Ao longo dos séculos muitos portugueses e portuguesas destacaram-se pelas suas qualidades e essência, feitos e obras, ganhando jus pelo menos a uma certa imortalidade relativa, a preservada pela memória terrena, já que, quanto à imortalidade espiritual as certezas religiosas, para alguns meras crenças, ainda não foram comprovadas e consideradas científicas, sendo até, na tão transitória, artificializada e globalizada contemporaneidade, ambas encaradas com muito relativismo ou cepticismo, para não falarmos mesmo de condenação ou rejeição como resquícios de um culto e memória do passado e, até, sintomas de nacionalismo.
Contudo, tais seres ultrapassaram as limitações e desafios, impulsionaram positivamente os seus próximos ou mesmo grandes extractos populacionais, influenciando épocas nacionais e mundiais, por vezes notabilizando-se em regiões, famílias, grupos, ordens monásticas ou militares e contando em certos casos com cronistas e historiadores para preservarem tais realizações. Acrescente-se que, mesmo na época, por uns e por outros, já se invocavam seres ancestrais, manes da Pátria-Mátria, ou estados de consciência e de forças arquétipos, que eles continuavam e cumpriam, sentindo-se mesmo por vezes sob uma protecção divina, providencial, futurante, clarividente.
Podemos discernir assim o dinamismo de memória colectiva ziguezageante não só de lembrança e até de rectificação do passado mas sobretudo de actualização no presente, já que tais seres, ideias, mitos e bênçãos divinas como que se "avatarizavam" neles, os ungiam, galvanizando-os em realizações difíceis, heroicas ou sublimes e abrindo janelas, visões e esperanças de resultados próximos ou futuros vitoriosos, luminosos, felizes.
Um tal caso foi o da visão de Jesus Cristo por D. Afonso Henriques na véspera da mítica batalha de Campo de Ourique, após a visita de um eremita talvez da serra de Ossa, embora gerada por escrito já no séc. XV (a 1ª referência sendo de 1416), e que se constituiu como um dos principais mitos fundacionais, no caso o da protecção divina a Portugal desde o seu nascimento, e que muita impressão de imagens ou gravuras e tinta polémica fez correr, ao ser invocada fortalecedoramente em tempos de crise (nomeadamente durante a perda de independência para a Espanha ou mais recentemente para a União Europeia), ou ao ser investigada criticamente e rebatida, ora como mera lenda ora como materialização física de uma visão subtil ou espiritual que o rei D. Afonso Henriques em vigília e meditação poderia ter recebido, dentro da providencialidade da génese de Portugal.
Estes seres, que se enchendo de mais forças, qualidades e inspirações, geraram grandes obras, ou causaram fores comoções, ou lançaram movimentações importantes, tornaram-se os principais elos da Tradição e corpo místico nacional e as referências e apropriações culturais, as perspectivações e até profetismos que desencadearam, certamente com exageros, rasgaram linhas de força ao longo dos séculos ainda hoje visíveis e que tanto confrontam os cépticos como animam os que as recebem como continuadores.
Entre os grandes seres que foram preservados pela historiografia alguns destacar-se-ão já não apenas pela inteligência, a coragem, a força, a abnegação, a vitória sobre os seus limites corporais ou psíquicos mas pela busca da perfeição ou mesmo do sublime, e será na arte, na religião, na literatura e nas ciências que encontraremos mais seres marcados pelo fogo da aspiração à mais elevada ou bela realização criativa, científica, artística, anímica, espiritual.
Trabalhando solitariamente mas na realidade fazendo parte de grupos e gerações que sucessivamente dinamizaram a tradição política, cultural e espiritual, na demanda ou culto do fértil, do belo, do bem e do verdadeiro e no fundo do desenvolvimento ou melhoria dos portugueses ou da humanidade, vamos então encontrar ao longo dos séculos vários criadores, a par dos ditos heróis dos gloriosos feitos (de que os paradigmáticos Descobrimentos, dentro do Renascimento europeu, nos deixaram tantos nomes e casos), impulsionando o excelente, o heróico, o sublime e do sagrado, e poderíamos mencionar além dos mais antigos S. António e Nuno Gonçalves, sobretudo Gil Vicente, Damião de Goes, Francisco de Holanda, D. João de Castro, João de Barros, Luís de Camões, Jorge Ferreira de Vasconcelos e Manuel de Faria e Sousa, só para referir alguns dos mais notáveis e que levantaram a voz contra o início da Censura inquisitorial, ou que a sofreram, a qual vai claramente ensombrar e diminuir muito essa livre Cavalaria de Fiéis do Amor, de seres nos quais o fogo criativo, amoroso e corajoso mais flamejava e que constituíam o cerne ou coração espiritual de Portugal, e que teve alguns episódios mais emocionantes, tais como as viagens ou expedições de Vasco da Gama, e seus filhos Estêvão e Cristóvão da Gama, este em ajuda sacrificial do mítico Preste João. Bem como os feitos de António Galvão, Luís de Ataíde, ou as missões de diálogo inter-religioso dos padres de Goa à corte do Grão-Mogol.
Preservar o estudo das vidas e obras, metodologias, vias e realizações de tais grandes almas é então fundamental para mantermos vivas as fontes e correntes anímicas perenes que regaram e regam ou inspiram os que querem participar na demanda do Graal imortalizante e que permitem assim que testamentos e aspirações de seres e filosofias, mitos e utopias, não se desintegrem no globalismo de curta memória da contemporaneidade e antes sejam aprofundados e actualizados ou rectificados.
Que nomes, seres, espíritos, com suas forças e realizações, nos surgem então neste breve escrito como mais marcantes ou brilhantes da Luz sublime da perenidade da Tradição Cultural e Espiritual Portuguesa, por tantos seres anónimos também demandada, conhecida e vivida?
Todas as escolhas valorativas, por vezes até hierarquizantes, são sempre, em parte, subjectivas e logo discutíveis pelo que cada um deve assumi-las com discernimento e coerência, justificando-as de preferência para serem mais credivelmente acolhidas e vivenciadas, ou mesmo provadas como veros frutos bons ou úteis da árvore nacional ou mundial.
Na história de Portugal, seja pelo que foram e influenciaram, seja pelo que permanecem na memória colectiva, consciente e inconsciente, destacaremos então seres como Viriato, líder e símbolo do povo lusitano, Afonso Henriques, S. Teotónio e Egas Moniz, os barões de Entre Douro e Minho e os Templários, S. António e os franciscanos, D. Dinis e os trovadores, a Ordem de Cristo, com as outras também, a rainha santa Isabel e o culto do Espírito santo, Inês e Pedro, a ínclita geração (em especial o infante D. Henrique e D. Pedro das sete Partidas) dos Descobrimentos e os reis, navegadores, marinheiros, guerreiros, religiosos, cronistas e poetas que então brilharam e que tornaram, durante mais de um século, Portugal o país provavelmente mais dinâmico mundialmente, permitindo o despontar de sonhos de grandeza nacional, de império e domínio tanto material como religioso, em certos casos exagerados dadas as nossas fragilidades mas sem dúvida abrindo esforçada e meritoriamente novas rotas e diálogos valiosos planetários.
Expansão e domínio sempre perigosos, como se sabe, se viu e se vê, e cada vez mais até confrangedoramente pois, se as realizações optimizantes na arte, na ciência e nas tecnologias se alargaram e cresceram muito ao longo da história, sem dúvida que o seu uso, sobretudo nos armamentos, na agro-química e na vigilância e opressão social, tem sido claramente negativo ou destruidor, levando até uns poucos de altos responsáveis de instituições internacionais a clamarem por medidas que diminuam os desequilíbrios ou atentados ecológicos, ambientais, éticos e de direitos humanos que o egoísmo e a ganância irresponsável de uns poucos causam.
Nesse mesmo século do apogeu do pequeno império marítimo português, tão valioso no entrosamento oriental e tão perfeitamente cantado nos Lusíadas de Camões, ou descrito ao vivo nas Peregrinações de Fernão Mendes Pinto e nas relações da História Trágico-Marítima, tão rico de experiências de multiculturalidade e miscigenação, de que o Brasil será o paradigma, os ventos da deusa Fortuna sopraram em sentido contrário em 4 de Agosto de 1580 com a trágica derrota em Alcácer Kibir e a morte (ou o desaparecimento para os que não a quiseram aceitar), do último rei da dinastia de Avis, o infausto jovem de 24 anos, D. Sebastião.
Abriu-se então pelo lado da realidade uma rotura, enfraquecimento e decadência e pelo lado imaginal uma época de fermentação do regresso do rei e da restauração nacional, fenómeno psico-social denominado Sebastianismo, que irá ter em Bandarra, em D. João de Castro filho, nos Beneditinos da historiografia de Alcobaça e nos Jesuítas, e em especial no Padre António Vieira, os grandes expositores de tal regresso, seja da grandeza de Portugal, do Desejado ou do Encoberto rei, seja de um Império religioso cristão no Mundo, numa era de unidade política e de Paz.
Sabemos como as vicissitudes reais acabaram por contrariar as sucessivas adivinhações por parte do P. António Vieira do regresso vitorioso do desejado rei (D. Sebastião, D. João IV, D. Teodósio, D. Afonso VI), mas as crenças e anseios sebastianistas e imperiais continuaram a levantar o seu verbo destacando-se ainda ou mesmo nos séc. XIX e XX gerações de monárquicos, saudosistas, nacionalistas e ocultistas, dos quais referiremos apenas (não esquecendo modernamente Lima de Freitas) Lopes Vieira, Luís de Magalhães, Teixeira de Pascoaes e Sampaio Bruno (este com o seu Encoberto, e a quem Fernando Pessoa, chegado da África do Sul, escreveu pedindo indicações) que relançaram com força seja a ideia da vinda de um grande ser, avatar, ungido, messias, ou mesmo um novo Buddha (como queria Sampaio Bruno, e cujos milagres seriam raciocínios), em geral entrelaçando tal vinda à esperança ou mito de um novo ressurgimento da Pátria. E devemos acrescentar os contributos femininos da valorizadora da Mátria, Natália Correia, poesia açoriana de grande garra e adepta do comunitarismo, da inventividade e da liberdade. E, claro, da Dalila Pereira da Costa, a mulher que mais investigou a alma portuguesa em múltiplos aspectos, numa obra bem valiosa que neste blogue tenho tentado abordar ou partilhar...
Mas entre todos estes autores modernos que dedilharam a saudade do rei ou época gloriosa destacou-se Fernando Pessoa, que chegou tanto a referir o 2º advento de Cristo, de um modo distanciado, pregado pela Sociedade Teosófica na pessoa de Krishnamurti, e que de facto se tornou um fiasco de Annie Besant e Leadbeater, como a prevê-lo em anseios astrológicos para 1924 ou mesmo 2198, como o fez na famosa carta ao conde Keyserling. E na realidade, quanto ao V Império, ninguém, à excepção do P. António Vieira, lhe ofereceu como Fernando Pessoa tanta alma, especulação, hipóteses e níveis, desde o material, económico e político, ao de organização, civilização, língua, cultura, religião e espiritualidade, não só em artigos e prefácios de livros como em centenas de papéis do seu baú ou arca de demanda gnóstica e iniciática, pagã e cristã.
Com a 2ª grande Guerra, o fim do nazismo e depois do comunismo, o crescimento do imperialismo norte-americano, a revolução de Abril de 1974 e a libertação das províncias ultramarinas e, por fim, a inclusão de Portugal na União Europeia, esse quadro mítico imperial, seja patriótico seja de domínio ou influência, sonhado para Portugal, ainda mais só poderia ser referenciado, e muito optimisticamente, como um ideal a um nível fraternal, cultural e espiritual, e foi nesse sentido que Agostinho da Silva o veio a desenvolver, ainda que com algumas esperanças exageradas no nosso papel na Comunidade dos Povos da Língua Portuguesa. Era esta uma linha que já Fernando Pessoa previra e aprofundara com algumas especulações e sugestões ora mais raciocinantes ora mais espirituais, ora mais irónicas e mistificantes mas com aspectos verdadeiros, ou mesmo proféticos quando aponta para as narrativas oficiais dos nossos dias assentes em inverdades aceites, tal como lemos no fim da sua entrevista por Augusto da Costa, em 1926, e republicado em 1934 no livro Portugal Vasto Império: «Há só uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação — a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. De instinto, a humanidade odeia a verdade, porque sabe, com o mesmo instinto, que não há verdade, ou que a verdade é inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o encarnar. Feito isso, cada um de nós independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros, como nós, o respirem. Então se dará na alma da Nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.»
Na verdade, Fernando Pessoa, dotado de grande inteligência, sensibilidade e conhecimentos, adepto e estudioso das entrelinhas do ocultismo e da astrologia, melhor do que ninguém se foi preparando para revisitar o Sebastianismo e o V Império e, ainda que se deixasse emaranhar nos aspectos tão subjectivos e falíveis das interpretações das ditas profecias (sobretudo nos seus estudos e comentários às Centúrias de Nostradamus e ao III Corpo das Trovas de Bandarra), e se visse mesmo no final da Mensagem pleno tanto de desalento como ainda de saudosismo do rei (para o que talvez contribuiria, desde novo, a morte precoce do pai e a partida para a distante África do Sul), conseguiu escrever bastantes fulgurações valiosas para o tornarem o principal rectificador do veio sebastianista, messiânico e imperial dando-lhe uma certa modernidade, com aspectos sincrónicos do futurismo e uma dimensão mais esotérica e de uma espiritualidade mais ecuménica e profunda, ainda que de modo bastante fragmentário, ao realçar a sua interioridade e afirmando-o mesmo por vezes na sua vertente iniciática:
«O defeito, a fraqueza, do sebastianismo tradicional reside, não em ele, senão em a deficiência e a fraqueza de seus intérpretes. Ignorantes, decadentes, ensinados a crer pelo espírito católico, esperavam de fora o Encoberto, aguardavam inertes a salvação externa. O Encoberto, porém, é um conceito nosso; para que venha, é preciso que o façamos aparecer, que o criemos em nós através de nós. É com ânsia quotidiana, com uma vontade de hora a hora, que em nossa alma o devemos erguer, de ali o projectando para o mundo chamado externo (também outra nossa criação).
O Encoberto é o representante máximo do Quinto Império; é o emissário máximo das forças espirituais que hão-de criar tal Império. Como podemos esperar que ele venha se não criamos primeiro as forças que, por sua vez, a ele o hão-de criar?
E essas forças são a ânsia de domínio, e a tensão de todas as potências da alma em torno dessa ânsia. Deve cada um de nós fazer por em si realizar o máximo que pode de semelhante ao Desejado. A soma, a confluência, a síntese por assim dizer carnal dessas ânsias será a pessoa do Encoberto.
Não há homens salvadores. Não há Messias. O máximo que um grande homem pode ser é um estimulador de almas, um despertador de energias alheias. Salvar um homem a um povo inteiro — como o poderá fazer, se esse povo inteiro não fizer por salvar-se — isto é, se esse povo inteiro não quiser ser salvo? "Obra tu a tua salvação" diz S. Paulo; e o grande homem é aquele que mais profundamente compelir cada alma a, de facto, operar a sua própria salvação.»
Claro que no nosso século XXI valorizar a possibilidade de qualquer Império, mesmo cultural, ou esotérico, e benéfico, surge bastante irreal e mistificador, sobretudo quando vemos as corridas aos armamentos, as guerras, os terrorismos, o imperialismo, os vírus, vacinas e compulsões, e uma oligarquia mundial incapaz de conter as suas actividades predatórias ou gananciosas, aumentando-se constantemente as desigualdades, tão destrutivas para as pessoas, os povos e o planeta.
Falar-se do V Império, e português, nos nossos dias é certamente despropositado dados os contextos actuais da União Europeia e da nova ordem mundial que se vai tentando implementar, nomeadamente como resultado do corona virus 19 e dos aspectos tão drasticamente limitadores da liberdade e convivialidade humana que estão a ser implementados por muitos governos mais tentados pelo autoritarismo e a opressão dos direitos, e sobretudo vendidos ao dinheiro corruptor das instâncias mais poderosas e detentoras dele.
Se já para o tempo de Fernando Pessoa a escolha de D. Sebastião, para símbolo de uma ressurreição, ou a dum V Império, na linha do sonho do babilónio Nabucodonosor profeticamente interpretado por Daniel no Antigo Testamento, não foram as melhores, ainda que ele por vezes aprofundasse bem os níveis em que se poderia ler, interpretar ou invocar o
rei Sebastião, tal como num fragmento em que as cinco pétalas da rosa-cruz, são dedilhadas em pentagramas de níveis do Encoberto e de Sebastião, sendo este assim escalonado como: «o homem, a esperança, o
símbolo, o Mestre, o Cristo», hoje será ainda mais limitador subordinarmos as melhores realizações pessoais e as multímodas movimentações culturais, científicas e espirituais, que mau grado as circunstância se vão prosseguindo, a dois mitos já demasiado explorados, em especial o dum império, seja ele nacional ou internacional, político ou religioso, que de algum modo regeria ou orientaria os outros povos e religiões. Quando ao regresso de D. Sebastião, tão ansiado ainda por Fernando Pessoa, mesmo como símbolo do advento de grandes mestres ou o ungimento de mais seres capazes de fermentarem luminosamente a humanidade, sabemos quantas dificuldades não encontrariam tais seres, mesmo enquanto crianças, pelos sistemas de educação. Caberá pois a cada ser despertar o mais possível e apenas tentar estimular as energias alheias, como melhor conseguir, de acordo até com a recomendação de Fernando Pessoa.
Podemos então observar que se conceito de V Império português teve diferentes contextos de lideranças reais mas sempre limitados à conquista e domínio de terras, gentes e riquezas ou então de conversões religiosas tingidas de idealismo (ou mesmo fanatismo), seja de carácter mais franciscano ou jesuítico, já os contributos finais, bastante mais alargados e libertadores, de Fernando Pessoa e depois, melhor ainda, de Agostinho da Silva, abriram entendimentos e suscitaram continuidades, bem visível para o primeiro com Augusto Ferreira Gomes, autor em 1934 dum longo poema Quinto Império elucidativamente prefaciado por Fernando Pessoa, onde afirma:«Não é assim no esquema português. Este, sendo espiritual, em vez de partir, como naquela tradição, do Império material de Babilónia, parte, antes, com a civilização em que vivemos, do império espiritual da Grécia, origem do que espiritualmente somos. E, sendo esse o Primeiro Império, o Segundo é o de Roma, o Terceiro o da Cristandade, e o Quarto o da Europa - isto é, da Europa laica de depois da Renascença. Aqui o Quinto Império terá que ser outro que o inglês, porque terá que ser de outra ordem. Nós o atribuímos a Portugal, para quem o esperamos. [Infelizmente, a sufocação da grande alma portuguesa, por via da obediência a Bruxelas e Washington, e pela inepta utilização da boa reputação da nacionalidade portuguesa por tanto político, cortou completamente tal sonho pessoano.]
A chave está dada, clara e obscuramente, na primeira quadra do Terceiro Corpo das Profecias do Bandarra, entendendo-se que Bandarra é um nome colectivo, pelo qual se designa, não só o vidente de Trancoso, mas todos quantos viram, por seu exemplo, à mesma Luz. Este Terceiro
Corpo não é, nem poderia ser do Bandarra de Trancoso. Dizemos, contudo,
que é do Bandarra. A quadra é assim: Em vós que haveis de ser Quinto/Depois de morto o Segundo,/Minhas profecias fundo/Nestas letras que VOS Pinto.»
Será então esta quadra, escrita bem posteriormente por seguidores ou continuadores anónimos de Bandarra, responsáveis pelas novas quadras que foram acrescentadas, por Fernando Pessoa considerados "iniciados na mesma luz", a base principal da ligação profética de Bandarra com o V Império, ou com D. João V até, para que os consideraram como o novo imperador. E, claro, para as congeminações optimistas mas irrealizáveis de Fernando Pessoa...
Na realidade, Agostinho da Silva, discípulo do sublime orador e genial pensador, embora discutido político, Leonardo Coimbra e do movimento da Renascença Portuguesa e sua revista Águia, onde o jovem Fernando Pessoa passara e se anunciara cientemente como o super-Camões, vivenciou na prática as diversas possibilidades de universalismo, sendo de certo modo um antigo marinheiro português tal como foi imortalizado em Rafael Hitlodeu, narrador a Thomas More da mítica ilha da Utopia, enquanto viajante (à bolina...) e dialogante pelos cinco continentes, com 30 anos dinâmicos no Brasil. Ora a sua visão futurante de Portugal, e do que seria V Império, assentou mais, ao contrário de Fernando Pessoa, na tradição de D. Dinis e Isabel do culto do Espírito Santo, com a sua valorização da criatividade absoluta, da liberdade e gratuidade da vida, e da fraternidade entre as religiões e ciências. Mas acrescentou a valorização forte do Amor, pela sua experiência e que faltou a Fernando Pessoa, reinterpretando valiosamente a ilha do Amor, do canto X dos Lusíadas, de Luís de Camões, no qual o culto e esforçado poeta apresenta uma visão iniciática regida pelo Feminino, pela Deusa e as Ninfas que conduzem Vasco da Gama e os nautas à união amorosa e espiritual, bem harmoniosa ou sincrónica com a tradição indiana dos Shaktas e Shaivas, Luís de Camões que nos surge na imagem seguinte bem enleado enquanto mestre do som e da palavra e coroado ou sob a cascata da buganvília rubra do amor unificador.
Podemos então considerar que Agostinho da Silva acolhe e rectifica Fernando Pessoa, limitado pela época, pela falta de apoios e de viagens e baseando-se muito nas profecias (tão imaginativas e falhadas) de Daniel, Bandarra e Vieira, e referenciando muito ocasionalmente Joaquim de Fiora (tanto mais que a sua busca se realizou mais em linhas ocultistas, maçónicas e gnósticas), o monge calabrês algo condenado pelas suas teses que punham em causa a necessidade da Igreja institucional ou da acção intermediária do sacerdote.
Ora Agostinho da Silva acolherá muito Joaquim de Fiora, que desenvolvera uma visão da evolução da Humanidade em três Idades, a do Pai, mais autoritária, da Lei de Moisés e do Antigo Testamento, a do Filho, do Evangelho, da obediência filial e da Igreja de Cristo e, finalmente, a idade do Espírito Santo, em que se estaria a entrar, a da inteligência espiritual desperta e em que cada ser seria por si mesmo sacerdote ou realizador da sua livre religação ao espírito e Deus, vivendo em relações fraternas e comunitárias.
Ora através das práticas de beneficiência ou solidariedade e das festas portuguesas do Espírito Santo, de certo modo trazidas pelos franciscanos espirituais, ligados a Joaquim Fiora, se viviam e se evocavam para todos alguns dos dons do Espírito, ou mesmo se propiciava a antevisão de tal Idade de fraterna e de abundância, vivências que o arquipélago dos Açores conserva ainda hoje bem cultivadas e amadas, tal como em várias zonas do Brasil, com seus bodos, devoções, procissões e os descantes repentistas e em desafio inspirado.
Olhando para a História, se é verdade que um amadurecimento sublimador da animalidade egoísta da humanidade se foi e vai realizando ao longo dos tempos e nos nossos dias, há ainda muita dependência de intermediários, sempre algo separatistas, seja os livros santos ou sacerdotes, pastores e mestres, embora seja cada vez maior a multiculturalidade e o diálogo inter-religioso, pesem ainda as muitas zonas semi-fanáticas, em especial no judaísmo, cristianismo e islão, pelo que se pode dizer que o sonho e desafio de uma Humanidade mais unida e regida por um ensinamento comum moral, não-violento, ético e religioso na base da unidade das religiões e tradições, e dos melhores esforços para o sublime, é certamente apenas uma utopia viva, um ideal apelante, de certa forma o tal Império, Era, Idade ou Reino desejado, como aliás Fernando Pessoa intuíra ao especular sobre os vários níveis do sebastianismo, recuando mesmo num fragmento ao arquétipo egípcio de Osíris com seu corpo retalhado nas muitas religiões, certamente uma das raízes da tradição ocidental: «D. Sebastião, no seu triplo carácter de Rei (isto é, Rei Nacional), de Desejado e de Encoberto.
Estamos na Era do Desejado (...)
Finalmente vem o Encoberto. É este o nome de Osíris, cujos membros dispersos - as diferentes religiões - serão então reunidos, extinta a Igreja de Roma, na verdadeira Igreja Católica, na religião, por fim, universal.
E então se poderá ver o que o iniciado de Patmos chamou «um céu novo e uma terra nova.»
Certamente que também os sonhos visionários do Apocalipse, que teriam sido escritos na sagrada ilha de Patmos, sabemos bem hoje que nada a tem a ver com S. João (como aliás o arguto Erasmo provara no séc. XVI), mas com correntes messiânicas e zelotas da época e que introduziram imagens e profecias irreais que ainda hoje tem muitos adeptos, nomeadamente nas igrejas evangélicas ou em grupos e seitas mais dramáticos e aterrorizadores.
Mais exequivelmente e universalmente viu e experienciou, sobretudo no Brasil, Agostinho da Silva tal estado consciencial de unidade inter-religiosa de Portugal e Humanidade quando afirma: «Gosto
de pensar um Portugal historicamente monoteísta e que estivesse
frequentemente procurando o essencial do que já foi ou é,
hebraico, cristão e muçulmano; mais ainda que pusesse, objectivo, o
que as três religiões têm em comum; que o comparasse em seguida
com toda a variedade oriental, africana e índia, e ainda aqui
isolasse o comum, para não falarmos já de gregos ou romanos; que
fizesse o esforço de sondar ateísmos, e que acabasse por ser o
mistério e o silêncio que ficam», numa linha muito dele de valorização do inefável e da unidade dos opostos e de pôr em contacto as pessoas das diversas tradições, como me aconselhou antes das minhas peregrinações por terra à Índia e que me permitiu dialogar com alguns dos últimos fiéis do Amor Luso-Indiano em Goa.
Esperarmos hoje um V império universal de paz e justiça seria uma utopia grande ou mesmo absurda, já que ao invés tanto egoísmo, nacionalismo, ultraliberalismo, transgendrismo e imperialismo reinam. Com efeito, o V Império material que existe de base ocidental capitalista universalizou-se e é bastante desumano e violento para tal irenismo (do grego irene, paz, pacifismo) da unidade das religiões prevalecer. Apenas se pode lutar criativamente pelo desenvolvimento do que se poderá chamar aspectos e realizações de um Império, ou melhor, Era, mais cultural e espiritual, tarefa que não pode caber apenas aos cidadãos de um país, ou aos manes de uma pátria-mátria (embora cada um de nós os deva trabalhar ou invocar), mas sim à totalidade dos povos, tradições e espíritos humanos.
Demanda de homens e mulheres não só isolados (e ainda mais pela separatividade e a inveja) mas também através de grupos, instituições, encontros e parlamentos de seres representativos do que mais e melhor se sabe e se faz, e com a intencionalidade pura do Bem da Humanidade, algo que Fernando Pessoa na sua reconstituição da Ordem Templária ou de Cristo de Portugal realçou, sob a epígrafe do mote ou empresa do infante D. Henrique, «Talent de bien faire. (1) Executar na máxima perfeição todos os actos da vida, e sobretudo todos os actos da vida superior. (2) Fazer o Bem. (3) Criar a vinda do Bem. Não há outros princípios fundamentais na O[rdem].»
De tal trabalho (bem feito), poderia resultar um manual escolar ético, artístico, científico, cultural e espiritual da Humanidade e que, sendo divulgado e implementado pela UNESCO, seria um poderoso factor para se semear ou fazer desabrochar nas alminhas escolares, e seus instrutores, uma mentalidade aberta, fraterna, solidária, dialogante e de comunhão intercultural e inter-religiosa mundial.
Simultaneamente cabe a a cada indivíduo, nos seus países ou tradições tentar atingir e viver harmoniosa e humildemente a sua ligação sóbria, biológica e amorosa com a terra e os recursos escassos do planeta, em partilha e diálogo convivial com os seus próximos e contemporâneos (neste aspecto também se destacando Agostinho da Silva ao valorizar e querer apoiar as amizades e suas redes, comunidades e experiências inspiradas no aprofundamento do culto do Espírito Santo), trabalhando e intensificando-se os seres na sensibilidade e na aspiração tanto ao labor humilde como ao heroico e iniciático, conduzindo à consciencialização da nossa essência imortal e da sua religação à Divindade.
Os seres que pelas suas obras e palavras galvanizem os outros em realizações e esperanças de melhoria, de beleza, de justiça, de harmonia, são os que estão realmente a viver mais a harmonia, a unidade, o amor, o reino dos céus na Terra, o imaginário e desejado V Império no que é possível no séc. XXI, se quisermos ainda usar tal mitema antigo, para o Campo subtil unificado de realização e circulação pessoal, grupal, subtil, cultural e espiritual de busca da verdade, do belo e do bom de modo não-violento mas por amor, diálogo e sabedoria.
Alguns dos cultores lusos do V Império estavam conscientes disto, embora não com a agudeza que nós vivemos pois, no tempo de Fernando Pessoa, Portugal controlava ainda as províncias ultramarinas, e o quadro europeu e mundial respirava bastante mais eticamente, embora a sombra da Censura de Salazar e do Estado Novo já desse origem ao desencanto final de Fernando Pessoa, bem visível no poema último da Mensagem o Nevoeiro e na sua Elegia da Sombra. Mas louve-se Fernando Pessoa pelo seu extraordinário poema Clarim também denominado V Império, onde fulgura bastante a ideia do corpo místico ou subtil da Tradição Espiritual portuguesa, numa excelente invocação e evocação pouco conhecida e menos ainda lida com a sensibilidade interior necessária a ser operativa animicamente.
Esse Clarim ecoa o poema dedicado em 1920 À Memória do Presidente-Rei Sidónio Pais, aquando do seu assassinato, e onde os seus veios sebastianistas, messiânicos ou avatáricos, são por ele erguidos já bem espiritual e esotericamente:
«No oculto para o nosso olhar
No visível à nossa alma,
Inda sorri com o antigo ar
De força calma.
Com mais armas que com Verdade
Combate a alma por quem ama.
É lenha só a Realidade:
A fé é a chama.
Quem quer que sejas, lá no abismo
Onde a morte a vida conduz,
Sê para nós um misticismo
A vaga luz.
E amanhã quando houver a Hora,
Sendo Deus pago, Deus dirá
Nova palavra redentora
Ao mal que há.
E um novo verbo ocidental
Incarnado em heroísmo e glória,
Traga por seu broquel real
Tua memória.»
Já nos tempos médios e finais da vida de Agostinho Silva, Portugal libertara-se do Estado Novo e podia-se tentar viver a mais e melhor a convivialidade da idade do Espírito Santo pelo que ele escreveu, conversou (no particular sentido de nos convertermos um no outro e no que de verdade nos coroa) e poetizou de tantos modos, por vezes com grande genialidade ou concisão, sintetizando mesmo o que de melhor houvera em D. Dinis e Isabel, em Camões e a sua ilha do Amor, a voz da Deusa, a subida ao alto monte e a contemplação da ordem cósmica, e ainda com a voz de Deus do padre António Vieira e o império da língua portuguesa de Pessoa, este por Agostinho tão bem palmilhado e trabalhado por muitos recantos do mundo da lusofonia e algo que hoje, por vários textos de múltiplos autores, a revista Nova Águia tenta continuar.
Todavia, tendo hoje a riqueza e a disponibilidade cultural dos portugueses diminuído por sucessivas crises, sendo a mais recente provocada pelo corona virus 19, que trouxe consigo a destruição de milhares de pequenas empresas e postos de trabalho e uma crescente opressão da convivialidade livre, bem visível também nos media e redes sociais, devido às narrativas oficiais obrigatórias, podemos assustar-nos, tal como Fernão Álvares do Oriente enfabula, face à fera selvagem que se instalara a dizimar pessoas, na sua Lusitânia Transformada, numa metáfora da Inquisição (e abordada por Sampaio Bruno no seu importante livro Os Cavaleiros do Amor), admitindo-se vê-la ressuscitada ou reencarnada nos agentes e colaboradores de uma ordem mundial que se pretende impor bastante desumanamente.
Como se estivéssemos no meio de uma luta das trevas e da luz zoroástrica, haverá que esforçar-nos pelas possibilidades luminosas sempre abertas (e que já Antero de Quental realçara ao sentir que «a Bíblia tem brancas as últimas páginas, para que lhe possa cada geração nova escrever lá o verso d'oiro de cada novo Evangelho que se revele») de um futuro social, cultural e espiritual mais luminoso. E assim para finalizar esta revisitação vamos escolher e acolher alguns textos destes dois últimos cultores da grande alma portuguesa e que ecoaram frequentemente outros elos da nossa tradição cultural e espiritual, tal como referimos, por exemplo, Antero de Quental, pioneiro no seu ensaio das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos Três Séculos, no seu socialismo humano e na sua sonhada Ordem dos Mateiros, de seres que sabem recolher-se interiormente na Natureza, tal como já em 1865 escrevia, bem profeticamente para os nossos dias de recolhimentos forçados, a António de Azevedo Castelo Branco:«O cenobitismo e a contemplação, o misticismo, se quiseres, são na sua inércia aparente, os mais rijos obstáculos que a liberdade do Espírito pode opor à brutalidade invasora das condições fatais do mundo».
Quanto a Fernando Pessoa, nascido no coração de Lisboa, em dia de S. António, de quem sempre foi devoto, eis uma visão ribeirinha fácil de ser vista e sentida, no poema a D. Sebastião na Mensagem: «Mas não, não é luar: é luz do etéreo./ É um dia; e, no céu amplo de desejo,/ A madrugada irreal do Quinto Império/ Doira as margens do Tejo.» Ou ainda a do poema V Império da mesma obra pois contém um ensinamento básico, que vale a pena levar de cor ou no coração: «Ser descontente é ser homem./Que as forças cegas se domem/Pela visão que a alma tem!» Captações do panpsiquismo do corpo místico da Tradição cultural e espiritual Portuguesa são-nos passados ainda por Fernando Pessoa em símbolos e palavras quase mágicas para tal comunhão, nomeadamente no poema sem nome mas designado como V Império, pouco divulgado, e que é iniciado assim:
«Vibra, clarim, cuja voz diz
Que outrora ergueste o grito real
Por D. João, Mestre de Aviz,
E Portugal. (...)
A Todos, todos, feitos num
Que é Portugal, sem lei nem fim,
Convoca, e, erguendo-os um a um,
Vibra Clarim!
E outros, e outros, gente vária
Oculta neste mundo misto,
Seu peito atrai, rubra e templária,
A Cruz de Cristo.
Glosam, secretos, altos motes,
Dados no idioma do Mistério
Soldados não, mas sacerdotes,
Do Quinto Império.
Vinde aqui todos os que sois,
sabendo-o bem, sabendo-o mal,
Poetas, ou santos ou heróis
De Portugal.
Não foi para servos que nascemos,
De Grécia ou de Roma ou de ninguém.
Tudo negámos e esquecemos:
Fomos para além.»
Finalizemos com Agostinho da Silva (1906-1994), mestre de conversas unificadoras de opostos ("quando conversamos com uma pessoa, no
fim de contas queremos converter-nos ou converter a nossa dualidade numa
unidade superior"), com algumas quadras bem lúcidas, fáceis até de decorar:
«Matéria
sendo bailado/ que faz o Espírito santo/ com o espírito que é
nosso/ e que santo não é tanto.
Da
dança brota primeiro/ o que se chama energia/naquele saber de agora/
em que física se fia.
Que
o melhor de meu destino/ me salve a mim e aos meus/ de saber para
poder/ não para louvar a Deus.
E
que me guarde primeiro/ da vontade de saber/ como coisa que possua/
antes que estrada de ser.
Alma
esculpes e não pedra/a cada gesto de amor/ a ti próprio te fazendo/
como todo o criador.
Realcemos ainda sobre a missão da Comunidade dos Povos da Língua Portuguesa a sua visão bem idealista e profunda, afirmada em 1986 «guiarem o mundo ao
reconhecimento da sua verdadeira essência: a do espírito na matéria
esplendendo», e rectificando, em 1-7-87, o conceito tradicional de conversão ao cristianismo do passado V Império: «os
infiéis que hoje importam são os que, pelas restrições económicas,
educacionais ou políticas ou filosóficas, são condenados por toda
a vida à infidelidade à sua própria vocação, àquilo de único a
que vieram ao mundo, e afinal morrem sem ter vivido. Culpados somos
todos se nos entretivermos com festas de pretérito: antecipemos as
do futuro, que mais para isso somos portugueses e todos os que herdarem ou herdaram».
Concluamos mesmo com um dos seus últimos ensinamentos acerca do V Império, de Junho
de 90, na qual falando da viagem fundamental de Portugal, a que levou a alma de Portugal
fora e a trará de novo, valoriza «o culto da plenitude do Divino sem
esquecer que nele paira a inteira liberdade da criança, a gratuita
graça da vida e o quebrar de toda a grade imaginária ou real.
Livres ouviremos a voz da criatividade absoluta a que Luís de Camões
deu o nome de Deusa em sua ilha de Amores e Vieira ampliou a Deus no
que sonhou imorredouro império, aquele em que ninguém impere (...) o
que a todos é possível e de dever, o soltar-se das cadeias do tempo
e do espaço e ligar em perfeita harmonia o empreender e o ser.»
Possam os veios comunais e subtis e os contributos especiais de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva integrarem-nos melhor na grande Alma Portuguesa, no culto do Espírito santo, isto é, na devoção na realização do espírito, bem como na tradição do heroísmo dos Descobrimentos, e no sonho rectificado do não-Império, concomitante ao fim do norte-americano e que está a dar lugar a uma multipolaridade, para que não desanimemos com tanta decadência e desintegração de identidades, e para que o espírito esplenda mais em nós em dinâmicas criativas e harmonizadoras de corpos e almas, não manipuladas por novas ordens mundiais mas inspiradas e unidas no mesmo corpo místico e divino de Portugal, do seu Arcanjo e para a Humanidade.