Transcrição da breve biografia de Wagner realizada pelo meu bisavô materno Higino Augusto Mascarenhas Costa Paulino, para a Gazeta Musical, ano 1, nº1, da qual foi o director literário:
«Leipzig, essa formosa cidade onde a ciência, a arte e o comércio disputam as primazias, esse berço perfumado que se ufana de haver possuído Leibnitz, o mais notável matemático do século XVII, Johann Albert Fabricius [1668-1736], o extraordinário exemplo de valor e interesse, Christian Thomasius [1655-1728], o filósofo por excelência, que educou o sublime Schiller [1759-1805] e o imortal Goethe, foi também a pátria de Ricardo Wagner, o afamado compositor que a Alemanha acaba de perder [13/2/1883].
A existência do autor da chamada música do futuro, foi, desde os primeiros passos, um inexplicável misto de dissabores e de triunfos, de prazeres e inquietações! Aqueles a quem o porvir reserva algum grau de celebridade têm, inevitavelmente, de aguardar com resignação dos pacientes, a suprema glória; está aí, na serenidade com que afrontam o suplício, a prova convincente do seu excepcional talento, da sua ilesa consciência!
Ricardo Wagner nasceu aos 22 de Maio de 1813, e, perdendo os seu pai, quando apenas completava cinco meses de idade, cedo se viu entregue às exigências de um padrasto, Luís Geyer. cenógrafo em um teatro da corte, que à viva força pretendeu coagi-lo a seguir o curso de pintura. Não logrou, porém, Geyser, realizar o seu intentos; a morte prematura arrebatou-o à vida, deixando o pequeno órfão, na idade de sete anos, quando a adolescência se lhe entreabria, a braços com as hesitações naturais em uma criança pobre, cuja vocação não tem uma estabilidade definitiva, nem sequer um alvo determinado.
Pode, livre de engano, afirmar-se que foi o Freischütz de [Carl Maria von ]Weber, que evidenciou as tendências de Wagner para a música. As impressões extraordinárias que esse sublime spartito [partitura] lhe produziu, descreve-as ele mais tarde, com um estilo e uma paixão pouco vulgares, em alguns curiosos apontamentos da sua mocidade. Beethoven, com a sua formosa Egmont, chamou-o definitivamente à carreira musical.
Data desde então a iniciadora série dos seus infortúnios na senda escolhida. parentes, amigos e conhecidos, todos em apostada resolução, pretendiam dissuadir o desventurado moço, demonstrando-lhe em premeditado exagero, a carência de elementos que pudessem torná-lo um músico razoável, quanto mais um artista prodigioso. Contrario a esse parecer foi Thomas Weinling, que desde logo observou no seu novel discípulo um talento precoce, uma esperança prometedora. Uma vez desvendados os segredos musicais, e então já mestre em contraponto, Wagner fez ouvir em 1833 algumas sonatas e polonaises de sua composição que foram acolhidas com geral aplauso.
Mas, o infortúnio lograva suplantar quaisquer momentos de alegria que no espírito do jovem artista se abrigassem, e por tal forma em 1834 as circunstâncias se lhe tornaram precárias, que resolveu partir para Würzburg a hospedar-se em casa de seu irmão Alberto, director de palco em um teatro, escrevendo nessa época a sua primeira ópera Die Feen, As Fadas.
Em 1836 passou a Magdeburgo, tendo então a felicidade, não sem acintosa acrimónia de grande parte dos seus colegas, de ver a representação da sua segunda obra, Amor proibido, que com bastante agrado mais tarde foi ouvida no Teatro Nacional de Riga.
Em Paris, não obstante as magníficas recomendações que Meyerbeer lhe concedeu, Wagner experimentou as maiores dores que a natureza humana é permitido suportar! A miséria atingindo as mais elevadas proporções, desapiedada caía sobre o desventurado compositor, obstruindo-lhe todos os atalhos que pudessem oferecer-lhe próspera guarida. O Rienzi permanecia imóvel no fundo de uma caixa, sem que alma protectora e compassiva se resolvesse a escutá-la. Quantas vezes o desditoso Wagner, entregue à solidão do seu modesto quarto, às torturas do seu prolongado abatimento, aos golpes da sua persistente miséria, deixaria o pender uma lágrima dolorida sobre essa partitura que, se não era já a afirmação de um grande génio, era, inquestionavelmente, o vaticínio a um astro brilhante que se despontava!
[Do regresso de Paris, em 1842, na sua auto-biografia confessará: «pela primeira vez vi o rio Reno - com lágrimas quentes nos meus olhos, e eu, artista pobre, jurei fidelidade eterna a minha pátria Alemã»]
A sagração que os franceses regatearam ao spartito do pobre maestro requisitou-a para si a cidade de Dresde, que possuíra na sua universidade como discípulo laureado o jovem autor da música do futuro. A entusiástica recepção ao Rienzi, foi enorme, e desde esse momento, Wagner, que suportara até então no mais cruciante silêncio, os golpes traiçoeiros e emboscados de uma inveja inqualificável, podia agora afirmar a grandeza do seu talento, nesse horizonte glorioso que se lhe entreabria, os vastos elementos, agora favoráveis às arrojadas concepções que germinavam do seu cérebro empreendedor!
Nomeado mestre da capela do rei da Saxónia, ao lado do célebre Reissiger, Wagner, dia a dia, experimentava novas e vantajosas metamorfoses na sua vida artística. O Holandês Voador, ópera cuja conclusão se dera havia anos, foi a segunda que o autor do Rienzi apresentou aos habitantes de Dresde, em um teatro confiado à sua disposição. Aí, Wagner fez escutar as composições da época, as mais difíceis e celebradas, sobressaindo as de Gluck [1714-1787], esse imortal autor do Alceste [https://www.youtube.com/watch?v=yF3cQkZkR2Y], que por tanto tempo divagou pelas regiões do sublime, espargindo por todo o mundo as preciosas centelhas da sua prodigiosa inspiração!
Foi por esse tempo em 1844 e 1845 que Ricardo Wagner terminou o Tannhäuser [cavaleiro-poeta medieval, que sentiu os encantos de Vénus e que sofrerá por isso], ópera esta que a maioria dos portugueses só conhece pela audição que de alguns trechos teve nos concertos de S. Carlos, Trindade e Circo sob a direcção de Madame Amann [proprietária da Gazeta Musical, e que será biografada num dos números da gazeta], Colonne, Barbieri e Brenner.
O Lohengrin, vasado sobre a lenda de Siegfried, foi a última produção do nosso biografado, antes das complicações políticas de 1848, que o obrigaram a emigrar para Zurique. De novo em Paris enviou a partitura do Lohengrin a Francisco Litzt, seu futuro sogro, achando este primores de tal ordem na composição do seu patriota, que foi para ele, desde então, um amigo sincero e devotado, sacrificando-se até ao excesso, afim de prestar a inteira justiça ao mérito do futuro maestro.
Foi nessa época que Wagner concluiu além do importante livro A Opera e o Drama, o poema do Anel de Nibelungo, cuja música terminou em 1870, não deixando nesse interregno, de dedicar-se a outros trabalhos de suma valia, como foram Tristão e Isolda e os Mestres Cantores de Nürnberg.
Estava fixada para essa época a prosperidade nas tentativas do sábio compositor. O jovem rei Luís da Baviera entusiasmado com a música do Holandês voando, chamou Wagner a Munique [em 1864] declarando-se-lhe o seu mais acérrimo defensor e amigo. O teatro desta cidade começou desde então a ser mencionado no mundo das artes como um modelo de magnificência no cenário, e de remuneração dos artistas, inevitável consequência da elevada engenho do maestro e da usual liberalidade do monarca. Em 1872 uma associação particular, à frente da qual se achava o opulento protector de Wagner, fez construir em Bayreuth um teatro [a pedra da fundação foi posta em 22 de Maio, e Wagner bateu três vezes nela com o simbólico martelo, clamando:«sê abençoada, ó minha pedra, ficarás firme e por muito tempo»], em condições excepcionais, onde pudesse ser executada debaixo de todos os requisitos, essa obra colossal que se intitula Der Ring des Nibelungen, e que encerra em si monumentos de arte, que o mundo inteiro mais tarde, há-de revestir da imortalidade que lhe compete. A abertura realizou-se a 13 de Agosto de 1876 [os arquitectos tinham sido Semper, Runckwitz e Bruckwäld], a concorrência e as ovações tornavam-se extraordinárias; Wagner via enfim desanuviar-se o horizonte glorioso que tantas vezes fantasiara na sua mente de artista.
Impressionado pelas obras de Spontini [Luigi Gaspare, 1774-1851], sobretudo no Fernando Cortez, cujo assunto fora fornecido pelo próprio Napoleão, Wagner deixou-se possuir um pouco, na sua carreira musical, da escola romântica, mas, compreendeu depois que esse trilho não lhe convinha, e tanto assim que adorando imenso o seu Rienzi o repudiou totalmente.
Sejam quais forem os defeitos que alguns críticos pretendem atribuir às produções do celebrado compositor, o que se torna para todos incontestável, é que Ricardo Wagner foi homem de enorme capacidade; a sua inspiração e o seu talento excepcionais, a sua eloquência elevada e concisa, o conhecimento profundo da sua arte, a íntima familiaridade com os detalhes técnicos, são acessórios avantajados para atestarem a verdade do que espendemos.
A sua escola, com quanto muito discutida nos principais centros de música, tem por toda a parte encontrado adeptos que, à força de um trabalho vigoroso, hercúleo, pretendem seguir as peugadas do grande mestre. Oxalá, possuídos do entusiasmo artístico que os domina, eles possam um dia, gloriando-se a si próprios, prestar as homenagens imorredoiras ao vulto que lhes apontou o verdadeiro caminho do belo, sacrificando dignidade, saúde, e vida no descobrimento de preceitos que arrancassem à monotonia dos processos antiquados, a sua arte que prometia, senão abater, pelo menos estacionar por longas eras.
A morte arrebatou em Veneza aos 13 de Fevereiro de 1883 esse génio que ainda não tinha atingido a meta das suas visões e dos seus triunfos. Um padecimento do coração prostrou para sempre esse homem que, beneficiando imensamente o mundo musical, ainda mais prometia, porque, não obstante, próximo aos setenta anos, Wagner dispunha do valor e do animo peculiares a um rapaz robusto, da clareza e sossego do homem moderado; olhava para o futuro com a persistência e a serenidade de quem possui diante de si um enorme espaço a percorrer.
Muito embora lhe fosse grandiosa [e no seu livro No Fado, de 1911, Paulo Osório, consagra um capítulo a Wagner e a Luís de Baviera:«Quem era tal moço rei, nostalgico e perdulário, e quem era Wagner quando, como num conto de fadas, lhe apereceu esseque le próprio havia de chamar - o seu "anjo da guarda"? E acrescenta mais adiante o júbilo de Wagner:"Eis aí um rei! Com esse homem poder-se-ia transfigurar o mundo!»] a protecção do rei da Baviera, de Wagner pode afoitamente assegurar-se que tudo deveu à fortaleza do seu ânimo, criando uma individualidade tão proeminente, que abalou, sem contestação, as plácidas e sonolentas regiões da arte musical. Não se esquivando à luta, a sua fértil imaginação, longe de esmorecer ante os insidiosos farpões de que era alvo permanente, mais se engrandecia no emprego das modernas tentativas, gloriosas ao seu país. gloriosas à arte.
Wagner foi o reformador do drama musical, e para conscientemente se descrever as impressões, o trabalho e o estudo empregados nessa monstruosa epopeia, seriam necessários volumes de extraordinárias dimensões, e a que o nosso jornal não pode atingir. Incansável na sua actividade, como poeta e compositor, até aos últimos momentos, nunca o abandonou a pena, e, dedicando-se desde a infância ao estudo da história antiga e mitologia pagã, a isso se deve que os poemas das suas operas fossem também produtos do seu talento superior. Dotado de génio e temperamento inquebrantável, abominava a atmosfera serena e monótona. O remanso e a trivialidade apenas lhe forneciam trechos banais e vulgares; na contínua luta de espírito, no renhido embate dos elementos e que a sua grandiosa inspiração encontrava os ecos apetecíveis.
Casado em segundas núpcias [em 1870, e desde 1862 separado da 1ª mulher Mime] com Cosima, filha [ilegítima] de Francisco Lizt , o célebre pianista que em Roma recebeu as ordens eclesiásticas vitima de desgostos familiares, e da Condessa d'Agout, notável escritora que tanto que deu que falar às crónicas mundanas, íntima amiga de Georges Sand, Ricardo Wagner apenas deixou [de Cosima, 24 anos mais nova que ele, e que já tivera uma filha Isolda dela] dois filhos, duas crianças ainda, Eva e Sigismundo. Hoje, a Alemanha lamenta com a mais acerba dor a perda desta criatura genial, que bem cedo desdenhou, para mais tarde circundar com a auréola da imortalidade.
Eis a nota exacta das óperas de Ricardo Wagner, e a época em que apareceram no mundo musical:
Die Feen e Des Liebesverbot, inutilizadas, Rienzi, em 1842, Fliegenden Holländer, em 1843; Tannhauser, em 1845; Lohengrin, em 1850, [sob a direcção de Franz Lizt]; Tristen und Isolde [a sua obra mais pioneira, escrita entre 1857 e 1859, aquando da sua paixão com Mathilde Wesendonck, e estreado em 1865]; Die Meistersinger von Nürnberg, [concebido desde 1845 e estreado em 1868]; Der Ring des Nibelungen, que se compõe do Rheingold, em 1869, do Die Walküre, em 1870, de Siegfried e de Gotterdammerung (O Crepúsculo dos Deuses], em 1877. [Entre nós, em 1909, Alfredo Pinto (Sacavém), deu à luz A Tetralogia de Ricardo Wagner. Notas-Análise dos Poemas]. O Parsifal, cantado em 1882, foi a sua última composição visto que se supõe não haver concluído o Die Buserin (A Penitente), ópera religiosa.
A memória de Ricardo Wagner tem, sem dúvida, de ser respeitada em toda a parte; como artista de um talento extraordinário e criador de uma escola puramente sua, não consagrou apenas à sua pátria estremecida, à Alemanha artística, as portentosas maravilhas do seu talento, doou-as mundo inteiro. que deve considerar esse vulto prodigioso que o túmulo nos encobre, como o profeta revolucionário que reagiu contra o poder esmagador dessas melopeias inesgotáveis, que prometiam a cada instante confundir em grotescos motivos de ópera, os preceitos sublimes que o inspirado Beethoven nos legou».
Gino.
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Ricardo Wagner nasceu aos 22 de Maio de 1813, e, perdendo os seu pai, quando apenas completava cinco meses de idade, cedo se viu entregue às exigências de um padrasto, Luís Geyer. cenógrafo em um teatro da corte, que à viva força pretendeu coagi-lo a seguir o curso de pintura. Não logrou, porém, Geyser, realizar o seu intentos; a morte prematura arrebatou-o à vida, deixando o pequeno órfão, na idade de sete anos, quando a adolescência se lhe entreabria, a braços com as hesitações naturais em uma criança pobre, cuja vocação não tem uma estabilidade definitiva, nem sequer um alvo determinado.
Pode, livre de engano, afirmar-se que foi o Freischütz de [Carl Maria von ]Weber, que evidenciou as tendências de Wagner para a música. As impressões extraordinárias que esse sublime spartito [partitura] lhe produziu, descreve-as ele mais tarde, com um estilo e uma paixão pouco vulgares, em alguns curiosos apontamentos da sua mocidade. Beethoven, com a sua formosa Egmont, chamou-o definitivamente à carreira musical.
Data desde então a iniciadora série dos seus infortúnios na senda escolhida. parentes, amigos e conhecidos, todos em apostada resolução, pretendiam dissuadir o desventurado moço, demonstrando-lhe em premeditado exagero, a carência de elementos que pudessem torná-lo um músico razoável, quanto mais um artista prodigioso. Contrario a esse parecer foi Thomas Weinling, que desde logo observou no seu novel discípulo um talento precoce, uma esperança prometedora. Uma vez desvendados os segredos musicais, e então já mestre em contraponto, Wagner fez ouvir em 1833 algumas sonatas e polonaises de sua composição que foram acolhidas com geral aplauso.
Mas, o infortúnio lograva suplantar quaisquer momentos de alegria que no espírito do jovem artista se abrigassem, e por tal forma em 1834 as circunstâncias se lhe tornaram precárias, que resolveu partir para Würzburg a hospedar-se em casa de seu irmão Alberto, director de palco em um teatro, escrevendo nessa época a sua primeira ópera Die Feen, As Fadas.
Em 1836 passou a Magdeburgo, tendo então a felicidade, não sem acintosa acrimónia de grande parte dos seus colegas, de ver a representação da sua segunda obra, Amor proibido, que com bastante agrado mais tarde foi ouvida no Teatro Nacional de Riga.
Em Paris, não obstante as magníficas recomendações que Meyerbeer lhe concedeu, Wagner experimentou as maiores dores que a natureza humana é permitido suportar! A miséria atingindo as mais elevadas proporções, desapiedada caía sobre o desventurado compositor, obstruindo-lhe todos os atalhos que pudessem oferecer-lhe próspera guarida. O Rienzi permanecia imóvel no fundo de uma caixa, sem que alma protectora e compassiva se resolvesse a escutá-la. Quantas vezes o desditoso Wagner, entregue à solidão do seu modesto quarto, às torturas do seu prolongado abatimento, aos golpes da sua persistente miséria, deixaria o pender uma lágrima dolorida sobre essa partitura que, se não era já a afirmação de um grande génio, era, inquestionavelmente, o vaticínio a um astro brilhante que se despontava!
[Do regresso de Paris, em 1842, na sua auto-biografia confessará: «pela primeira vez vi o rio Reno - com lágrimas quentes nos meus olhos, e eu, artista pobre, jurei fidelidade eterna a minha pátria Alemã»]
A sagração que os franceses regatearam ao spartito do pobre maestro requisitou-a para si a cidade de Dresde, que possuíra na sua universidade como discípulo laureado o jovem autor da música do futuro. A entusiástica recepção ao Rienzi, foi enorme, e desde esse momento, Wagner, que suportara até então no mais cruciante silêncio, os golpes traiçoeiros e emboscados de uma inveja inqualificável, podia agora afirmar a grandeza do seu talento, nesse horizonte glorioso que se lhe entreabria, os vastos elementos, agora favoráveis às arrojadas concepções que germinavam do seu cérebro empreendedor!
Nomeado mestre da capela do rei da Saxónia, ao lado do célebre Reissiger, Wagner, dia a dia, experimentava novas e vantajosas metamorfoses na sua vida artística. O Holandês Voador, ópera cuja conclusão se dera havia anos, foi a segunda que o autor do Rienzi apresentou aos habitantes de Dresde, em um teatro confiado à sua disposição. Aí, Wagner fez escutar as composições da época, as mais difíceis e celebradas, sobressaindo as de Gluck [1714-1787], esse imortal autor do Alceste [https://www.youtube.com/watch?v=yF3cQkZkR2Y], que por tanto tempo divagou pelas regiões do sublime, espargindo por todo o mundo as preciosas centelhas da sua prodigiosa inspiração!
Foi por esse tempo em 1844 e 1845 que Ricardo Wagner terminou o Tannhäuser [cavaleiro-poeta medieval, que sentiu os encantos de Vénus e que sofrerá por isso], ópera esta que a maioria dos portugueses só conhece pela audição que de alguns trechos teve nos concertos de S. Carlos, Trindade e Circo sob a direcção de Madame Amann [proprietária da Gazeta Musical, e que será biografada num dos números da gazeta], Colonne, Barbieri e Brenner.
O Lohengrin, vasado sobre a lenda de Siegfried, foi a última produção do nosso biografado, antes das complicações políticas de 1848, que o obrigaram a emigrar para Zurique. De novo em Paris enviou a partitura do Lohengrin a Francisco Litzt, seu futuro sogro, achando este primores de tal ordem na composição do seu patriota, que foi para ele, desde então, um amigo sincero e devotado, sacrificando-se até ao excesso, afim de prestar a inteira justiça ao mérito do futuro maestro.
Foi nessa época que Wagner concluiu além do importante livro A Opera e o Drama, o poema do Anel de Nibelungo, cuja música terminou em 1870, não deixando nesse interregno, de dedicar-se a outros trabalhos de suma valia, como foram Tristão e Isolda e os Mestres Cantores de Nürnberg.
Estava fixada para essa época a prosperidade nas tentativas do sábio compositor. O jovem rei Luís da Baviera entusiasmado com a música do Holandês voando, chamou Wagner a Munique [em 1864] declarando-se-lhe o seu mais acérrimo defensor e amigo. O teatro desta cidade começou desde então a ser mencionado no mundo das artes como um modelo de magnificência no cenário, e de remuneração dos artistas, inevitável consequência da elevada engenho do maestro e da usual liberalidade do monarca. Em 1872 uma associação particular, à frente da qual se achava o opulento protector de Wagner, fez construir em Bayreuth um teatro [a pedra da fundação foi posta em 22 de Maio, e Wagner bateu três vezes nela com o simbólico martelo, clamando:«sê abençoada, ó minha pedra, ficarás firme e por muito tempo»], em condições excepcionais, onde pudesse ser executada debaixo de todos os requisitos, essa obra colossal que se intitula Der Ring des Nibelungen, e que encerra em si monumentos de arte, que o mundo inteiro mais tarde, há-de revestir da imortalidade que lhe compete. A abertura realizou-se a 13 de Agosto de 1876 [os arquitectos tinham sido Semper, Runckwitz e Bruckwäld], a concorrência e as ovações tornavam-se extraordinárias; Wagner via enfim desanuviar-se o horizonte glorioso que tantas vezes fantasiara na sua mente de artista.
Impressionado pelas obras de Spontini [Luigi Gaspare, 1774-1851], sobretudo no Fernando Cortez, cujo assunto fora fornecido pelo próprio Napoleão, Wagner deixou-se possuir um pouco, na sua carreira musical, da escola romântica, mas, compreendeu depois que esse trilho não lhe convinha, e tanto assim que adorando imenso o seu Rienzi o repudiou totalmente.
Sejam quais forem os defeitos que alguns críticos pretendem atribuir às produções do celebrado compositor, o que se torna para todos incontestável, é que Ricardo Wagner foi homem de enorme capacidade; a sua inspiração e o seu talento excepcionais, a sua eloquência elevada e concisa, o conhecimento profundo da sua arte, a íntima familiaridade com os detalhes técnicos, são acessórios avantajados para atestarem a verdade do que espendemos.
A sua escola, com quanto muito discutida nos principais centros de música, tem por toda a parte encontrado adeptos que, à força de um trabalho vigoroso, hercúleo, pretendem seguir as peugadas do grande mestre. Oxalá, possuídos do entusiasmo artístico que os domina, eles possam um dia, gloriando-se a si próprios, prestar as homenagens imorredoiras ao vulto que lhes apontou o verdadeiro caminho do belo, sacrificando dignidade, saúde, e vida no descobrimento de preceitos que arrancassem à monotonia dos processos antiquados, a sua arte que prometia, senão abater, pelo menos estacionar por longas eras.
A morte arrebatou em Veneza aos 13 de Fevereiro de 1883 esse génio que ainda não tinha atingido a meta das suas visões e dos seus triunfos. Um padecimento do coração prostrou para sempre esse homem que, beneficiando imensamente o mundo musical, ainda mais prometia, porque, não obstante, próximo aos setenta anos, Wagner dispunha do valor e do animo peculiares a um rapaz robusto, da clareza e sossego do homem moderado; olhava para o futuro com a persistência e a serenidade de quem possui diante de si um enorme espaço a percorrer.
Muito embora lhe fosse grandiosa [e no seu livro No Fado, de 1911, Paulo Osório, consagra um capítulo a Wagner e a Luís de Baviera:«Quem era tal moço rei, nostalgico e perdulário, e quem era Wagner quando, como num conto de fadas, lhe apereceu esseque le próprio havia de chamar - o seu "anjo da guarda"? E acrescenta mais adiante o júbilo de Wagner:"Eis aí um rei! Com esse homem poder-se-ia transfigurar o mundo!»] a protecção do rei da Baviera, de Wagner pode afoitamente assegurar-se que tudo deveu à fortaleza do seu ânimo, criando uma individualidade tão proeminente, que abalou, sem contestação, as plácidas e sonolentas regiões da arte musical. Não se esquivando à luta, a sua fértil imaginação, longe de esmorecer ante os insidiosos farpões de que era alvo permanente, mais se engrandecia no emprego das modernas tentativas, gloriosas ao seu país. gloriosas à arte.
Wagner foi o reformador do drama musical, e para conscientemente se descrever as impressões, o trabalho e o estudo empregados nessa monstruosa epopeia, seriam necessários volumes de extraordinárias dimensões, e a que o nosso jornal não pode atingir. Incansável na sua actividade, como poeta e compositor, até aos últimos momentos, nunca o abandonou a pena, e, dedicando-se desde a infância ao estudo da história antiga e mitologia pagã, a isso se deve que os poemas das suas operas fossem também produtos do seu talento superior. Dotado de génio e temperamento inquebrantável, abominava a atmosfera serena e monótona. O remanso e a trivialidade apenas lhe forneciam trechos banais e vulgares; na contínua luta de espírito, no renhido embate dos elementos e que a sua grandiosa inspiração encontrava os ecos apetecíveis.
Casado em segundas núpcias [em 1870, e desde 1862 separado da 1ª mulher Mime] com Cosima, filha [ilegítima] de Francisco Lizt , o célebre pianista que em Roma recebeu as ordens eclesiásticas vitima de desgostos familiares, e da Condessa d'Agout, notável escritora que tanto que deu que falar às crónicas mundanas, íntima amiga de Georges Sand, Ricardo Wagner apenas deixou [de Cosima, 24 anos mais nova que ele, e que já tivera uma filha Isolda dela] dois filhos, duas crianças ainda, Eva e Sigismundo. Hoje, a Alemanha lamenta com a mais acerba dor a perda desta criatura genial, que bem cedo desdenhou, para mais tarde circundar com a auréola da imortalidade.
Eis a nota exacta das óperas de Ricardo Wagner, e a época em que apareceram no mundo musical:
Die Feen e Des Liebesverbot, inutilizadas, Rienzi, em 1842, Fliegenden Holländer, em 1843; Tannhauser, em 1845; Lohengrin, em 1850, [sob a direcção de Franz Lizt]; Tristen und Isolde [a sua obra mais pioneira, escrita entre 1857 e 1859, aquando da sua paixão com Mathilde Wesendonck, e estreado em 1865]; Die Meistersinger von Nürnberg, [concebido desde 1845 e estreado em 1868]; Der Ring des Nibelungen, que se compõe do Rheingold, em 1869, do Die Walküre, em 1870, de Siegfried e de Gotterdammerung (O Crepúsculo dos Deuses], em 1877. [Entre nós, em 1909, Alfredo Pinto (Sacavém), deu à luz A Tetralogia de Ricardo Wagner. Notas-Análise dos Poemas]. O Parsifal, cantado em 1882, foi a sua última composição visto que se supõe não haver concluído o Die Buserin (A Penitente), ópera religiosa.
Mathilde Wesendonck |
Gino.
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Segue-se uma versão do Parsifal, tal como o Anel do Nibelungo e os Mestres cantores de Nuremberg, das óperas que mais contém a sua sabedoria espiritual de um caminho iniciático universal, através e para a plenitude do Amor corajoso, sábio e fraterno:
4 comentários:
Arte sublime...
Verdade! Graças pelo comentário e boas inspirações!
Estive em Bayreuth em 1976, para o centenário de Parsifal e foi entusiasmante.
Bom. O Higino também deveria ter gostado de ir,e assistir, mas não sabemos se fez alguma viagem europeia.
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