terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Os "Sonetos" de Antero Quental, na edição de 1881, de Joaquim de Araújo. 1ª parte.

Nos primeiros dias de 1881 saía à luz na cidade do Porto, uma pequena edição de Sonetos de Antero de Quental, na Biblioteca da Renascença, por seu amigo e poeta Joaquim de Araújo (Penafiel, 1858-1917, Sintra). Um in-8º de 36 páginas, composto na Imprensa Portugueza e contendo 28 sonetos.
A génese da obra deduz-se da correspondência entre Joaquim de Araújo e Antero de Quental nos meses que antecedem a publicação, Joaquim de Araújo vivendo no Porto e Antero de Quental em Lisboa, na rua da Fé, coligindo o Tesouro Poético da Infância, que só virá porém à luz em 1883 e contendo o seu belo poema As Fadas, que já foi tema de um nosso artigo.
                                 
(Fotografámos o exemplar que foi do distinto bibliófilo, tradutor e historiador Dr. Fernandes Tomás.)
Assim, nos primeiros dias de Outubro de 1880, Antero de Quental, numa noite mal dormida, redige e envia a Joaquim de Araújo o soneto Ignotus, e no qual quem busca o espírito ignoto acaba por receber dele a desconcertante ou interpelante resposta: - "Também eu ando à busca de mim mesmo"... 
Mas será numa carta de meados do mês de Outubro, depois de agradecer os poemas enviados por Joaquim de Araújo para a projectada antologia infantil, ou tesouro poético, e dizer-lhe: «Os versinhos que me mandou são encantadores. É pena que sejam tão tristes e funéreos de assunto. Num livrinho para a infância, que é como quem diz para a alegria descuidosa, convém fugir daquele tom», que Antero refere pela primeira vez o projecto editorial: «Quanto aos meus Sonetos, eu cuidei que Você os publicava sem o menor sacrifício, com os lucros da [revista] Renascença e como brinde aos assinantes da mesma. Diz-me você agora que os destina à venda, ao público, na esperança de reaver o dinheiro que já lhe custa a composição. Neste caso, eu antes lhe daria o conselho que não fizesse tal publicação, que só pode fazer-lhe perder mais dinheiro ainda. Você é muito criança [Joaquim contava com 22 anos] e literato, e na candura destes dois caracteres, imagina que o pública se importa com os sonetos e que vai devorar a edição dum folheto de versos que ele não compreende. É uma ilusão. O folheto ficará sem venda, e Você perderá o seu dinheiro, coisa que eu não posso consentir. Assim pois, desista de tal publicação, que é o partido mais prudente. Não cuide que está obrigado para comigo a fazê-la. Nem por sombras...»
Será a 28 de Outubro de 1880, após a resposta esclarecedora de Joaquim Araújo, da qual não temos registo, que Antero confirma a adesão ao projecto: «Vamos aos Sonetos. Em vista das explicações que me dá, quanto aos elementos financeiros da publicação já nada tenho a objectar. Agora o que desejo é que o livrinho, além de ter na capa «edição da Renascença» leve dentro a Advertência que envio. A razão desta exigência é a seguinte: Eu não publico coisa alguma vai em 8 anos. Depois de tal silêncio, aparecer agora com um folheto de 28 Sonetos é ridículo, e, com efeito, eu não faria tal publicação. Mas deixa de o ser no momento em que não sou eu que o faço essa publicação, em que não é minha a iniciativa. É o que porão a claro a Advertência dos editores e a inscrição na capa. De resto, autorizo-o a modificar a redacção da Advertência, se, como está, não lhe parecer bem nalguma coisa. »
Em seguida dá algumas indicações de dedicatórias, corrige erros de provas e escreve: «Aí vai a lista completa [sonetos], segundo a definitiva ordem que adopto. Ponha os que faltam nos lugares competentes». A 3 de Novembro ainda escreve a Joaquim de Araújo: «Deve ter recebido uma carta minha e juntamente as provas. Foi tudo no mesmo correio. Não posso passar sem ver ainda uma última prova»
                                      
E a obra sairia nos primeiros dias de 1881, conforme está assinalado na capa, embora o frontispício indique 1880. No fim do livrinho a programada Advertência tornara-se uma Nota, assinada pela Redacção da Renascença, ou seja o jovem de Penafiel Joaquim de Araújo, na qual se explica que provindo de colaborações dos jornais Harpa e Renascença e de outras dispersos por várias publicações « (...) pondo desta forma ao alcance dos apreciadores a série completa dos Sonetos filosóficos até hoje produzidos pelo grande poeta das Odes Modernas, depois da aparição da segunda edição deste livro.» A primeira, e a segunda edição muito remodelada das idealistas e revolucionárias Odes Modernas, tinham sido dadas aos adeptos em 1865 e 1875.
                    
Numa carta não datada de Janeiro a Joaquim de Araújo, Antero confessará o seu agrado estético e anímico: «A edição dos Sonetos pareceu-nos muito bem e o melhor possível. Elegante e fina sem pretensão. Digo nós, porque foi esta também a opinião do João [de Deus] a quem mandei um exemplar. Creio que precisarei, ao todo, de uns 40 exemplares, para oferecer a várias pessoas.»
E como os ofereceria ou apresentava aos amigos ou conhecidos, perguntaremos? 
Vejamos um: A Gabriel Pereira, arqueólogo e etnógrafo, escreve já a 20 de Março: «Tomo a liberdade de enviar a V. Ex.ª um exemplar do volumezinho de Sonetos meus, que um amigo se lembrou de editar. É um poesia lúgubre e fantástica, que se ressente talvez demasiado das preocupações e sentimentos habituais do autor, para poder agradar a quem olhar a vida por outro prisma menos escuro».
                       
Ora eu, neste ano de 2018, depois de uma leitura rápida da obra num dos bancos do jardim da Estrela, e de ter dado uma volta pelo mesmo, alimentando até os patos, resolvi ao findar do dia comentar resumidamente os sonetos, gravando um vídeo de 23 minutos que vai até ao soneto Consulta.
                               
Eis a lista dos sonetos: Homo, Disputa em Família (2 sonetos), Mors-Amor, à Virgem Santíssima, Elogio da Morte (6), Divina Comédia, No Turbilhão, Quia aeternus ([Paciente] porque eterno), Mors Liberatrix (Morte Libertadora), O Inconsciente, Consulta. E foram os comentados brevemente neste 1º vídeo. No próximo, os restantes: Espiritualismo (2), Anima Mea, Estoicismo, O Convertido, Sepultura Romântica, Logos, Ignotus, No Circo, Nirvana, Transcendentalismo. 
Anote-se que já partilhei num breve artigo (para a página Antero de Quental, escritor, no Facebook), a forte crítica de Teófilo Braga à pessoa e poesia de Antero, exarada na revista Era Nova, nº 7, 1881, desconhecendo-se a reacção de Antero, não só pessoalmente como ideologicamente. Contudo ele não deve ter sido apanhado desprevenido pois uns meses antes numa carta a Oliveira Martins já considerara quão torcido era Teófilo de Braga. Não obstante, na crítica à  "voluptuosidade da morte" tinha alguma razão Teófilo, aliás até confirmada por Antero ao classificar a sua poesia como algo "lúgubre" na carta a Gabriel Pereira.
Nesse sentido auto-crítico e evolutivo da alma e da poesia sabemos que o retiro em Vila de Conde, que se inicia poucos meses depois do livro, em finais de Agosto, vai-lhe permitir aprofundar até onde pode os seus anseios filosóficos de psicodinamismo que unifique a imanência e a transcendência do Ser, sendo valioso destacarmos nestes sonetos publicados as linhas de força que já fermentavam nele, embora ainda longe da acção harmonizadora ou inspiradora do grande Oceano e das duas crianças de Germano Meireles adoptadas a quem tanto se afeiçoou...
                         
A evolução espiritual de Antero, nas suas fases, características e realizações, terá sempre mistérios a desafiarem-nos...
Na parte final do vídeo, estou já a ler na penumbra um ou outro verso de nosso Antero...
Pax, Lux, Amor!

                   

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