quarta-feira, 29 de março de 2017

Da Mítica Atlântida à Eternidade do Amor de Inês e de Pedro. Uma Peregrinação de Maria de Fátima Silva.

Eis a Inês...
As imagens que a Maria de Fátima Silva nos oferece nesta exposição "Amare # Atlantis", organizada pela Hélder Alfaiate Galeria, na Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva, da Ericeira (inauguração a 1-IV-2017), são verdadeiramente mágicas, mais propriamente no sentido de, ao serem contempladas, permitirem-nos entrar em dimensões subtis e insuspeitadas, vencendo as barreiras do tempo-espaço e fazendo-nos sentir, intuir e comungar energias e emoções, ideias e seres, ritmos e ritos que, vividos há séculos e séculos, ainda hoje nos proporcionam expansões e aprofundamentos de sensibilidade e compaixão, de de conhecimento e de consciência... 
A série "Atlantis" remete-nos para as épocas mais ancestrais da Humanidade, quando a unidade entre os elementos da Natureza, as pedras, águas, peixes, aves, animais e humanos era intimamente sentida, vivida e celebrada, e de modos tais que só os mais artistas ou sensíveis conseguirão imaginar ou tornar a focalizar.
A Atlântida é em verdade um dos icebergues que nos chegou da história antiga e perdida da Humanidade, graças à referência de Platão no Timeu de ter ouvido os sacerdotes egípcios de Saís falarem do desaparecimento da sua última ilha no meio do Atlântico. Os mistérios da sua existência permanecem no séc. XXI, apesar dos estudos e livros tanto de historiadores e arqueólogos como dos ocultistas ditos clarividentes dos finais do séc. XIX e começos do séc. XX: Helena Blavastky, Rudolf Steiner, Max Heindel e Edgar Cayace, alguns deles algo devedores do Atlantis, The Antedeluvian World, de Ignatius Donnely, de 1882.
Celebrações e comunhões com os elementos e o Divino...
A Maria de Fátima oferece-nos uma estreita simbiose nesta série "Atlantis" entre o que poderia ter sido a Atlântida e o que sabemos terem sido os tempos pré-históricos, com os seus diversos cultos e estreita osmose do ser humano com as pedras, as águas, as aves, os animais e que a Fátima intui a partir da sua experiência concreta das antas e tholos, falésias, rios e eco-sistemas existentes na região da Ericeira e em Portugal e que ela e a sua família bem conhecem, vivendo ainda hoje no campo, cultivando a terra e com animais.
Entre nós, Dalila Pereira da Costa foi talvez a escritora que mais cultivou a chamada "memória do lugar", dando-nos seja do Porto, seja dos cultos da Antiguidade celebrados nas margens e santuários do rio Douro descrições e ressurreições em que combina tanto os dados intuitivos e oníricos, ou de reminiscências, como os históricos. A Maria de Fátima Silva fá-lo também com as suas pinturas, e não nos é difícil discernir, emergindo das pedras e águas omnipresentes, determinados ritos e celebrações, grandes deusas e deuses, prefigurações de Jesus e Maria, sacerdotisas e shamanes, espíritos da natureza e Anjos, fecundidade e maternidade, nascimentos e mortes, iniciações e purificações, sacrifícios e amores.
Das danças e peregrinações shamânicas...
A sua pintura é na verdade bem invocadora pois é bastante poderosa na policromia, nas formas dos corpos, na expressividade dos pés, das mãos, dos seios, das faces, de cada ser, que estão sempre interconectados com um momento, um ambiente natural ou ritual, o todo, visível e invisível mas bem sensível e perceptível. É verdadeiramente uma pintura animista a que nos é apresentada, e corresponde bem ao estágio da Humanidade que então via e sentia a alma presente em tudo e todos e a grande Alma do Mundo que a todos ligava, com menos barreiras entre o mundo material e o subtil e espiritual. Algumas das suas pinturas fazem-nos então entrar num "no man's land", numa percepção na qual não sabemos se estamos a ver com os olhos físicos ou se com o olho espiritual, podendo talvez então caracterizar-se como uma entrada numa terra lúcida, luminosa, a que alguns estudiosos das almas e obras místicas e clarividentes chamaram de imaginal. 
Neste sentido são especialmente mágicas algumas pinturas (e cada observador sentirá as que mais ressoam animicamente), esbatendo subtil mas fortemente as nossas certezas e limitações objectivantes redutoras e fazendo-nos pairar e entrar por um umbral misterioso, rico e profundo, mítico e divino, para o qual contribui todo o dinamismo sacralizante que as constantes metamorfoses, derivadas da interconectividade de todos os seres, apresentam e interrogam, sugerem e propulsionam.
Cada pintura pode-se então dizer que é realmente uma janela aberta para dimensões anímicas insuspeitadas e, para quem mais demoradamente as contemplar, para estados expandidos de consciência e de Amor.
Amare. Da amostragem e antevisão do que será a sua próxima grande exposição sobre o Amor de Inês de Castro e Dom Pedro de novo somos levados a realçar a grande qualidade tanto da sua pintura,  por vezes em filigrana minuciosa do sublime estilo gótico, como da sua percepção do Campo unificado e histórico de energia consciência que a todos envolve e que a Maria de Fátima soube extraordinariamente trazer ao de cima em cada pintura, unindo o passado, o presente e o futuro, o visível e o invisível, o potencial e o actual, o exterior e o interior, o individual e o colectivo, o histórico e o mítico, o animal e o humano, a dor e a beatitude, o angélico e o divino.
Elevada aos céus do Amor Eterno...
Como todos sabemos o amor entre Inês de Castro e Dom Pedro foi e é de todos os que aconteceram na terra e mátria portuguesa o que mais foi sentido e trabalhado ao longo dos séculos, em milhares e milhares de obras, artigos e referências, seja pela sua tragédia, ou intensidade ou perdurabilidade imortalizadora na aura popular e dos literatos (bem manifestada na coroação e beija-mão), e portanto é uma alegria vermos uma mulher da costa portuguesa, da Ericeira, enfrentar o repto de desenhar e pintar, aprofundar e desvendar a riqueza do mistério inesiano, o qual ainda hoje nos aperta o coração ou faz brotar o desejo do Amor invencível e imortal que eles sacrificialmente realizaram.
Perante as razões do cérebro ou dos interesses da corporação ou do Estado, ainda hoje frequentemente evocadas contra o coração e a Humanidade, devemos, com o ensinamento-testamento do amor trágico de Inês e de Pedro, saber dizer não a tais violências ou crimes e afirmar o direito do Amor pleno e pacífico ser vivido entre os seres que verdadeiramente se amam, numa Terra mais lúcida e harmoniosa.
No fundo, sentirmos e trabalharmos a relação de Inês e Pedro nos dias de hoje, como a Fátima assumiu, é queremos afirmar o Amor invencível e imortal, que une os seres para além das oposições e ódios da sociedade, ou mesmo da morte, e comungarmos assim do Amor divino que a todos une e no nosso ser mais profundo arde, é...
Sabemos que, pelos túmulos de ambos, esculpidos como obras-primas (e ainda hoje semi-anónimas) da Beleza e do Amor, tal relação amorosa e matrimonial se tornou ainda mais imortal, permitindo-nos eles ainda hoje sentir a eternidade do Amor vivido, quando peregrinamos ao transepto do mosteiro de Alcobaça e diante dos dois túmulos jazentes nos abismamos em maravilhada contemplação...
A Maria de Fátima fez essa peregrinação à Alcobaça gótica por mais de uma vez, sentiu, emocionou-se, absorveu, fotografou, compenetrou-se. Depois viu a iconografia e leu muitas obras, modernas e antigas, algumas que eu próprio lhe fiz chegar às mãos, afluentes do grande rio mítico do Amor que passa bem luminoso para além da margem da morte aparente. E assim fez-se uma com Inês e Pedro, corpos e almas, ascendentes e descendentes, vida e morte, no histórico e no lendário, no misterioso e no íntimo, e transmite-nos, neste dealbar do séc. XXI, a última visão portuguesa plástica, emotiva, conceptual, profunda e espiritual do Amor infinito que por eles passou e passa e que ainda hoje nos toca e inspira.
Em verdade, muitas destas pinturas consagradas pela Fátima a Inês de Castro e a Dom Pedro, na história e na iconografia, no mito e no mundo espiritual, bem contempladas, fazem-nos sentir, vislumbrar ou intuir o Sublime e ajudam-nos a querer ser mais ardentes e flamejantes como eles foram, ainda que trágica e sacrificialmente, abrindo veios para o ungimento nosso, aqui e agora, como Fiéis do Amor Divino e Cósmico, cada vez mais presente e vivido pelos seres da Terra...

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