domingo, 12 de março de 2017

Giordano Bruno, "Dos Furores Heróicos", e com Antero de Quental e S. Francisco de Assis, panteístas, no jardim, zimboório e céus da Estrela.

 
Lermos um bom livro é ainda do que melhor se pode fazer num Domingo. No meu caso, hoje e em parte, no jardim da Estrela, em Lisboa, espaço paradisíaco que alberga uma evocação de Antero de Quental e patos conviviais, um aberto coreto e dois lagos refrescantes, além de criança e passeantes, flores, arbustos e algumas grandes árvores que aqui encontram protecção para as suas várias missões tão benéficas ao planeta e à humanidade...
O nosso Antero de Quental refere o sábio italiano Giordano Bruno (I.1548-17.II.1600), numa carta de Vila Conde de 5 de Setembro de 1886 para Tommazo Cannizaro, onde depois de agradecer-lhe os dois livros que recebeu sobre S. Francisco de Assis, de Luigi Palomes e Ruggiero Bonghi, afirma: «Considero-o [S. Francisco] como o primeiro dos precursores do espírito moderno, digo, o espírito moderno como representado por Bruno, Schelling e Hartmann, do Panteísmo espiritualista. Neste ponto de vista haveria um paradoxo (no fundo nada paradoxal) a desenvolver, que S. Francisco de Assis não fora cristão; e a fazer sobressair o contraste entre a sua concepção do mundo e da vida, toda ela dum optimismo poético e panteísta, e a trágica e sombria concepção pessimista da Igreja, de um mundo radicalmente mau e condenado por Deus»... 
Ora ler autores panteístas, que sentem ou reconhecem o influxo ou a omnipresença divina na Natureza num jardim, e da Estrela, é certamente sempre bom...
O livro que estive a ler e a meditar é um dos mais valiosos de Giordano Bruno, Dos Furores Heróicos, na edição bilingue franco-italiana da editora parisiense Les Belles Lettres, dada à luz em 1954, numa cuidada edição e tradução anotada de Paul-Henri Michel. Eis alguns pensamentos valiosos:
«Tal como acto da vontade que tende para o Bem não tem termo, assim é infinito o acto de cognição que tende para a Verdade»... 
Bem desafiante proposição de Giordano Bruno: a nós de conseguirmos destilar o elixir da persistente demanda da infinidade do Bem e da Verdade...
«O corpo não é o local da alma porque a alma não está no corpo localmente, mas como forma intrínseca e formador extrínseco, como formadora. O corpo está portanto na alma, a alma na mente-intelecto, e este intelecto-mente ou é Deus, ou está em Deus, como disse Plotino. E assim como por essência está em Deus, que é a sua vida, semelhantemente, pela operação intelectual e pelo acto de vontade consequente, relaciona-se com a sua luz e beatífico propósito [da Divindade]» Parte I. Diálogo III.
Que luzinha se terá acendido ou avistada de lá em cima, das nuvens no céu, ou na Alma do Mundo, no Campo unificado de energia-informação-mente, sinalizando que em Portugal alguém está a ler com studium aquela magnífica obra, publicada pela primeira vez em Paris, em 1585, numa audaciosa e bela  síntese humanista filosófica, teológica e espiritual, tão sábia e profunda na sua abordagem em diálogo das relações do corpo, alma, intelecto e espírito, nomeadamente a partir das suas potências de vontade, conhecimento e amor,  e que constituem a base do caminho espiritual do auto-conhecimento harmonizador e da religação divina..

Perante os pensamentos e desejos em dispersão ou luta, como se produz a conversão geradora de luz?
«Por três preparações, que o contemplativo Plotino anota no livro Da Beleza inteligível, das quais a primeira é propor-se conformar-se a uma semelhança divina desviando a vista das coisas que estão abaixo da própria perfeição e comuns às espécies iguais e inferiores; a segunda é aplicar-se com toda a intenção e a atenção às espécies superiores; a terceira, cativar toda a vontade e afecto a Deus. Porque disto recebe sem dúvida o influxo da Divindade, a qual está presente em tudo e pronta a interferir naquele que se volta com um acto do intelecto e se expõe abertamente com o afecto da vontade.» I parte, V Diálogo.

E Giordano Bruno, tão perseguido na Terra, como estará ele nos mundos espirituais? Chegar-lhe-ão alguns raios do meu ou seu agrado ou amor, esforço ou visão, levando-o a esboçar um leve sorriso? No Campo unificador das almas acima e por dentro de espaço-tempo linear, o que conseguiremos nós alcançar pelo coração espiritual, "o afecto da vontade" das Cavaleiras e Cavaleiros Fiéis do Amor?
Giordano Bruno foi um erasmiano e leu muito Marsilio Ficino, nomeadamente as suas traduções de Platão e Plotino, Jâmblico e Pitágoras, as quais cita com frequência... 
 
Um belo livro e da mais elevada espiritualidade que bem merecia ser traduzido em português e entrar mais no zimbório da grande Alma Portuguesa, tão aberta ao Universal e ao Infinito, ao Bem e à Verdade, valores que Giordano Bruno cultivou com grande coragem, pioneirismo e profundidade ...
«Pois que eu desfraldei as asas ao belo desejo/ Quando mais sob os meus pés descubro o ar// mais ofereço ao vento a minha plumagem rápida/ e menosprezo o mundo e para o céu me envio.///
E nem o fim trágico do filho de Dédalo/ faz com que eu retorne, antes mais me elevo./Que ele caiu morto na terra bem me recordo:/ Mas que vida se equiparará à morte minha?///
A voz do meu coração através do ar sinto [que frase maravilhosa...]
Onde me levas, temerário? desce
Pois raro é sem dor muito ardimento (ou audácia)///
Não temer, respondo eu, a alta ruína.
Fende seguro as nuvens, e morre contente;
Se o céu a tal ilustre morte nos destina.»
 
Este poema, da Prima parte, Dialogo III, revelou-se profético quanto ao seu destino e morte, como mártir do conhecimento, da verdade e da liberdade...
A nós de o lermos e meditarmos mais, para comungarmos com o seu alto espírito imortal e ganharmos forças para as lutas contras as forças manipuladoras, opressivas ou mesmo destrutivas de tantas almas e grupos, meios de informação, instituições e Estado.
Saibamos contemplar os níveis superiores e mais harmoniosos e sob tal influxo mais claramante divino vivermos e agirmos, em lutas vitoriosas sobre nós e as narrativas tendenciosas que nos tentam impor, persistindo destemidamente na comunhão com o Infinito bem, como Giordano Bruno, S. Francisco de Assis e Antro de Quental tanto demandaram e realizaram! 

3 comentários:

Hieros disse...

É tão raro ler alguém escrever sobre Giordano Bruno.
Obrigado

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças. Sim, um autor que bem merece mais leitura, meditação e diálogo. Estava a pensar escrever mais um texto sobre algumas das partes da sua obra que mais apreciei, sublinhei, reflecti e anotei. A ver se com a sua apreciação me animo mais a tal...

devi sat disse...

Traduzir para o português essas obras e as de Ficino ,são certamente, belíssimos objetivos a se realizar na Terra...