omnipresente, nomeadamente no espaço e no céu e que pode ser sentida num arrebatamento, em beatitude e transfiguração dada a grandeza e sublimidade inefável da presencialidade Divina, que é ainda misteriosa e subtilmente imanente em nós...

Quanto à elevação ou arrebatamento, que pode suceder a quem contempla ou medita com mais intensidade a maravilhosa sublimidade divina, reafirmemos a importância das investigações das neurociências que, indo bem mais além dos registos fisiológicos (tal como a diminuição do ritmo cardíaco e respiratório, a pressão arterial, o stress, etc.), descodificam as inter-relações cerebrais e neuronais implicadas em tais estados de consciência concentrada ou expandida, em certos casos místicos, observando dessa harmonização que já mencionamos de coerências, padrões e ritmos cerebrais,  um primeiro resultado e que, nos nossos dias tão manipulados por atemorizações mediáticas, convém termos o mais presente, vibrante e amado possível: a suave paz,  a pax profunda, e que no ensinamento erasmiano  resulta da  contemplação do céu ora azul com as suas miríades de partículas de prana respiráveis profundamente, ora nocturno repleto de luminárias, mundos distantes e os comunicativos meteoros cadentes, e que nos arranca de nós e expande para a sublimidade divina.  

Psicologicamente, o rapto, arrebatamento ou êxtase (que será ainda “instase” no seu aspecto de interiorização) pode ser compreendido como consequência da entrega, da veemência amorosa ou do entusiasmo psico-energético da pessoa, e que intensificam o vibrar anímico ascendente, a qual pode causar mesmo, para além da sensação da elevação, a saída do corpo psico-espiritual do invólucro físico, para não falarmos dos casos de levitação que por exemplo S. Teresa de Ávila, S. Pedro de Alcântara e S. José Cupertino experimentaram, e que têm raízes nas escrituras, tal em S. Paulo e S. Filipe. 

S. José Cupertino, agraciado com êxtases e levitações...

Por outro lado, também se poderá explicar pela unificação energética e consciencial alcançada, que gera um extravasar, ou ir para além, dos limites corporais ou mesmo das normais percepções mentais,  num estado expandido de consciência, participante de capacidades do misterioso corpo espiritual que nos habita e constitui, e que o canto, mantra ou hino que dedilharmos também ajuda  a autonomizar-nos face a tanta agitação de informação desinformante e ora atractiva ora atemorizante.

Um bom latinista e estudioso dos humanistas, M. A. Screech, na sua excelente obra  Ecstasy and the Praise of Folly (acerca do Elogio da Loucura, de Erasmo), confessando as limitações de não ter tido qualquer experiência extática, interroga-se lúcida e eruditamente sobre o êxtase (apresentando o sentido clássico grego de ekstasis, o de deslocação ou o deitar abaixo de algo da sua posição normal), e a loucura divina descrita por Platão (furor, mania), a partir de uma extensa revisitação do Novo Testamento, da patrística e da literatura clássica religiosa à luz das referências de Erasmo, abordando depois muitas dessas passagens onde se encontram tais expressões, conceitos e experiências,  e embora se possa discordar de algumas das traduções apresentadas, e consequentes induções para provar as suas teses, é ainda assim provavelmente a melhor hermenêutica do Elogio da Loucura, e dos meios de se realizar a iluminação, beatitude, êxtase ou o rapto das faculdades psíquicas normais (no que é considerado comummente por loucura), na tradição greco-romana e no Cristianismo (tal como o episódio dos três discípulos na Transfiguração, o rapto ao 3º céu de S. Paulo), e particularmente nas obras, polémicas e correspondência de Erasmo.

Realce-se a importância de compreendermos que no sentido ou cosmovisão cristã e de várias tradições espirituais, a elevação psico-espiritual depende do nosso amor a Deus e da Sua graça, e que o êxtase, no sentido de deitar abaixo, é sobretudo o de diminuir (a fana dos sufis) o ego e a separatividade, e neste sentido corre o ensinamento de Jesus de deitar abaixo os orgulhosos e elevar os humildes, ou seja, que a humildade e esvaziamento podem fazer vir a conversão, a complementaridade, o auxílio necessitado, o despertar da energia espiritual ascendente.

Poderemos, para finalizar, caracterizar o tipo mais acessível de elevação por parte da persona acima do ego e do indivíduo, certamente experienciado por Erasmo, como a admiração ou estupefacção perante a potência do espírito ou a imensidade da beleza cósmica e divina, a qual gera uma beatitude ou bem-aventurança  que esbate as fronteiras separatistas e harmoniza.

Este estado de expansivo de amor e de consciência integradora e unificadora, psicoformado a partir da consideração mais prolongada e meditativa da sublimidade e grandeza de Deus, apoiada numa vida harmoniosa e em orações e cantos, contemplações e meditações, e que Erasmo conheceu e recomenda,  é certamente um dos mais elevados que nos é  acessível no nosso Caminho para a sublimidade Divina por entre tanto caos e violência humana ou, melhor, infrahumana.

Saibamos pois vislumbrar, sentir e realizar mais a sublimidade da Divindade e da sua infinita energia, nomeadamente pela contemplação do céu infinito e brilhante, interior e exterior,  e assim sairmos das nossas limitações psíquicas e conscienciais e deixar-nos arrebatar pela unidade subtil e sublime espiritual e divina que nos funda e desafia.

De Nicholas Roerich.

sábado, 30 de setembro de 2023

Erasmo e a comunhão na missa, reuniões espirituais e grupos de resistência. Narrativas oficiais antigas e modernas, políticas, sanitárias e religiosas.

                                         
                                          
Erasmo num altar lisboeta...
O questionar as narrativas o
ficiais sempre foi apanágio dos que estudavam, investigavam, discerniam e apreendiam mais a Verdade que os seus contemporâneos, que se deixavam enrolar pelas aparências e manipulações, ou mesmo pressões, dos que queriam determinar e fixar o que era verdadeiro ou não, seja na religião seja na ciência, saúde, política, historiografia longa ou do quotidiano.
Se no séc. XXI as duas narrativas mais impostas (com sanções, censuras e bloqueios) pela aliança de grupos de pressão (sobretudo indústrias farmacêuticas e dos armamentos, Fórum Económico Mundial e elite política financeira anglo-americana) e órgãos de comunicação são as dos vírus e vacinas, e as do relato, caracterização e apoio ao conflito entre a Ucrânia-USA-NATO-UE e a Rússia, há muitas outras que subsistem, algumas com séculos, pois a História humana não deve existir sem as narrativas oficiais e, discordando delas, as heterodoxas, alternativas ou contra-oficiais (hoje frequentemente denominadas pelas primeiras como conspiracionistas), pois só com diferentes compreensões dos factos ou diferentes olhares interpretativos e críticos, é que ela (história e suas almas historiadoras) pode ser digna de si mesma, isto é, livre e dialogante na demanda da verdade.
Um dos terrenos mais fértil em narrativas oficiais foi o religioso, em alguns séculos fecundíssimo, nomeadamente no Cristianismo primordial e na altura do Renascimento e da Reforma, quando diferentes religiosos se digladiaram
 na compreensão da dogmática antiga e moderna graças a uma consciência psíquica menos limitada e aos novos conhecimentos críticos dos textos sagrados e da evolução dos dogmas e costumes na Igreja. O embate foi tão grande, ainda que também justificado por razões políticas, nacionais e económicas, que aconteceu mesmo a Reforma Protestante, cindindo-se a Igreja Católica e as várias igrejas protestantes.

Erasmo numa gravura que José V. de Pina Martins, seu estudioso e amigo, me ofereceu.
Um dos mais sábios seres da época, que participou em alguns debates e controvérsias, foi Erasmo de Roterdão (1466-1536) que paulatinamente foi-se afirmando como o grande conhecedor da sabedoria greco-romana ou pagã (condensada nas edições constantemente ampliadas dos Adágios), dos padres antigos da Igreja, das versões antigas do Novo Testamento e do que seria a mensagem de Jesus, que ele denominava philosophia christi, tendo escrito dezenas de obras e traduções, entre as quais uma pioneiríssima do Novo Testamento e que teve a ousadia de chamar-lhe Novo Instrumento (e que foi elogiada e patrocinada pelo Papa Leão X e muito atacada pelos teólogos mais sofistas e escolásticos), além de centenas de cartas em que ia expondo como via os acontecimentos, os problemas e os seres, derramando nelas  seu grande amor, sabedoria, lucidez e ironia, algo que epistolarmente entre nós, à nossa escala, Antero de Quental realizou...

Um sofista, ou escolástico caturra, num desenho de Holbein para o Elogio da Loucura,
Se foi sobretudo o Elogio da Loucura o que mais o imortalizou,  algumas das suas obras, porém, para além do sucesso da época, ainda hoje se leem com utilidade e gosto tais os Colóquios, os Adágios, o Modo de Orar a Deus (do qual publiquei uma tradução), as Paráfrases aos Evangelhos, ou os textos da sua polémica em defesa do livre arbítrio contra o determinismo ou fatalismo de Lutero. 
Frontispício gráalico de uma edição de Aldo Manuzio dos Adágios.
 Ora uma das polémicas que na época se ergueu e na qual Erasmo participou dizia respeito à Eucaristia, ou como se devia entender tal acto fulcral da missa. E resumidamente: na Eucaristia haveria simplesmente uma presença divina para quem a merecia ou, como se decretou a partir de 1531, havia uma transubstanciação, uma mudança miraculosa do pão e do vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo, que se realizava automaticamente, independentemente do estado da alma do celebrante e dos participantes?
Para Erasmo nada disso era automático, pois dependia de cada pessoa a possibilidade de ela se elevar do mero fenómeno físico à comunhão na sua alma e coração com Jesus e a Divindade. Por isso foi acusado por alguns de negar a transubstanciação, acusação de que ele se defendeu sem contudo aderir ao termo e ao conceito plenamente.
Erasmo chamara à missa
 synaxis (e nisto foi criticado, segundo o slogan dos mais reacionários: Erasmo, amigo de novidades)  uma palavra vindo do grego e que significava concentração, assembleia ou reunião, festa religiosa, união, e que foi utilizada por autores cristãos dos primeiros tempo para designar ora as reuniões de orações e acções de graças, ora aquelas em que se celebrava a eucaristia e que se vieram a tornar a missa.

Ao realçar tal palavra Erasmo valorizava o aspecto interior de concentração da alma piedosa ou devota em relação da Deus, e seria esse aspirar moral e interior de revestir-se de Cristo, de realizar a philosophia christi, a filosofia de Cristo, tal como ele designava o ensinamento de Jesus, que permitiria a comunhão com o Espírito.

O valor da Eucaristia era espiritual e consistia num morrer, tal como sucedera a Jesus, para o ego e seus defeito e paixões, e um renascer moral, ético, de piedade e de religação harmoniosa com os outros, com o mestre e a Divindade, e que se gerava através da conversão das potências da alma, e da aspiração e arrebatamento para o invisível, o espiritual, o eterno.

Havia uma consciência do corpo místico da Igreja forte em Erasmo nomeadamente na oração e na Missa, pois nela os laços de amor fraterno com os participantes e do amor devocional para com Deus eram intensificados. E era por isso que embora usando também o termo eucaristia preferiu várias vezes usar o de synaxis, já que através deste termo ela realçava a tradição grega que via na celebração religiosa uma conciliatio e communio entre os membros do corpo místico de Cristo, ou da Igreja. 

Erasmo era algo crítico quanto a inovações que não lhe pareciam verdadeiramente conformes a  tradição e assim considerava que era mais na adoração em silencio que nos podíamos avizinhar da Divindade do que por grandes cantos exteriorizantes, em vozes estridentes ou melificas, e musicas ou danças. E considerava mesmo a sucessão ritual da missa como sem grande importância, e valorizava mais cinco palavras ditas do coração e para edificação que dez mil superficiais.
Esta profundidade do sentido da missa de Erasmo continua a ser pouco seguida pelos responsáveis das celebrações religiosas que optam por condescender com a barulholatria, ou a "fascista ruídocracia", como lhe chamava António Cautela, que reina hoje em quase toda a parte, enquanto as pessoas ficam mais presas à exterioridade do rito do que à ressurreição de Cristo, do Logos, do Amor Sabedoria em nós, que esta a ser representada e evocada. E é pena pois perde-sem assim os momentos em que a a renovação dos fiéis podia ser intensificada numa religação ao mundo espiritual e divino.
Com efeito par
a os autores ou primeiros padres gregos, tal Gregório de Niza, e na linha deles, Erasmo, o que caracterizava a comunhão era a conciliação ou intensificação da amizade entre os participantes e a comunhão com a Divindade ou com o seu Logos, Cristo, Palavra de Amor Sabedoria e que gerava efeitos beatíficos, ou mesmo extáticos ou "instáticos" em alguns mais místicos, no fundo sentir mais o amor, alegria e fraternidade emanados da fonte Divina.
Estes ensinamentos se na época se dirigiam especificamente para as reuniões de cristãos, nada os interdita de serem estendidos a outros grupos ou assembleias de seres unidos na busca da verdade e do bem (e na resistência mais coesa ao mal das manipulações e opressões), podendo por isso concluir-se que muitas reuniões de outras redes, associações, religiões e espiritualidades lucrariam com os conceitos tradicionais gregos desenvolvidos por Erasmo, de que as reuniões ou ritos dependem ou brilham pela intensificação de laços de amizade entre os seus participantes e pelos laços de aspiração, adoração e comunhão das bênçãos espirituais e divinas, quaisquer que sejam as designações e localizações que sentimos ou lhes atribuímos, desde o Bem e a Verdade, ao Logos, aos mestres fundadores das religiões, à Divindade, ao Absoluto...
Possamos pois nós na esteira de Erasmo, a quem saudamos com muito amor,
constantemente conciliar-nos fraternalmente e persistentemente comungar mais do espírito, do Logos Amor-Sabedoria, e da Divindade, no que merecermos...

Que a lucidez e a sabedoria, a independência e a coragem de Erasmo estejam connosco!

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Os filósofos Russos: Nicolas Berdiaev, ou Berdiaeff. " O Mal do tempo". Biografia, e notas de leitura e hermenêutica.

                                                   

                              
                            Nicolas Berdiaev, "O Mal do Tempo".
Transcrição das anotações, qu
e escrevi num diário de já há bastantes anos, da leitura do Mal do Tempo (traduzida do francês por João Rui de Sousa, para a editora Delfos nos anos 60), e agora um pouco mais ampliadas ou comentadas.

Nikolai Berdyaev - (1874-1948) - é um dos mais importantes filósofos russos, com uma  obra vasta e bastante inspiradora e fortificadora das almas que o leem e admiram. De família aristocrata e de militares, de mãe russo-francesa, estudou na Universidade de Moscovo e aderiu à filosofia do materialismo histórico e ao marxismo, sendo por isso exilado três anos para o norte. Mas cedo se afastou do materialismo histórico e já em 1909 era um valioso filósofo no Cristianismo Ortodoxo, destacando-se pela  valorização da criatividade, liberdade, amor,  persona, e do Logos, ser, sentido e mundo Divino, apesar de que, pela sua religiosidade independente e libertadora, chegou a ser condenado pela Igreja Ortodoxa como herético e com destino à Sibéria. A revolução bolchevique libertou-o e permitiu-lhe escrever livremente, dar aulas na Academia Livre Cultura Espiritual que fundara, ou mesmo em 1920 ser convidado para professor na Universidade de Moscovo. Todavia, o crescente ateísmo do programa do governo comunista teria de confrontar a sua independência e religiosidade, resultando disso um encontro- interrogatório e a previdente decisão de o deixarem partir com outros intelectuais (tais Fyodor Stepun, Bulgakov, Ivan Ilyin), para o Ocidente, em Setembro de 1922, num barco a vapor de Petrogrado ou São Petersburgo para a Alemanha, onde ainda funda a Academia de Filosofia e Religião que transferirá para a França, quando em 1924 se muda para os arredores de Paris com a família.
                                     
O barco a vapor alemão que "exportou" por ordem de Lenine e de Trotsky, por mais de uma vez, intelectuais russos anti-bolcheviques, o Oberbürgermeister Haken, para a Alemanha.
Em França a estabilizará de 1924 até ao fim da vida terrena em 1948 e alcançará grande sucesso com o seu carisma
 e mensagem, em palavra e escrita, sobretudo nos meios cristãos, católicos e ortodoxos, existencialistas e dos emigrados russos, sendo traduzido para várias línguas e estudado por vários escritores e filósofos, entre nós, por exemplo, Leonardo Coimbra, que a ele, a Soloviev e sobretudo a Bulgakoff dedicou algumas reflexões, na sua última obra, A Rússia de hoje e o Homem de Sempre, em vários aspectos profética ou actual. Ou posteriormente José V. de Pina Martins, que traduziu O Marxismo e a Religião, em Coimbra, 1948, e escreveu um valioso prefácio, embora hoje datado, ou para ele mesmo umas décadas depois.
                                                 
O último livro e testamento esp
iritual, Reino do Espírito e Reino de César, é ainda hoje de grande actualidade face às novas formas de totalitarismo que se pretendem impor, e nele Nicolas Berdiaev destaca o valor da persona humana e da sua capacidade mística, ou seja, de unir ou ultrapassar as dualidades, nomeadamente sujeito-objecto, eu-outro, mente e espírito, humanidade e divindade, e contrapõe aos colectivismos exteriores e forçados o comunitarismo fraterno, e à religiosidade da descida da graça divina, a mística da realização do princípio divino no interior das pessoas, o qual se manifesta pela criatividade livre, para ele a essência do ser em si.  Oiçamo-lo então, por anotações de leitura, levemente comentadas:

Nicolas Berdiaev : que les chrétiens se convertissent ! – PHILITT

«A acção criadora e a actividade realizam [ou geram] inovações e ganhos positivos que contribuem para alargar os sentidos [ou dimensões] do Ser. O tempo possui assim um valor ontológico, dá-nos a revelação do sentido [ou seja, tanto do Logos como do desabrochar ou enriquecer dos sentidos-órgãos, ou seja, dos sentidos-cosmovisões logoicas da vida, e ainda das subtis antenas e níveis do Ser, ou ente em si.]
Em relação ao passado a actividade activa é transfiguradora, quando integra o passado no futuro e no eterno, quando ressuscita as coisas e os seres desaparecidos, vencendo assim o fatum ou destino determinado ou já realizado. [E esta tarefa é realizada em proporção do amor com que ora vivemos cada instante activo ora revivemos tais seres ou coisas, sendo este relembrar dos que já morreram mutuamente benéfico.]
Há seres humanos do passado, seres do futuro, seres do eterno, [conforme a intencionalidade, intensidade e abrangência] do instante comungado.
A actividade inovadora é totalmente dirigida para o eterno. Não há passado nem futu
ro, mas apenas um presente  incessantemente criado [e por isso se diz que os seres mais evoluídos oram ou rezam incessantemente, ou seja, estão sempre em irradiação perenizante na alma do mundo e em comunhão com o espírito, a eternidade, a divindade.]
O futuro é a projecção quer da inquietação causada pela queda [ou descida] do mundo [espiritual] quer do acto criativo cujos frutos tombam [ou são direcionados] para o mundo decaído. Alguns seres, tal como Goethe, desenvolveram a faculdade [ou sentido] de reconhecer o todo divino na mais ínfima parcela de vida do Universo.
A Tradição é uma luta contra o império do Tempo, uma comunhão com o mistério da História.
Assim em Platão o conhecimento é reminiscência, e a história só pode conhecer-se enquanto existência interna graças à memória ontológica, graças a uma comunhão com o passado numa activa reminiscência. Por isso é necessário que eu conheça o passado como o meu próprio passado, como a pré-história do meu espírito e assim se integra no presente, como comunhão com o Logos, o saber inicial intemporal ou eterno.
Sendo a mudança evolutiva do mundo algo de secundário no mundo da objectivação,
 hoje nenhum instante tem valor ou plenitude em si mesmo, ninguém pode deter-se nele, pois é necessário que ele ceda o lugar o mais depressa possível ao instante que se lhe segue. Cada instante é apenas um meio para chegar ao instante seguinte.
Podemos dizer então que a veloci
dade gerada pela mecanização [e intensificada pelos meios de informação digitais actuais] é destruidora do eu, da sua unidade e concentração interior.
Este mundo mecanizado é obra do ser humano, mas o homem não se encontra nele. A integridade e a unidade do eu estão ligadas à integridade e unidade do presente indecomponível, do instante no seu valor pleno e o que tem como consequência ele deixar de ser um meio para o instante seguinte. [Vive-se plenamente no todo e no instante, do presente, e portanto numa consciência não egoísta, nem oportunista.]
São portanto os momentos de contemplação [ou unificação do sujeito e objecto], os que permitem mais a comunhão com a eternidade [ou a comunhão com a essência eterna ou divina dos seres].
Na sua obr
a Liberdade e escravidão acentuará o valor do instante vivido criativa e plenamente escrevendo: «A criatividade é a libertação em relação à escravatura. O ser humano é livre quando se encontra num estado de actividade criativa. A criatividade leva ao êxtase do instante. Os resultados ou produtos da criatividade estão dentro do tempo, mas o próprio acto criativo está fora do tempo.»
Nicolas Berdiaev refere ainda a ideia expressa por Karl Jaspers que, embora a existência pertença à eternidade, é o tempo que lhe confere um sentido, ou seja, modela ou conforma a alma, aperfeiçoa-a e, realçando a importante ideia da descontinuidade do tempo [ou seja a não linearidade do devir] alcançada pela física moderna, afirma que é a infinidade qualitativa que supera a morte ou mal do tempo e que apocalipse significa a revelação ou desvendação do que vamos descobrindo ou recebendo no decurso da realização da nossa personalidade, do nosso ser dialogante ou comungante [com a eternidade e a divindade].
Berdiaev neste seu pequeno ensaio intitulado O Mal e o Tempo tenta religar-nos à Eternidade, ao mundo indiviso ou não dual, o qual vivenciado integralmente num instante criativo do presente supera o tempo e a fragmentação do eu e da sua liberdade.

Para tal superação Nicolas Berdiaev acentua ser necessário uma concentração intensa de comunhão com o Logos, com o Amor-Inteligência Divino primordial, nomeadamente pela meditação ou contemplação forte, profunda e pura.


Possamos nós consegui-la interiormente ou em unificação com outros seres, pr
ocessos ou coisas.

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Uma poesia espiritual de Amor, arrancada hoje do por vezes fatal naufrágio de textos inéditos...

Escrita não há muito tempo e arrancada hoje do por vezes fatal naufrágio de textos inéditos...

Que poema te posso oferecer,
Sobre que folha e cor o escrever
Se és branca e rosada, azul e dourada
E mesmo pelo arco-íris és admirada?
 
Apenas posso abrir o coração,
trazer do mais íntimo à superfície
todos os anseios, sonhos e ideais,
e dos pés à cabeça deixar o Amor 
clamar por Deus, santo Amor.
 
Somos chamas ardentes,
serenas e calmas mas sorridentes
capazes de traçar e guiar
pelos labirintos da actualidade
as almas que nos demandarem.
 
Sobre a folha rosada, a caneta na mão,
o sangue do coração, o beijo da boca,
o sonho e aspiração da Unidade
derramam-se e esculpem-nos.
Saberemos nós atingir o pleno despertar,
o espírito em nós incarnar
e por fim a Divindade se desvendar?
 
Assim o creio, e quero, assim o escrevo.
Possamos brilhar nas vestes nupciais,
alquimia da sagração da Primavera,
com as aves e flores vibrando connosco
nesta comunhão panpsíquica
que nos leva até ao Arcanjo de Portugal
e se derrama sobre os portugueses
em laivos rosados de Amor,
tonalidades azuis de Sabedoria
e a Luz branca da Divindade.
Assim seja.
Amen. Om.
       Pedro a
De Bô Yin Râ....