quarta-feira, 18 de outubro de 2023

George Ohsawa, Afonso Cautela e os ensinamentos da Filosofia e Medicina do Extremo Oriente, a Macrobiótica. Nos 133 anos do nascimento de George Oshawa.

                                 

 Em 1977 o tão pioneiro poeta, jornalista, ecologista e ensaísta Afonso Cautela publicava nos seus cadernos policopiados da Frente Ecológica, jornal de vanguarda, descolonização cultural, macrobiótica zen, bioagricultura, tecnologias leves, luta anti-nuclear, parto sem dor, revolução artesanal, agro-comunas/sociedade paralela, energias infinitas e não poluentes, reconversão de consumos, alternativas à medicina, um número de 36 páginas intitulado A Cura pela Energia, 55 Indicações de base, que representava a sua compreensão dos processos de vida saudável e de cura,  baseando-se nos ensinamentos da Filosofia e Medicina tradicional do Extremo Oriente, conforme George Ohsawa ensinara e divulgara no Ocidente e que tinham sido bem acolhidos em alguns países e que ele vivenciava há uns anos.

                                 
Quem fora George Ohsawa de quem celebramos hoje 18 de Outubro de 2023, os 133 anos de nascimento?
Nascera como Nyoiti Sakurazawa, em 1893, em Kyoto, de uma família de samurais empobrecida, já que o Ohsawa veio do francês,
Oh ça va..., com que tinha de responder à pergunta, Como está?  Aderira ao movimento Shokuiku, Educação alimentar, fundado  pelo genial médico Ishizuka Sagen, (1850-1909) e que atingira grande sucesso (no pico, 100 consultas por dia) pelos seus tratamentos pelo equilíbrio alimentar do Yin e Yang, consignados na obra Uma teoria química da nutrição na Saúde e Longevidade.
Nyoiti S
akurazawa aprende com um seu discípulo, Manabu Nishibata e, vindo para o Ocidente, transmitirá esta filosofia do equilíbrio do Yin-Yang, negativo e positivo, feminino e masculino, noite e dia, e sobretudo do conteúdo do potássio (yin) e sódio (yang) no alimentos, iniciando no Ocidente o método macrobiótico (grande vida)  de alimentação, como disciplina harmonizadora do corpo e alma, recomendando o uso de cereais, verduras, leguminosas e algas, e a cautela com as proteínas animais, o açúcar e o excesso de Yin, ou seja de alimentos com mais teor de potássio.  Os alimentos mais recomendados e utilizados salutarmente, além dos cereais, eram miso, daikon e umesboshi, ainda hoje fazendo parte da dieta nipónica. Regressado ao Japão em 1931, vai aprofundando os seus estudos e análises das pessoas, doenças, sociedades, como filósofo e educador pacifista e quando anos mais tarde prevê a derrota do Japão, é preso, condenado à morte e foi por pouco que escapou e só após depois da rendição nipónica é que foi libertado, consagrando-se de novo aos seus estudos, publicações e ensinamentos da aplicação do Princípio Único do Yin e do Yang da filosofia Taoísta. A sua visão do mundo e dos seus fenómenos, bastante simplificadora e revolucionária face aos conhecimentos e poderes instituídos, embora em certos aspectos datada ou limitada, em muitos outros continua a ser muito rica de um discernimento directo e profundo da vida e da mente humana. Publicou, além de quatro revistas, mais de duzentas obras em japonês, inclusive de história, biografias e traduções (Alexis Carrel, e Northrop's, The meeting of East and West), e vinte delas em francês, já que esteve nos anos 20-30 em Paris, editadas pela reputada Vrin, em 1929 a primeira Le Principe Unique de la Philosophie et de la Science d'Extreme Orient, mas também dadas à luz noutras editoras  francesas e belgas, país este onde teve muitos amigos e centros de tal modo que a fábrica de alimentos macrobióticos, que teve o nome da sua mulher Lima, ali nascerá em Gand, e ainda hoje é uma referência da qualidade biológica dos produtos, tendo-a eu visitado em 1982 e nela bem dialogado. A partir de 1957, George Oshawa viaja por todo mundo, ensinando, dialogando e está mesmo na floresta africana cerca de um ano com Albert Schweitzer (1875-1965), o filósofo e místico em acção abnegada pelos leprosos. Em 1961 saiu a sua obra mais popular, a mais prática e condensada, O Zen e a Macrobiótica, que foi traduzida para numerosas línguas. Mas nela, após as muitas páginas de explicação da filosofia do Extremo Oriente e de salutares receitas de bons cozinhados e de ideias práticas quanto ao uso e conservação dos alimentos, termina com um corajoso capítulo intitulado Certificado pro-forma do óbito do império mundial da dinastia americana do ouro,   algo que estamos a observar hoje um começo, com o crescimento do BRICS e a diminuição do papel e valor do dólar infinito (impresso ilimitadamente, e logo injusta e corruptamente)  no mundo. Será em 1966, de um ataque de coração, que se evolará da Terra.

Ora em Portugal desde os meados dos anos 60 havia alguns núcleos, alimentados por publicações vindas de França e do Brasil  e assim em 1969 saía a primeiro número de uma revista do Centro Ignoramus de Macrobiótica Zen, sediada na R. da Emenda, 110, 2º, Lisboa, e que era orientado por Fernando Mesquita e José Galambas. Nela funcionava também o restaurante, a Colmeia, que a breve trecho passou a ser dirigido por Abel Trancoso e depois apoiado pelo calmo e sábio  João Ribeiro. Provavelmente foi pela Colmeia que Afonso Cautela teve conhecimento da Macrobiótica, tal como eu e muitas outras pessoas, ainda que no Norte houvesse também um núcleo que teve como dinamizadores Augusto Coutinho e outros donde surgiriam os centros e restaurantes Pirâmide e mais tarde o Suribachi, este ainda hoje vivo, no Porto. A partir de 1975, um discípulo de Ohsawa, Michio Kushi, sediado nos USA, passará a vir a Portugal para seminários e consultas, divulgando o seu aprofundamento da Macrobiótica através da edições da Cooperativa Unimave e da Trigrama, onde ainda trabalhei, fundada por Gomes Ribeiro, um do co-fundadores do Suribachi, com Maria Arminda  e Amândio.

Contracapa de uma publicação da Trigrama sobre a Macrobiótica

 Dessa obra de Afonso Cautela A Cura pela Energia. 55 Indicações de Base, vamos então transcrever algumas partes em homenagem aos 133 anos de George Ohsawa e a Afonso Cautela:

 As 55 indicações de base são antecedidas de duas páginas nas quais Afonso Cautela expõe a sua compreensão da cura pelo equilíbrio da polaridade yin e yang da força energia cósmica  aplicado a cada ser ou doente que «é um ponto da espiral, o micro do macrocosmos», «um elo da grande corrente corrente universal, ininterrupta e infinita». A ideia base é que «todas as doenças são curáveis: e a maior ou menor rapidez na cura depende do método ou regime alimentar seguido», e assim após as 55 indicações de base podemos ver os três regimes sugeridos (as famosas dietas nº5 (50% de cereais, 30% legumes frescos, 10% leguminosas, 10% algas e saladas), nº6 (75% cereais) e nº7 de Ohsawa), conforme a  proporção de cereais, legumes, leguminosas e algas.

                             

                                                 55 Indicações

«1 - Cada pessoa deve ter uma terapêutica especial. "Não há doenças, há doentes". (Hipócrates). Mas o que aqui se indica são generalidades, que podem servir a todo e qualquer caso, todo e qualquer doente, como medida imediata de prevenção, defesa, controle e terapêutica.
2 - Do ponto de vista racional (terapêutica causal), o que importa é deixar o organismo reagir por si, porque o o organismo" – Hipócrates – "é que se cura a si mesmo". Se assim foi e assim será, a única atitude inteligente quando a doença ataca, não é atacar ainda mais o organismo com medicamentos, deixa-lo exausto com alimentos complicados e pesados, mas libertá-lo de todos esses encargos suplementares para o deixar com forças de reagir por si.
6 – Para começar,
o melhor de tudo é um pequeno jejum. Ao contrário do que afirmam os preconceitos de costumes retrógrados, o doente não deve ser super-alimentado. É exactamente o contrário. Se der descanso digestivo ao seu corpo, este ficará disponível para colocar todas as energias e reservas no "combate à doença".

25 - A MASTIGAÇÃO é um segredo base a que a frivolidade ocidental não liga importância mas que se encontra na raiz das grandes alterações possíveis através da Macrobiótica Zen. 
Enquanto o doente não se convencer da importância da MASTIGAÇÃO na sua cura, a eficácia do regime encontra-se grandemente comprometida.
Ao insistir na MASTIGAÇÃO (30 a 50 vezes cada garfada) a macrobiótica deveria ao mesmo tempo frisar a ENSALIVAÇÃO. De facto, a importância desta primordial operação alimentar, é dupla: primeiro, é com uma boa mastigação que se assegura uma boa digestão, uma assimilação completa do cereal e o seu máximo aproveitamento quer nutritivo quer terapêutico; segundo, uma salivação abundante (a produção de saliva, assim como o PALADAR, também se educa!) irá fornecer ao processo digestivo a dose de ptialina necessária para se efectuar o desdobramento das proteínas contidas no cereal e nos restantes alimentos.
26 - Cereais mais citados no livro de Ohsawa: arroz, trigo sarraceno,, aveia, centeio, milho [míudo, ou millet].
39 - Tal como preconiza Oshawa, o Jejum é sempre útil, em qualquer doença e mesmo que não haja doença: é um repouso, uma pausa do organismo que o habilita a recobrar forças e resistência às agressões do meio ambiente, à contaminação do habitat. 
Mas fazer jejum, não é, para Ohsawa, passar fome. 
O jejum é para ele uma forma de fazer recuar a doença e ajuda acurar outras.
Durante o jejum convém não despender esforços intelectuais nem físicos. Todas as energias do corpo, normalmente utilizadas no trabalho da digestão, se concentram para fazer frente à doença. Além disso, o jejum é um princípio de desintoxicação.
Mas
a grandes descoberta de Ohsawa é que o doente poderá fazer o jejum continuando em actividade, se a sua vida lhe não permitir que seja de outra maneira. Ideal seria que descansasse, física e intelectualmente. Mas senão conseguir esse ideal, nem por isso o jejum deixará de operar no processo de retroagir a doença.»
 
Como último ensinamento-testamento, nesta homenagem e comunhão com George Oshawa e Afonso Cautela, leiamos as suas 52 e 53 indicações de base, e sigamos ou aplicamos as que nos dizem mais:
           52 - Conservar a Energia: Princípio único de toda a cura.
 «Na cura pelo
Princípio Único [da Ordem do Universo e que é o do equilibrar o Yin e o Yang, negativo e positivo] têm a máxima importância os mínimos pormenores. Seja qual for o caso, recomenda-se aos doentes: 
- Que use pente de madeira. - Que use talheres de madeira. - Que não coma alimentos frigorificados (o frigorífico desmagnetiza). - Que não cozinhe alimentos em vasilhas de alumínio ou barro vidrado (barro não vidrado não tem inconvenientes). - Que só coma alimentos biológicos (com carga energética). - Que ensalive longamente e mastigue o maior número possível de vezes cada alimento que leve à boca. - Que não utilize farinhas (mesmo integrais) pois nas farinhas o grão já perdeu toda a concentração energética tendo-se pulverizado até ao infinito. - Que não perca a esperança na cura, porque se é da Energia Eterna e do Infinito que tudo provém e para onde tudo vai, se é do Princípio Único ou lei que tudo depende, a fé nesse princípio e nessa energia pode curar, pode mesmo mudar o destino de uma pessoa.»  
               53  - Leitura Ecológica da doença e seus sintomas
Saúde e doença não são fenómenos isolados, esporádicos, de superfície: radicam na mais profunda realidade do homem e do meio ou habitat que o cerca: urbano, físico, climático, histórico, cultural, etc.
Se todas as doenças são de ambiente, o conceito de intoxicação estará na primeira fila dos que importa estudar.
Entre os tóxicos alimentares, basta citar: mariscos, carne, peixe, molhos, frituras, bebidas alcoólicas, levedura prensada, alimentos fermentados, corantes, enlatados, conservas, etc.
Entre os tóxicos não alimentares, basta citar: tabaco, fármacos, estupefacientes, água e ar poluídos, adubos, pesticidas, etc.
Perante o número de tóxicos que cercam o consumidor e de que ele fez regular o consumo, não é difícil concluir a importância que o estudo ensaístico de Medicina Ecológica deverá atribuir aos métodos e técnicas de desintoxicação: monodieta, jejum, banhos de sudação, saunas, massagem, marcha, yoga, etc. 
Se a maior parte das doenças são doenças do Ambiente, como aqui se sustenta, compreende-se a importância de estudar ensaisticamente a desnutrição por insuficiência alimentar tanto como desnutrição por alimentos desvitalizados: açúcar refinado, cereais refinados, óleos refinados, sal refinado, arroz descorticado, etc.; e de que forma a fome, as avitaminoses e todas as doenças de carência tanto com as indústrias alimentares estão ao serviço da exploração do homem pelo homem.
Uma vez que a esta concepção causal e ecológica da Doença e ao papel defensivo do sintoma no equilíbrio orgânico, se opõem os erros e crimes da medicina sintomática (transferência de sintomas e transferência de doença aguda para doença crónica), parece ao autor importante prosseguir o estudo ensaístico das duas correntes do pensamento médico; a sintomática, causal ou prospectiva [holistica]: e a medicina sintomática, curativa e medicamentosa (plástica e reconstrutiva), na medicina física e de reabilitação, na medicina de reanimação, na medicina das vacinas (dita preventiva), etc.»
  Bons discernimentos .....
                                         

domingo, 15 de outubro de 2023

Os "Sonetos" de Antero de Quental vistos por Fernando Leal, e a 1ª carta de Antero a Fernando Leal, oito anos antes. E o soneto Mors-Amor. Com gravação vídeo.

                                       
Fernando Leal (1846-1910), no final do seu livro Relâmpagos, Porto, 1888, numa das cinco Notas para o leitor francês, a dedicada a Antero, as outras sendo sobre Gomes Leal, João de Deus, Baudelaire e Byron,  Auguste Vacquerie,  escrevendo em francês e para os leitores franceses, exprime a sua tristeza por a poesia portuguesa ser pouco conhecida na Europa e oferece-se, se o Destino lhe permitir, traduzir poemas de João de Deus e de outros poetas vivos e mortos para uma Antologia, apresentando então em seguida, segundo a sua sensibilidade e visão,  o seu amigo Antero de Quental e os Sonetos

                                         
Gravamos o texto completo das duas páginas do livro Relâmpagos, traduzindo-as do francês, e agora transcrevemos apenas a parte inicial, bem valiosa, para o conhecimento de Antero de Quental e da sua obra já que vamos poder  ler ou ouvir um seu grande amigo e poeta, nascido na Índia e um dos poucos acolhidos por ele no seu retiro, de 1881 a 1891, em Vila de Conde: 

«Darei algumas traduções de um poeta fora de série, Antero de Quental, autor das Odes Modernas e de um livro de Sonetos. Este último livro, do qual se poderia dizer que foi sonhado numa montanha ideal, é de facto excepcional pelo poder de visão psíquica, pela perfeição serena, austera, sóbria, da ideia e da forma, pela resignação e a sinceridade, pela emoção dolorosa, pela inefável beleza e pela bondade suprema de que ele está impregnado.
Um dos melhores amigos do poeta, o eminen
te historiador Sr. Oliveira Martins, fez preceder o livro de um prefácio onde a obra e o autor são bastante bem estudados, ele bem mais do que ela. Os estrangeiros poderão de resto fazer uma ideia dos Sonetos de Antero de Quental, pela tradução alemã que acabou de publicar o professor Storck, tradutor das obras completas de Camões. Por outro lado, o crítico inglês Sr. Burton anunciou um estudo sobre os Sonetos e sobre o seu autor. Quanto a mim, no meu desespero de condensar em algumas linhas, (o que eu não saberia fazer mesmo em algumas páginas), a poesia e a filosofia deste livro complexo, que reflecte diversas fases do coração e da mente  [du coeur et de l'esprit] do poeta,  tento transmitir as impressões predominantes em mim dizendo que se revela ali frequentemente como um Job, sentado não sobre o monturo, mas sobre uma nuvem, e por vezes como um Bouddha, tremendo e fazendo-nos estremecer sobre o sopro desesperante do nosso fim do século...» (...) 

Fernando Leal em Velha Goa, no fim da sua vida na Terra.

Quanto à carta que oito anos antes, em 2 de Junho de 1880,  Antero de Quental endereçou da lisboeta rua da Fé nº 12 a Fernando Leal, agradecendo o livro Reflexos e Penumbras, que este lhe enviara, e que pelo teor mostra-nos que já lera algumas das suas traduções francesas, ei-la nas suas linhas mais valiosas para este artigo:

«Ex. Sr.
Incómodos graves de saúde, e em seguida uma viagem por eles motivada, me impediram de agradecer há mais tempo a V. Ex.ª o volume dos seus versos com que me brindou, e ainda mais as palavras, que, com mão sumamente benévola, traçou na primeira página. A leitura do livro, revelando-me um bom e nobre espírito, tornou para mim aquelas palavras, de gratas, preciosas. Há por todo ele, um perfume de boa vontade - no sentido evangélico da expressão - e de elevação moral, que me encantou. A alma é e será sempre a essência das boas letras. Por este motivo, e ainda por outros secundários, prefiro no seu livro a parte original às traduções. Victor Hugo é, quanto a mim, pouco menos de intraduzível, não tanto pela originalidade do pensamento, como pela singularidade e não se se diga excentricidade da forma. Entretanto, é certo que V. Ex.ª, dadas as enormes dificuldades do cometimento, fez muito, e por vezes conseguiu naturalidade da expressão, que é pedra-de-toque.» (...)

Oiçamos então Fernando Leal sobre Antero e traduzido por mim do francês, e Antero de Quental com a leitura final do seu soneto Mors-Amor na tradução em francês de Fernando Leal, inserida que estava no mesmo livro Relâmpagos. Tela de fundo, Antero, por Maria de Fátima Silva, a quem agradecemos.

                               

sábado, 14 de outubro de 2023

Acerca da arte de sonhar. Breve ensaio. A aprofundar, cada noite...

 Os sonhos, diz-se, "valem o que valem", ou seja, cada um dar-lhes-á o valor que quiser ou que poder, já que não sendo claros e antes rápidos ou fugazes e frequentemente estranhos e misteriosos, as suas causas e significados escapam quase sempre a quem os vivencia ou  os tenta interpretar posteriormente, dada a multidimensionalidade em que são causados, ocorrem ou se situam, embora alguns deles possam ser bastante claros nos actos e ambientes, ou mesmo configurarem-se como encontros com outros seres geradores de actos, palavras, informações ou  diálogos compreensíveis e instrutivos, em ambientes ora normais  ora mais invulgares, aumentando o seu impacto em nós e portanto o valor que lhes poderemos dar.

Os sonhos com encontros dialogantes são na realidade os que mais podem substanciar a hipótese de o sonhar não ser apenas uma actividade individual (seja cerebral seja anímica) mas resultarem de encontros ou interações entre formas de pensamento diferentes ou mesmo de mentes diferentes, ou seja, serem sonhos compartilhados por pessoas que por certos motivos conseguem psiquicamente relacionarem-se entre si nos níveis subtis ou internos em que ocorrem esses encontros energéticos que se condensam nas imagens dos sonhos, ainda que na maioria das vezes apenas uma pessoa  sonha com a outra ou se lembra desse interagir subtil, que certamente muitas vezes também se passa apenas na memória associativa e dinâmica de uma das pessoas, que pacatamente dorme no seu corpo, sem de modo algum haver qualquer indício que sugira a sua alma ter saído, viajado ou mesmo se relacionado apenas telepaticamente com a outra...


Os sonhos valem pelo seu valor intrínseco, seja reordenador de memórias e harmonizador de emoções, seja catártico, seja criativo e  pelo que nós, de algum modo, conseguimos merecer ou receber da sua vivência e interpretação em termos de harmonização e clarificação interior. Este valor abrange ainda o que nós discernimos, o que pomos neles, seja semiconscientemente enquanto os sonhamos, já que não sabemos ainda muito da organização da memória dos sonhos e das causalidades que lhes estão inerentes, seja já conscientemente no momento de acordarmos quando ocorrido o sonho se despoleta uma possível interpretação-razão-mensagem, seja depois ao tentarmos compreendê-la e equacioná-la, uns gravando, outros escrevendo, outros refletindo-o ou meditando-o.

É pena  que na valorização e compreensão dos sonhos seja ainda pequeno o contributo da memória comparativa dos sonhos vivenciados ao longo da vida  pois tal memória está quase ausente ou muito pouco conservada ou apurada na maioria das pessoas, embora se saiba já laboratorialmente  que o hipotálamo desempenha um papel preponderante nessa conservação de memórias cerebralmente,  mas animicamente, no corpo subtil espiritual, sabe-se muito pouco...

                                                      Hipófise e Hipotálamo: o que são, localização e para que servem - Sanar  Medicina

Se perguntarmos: como está a sua memória dos sonhos. as pessoas fecham os olhos, fazem algumas interrogações sobre eles, e descobrem que há uma leve memória ordenada, arrumada, catalogada ou recuperável, seja pelas pessoas com que se sonhou, seja pela importância sentida quanto aos sonhos serem transmissores de informações novas, valiosas, invulgares ou suprafísicas, seja pela temática, seja eventualmente pela presença maior de um dos cinco elementos da Natureza, a água, a terra, o vento, o fogo, o éter, ou mesmo influências planetárias, daí algumas espécies de teatros ou anfiteatros de memória que desde o Renascimento se desenharam e especularam...

                                                   Représentation du Théâtre de la Mémoire @Anonyme | Download Scientific  Diagram

Quando acordamos ou pouco depois, podemos não ter guardado no consciente qualquer aspecto dos sonhos e embora saibamos que tenhamos sonhado de nada nos conseguimos lembrar. Mas por vezes há algumas vibrações ou linhas de força que estão ainda palpitantes na memória de curto prazo onírica, e então pode-se fazer um esforço para nos lembrarmos dele. Por vezes a resposta vem e por certas linhas de recuperação ou associação: caras, faces invulgares ou ligação delas com os 5 ou 7 elementos e de repente recuperado uma pessoa e a sua face, o novelo desenrola-se e o sonho perdido é encontrado, recuperado, parcialmente certamente.

Deveríamos nós regularmente cultivar mais uma observação ou anamnese deles? Talvez, pois provavelmente fortificam-se capacidades psíquicas, sobretudo se consideramos que certos sonhos visam fortificar a nossa alma (pensamentos e sentimentos), bem como clarificar e dar novas impulsões na personalidade, e também porque se estimularão reaberturas e religações  com os mundos subtis e espirituais, se tal fora o teor do sonho...

Como cerca de 1/3 ou 1/4 da vida passa-se a dormir e sempre que dormimos sonhamos, mesmo que tal vivência psíquica não se conserve bem  na consciência de vigília, ou pouco se consiga interpretar, há pois que reconhecer múltiplas razões psico-somáticas para diariamente eles acontecerem e portanto valorizarmos tais fenómenos, que aliás sempre geraram muitos adivinhadores dos seus sentidos, tanto mais que em todas as tradições e religiões alguns sonhos foram considerados ou reconhecidos como meios de seres espirituais ou mesmo a Divindade comunicar com os humanos ou, se quisermos, de estes acederem a tais níveis mais suprafísicos.

Mas é difícil conseguir discernir o que é mera reordenação de conteúdos recebidos, ou simples imaginação, com seus desejos ou receios, e que, não provindo do córtex frontal que está inactivado, nascerá mesmo de uma interacção nos planos da alma com outros seres, ou com  núcleos de ideias-forças planetárias (o tal inconsciente colectivo de Carl G. Jung), ou níveis superiores celestiais, gerando imagens e conteúdos oníricos por vezes bastante originais ou mesmo sublimes, se a nossa alma consegue sintonizar ou entrar neles.

Quanto aos influxos da Divindade certamente devemos ser modestos e admitir mais em geral e quanto muito a intervenção de espíritos não incarnados ou mesmo seres angélicos no que se nos afigura de intuitivo, tão belo ou divino, embora certamente a Divindade seja a fonte primordial do Bem, do Belo, do Verdadeiro e dos muito mais atributos que conseguimos conceptualizar, discernir e receber do oceano da sua Luz Sábia e Amorosa e que de algum modo estão potenciais na nossa dimensão espiritual mais profunda e elevada ou reflectidos nos planos subtis a que temos acesso...

                                     

Acerca dos dicionários de sonhos, ou livros sobre os sonhos,  que há aos milhares e milhões, certamente  podem conter  aspectos ou informações que melhoram tanto a nossa capacidade de compreender os sonhos, de talharmos o ego e melhorarmos, como até de sonharmos melhor e mais compreensivelmente, embora na realidade cada sonhador é único, e cada sonho é também único (ainda que se possa repetir) na sua contextualização causal e consequencial.

                                      

Único e imprevisível, pois quando adormecemos nunca sabemos em que iremos sonhar, embora se tivessem inventado receitas ou métodos que pretensamente fariam sonhar naquela pessoa, questão ou lugar, ou então mais lúcida e voluntariamente, pois sempre se acreditou que a vontade, a fé, a esperança, o amor e certos exercícios afectam a alma, as capacidades psíquicas e logo os sonhos e a nossa capacidade de  atrairmos, influenciarmos ou dirigirmo-los, o que de certo modo é verdade, mas não com a simplicidade do quero e obtenho, aplicado mais até nos sonhos denominados lúcidos ou conscientes.

Na realidade somos todos simultanemaente realizadores e espectadores de cinema com os conteúdos dos sonhos e das associações de memórias, expectativas ou mesmo encontros que os podem causar, embora estejamos em geral bastante inconscientes da causalidade de tais cenas imprevisíveis  projectadas na nossa consciência onírica. Todavia, o objectivo da auto-conservação ou sobrevivência deve ser o básico, ora apenas reordenando ou revivenciando impressões psico-sensoriais, apreensões e desejos, ora formulando indicações ou gerando antevisões para que nos vamos preparando ou fortalecendo.

Face a sonhos desagradáveis, tais os pesadelos (por vezes decorrentes de mal estar do corpo), e em que somos forçados e oprimidos, para além de devermos discernir se não estaremos a oprimir ou reprimir certos sectores do nosso ser e de que não estamos bem conscientes, também podemos ser vítimas de ataques de forças psíquicas, nem que seja pelo facto de também sermos  espectadores  enquanto  sofremos do que outros directores mais ou menos conscientes sonham e nos causam. 

Por vezes nesses sonhos mais difíceis, se por vezes há confronto directo com alguém já noutros há uma interaçção de múltiplos factores, e até seres, na nossa mente-alma e na qual imagens de memórias e associações, nossas e de outros no inconsciente colectivo e também no campo unificado de energia e informação em que mergulhamos e astralmente vivenciamos, são percepcionados subjectivamente por  nós numa interatividade inteligente e plurifuncional anímica, pois tanto escoam pela vivência o que devia sair, como fazem-nos desenvolver mais vontade superadora de tais ataques e geram um renascimento,  novas sensações, informação, compreensão e sabedoria. 

E tal enriquecimento acontece também em diálogos gestuais, mentais e vocais valiosos com outras pessoas, conhecidas ou desconhecidas e que nos surgem no mundo dos sonhos, com toda a naturalidade. E se algumas dessas pessoas conhecemos mesmo da realidade física, podemos lamentar-nos que não surjam com a repetibilidade ou assiduidade que gostaríamos como confirmação de uma amizade que continua dialogante ou apoiante no mundo subtil dos sonhos...

                                          

Para finalizar esta breve incursão às possibilidades e potencialidades do mundo onírico, refira-se a oração-meditação, e a contemplação, antes de adormecermos, por serem importantes quanto aos sonhos, como intensificadora seja da nossa elevação seja da claridade deles, seja da preservação da memória deles. seja ainda para sermos mais nós próprios seres espirituais os realizadores cinematográficos dos sonhos,

Daí que  em certas escolas iniciáticas, começando na pitagórica, se tenha recomendado ao deitar uma rememorização do que se fez no dia, para que assim a alma tenha mais integrados os conflitos,  informações, emoções, impactos e possa portanto mergulhar numa psique relativamente mais ordenada, e logo tanto compreender as profundidades como elevar-se  a  níveis mais luminosos e elevados do cosmos subtil a que se pode ter acesso pela aspiração, a sensação, as visões e os sonhos. 

Bons sonhos, bons acessos a planos e seres luminosos, e sábios e harmoniosos recomeçar dos dias!

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Homenagem a Nicholai Roerich no 149º aniversário. Breve biografia. E vídeo dum texto seu sobre o Belo

                                                        

Nicholas Roerich, nascido em 9 de Outubro de 1874 em S. Petersburgo, na santa Rússia, foi um notável ou mesmo genial pintor, arqueólogo, curador de arte, explorador e viajante, professor, orientalista, ensaísta e mestre espiritual. Formou-se de 1893 a 1898 na Academia Imperial de Arte, mas frequentou também estudos de Filologia e História na Universidade de S. Petersbourg, a Faculdade de Direito e o Instituto de Arqueologia, tendo viajado ainda para melhorar os seus estudos. Como grande amante do passado e da sua preservação, de 1904 a 1905 peregrinará por 40 cidades e vilas russas e desenhará uma série grande de monumentos antigos. Será director da Escola de Desenho da Sociedade Imperial para o Encorajamento das Artes de 1906 a 1917, expondo já na Europa. Com a revolução de Outubro de 1917 desilude-se do rumo do partido bolchevique e em particular de Lenine, embora participando ainda com Máximo Gorki na União das Artes, e como já vivia na fronteira da Finlândia por problemas de saúde circunstanciais, emigra para ela, partindo uns meses depois em 1919 para Inglaterra, onde entra em contacto com os meios teosóficos e espiritualistas. 

Pintura histórica, de 1911: a batalha de Kerzeneths.

 Em 1920 parte para os USA e obtém um bom reconhecimento, com as suas pinturas a serem expostas em várias cidades e criando o Master Institute of United Arts, o Corona Mundi International Art Center (dirigido pelo seu filho Svetoslav) e o Roerich Museum, na sua fase inicial, em Nova Iorque. Todavia, cada vez mais entusiasmado com a nova Era que se anunciava nos meios espiritualistas e que a sua mulher Helena particular e intimamente sentia, e da qual já estavam a transmitir o ensinamento do Agni Yoga, que um mestre famoso, um dos mahatmas dos meios teosóficos, Morya, lhes estaria a transmitir, partem para a Índia em Dezembro de 1923. 

Helena Roerich, inspirando-se com o mestre Morya.

Casara-se com Helena Roerich (n.1879) em 1901, após se terem encontrado em 1899, num local assinalado hoje com uma placa com o belo dito de Nicholai Roerich: «Encontrei Lada, a minha parceira e inspiradora, em Bologoye, nas terras do príncipe P. A. Putyatin. Alegria!» Desse grande amor, que durou a vida toda,  geraram muitas obras e dois filhos, George (1902-1960), que será um orientalista, conhecedor do tibetano, e Svetoslav (1904-1993, Índia), pintor, casado com uma actriz indiana, Ranika Devi, e com quem ainda me correspondi quando estive na Índia, conservando ainda hoje as duas cartas que me enviou.

Nicholai e Helena, George e Svetoslav.

 Pouco depois de chegados à Índia, o casal com os filhos parte para a fabulosa expedição à Ásia Central, de 1924 a 1928, com algum apoio do governo russo, atravessando o Sikim, Cachemira, Altai, Mongólia, Gobi, Tibet, Sibéria, Moscovo e bem relatada no seus valiosos diários, onde relata as peripécias e diálogos,  e realiza ainda dezenas de maravilhosas pinturas. 

É após esta expedição que se estabilizará em Naggar, Kulu Vally, junto aos Himalaias, onde viverá com a família de 1929 a 1947 numa bela casa, com vista maravilhosa para os Himalaias, a cerca de 1700 metros de altitude e onde criam o Instituto Himalaico de Investigação Urusvati, que reunirá nomes importantes e publicará uma revista e algumas publicações. Todavia, o sonho de uma grande comunidade e de um movimento de impacto mundial que sorria aos dois, como os ninhos de águia nas montanhas nunca atraem muita gente, gorar-se-á. Ficarão, além das influência directas e pessoais que exerceram, mais de sete mil pinturas, livros de ambos, entre os quais os da série ou ensinamento Agni Yoga (que teria sido transmitido pelo mestre Morya a Helena) e dois volumes de cartas que Helena Roerich escrevera com grande sabedoria ou mestria para cerca de 140 correspondentes. E após a morte de ambos milhares de documentos e objectos valiosos, preservados em institutos e museus, que alimentarão certamente por muitos anos investigadores e amantes do ensinamentos psico-espirituais bem avançados do casal Roerich, destacando-se Boris Nikolaevich Abramov (1897-1972), com os seus vinte e cinco volumes As Facetas de Agni Yoga, e muitos outros investigadores e grupos bastante activos, até na rede social russa Vk.com, que recomendo. Foram sem dúvida pioneiros e a circulação das pessoas e das informações na época não tinha a fluidez que precisariam para realizarem mais as suas aspirações da era de Maitreya e do ensinamento da Ética viva, o que se está a passar agora, com alguns destacando o papel de liderança mundial da Rússia na senda duma nova Era, finalmente, a multipolar.

Hagia Sophia, a Santa Sabedoria, protegendo as cidades e monumentos. Oração muito actual.

Nicholai Roerich no jardim da sua casa e centro cultural-espiritual, em Naggar, junto à estátua da deusa Gugi Chauan, poderosa, shaktica, onde eu meditei algumas vezes...

Viajou ainda pela Ásia Central, em 1935, numa 2ª grande expedição, esta à Mongólia, Manchúria e deserto do Gobi, paga pelo governo norte-americano, graças a um amigo, secretário de Estado de Agricultura, Henry Wallace, com fins botânicos de recolher plantas contra a erosão dos solos.  De ambas as expedições nasceram valiosos diários de viagem, ensaios e estudos científicos que mostram bem a sua comunhão profunda com a Mãe Terra, os cinco elementos, as montanhas, e as populações locais com as suas tradições e conhecimentos. Ao longo de toda a  sua vida colaborou em numerosas revistas e jornais  com artigos de grande qualidade, mais entusiásticos e optimistas, por vezes, mas sempre plenos ou mesmo flamejantes de conhecimento, sabedoria e ética viva.

Uma iniciação na abóbada dos Himalaias, santa Uma-Himavat...
Em 1935  Nicholai Roerich estará em Nova Iorque para assinar com o presidente Roosevelt e outros chefes de Estado o Pacto Roerich, também denominado Bandeira da Paz, um tratado para a protecção das  instituições científicas e artísticas e do monumentos históricos, que vinte e dois países das Américas assinaram e anos mais tarde trinta e cinco ratificaram.

                                       

 Aquando da II grande Guerra, no começo, a 2 de fevereiro de 1939, escreve numa carta ao seu amigo Pavel Fedorovich Belikov,  um dos seus  futuros biógrafos: "Aqui estou eu, a escrever-lhe esta carta num tempo de dificílimas complicações do mundo. Agora, é até estranho falar de paz, mas apesar de tudo, nós ainda pronunciamos esta palavra sagrada. Pronunciamos também a palavra defesa da Pátria. Ficaremos horrorizados com todas as agressões e compreenderemos plenamente o sentido profundo da defesa da Pátria."

                                                   

           Uma das obras pintadas aquando da II grande Guerra, evocando os heróis antigos da Rússia, já que Nicholai Roerich enalteceu muito a defesa da Mátria-Pátria.

Deixou muitos textos e obras literárias, artísticas, científicas e de espiritualidade, sendo mais de sete mil as suas tão harmonizadoras e inspiradoras pinturas, várias como murais ou mosaicos, muitas para cenários de óperas de Wagner, Moussorgsky, Borodin, Rimsky-Korsakov e Maeterlink, ou bailados, tal a famosa Sagração da Primavera, e muitíssimas do Altai e dos Himalaias e de temas heróicos, lendários e religiosos da Rússia, do Cristianismo e ainda da Índia e Tibete. 

Chintamani, a misteriosa pedra preciosa da sabedoria e realização himalaica e que se diz ter sido Nicholai Roerich um portador dela.

Foi membro de cerca de quarenta de Academias em todo o mundo e reconhecido, admirado e amado por muitos grandes seres (como por exemplo o sábio Claude Bragdon) que testemunharam por diversos modos o seu apreço, considerando-o, na sua afabilidade e compaixão, discernimento e sabedoria, coragem e universalismo, ao nível de um Tolstoi, dum Gandhi, dum Romain Rolland, dum Rabindranath Tagore, em suma, um verdadeiro rishi - o sábio vidente dos Vedas - nos tempos modernos. 

Nicholai Roerich no seu centro e ashram de Naggar, junto a Gugi Chauan, e com o seu barrete tradicional himalaico.

O grande rishi bengali, o kavi yogi, poeta yogui, Rabindranath Tagore elogiou-o assim: «As suas pinturas tocam-me profundamente. Fizeram-me realizar que a Verdade é infinita. Quando tentei encontrar palavras para descrever a mim próprio quais eram as ideias que as suas pinturas sugeriam, não consegui. Era porque a linguagem das palavras  só pode exprimir um aspecto particular da Verdade (...) Quando uma arte pode ser expressa (ou explicada) completamente por uma outra então é um fracasso. As suas pinturas são distintas mas contudo indefiníveis pelas palavras - a sua arte é ciente de independência porque é grandiosa».

Eu ainda peregrinei à sua casa e centro em Naggar, com grande vista para os Himalaias ao longe mas perto, por duas vezes, contemplando demoradamente os seus maravilhosos quadros e desenhando-nos num caderno diário e dando-lhe os meus títulos. E meditando bem no seu mahasamadhi ou local onde se encontram os seus restos mortais, já que espiritualmente é um mestre cósmico...
Duas pinturas, pelo menos, de Nicholai Roerich encontram-se em Portugal, uma delas no museu Machado de Castro, talvez porque fora eleito membro da Academia de Coimbra, a esta hora certamente menosprezada nas reservas e logo não irradiante para o público, no habitual sintoma da ignorância, desvalorização ou limitação espiritual de alguns dos nossos responsáveis artísticos, culturais e políticos.
  A vida e obra de Nicholai Roerich foram  divulgadas em Portugal ainda em vida dele, nos anos quarenta, por Raul Fontes, com um livro, e o crítico de arte suíço Émile Schaub-Koch, com um opúsculo. Já os ensinamentos do Agni Yoga do casal Roerich começaram a chegar a Portugal no final dos anos 70, via publicações da Fundação Educacional e Editorial Universalista  FEEU,
brasileira, na altura dirigida por Treiger, sendo distribuídos em Lisboa pelo irmão Manuel Lourenço no seu ramo na Sociedade Teosófica. Entretanto com o meu irmão Luís, quando viviamos na quinta do Gilde em S. Torcato, realizamos em 1978 uma exposição em Guimarães, na livraria galeria Orpheu, e outra na cooperativa Pirâmide no Porto, sobre os movimentos espirituais e a Era de Aquário, que incluíam Nicholai Roerich, Bô Yin Râ, Paramahamsa Yogananda, Teillard Chardin e Aurobindo e o seu sonho de Auroville. No começo dos anos 80 ensinei, com mais regularidade em Évora, Covilhã, no restaurante Suribachi no Porto, e Lisboa, uma síntese de Agni Raj Yoga, divulgando e partilhando ainda os livros e alguns ensinamentos, a par de outros mestres, em páginas avulsas, conforme a da imagem.

Anote-se finalmente que hoje 9-X-2023, dia do seu aniversário, gravei em três partes a tradução do francês, levemente comentada, dum seu inspirador texto, intitulado O Belo, que pode ouvir e ver no meu canal no youtube, a 1ª sendo:   https://youtu.be/YefJSwxDYfk                  

Jesus sentado, desenha para o mestre Morya os fundamentos do ensinamento e do caminho espiritual, como relata num dos livros do Agni Yoga: pelas mãos e os pés se entra no Templo.

   Leiamos ou oiçamos Nicholai Roerich numa das suas linhas de força com que muito se entusiasmou, talvez enganando-se um pouco na iminência de uma nova Era espiritual, ou mesmo da vinda de Maitreya, o novo Budha esperado: 

Krishna tocando a sua flauta em Naggar. Roerich pensava que ele ali passara.

"Himalaias! Aqui é a abobada dos Rishis (sábios-videntes védicos). Aqui ressoou a flauta sagrada de Krishna. Aqui relampejou o abençoado Gautama Buddha. Aqui se originaram todos os Vedas. Aqui viveram os Pandavas. Aqui — Gesar Khan. Aqui — Aryavarta. Aqui está Shambhala. Himalaias — joia da Índia. Himalaias — tesouro do mundo. Himalaias — símbolo sagrado da Ascensão... O ser humano deve dedicar-se inteiramente ao labor criativo. Aqueles que trabalham com Shambhala, os iniciados e mensageiros de Shambhala não se sentam reclusos — eles viajam por toda a parte".

Como notável pedagogo, ou mesmo mestre espiritual, fiquemos ainda com uma pensamento seu valioso: «Educar não significa dar um conjunto de informações técnicas. A educação é formar uma consciência do mundo e tal é atingido por uma síntese, não de desastres mas de perfeição e criatividade. O verdadeiro conhecimento é alcançado por acumulações internas, pela coragem de se ousar...»

Pintura de Nicholai Roerich, no seu jardim em Naggar, Índia, junto à estátua da devi himalaica Gugi Choan, realizada pelo seu filho Svetoslav.

    Muita luz e amor para esta família tão fabulosa e que não tendo descendência física actual contudo deixou-a imensa, quase infinita, artística, cultural e espiritualmente. Muita luz e amor neles e que nos inspirem!