segunda-feira, 15 de abril de 2019

Os mistérios do Espírito: Manuel Lopes, pioneiro espírita, ocultista, tolstoiano e dos direitos dos animais, nos começos do séc. XX.

Manuel Lopes foi nas primeiras décadas do séc. XX um investigador espiritualista e espírita, autor de livros e revistas onde travou a sua cruzada pelo que sentia ser a luz e o bem, tentando despertar mais seres para caminho do conhecimento e da verdade libertadoras. 
                                    
Provavelmente um auto-didacta, desperto aos 30 anos, quando encontrou num banco de um jardim o livro Verdades eternas, ou a Luz dissipando as trevas, e logo adoptando o lema trabalhar, sofrer e amar, tanto se entregou a muitas leituras, citando as doutrinas elevadas da «teosofia, metafísica e psicologia», e dezenas de autores (tais como Warsen, Paul Hormet, Allan Kardec, Henrique Antão de Vasconcelos e Amílcar de Sousa), como se dedicou a boas acções, reflexões, meditações e práticas de espiritismo.
Colaborou em revistas, tais como o Zoophilo, de 1901 a 1915 (como pioneiro da defesa dos direitos dos animais), nas Leituras Cristãs, de 1915 a 1917. Entre 1905 e 1908 publicou a revista Aurora do Porvir, editada por Cândido Chaves, da qual saíram pelo menos uns 26 números. Em 1912, o livro A Loucura Humana. Em 1917 as Considerações Philosophicas. Em 1918, Como devemos respirar e viver, que não conhecemos.  Em 1921  o Oráculo do século XX, um in-4º de 128 p., onde mescla poesias, notícias (comentadas por vezes conservadoramente) e ensaios (de valor oscilante) sobre o amor, a energia cósmica, os espíritos, a evolução, a Divindade, com uma boa introdução onde recomenda a "respiração meditativa yoghi": «colocai o corpo numa posição inclinada e sem tensão muscular./ Respirai ritmicamente e meditai no eu real, pensando que sois uma entidade independente do corpo, embora o possuais, e que podeis deixá-lo à vontade./ Pensai que sois não um corpo, mas um espírito e que o vosso corpo é apenas um invólucro útil e necessário mas não uma parte do eu real (...) perseverando-se nela, em breve comunica, ao mesmo tempo, uma percepção surpreendente da realidade da alma...». Apresentamos a imagem da contracapa:

No  ano de 1923 deu à luz o Collar de Perolas e depois os Mistérios do Silêncio, onde se desculpa «reputamos uma obra prima pelos ensinamentos que contém; e se a não ofereceramos à Academia das Ciências, foi por julgarmos inferior o papel em que os Editores a publicaram»
Nesse livro (que em 1926, estando esgotado, nos diz que se podia consultar no Largo do Rato), Manuel Lopes atacou com força as doutrinas evolucionistas de Darwin, que há mais de trinta anos considerava incorrectas, recusando-se a aceitar a apologia do ser humano que já fora macacão, conforme alardeara numa palestra o positivista Agostinho Fortes.
                                        
Em 1 de Outubro de 1925, aos 72 anos, «já no outono da Vida», publicou o seu mais importante livro Mystérios de Além Tumulo, A Evolução do Espírito, «o Livro publicado até hoje, que melhor nos fala das verdades eternas, ao alcance de todas as inteligências», com várias páginas e ideias a merecerem a nossa atenção e que comentaremos brevemente:
pensa que «os espíritos maus, antes que tenham atingido a suprema perfeição  para que tudo caminha, têm que reincarnar muitas vezes durante séculos e séculos, até que, purificados pela dor, pela caridade, pela bondade e pelo amor Eterno possam entrar na bem-aventurança para sempre»
Comentário: Esta expressão seria questionável se  a bem-aventurança fosse um dolce far niente, mas já não se entendermos que a nossa essência espiritual é beatitude, bem-aventurança e que à medida que conseguimos vencer as provações e cumprindo os nossos deveres, vamos religando-nos mais espiritualmente, e sentindo mais na consciência.
E continua: «Os espíritos bons não reincarnam mais. Têm por missão aconselhar os maus e trazê-los ao caminho da verdade, constituindo-se assim uns vigias invisíveis ou Anjos da Guarda. Outros de mais elevada hierarquia são os mensageiros de Deus, transmitindo as suas ordens a todo o Universo. De modo que espírito nenhum está ocioso no seio da eternidade». 
Comentário: Esta visão de transmissão de ordens parece ser um intervencionismo divino demasiado dependente das concepções bíblicas, e pouco de acordo com o prevalente livre-arbítrio que rege a evolução humana.
Numa proximidade com Antero de Quental (e seria interessante se sabermos se ele conheceu Ângelo Sárrea de Sousa Prado, dado às ciências ocultas e  mencionado por Antero) valoriza muito a voz da consciência, o dever, a missão de cada um considerando que à medida que sabemos mais a consciência desenvolve-se e com ela a responsabilidade e que é na realização da vontade do bem ou Divina que sentimos tanto a força para as provações como a alegria, ao estarmos a trabalhar pela lei do Amor.
Manuel Lopes admirava Victor Hugo e cita várias páginas de suas obras, algumas com valor, tal como uma descrição de uma nuvem, ou ainda a ideia «que nós nos vamos depondo a nós próprios nos objectos que nos rodeiam! Nós julgamo-los inanimados e no entanto eles vivem, vivem a vida misteriosa que nós lhes damos» E um dia voltamos a ver tais objectos e «eles restituem-nos o nosso passado». Teremos aqui uma certa explicação do poder mágico, magnético, dos objectos, das relíquias, etc.

Como defensor dos direitos dos animais e pioneiro do PAN criticou a insensibilidade da multidão visitante do Jardim Zoológico «indiferente diante de milhares de pobres seres, ali encerrados por culpa do homem, em antros de tortura, saudosos da pátria e da liberdade perdidas, sem se lembrar que tudo isso representa uma imensa dor perante Deus, talvez esquecido por toda essa multidão de seres humanos»
Já da sua autoria, e fruto «de muitos anos de aturadas experiências» diz bem que «a meditação é a essência de que se alimenta a alma humana, engrandecendo-a, elevando-a até aos paramos ideais da perfeição suprema (...) O Amor é a força dominadora do Universo! A origem da criação infinita (...) O Espírito não é um ponto, uma abstracção, mas um ser limitado e circunscrito, ao qual falta ser visível palpável para se parecer com os seres humanos».
No ano seguinte, 1926, fundou uma revista A Aurora, revista literaria e instrutiva. da qual saíram apenas três números no mesmo ano. No número 1º, Manuel Lopes foi passando em revista e comentando algumas notícias nacionais e internacionais mais relacionadas com o espiritismo ou as pesquisas de conhecimento psico-espiritual preservando algumas valiosas ainda hoje, e expondo as suas concepções sobre os mistérios da existência.
Em alguns aspectos parece evidente que Manuel Lopes errou, tais como quando aí escreve: podemos afirmar que a estrela Marte é um mundo habitado como a terra, bem como todos os mais planetas (conhecidos e desconhecidos) do sistema solar, e que as humanidades que neles vivem, são mais perfeitas do que a que existe no globo terráqueo.
E quando se interroga sobre tais conhecimentos as respostas não são muito clara
s:«Quem nos transmite estas verdades indestrutíveis?...
Quem nos esclarece as dúvidas que as ciências não sabem explicar?
Os mensageiros celestes, encarregados de transmitirem às humanidades que povoam os mundos disseminados pelo infinito, à ordem e ensinamentos da verdade absoluta, princípio fundamental da existência eterna do universo - Deus.»
Também confiou demasiado no Cristianismo, ainda que aqui e acolá critique certos aspectos ou distorções da sua doutrina.
Noutros passos parece escrever a partir de visões acertadas e aquela em que ele mais insiste ainda hoje bruxuleia por entre as doutrinas do Cosmos espiritual:
«Ensinarão as suas doutrinas que as correntes fluídicas que se cruzam em todas as direcções do infinito, existe um princípio Eterno em contacto com todos os movimentos cósmicos, cuja essência, oculta no mistério das coisas, é origem de vida e alimenta, pela absorção de Éter, todos os seres orgânicos da criação?»
E termina o 1º número da revista com parte (oito páginas) de um texto escrito em 1918  - ano no qual noticia as conferências de ocultismo no Instituto Eternista (hoje totalmente ignorado), dos doutores Martins Velho, Carneiro de Moura e João Antunes - em plena 1ª grande Guerra, quando sentindo que a humanidade ignorante e violenta estava tão presa como antigamente nas trevas da estupidez, e onde faz extensa revisitação resumida do Antigo Testamento, com todas as barbaridades e violências criminosas que enchem as suas páginas, desde a mítica criação de Adão e Eva, até aos crimes de Josué quando manda passar a fio de espada milhares de seres sem olhar ao sexo ou à idade, ou ainda Juda e Simeão quando matam 10 mil cananeus, etc., etc.
Terá Manuel Lopes lido Tolstoi e nomeadamente a sua magistral caracterização do Antigo Testamento, publicado entre nós, em 1901, sob o título Apelo ao Clero?
Sim, pois no O Oráculo do Século XX encontramos (já escrito este texto) uma bela e forte apreciação dele: «Leão Tolstoi, esse pensador que mais se aproximara de Cristo nos tempos modernos, quando o filho se apresenta dizendo-lhe: que acabara de ser formado em cinco faculdades, disse-lhe:"agora pega numa vassoura e vai varrer a escada"/ Eis a importância que têem as ciências humanas perante a ciência do céu».
 Bem possível, mas os frutos destes valiosos discernimentos continuam utópicos no século XXI, pois  infelizmente o materialismo e imperialismo predador dos Estados Unidos da América e dos seus coligados tem continuado a dizimar muita gente e a diminuir a evolução cultural e espiritual das pessoas,  forçadas a uma luta pela sobrevivência demasiado absorvente e desgastante.

Oiçamos para finalizar alguns ângulos de visão de Manuel Lopes, extraídos dos Mystérios do AlémTumulo, a Evolução do Espírito.
«Os Espíritos apreciam as  coisas do mesmo modo que nós: sendo Espíritos vulgares seguem as nossas pisadas, isto é, vêem como nós; porém os espíritos superiores apreciam tudo no seu justo valor».
«Convém rezar pelos finados; se são bons eles nos agradecem a lembrança, se são maus, alivia-lhes um pouco os seus sofrimentos em ver que alguém se interessa por eles, e os incita ao arrependimento./Quando rezamos aos Espíritos bons, não se deve confundir a adoração Divina com a suplica que muitas vezes dirigimos aos Espíritos bons, para que nos valham em certas ocasiões; porque ele nos estendem a sua influência benéfica, quando dela precisamos e os chamamos.»
«Os sacrifícios que nos exige a Divindade, são os de subjugarmos as nossas paixões.»
«O que dá ao ser humano o sentimento de uma vida futura, é a lembrança vaga do que ele sabia do estado espiritual antes de incarnar. As penas e os gozos depois da morte, são infinitamente mais fortes do que na terra. O Espírito livre da matéria é por isso mesmo mais impressionável. A felicidade dos espíritos consiste no conhecimento de todas as coisas, na falta das paixões que fazem a desgraça da humanidade, no desejo de adiantar-se em perfeição, o que excita neles um doce estímulo.»
No apêndice final, noticia o Congresso Espírita Internacional realizado em Paris, Setembro de 1925, e como o seu presidente o famoso escritor Sir«Conan Doyle, declarou que a palavra "espiritismo" deve ser substituída por "angelismo", visto que quando procuramos os Anjos eles surgem - surgem porque somos dignos de os vermos. A visão, a conquista do "Anjo" é essencial para o nosso culto, diz ele...
E assim terminamos esta breve evocação de um pioneiro do conhecimento subtil, anímico e espiritual, Manuel Lopes, um elo da Tradição Espiritual Portuguesa, que abordou muitos aspectos da Vida que ainda ignoramos substancialmente...
Possam os espíritos luminosos e os Anjos inspirarem-nos...

Sem comentários: