domingo, 12 de junho de 2022

Soror Isabel de Jesus, clarissa lisboeta e o seu manuscrito inédito "Espelho de uma Alma Religiosa", de 1641.

 Tendo-me passado pelas mãos uma obrinha manuscrita encadernada e em bom estado,  que leva na lombada em pergaminho o título, provavelmente ao ser encadernado, Exercícios Espirituais, mas no frontispício os dizeres Espelho de uma Alma Religiosa, por Soror Isabel de Jesus, 1641, e não encontrando referência à autora nem à  obra, aproveitei a Fortuna para transcrever algumas páginas, e  oferecê-las às almas apreciadoras, devotas ou fiéis do Amor da Tradição Espiritual Portuguesa e Perene. 

Realçarei o seu amor universal, transparente na intencionalidade salvífica e de concórdia da obra bem como na extensão das pessoas a quem muito afectivamente oferece a sua escrita bela e espiritual, tingida aqui e acolá de particular devoção, qual a da sua matriarca Clara e seu patriarca  S. Francisco de Assis, ou a do seu Anjo da Guarda, tudo sussurando-nos que era mulher de oração espiritual, vocal e mental, tentando chegar ou vivendo já na oração contínua, tão valorizada por Erasmo  enquanto atenção interna amorosa, benéfica e sábia.

Provavelmente estaria consciente também da possível unificação do passado, presente e futuro que o amor espiritual permite e enche o coração de felicidade, e que ela na sua vida monástica, lembrando as amizades deixadas para trás, quem sabe sentindo esse pleno amor humano unitivo não encontrado ou assumido, consegue sublimar, sentir e realizar na comunhão com o seu mestre Jesus, no fundo a Divindade para ela manifestada, acessível enquanto seu mestre interior e ainda  na eucaristia da missa e que ela muito intimamente sente como comunhão no peito, certamente desejando sentir mais tal amor e unidade, como alguma místicas testemunharam biograficamente nas suas aspirações amorosas mais intensas, restando-lhe partilhar tal amor  em memória, redigindo e  deixando-nos estas páginas cheias de pathos, ou de sentimento fundamente vivido.


Começa ela assim numa  bela letra, o seu presente manuscrito em oitenta páginas e com as dimensões de11 x 8 cm, bem próprio de quem foi gerado do coração, junto a ele levado e projectado para a perenidade dos tempos humanos:

«Bendito e louvado e oferecido seja de mim
e de todas as criaturas o divino Sacramento.

E eu, Senhor meu, em nome de todas elas, e em meu nome vo-lo ofereço, em a união da vontade, amor e a afeição com que ele se vos ofereceu por sacrifício cruento em a Cruz, para honra e a glória vossa e devota à Santíssima Trindade em todas as Missas que são ditas e em todas as que se hão de dizer até o fim do mundo tantas milhares de vezes quantas são as contas numeráveis à vossa infinita Sabedoria, esta glória a vós quero sempre de contínuo estar dando, e vo-la ei por repetida, ainda que não advirta e me descuide todas as vezes que respirar, e em todas as minhas acções, e em cada letra das palavras que eu formar vocal ou mentalmente, acordada, ou dormindo ou ouvir falar, neste dia e em todos os demais de minha vida. Esta mesma oferta com todas as mesmas circunstâncias vos ofereço em remissão dos meus pecados. E a mesma em agradecimento das mercês que me tendes feito e das que me fazeis e da que me havei de fazer, assim das que conheço assim como das que ignoro. A mesma oferta vos ofereço pela necessidade de vossa Igreja. A mesma pelo Sumo Pontífice, e pela paz e concórdia dos Príncipes Cristãos e pelas necessidades deste Reino. Este mesmo presente do divino sacramento vos ofereço com todas as mesmas circunstâncias pelos que estão em pecado mortal, pela extirpação das heresias e pela conversão do gentios.
O mesmo pelas almas que estão no Purgatório, e em especial pela alma de meu pai e de meus avós, de meus irmãos, amigos e benfeitores e pela mais desamparada que nele está. Esta mesmo ofereço por N. N. N. N. e por todos os meus amigos e em especial N... e inimigos.
Peço à gloriosa Virgem nossa senhora que esta mesma hóstia ofereça para a gloria sua, e por minha intenção, e o mesmo peço a cada um dos cortesões celestiais, e em particular a cada um dos Querubins, Serafins, Tronos, Dominações, Virtudes. Potestades, Principados, Arcanjos e Anjos e em especial aos assistentes das vilas Celestes, aos guardas dos Reinos, províncias, Cidades, e de todos os particulares, e ao meu Anjo da Particular, e a S. Miguel, S. Gabriel, S. Rafael e ao santo do meu nome e a S. Vicente padroeiro desta cidade e a nossa madre Santa Clara e a nosso padre S. Francisco e a todo os santos da minha ordem e a santa Marta e a S. Isabel Rainha de Portugal. A S. João Baptista e aos santos patriarcas e profetas, a S. Pedro e a S. Paulo e S. João Evangelista, a cada um dos mais Apóstolos, e a cada um dos mártires. dos Pontífices, dos Confessores, e de S. Joseph e de S. Inácio, e S. Francisco Xavier, S. Boaventura, S. Bernardo, das Onze Mil Virgens e S. Leocádia, das virgens e dos mais santos da glória para que a ofereçam em meu nome e de todas as criaturas com as mesmas circunstâncias diante do divino tribunal.
Esta oferta que é muito aceitada se pode fazer vocal ou mentalmente em todo o tempo e em todo o lugar, principalmente quando se ouve a missa, e no tempo que se tomar para ser oração mental e quando se comungar.

Forma e modo para comungar espiritualmente.
Oração.

- Meu Senhor Jesus Cristo, posto que com tanto saber, misericórdia, e amor vos deixastes debaixo do Santíssimo Sacramento do altar para a saúde e vida das almas que dignamente vos recebem, peço-vos pela vossa sagrada paixão e pelos merecimentos de vossa Santíssima Mãe e de todos os Santos perdão de meus pecados dos quais me pesa muito, e não tornarei a cair neles só por serem contra a vossa vontade, e por vos dar honra, glória e louvor, e que laveis minha memória, entendimento, e vontade e coração, que nesta missa vos ofereço, de todas as imundices e afeições terrenas para que mereça ser Sacrário de Vosso Santíssimo corpo, e porque vos não posso receber quantas vezes desejo em meu peito corporalmente para vós ficardes em mim e eu em vós, de vós pelo menos fique em mim uma perpétua memória e em mim se veja a virtude de vossa paciência, obediência e amor. Amen.»
Anjo guiando o amor cego de uma alma religiosa, ou da nossa soror Isabel... Amor nela!
Sublinhei eu então as partes mais valiosas ou significativas, onde bem se espelha a ardência da sua alma em estar auto-consciente espiritualmente em todas as respirações (e talvez usasse algumas jculatória ou mantras com elas) e palavras escritas, ditas ou ouvidas, a sua vontade da maior adoração divina ou união divina a que seria susceptível, a aspiração a uma união maior com o seu mestre, a veneração e comunhão bem alargada com os espíritos celestiais das diversas hierarquias bem nomeadas, o seu corpo fremente de amor e de ser Graal ou sacrário da Divindade manifestada na Terra. Possivelmente saberia esta oração oferecimento de cor e poderá te-la ensinado a algumas outras clarissas. Hoje nos nossos dias tal já não será viável, mas fiquemos ao menos com algumas dessas linhas de força e de amor por ela sentidas e partilhadas, e avancemos mais em nós e no corpo místico da Humanidade no seu desejo de oração contínua e de unidade com o Amor, o Bem, a Divindade...


Seguem-se  duas orações de  Santa Matilde e S. Brízida, e outras ao nome de Maria e a vários passos da vida de Jesus. E por fim, de feitura ainda mais esmerada e até iluminada, cinco páginas de  breves antífonas a Nossa Senhora, ou seja, salmos e orações em latim a Maria, imagem humana da Divindade Feminina no cristianismo, e provavelmente as que ela empregaria mais como mantras, jaculatórias, concentrações para o seu amor ou aspiração, e que provavelmente saberia de cor. E nós, quantas orações e jaculatórias aprendemos e sabemos, usamos ou inventamos?
Possa o Sagrado e Divino Feminino inspirar mais os seres na via do amor, da sabedoria e da concórdia...
Possa o nosso peito e coração corporal espiritual, na comunhão com o corpo místico da Igreja,  particularmente com o coração e graal espiritual de  Soror Isabel de Jesus, a quem estamos bem gratos, sentir mais a Luz e o Amor da Divindade, e vivê-la e emaná-la para o bem da Humanidade e da Terra...

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