quinta-feira, 30 de junho de 2022

"O Culto da Árvore", conferência pelo engenheiro agrónomo Alberto Veloso de Araújo, e sua beleza e actualidade.

  As últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX foram das mais criativas da História de Portugal correspondendo a uma explosão de consciência vibrantes e entusiásticas lideradas por intelectuais e cientistas, estudantes e operários, agricultores e artistas, gerando constantes obras novas que foram alterando a paisagem anímica e material portuguesa. Um dos campos que, dado o seu peso económico e a elevada ocupação de população activa, esteve mais em destaque foi a agricultura e em especial a reorganização agrícola, o fomento florestal e industrial, o culto da árvore, a festa da árvore. Vários jornais, revistas, associações e autores brilharam e mencionaremos alguns nomes como António Batalha Reis e Oliveira Júnior, Jaime de Magalhães Lima, Eduardo Sequeira, Francisco Correa de Mello Leotte, C. A. de Sousa Pimentel, Alberto Veloso d'Araújo, Albino Leite, José de Castro, Tude M. de Souza, Guilherme Felgueiras, Joaquim Rasteiro, João Mota Prego, Mário de Azevedo Gomes, Vieira Natividade, José Pequito Rebelo, Sousa Costa, Sant'iago Prezado, etc.


O autor da palestra que transcrevemos em seguida, o engenheiro agrónomo Alberto Veloso de Araújo, nasceu em 1897 e partiu da Terra em 1952, no Porto, tendo sido director técnico dos Serviços dos Jardins e Arborização da Câmara Municipal do Porto (1923-1926). Foi um amante da Natureza e de Portugal e fundou e dirigiu a revista Agros (1921-1923), colaborando ainda no movimento portuense da Renascença Portuguesa e na sua famosa revista, dirigida por Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes e Jaime Cortesão, a Águia, bem como na revista Gazeta das Aldeias e no semanário Estrela do Minho. Deixou alguns livros sobre o Ensino Feminino agrícola, O Minho rural e a agricultura moderna, a Piscicultura, o Turismo em Portugal, etc. Em 1913 publicou num belo livrinho a sua conferência a convite do Século Agrícola para a Festa da Árvore (comemorada nesse ano em numerosas cidades) e resolvemos transcrevê-la, com a ajuda da Cláudia Lopes, e partilhá-la online, já que é obra rara e não estava digitalizada, o exemplar que possuímos tendo mesmo a sua dedicatória, com "profunda estima", a Alberto Carlos Callage.

Escrita numa linguagem acessível, está cheia de expressões e ritmos que mostram bem a grande sensibilidade e familiaridade de Alberto Azevedo d'Araujo com a Natureza e em especial as árvores, os ventos, as aves e as crianças. Que ela possa ser relida e em alguma turma escolar ou alma leitora estimular o amor à Natureza, à ecologia, à agricultura orgânica, às árvores e às aves, eis os nossos votos....

O CULTO DA ÁRVORE

(Conferência realizada, no Salão Nobre do Asilo D. Pedro V, na tarde do dia 12 de Janeiro, do ano corrente [1913], por ocasião da FESTA DA ÁRVORE, promovida pela Associação de Beneficiência e Instrução do Campo Grande, e a convite do “Século Agrícola”)

Por

ALBERTO VELOZO D´ARAUJO

Publicista agrícola e proprietário rural


Tipographia Thirsense –

De José Cardoso Santarém

--- Rua Sousa Trepa, 47

Santo Tirso, 1913 ---

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À minha boa Mécia

esposa modelar!


À minha simpática Guilhermina

dedicada irmã!


À gentil Mariana Dulce

esperançosa afilhada!


Dedico-vos – em primeiro lugar esta conferência: O CULTO DA ÁRVORE!

É um hino caloroso à Natureza, uma saudação enternecida à Árvore, um apelo sentido à Ave!

Sei que amais a Natureza, nossa adorável e boa Mãe; sei que amais as árvores, deliciosas criações tão gratas aos corações bem formados; sei que amais as avezinhas, trovadores das selvas, cantores dos bosques, que tanto animam a vida dos campos pelo encanto dos seus gorgeios e pela beleza da sua plumagem.

E, nessas páginas, singelas, mas sentidas, tracei um retalho do Ideal da minha vida e que é também um capitulo da minha Religião: O Culto da Bondade, da Justiça, da Verdade e da Beleza, exercido no grandioso Templo da Natureza, sob o benéfico influxo da Arte.

Todo vosso

Alberto Velozo d´Araujo

Lisboa, 25-1-913.

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Ao Il. mo e Ex. mo Snr.

Álvaro de Castro Neves

Simpático, activo e inteligente Director do “SÉCULO AGRÍCOLA”

Quis V. Ex.ª honrar o meu acendrado culto à Natureza, o meu devotado entusiasmo à Árvore e o meu radicado amor à Lavoura.

Quis V. Ex.ª deliciar-me pelo convite a uma Festa da Árvore, no meio da alegria cristalina e sã da mocidade das Escolas.

Quis V. Ex.ª que eu traduzisse, em palavras singelas, mas bem sentidas, tudo isso que é grande, nobre e bom e belo!

Desempenhei-me dessa gratíssima missão, em nome do «Século Agrícola» de que V. Ex.ª é competentíssimo Director.

Na modesta alocução foi toda a minha alma, todo o meu coração! E a mocidade das Escolas soube premiar o meu esforço, na intensidade das suas palmas, no sorriso que brincava em olhos duma pureza ideal, em faces duma frescura da alvorada.

Bem haja a sua iniciativa!

Abençoada seja a sua obra!

Saúde e República!

Alberto Velozo d´Araujo.

Casa de V. Ex.ª , Lisboa, 25-1-1913.

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À Associação de Beneficência

e Instrução do Campo Grande!

Souberam V. Ex. as secundar a patriótica iniciativa do «Século Agrícola» .

E a Festa da Árvore, no Campo Grande, foi uma bela homenagem prestada a esse gesto de progresso e de vida.

A vossa festa teve a torná-la linda a alegria da mocidade e a fazê-la imponente o significado que traduzia: O CULTO DA ÁRVORE!

A vossa obra de bela solidariedade, de sã confraternização, de grande benemerência, esta muito acima dos maiores elogios.

Saúdo-vos, no entanto, com enternecido agradecimento pelas ditosas horas que passei, no meio dos vossos protegidos, a quem dais o pão do espírito, agasalho e carinho.

Bem hajam corações tão bem formados e actividades tão bem impulsionadas!

Saúde e República!

De V. Ex.as m.to respeitador

Alberto Veloso d´Araujo.

Casa de V. Ex.as, Lisboa, 25-1-1913.

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Ao Il. mo e Ex.mo Snr.

Doutor José de Castro

Ilustre iniciador

da ASSOCIAÇÃO DO CULTO DA ÁRVORE!


A V. Ex.ª, esforçado campeão da «Associação do Culto da Árvore», obreiro inteligente, apaixonado e culto do progresso e da beleza da nossa querida e boa terra de Portugal,

o aplauso incondicional, comovido e sentido, dum amigo da Lavoura, dum cultor da Natureza, dum defensor da Árvore!

Alberto Velozo d´Araujo.

Casa de S. Ex.ª, Lisboa, 25-1-1913.

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Árvore é Riqueza!
Todos sabem que da árvore retiramos lenha, colhemos frutos, obtemos madeira e mil produtos que a ciência, a arte, a indústria e a alimentação aproveitam e necessitam para o bem-estar da Humanidade.
A madeira é, de todos os produtos da Natureza, aquele que maior soma de empregos e maior numero de utilizações representa.
Da adega, do celeiro, do pavimento ao estuque de uma casa, da mais humilde choupana ao mais opulento palácio, a madeira domina imperiosa, numa tal profusão de empregos, numa tal abundância e variedade de serviços que desnorteia e perturba.
No lar familiar, em que arde e coze os alimentos ou aquece o ambiente; no berço ou no leito; nas portas e janelas das nossas habitações; nos móveis em que guardamos os nossos haveres; do carro modesto à carruagem de luxo, ao comboio rápido, ao automóvel opulento e veloz, ao aeroplano que fere os ares, qual ave gigantesca; em toda a parte, e sempre, encontramos a árvore, que se despojou do tronco para nos dar o conforto e o bem-estar da vida moderna.
E, por fim, a árvore que nos amparou e serviu, através da vida, desce connosco ao túmulo, transmutada em pobre ou rico ataúde, de tábuas mais ou menos preciosas.
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A árvore é ainda um grande distribuidor de salários pelo grande numero de indústrias que alimenta.
É curioso, instructivo e proveitoso o conhecimento da extensa série de indústrias que utilizam, dia a dia, a madeira como matéria prima.
A serração desbasta um tronco de árvore e divide-o e subdivide-o em tábuas de várias grossuras, que entrega à industria de moveis; à fabricação de vasilhame para armazenar vinho, azeite e outros preciosos líquidos; à indústria de carros e carruagens; à preparação de caixas para transporte de variados produtos; à fabricação de pianos e outros instrumentos musicais; à feitura de barcos de pesca e de recreio e de navios que sulcam os mares, na troca de mil produtos da actividade humana.
E, se o enorme incremento dado à extracção do carvão de pedra, ou melhor à hulha e à antracite, reduziu em grandes proporções o uso da madeira para aquecer os fornos das fábricas e as fornalhas das máquinas a vapor, no entanto nasceram novas indústrias, que utilizaram a madeira em larga escala e dela fazem um uso constante que, dia a dia, aumenta dum modo extraordinário.
Mas não nos esqueçamos: O carvão mineral, a hulha, não é senão uma prodigiosa reserva subterrânea formada, há séculos e séculos, à custa de florestas que, devido a convulsões do globo terrestre, se subverteram e, ao abrigo do ar, se decompuseram nessa matéria dura, pesada, reluzente e preciosa – a hulha!
Uma das novas indústrias, de recente data, é a preparação da massa de madeira que, triturada mecanicamente ou tratada por processos químicos, fornece uma pasta branca ou cinzenta que nos dá o papel de jornal, o papel de empacotamento, as caixas de papelão e até essas folhas de cartão que, justapostas, coladas e comprimidas, podem dar uma matéria – a ebonite -, bastante resistente, para ser utilizada como rodas de locomotivas.
E a madeira sofre ainda maiores tratos: Pelo calor, pela destilação, extraiam-se-lhe alcoóis, ácidos e alcatrão de grande valor e de diversas aplicações.
E urge não esquecer o larguíssimo emprego das travessas de caminhos de ferro, das escoras das minas de carvão, que exigem troncos quase inteiros, toros, sobretudo de pinheiros; dos postes de telégrafos e telefones, e por fim dos paralelepípedo de madeira, que, nas grandes cidades, tendem a substituir os paralelepípedos de pedra.
E, assim, vejam V. Excelências, o estupendo, o colossal emprego da madeira e o valor extraordinário da árvore na vida moderna de todas as nações do universo.
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Mas não é tudo: A árvore não nos fornece somente lenha para aquecimento e madeira para nossa utilidade.
A árvore dá-nos flores para a medicina como as flores da tília, e para a indústria dos perfumes como as flores de laranjeira; dá-nos a casca que dos sobreiros é a cortiça, de enorme valor comercial e industrial, notável riqueza agrícola para o nosso país; e de diversas árvores, sobretudo dos carvalhos, serve para a industria de curtição de peles; de outras utiliza-se para curar as nossas enfermidades, como a quina, medicamento precioso contra a febre; a cânfora, de dia a dia mais necessária, na farmácia e na industria de explosivos e na fabricação de variados objectos de celulóide; a canela, espécie aromática tão conhecida e valiosa.
Do suco, do latex de certas árvores provém essa substancia dum valor incalculável: a borracha.
Doutras árvores, dos pinheiros, extrai-se a resina ou gema que, purificada por diversos processos, fornece a terebintina, tão valiosa na formação dos vernizes; da destilação da resina obtêm-se a essência de terebintina ou água-raz, que se emprega na preparação das tintas, e dos resíduos da destilação a colofonia ou pêz louro.
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A árvore fructífera – o seu nome o diz – fornece-nos, durante o decorrer do ano, frutos deliciosos, muito úteis à saúde, muito alimentares, que podem dar bebidas boas e higiénicas como a cidra ou vinho de maçã; que as boas donas de casa transformam em saborosas marmeladas, geleias e compotas; que a lavoura reduz a esse liquido preciosíssimo – o azeite -, óleo comestível, inestimável riqueza para o nosso querido torrão natal; que a medicina utiliza, com enorme beneficio, como a noz de cola, produzindo cola granulada; que a indústria transforma em produtos riquíssimos – o cacau e o chocolate; que dão uma bebida deliciosa – o café; que nos fornecem uma polpa branca, fina e saborosa – o coco.
E assim por diante, numa variedade de frutos, que seria muito interessante compendiar, esforço impossível nos estreitos limites duma conferência.
Ah! Minhas Senhoras, Meus Senhores e Gentilíssimas Meninas e simpáticos rapazes, eu não me iludi, não é verdade? A ÁRVORE É
RIQUEZA!

      A Árvore é Beleza!
Ela veste a campina, guarnece a montanha, orla o rio, o regato, o lago; engrinalda e adorna os jardins e parques, as praças e os caminhos, as ruas, avenidas e os caminhos de cidades, vilas e aldeias.
Pela variedade de folhagem, diversidade de colorido e forma, pelo modo como distende as ramarias e alarga os braços e forma as cômas, a árvore oferece ao olhar, amante da perspectiva, da cor e da Natureza, um vasto campo de estudo e um infinito tema aos sublimes arroubos da Poesia e às divinas sugestões da Arte.
O Sol, o lindo Sol, bate na folhagem e reflecte-se e refracta-se em ondulações prateadas umas vezes, outras em pulverizações de fino oiro; na hora calma e suave da alvorada, há nas folhas das árvores o orvalho do amanhecer, pranto das noites estreladas, e, então, a luz do sol decompõe-se, numa sementeira de diamantes e pérolas.
Se a folhagem das árvores é brandamente tocada pelas asas dos zéfiros ou beijada pelas auras mais fagueiras, ela canta, sussurra docemente, ouve-se um murmúrio que é um dos mais belos sorrisos da Natureza.
Mas, se o vento sopra rijo, indomável, se ele brame e se transforma em vento de tempestade, de procela, de ciclone, então a harpa eólica da brisa volve-se em uivos, em lamentos, em gemidos ou mesmo em roncos formidáveis.
A floresta parece um mar impetuoso, ameaçador, iracundo, truculento!
Há entre o vento e a árvore uma aliança de amigos doidejantes de harmoniosos cantares, mas que por vezes se zangam e soltam imprecações de ódio, de rancor, de futuras vinganças.
Prossigamos, sem demora, para não perdermos a ilusão passada, porque, em verdade, a árvore é beleza!
E a árvore – não o olvidemos: A árvore é Bondade!
Ela veste-se para nos dar sombra, refrigério, protecção.
Se o Sol dardeja, no verão, sobre a face da terra os seus raios de fogo, a árvore dá-nos deliciosa sombra, e as suas folhas são leques, de lindos desenhos, de finas nervuras, de delicadas varetas, de suaves tintas, a refrescarem a atmosfera!
Se cai das alturas, uma chuva que alaga a terra ou ao menos tudo molha, batida pelo vento, a árvore acolhe, desculpa e tempera a nossa imprevidência. É guarda-chuva protector que o vento não vira nem quebra.
Mas a árvore não nasceu só para nós!
Ela é o grande protector, o seguro amigo, o celeiro e o restaurante, o abrigo das aves!
Entre a árvore e a ave há também um contracto de eterna amizade.
Ao romper da alva, quando a luz indecisa do crepúsculo matutino mal deixa descortinar na face da terra as diversas coisas que a enchem, a avesita, que dormiu oculta na espessura das ramarias, sacode as penas, agita-se, estende uma pernita e logo outra, distende o pescoço, abre o bico, penteia-se, faz a sua toilette e solta à Natureza, terna e boa Mãe, um trinado, um gorjeio, um trilo, que é uma saudação, uma prece e que eu traduzo assim:
«Avé! Natureza! Cheia de encanto, de magia e de graça! A fecundidade, a força, a beleza e a bondade são contigo! Benditos são os frutos do teu eterno Amor, da tua eterna Beleza, da tua eterna Bondade!
Eu te saúdo, oh! Natureza, caridosa Mãe! Avé!»
E, depois, a avesita saltita, de ramo em ramo, e, ao fim dum certo exercício, vê que a mãe Natureza acendeu no espaço esse luzeiro soberbo que aquece e ilumina, eterna fonte da Vida: o Sol!
E descobre, sem tardança, a mesa posta: Aqui, rutilam bagas como rubis – são cerejas e ginjas; ali, lourejam tangerinas e laranjas; além, descobre nozes e castanhas, peras, maçãs e ameixas.
Se quiser descer ao rés-do-chão, ao restaurante da horta, do jardim, do campo, encontra legumes, hortaliças, sementes e insectos, para variar de acepipes.
Mas a minha avezinha não é exigente: na árvore se regala e reconforta.
Almoçou planturosamente, copiosamente.
Palita o bico num ramo e conversa com outra avezita que escolheu para companheira e testemunha-o dos seus trilos, gorgeios e trinados.
Percebo tudo, porque a sua linguagem é a linguagem do amor, universal, comum a todas as criaturas.
Diz assim: «- Amiguinha! A árvore, a bendita árvore, deu-nos agasalho, é a nossa choupana; também nos serviu fresco e gostoso almoço. E não tarda a Primavera! O ar é tépido e balsamizado por mil perfumes; zumbem nos ares milhares de insectos de asas irisadas ou cor de fogo. Olhemos o dia de amanhã! Começamos a envelhecer! E se preparássemos a nossa renovação?! Não devemos deixar sem habitantes a árvore amiga!»
E as avezitas começaram a construir o ninho dos seus amores, o berço para os filhitos, a nascerem, em breve!
Que de canseiras! Que de trabalho, de tantas horas, em muitos dias!
Os materiais vêm de longe, são variadíssimos e entretecidos com os bicos e as unhas.
Por fora, ásperos, resistentes ao vento e a diversos inimigos. Mas, por dentro! Que macieza! Que flacidez! São musgos e lichens e penas arrancadas ao próprio peito!
E, dentro em breve, lindos ovinhos opulentam esse escrínio, esse tesouro, que encerra uma das maravilhas da Natureza: A ave!
O calor das avesitas, ora do papá, ora da mamã, vai fazendo crescer um pequenino ser que rompe a casca e fica esgotado de tal esforço. Não tem penas e os olhos estão fechados à luz acariciadora do sol.
O tépido regaço dos pais acalenta e protege tanta fraqueza.
E, no entanto, a árvore amiga sustenta e defende aquele grupo de cantadores.
E assim cresce aquela família que a árvore uniu, alimenta, protege e agasalha.
E, deste modo, quem protege e ama a árvore deve proteger e amar a ave.
E a ave agradecida a tanta dedicação, dá-nos um exemplo emocionante de reconhecimento e de mútua estima.
Mil parasitas, mil insectos ou suas larvas invadem a árvore e trituram-lhes as folhas; outros introduzem-se na casca e procuram penetrar no tronco para comer o seu tecido.
Então, as avesitas devoram esses cruéis, temíveis e numerosos inimigos da árvore.
As aves e as árvores são bons amigos!
Sede vós, também, gentis ouvintes, avesitas implumes, que ainda balbuciais as primeiras palavras da ciência da vida e na vida dais os primeiros passos; vós, que tanto precisais do tépido regaço, do carinho, dos afagos e das canseiras de vossos pães e de vossos professores; sede vós, também, digo, os melhores defensores da árvore e da ave.
Através da vossa existência, observai a vida, nos campos, em plena Natureza, contemplai as árvores e olhai as avesinhas.
E, então, pensareis como eu que é dever e interesse nosso e um belo gesto de gratidão amar doidamente as árvores e defender as avesitas tão amigas das árvores e dos homens, limpando as plantas, que nos são queridas e preciosas, de mil bichinhos que procuram destruí-las.
Não vos esqueçais, oh! Meus amiguinhos!
Durante a vossa vida, que eu desejo muito longa, muito feliz e sobretudo muito rica em bem fazer, em boas acções, guiadas pela Justiça e norteadas pela Verdade, não vos esqueçais:
A Árvore é Riqueza! É Beleza! É Bondade!
Protegei a Árvore! E protegei também a ave!
A árvore e a ave são bons amigos!
Sede os seus padrinhos, os seus defensores, olhai-as com carinho, cobri-as com um olhar amoroso e terno; deixai-as morrer velhinhas, quando o bom Deus lhes recolher essa parcela de vida que faz parte da vida universal, palpitante, à face da Terra!...»

 Assim terminava em 1913 a sua bela e comovedora conferência  Alberto Velozo de Araújo, e, face a tanto arboricídeo e incêndio, tão actual ainda no estímulo ao amor das árvores e das aves, que as crianças e as pessoas podem dele receber impulsos para cooperarem mais  na harmonização da Humanidade com a Natureza. Com ele pronunciemos esta Avé Maria da Natureza,  intuída pelo Alberto com as aves e as árvores nossas: «Avé, Natureza! Cheia de encanto, de magia e de graça! A fecundidade, a força, a beleza e a bondade são contigo! Benditos são os frutos do teu eterno Amor, da tua eterna Beleza, da tua eterna Bondade!
Eu te saúdo, oh! Natureza, caridosa Mãe! Avé!»

terça-feira, 28 de junho de 2022

On the spiritual path, some reflections...

 The paths for spiritual awakening have been laid in all traditions and religions for centuries but no one is sure of trodding them well unless the inner fruits appear (either of peace, love, joy, discernment, clairvoyance or inner light) so it is natural some unrest in the seekers when thy try to undertstand if they are really on the right treck.

Unfortunately in most of the cases only when people will die they will be sure how well was done their life, and how are their state of  soul and to what levels in the subtle worlds they can reach or attain. But, surely, there will be disapointments, as so great is in our days the spiritual marketing, the fake gurus, the so many lured in  beliefs of religions that are already not appropriated to us, if we do not realize the symbolic and spiritual meanings that they can hold still...

In the XX and XXI centuries a growing mouvement towards freedom, independence, liberation from dogmas, moral authorities has been happening and fostered and so people choose now their own paths and pratices, sometimes with much ingenuity or even foolishness, as the path of spiritual or God realization is indeed very difficult to be attained without perseverance and discipline, and that, without the proper guidance, is very rarely attained. 

Indeed that was given in former times by the traditional relationship of the spiritual master with the disciple, so present in eastern traditions even in our days. But now, many people think they don't need at all a spiritual master, or the transforming forces that the Divine Being shares with Mankind through the gurus or masters in order to adapt Her-Him strong spiritual forces with the limited capacities and resistance of human beings incarnated on the planet Earth.

In fact the Path is mostly done and attuned inside each soul, and each one of us has to discover how to approach and then open its heart and soul to the streams of Divine Light, or of the Fire of Love. And there is no inconvenient time, as Erasmus had asked, to the soul who is unceasingly in prayer, or aware of being a spiritual entity connected to higher sources, and so when we awaken at the middle of the night that will be thr right time to enter more in silence and to call the Divine with all our love and will, or just feel and then radiate  the fire of Love from our being...

Via Marie Lila

The path is indeed within and both the road and the door are like final goals to be reached by awareness, deeds and meditations, and by a inner conscious unification of soul forces, surely to be realized in the middle of works and duties.

If the appropriated actions and a harmonious life are not so difficult to be discerned and  accomplished, already the right prayers and meditations, the correct inner awakening, the right opening to the spiritual realm is not so easily attained and everyone has in each new day or night to dig within his breast in order to approach the living streams of God's Light and Love. 

Mumuksha, is called in yoguic tradition that aspiration to the blessing of the Divine within, and the doctrine of the ihsta devata, the rebirth of the living personnal God, was affirmed by some of the masters as being of summum importance...

So our main task is to discover the pratices that suit each one of us:  how to develop the inner feeling and the concentration, contemplation or prayer  that can lead us to animic experiences of unity with our  spiritual being and body, with the other, with the cosmos, with the Divine.

In our days of so chaotic fightings bewteen love and hate, racism and fraternity, and so many doctrines, countries, organizations, individuals clashing for the control of humans, it is a must that these inner pratices of aspiration and opening of the heart to the blessings coming from the Divine, from the celestial beings and from the masters or guides can happen in most possible people and in every time we can, and so morning prayer and meditation, even for a few minutes, are indespensable to get more attuned and inspired for all the daily way.....

May we all attain them with sucess and joy...

sábado, 25 de junho de 2022

Interrogações sobre a missão de Jesus e as suas curas. Com vídeo nocturno de 8 minutos, na noite de S. João.

A revisitação sensível e lúcida, assente em geral no estudo, meditação-oração e intuição, das principais figuras históricas religiosas, e suas vidas, ensinamentos e interpretações, é sempre útil e até muito actual nesta 3ª década do século XXI, quando duas narrativas oficiais tornaram-se obsessivamente únicas e indiscutíveis.
Ora se no século XXI, o do post-modernismo, após todo o crescimento das ciências e das reformas e alargamento de ensino mundiais, após a profusão de universidades, de doutorados, de artigos científicos, de institutos, de fundações, nós assistimos a tão grandes manipulações e mitificações, a afunilamentos corrompidos em direcção a narrativas que satisfazem os interesses dos mais poderosos ou ricos, deveremos então reler com cuidado muitos relatos tidos como sacrosantos para os crentes das religiões.
Não vamos questionar se os nascimentos, de alguns dos fundadores das religiões, de mulheres virgens, como se tornou a narrativa oficial, não serão apenas símbolos seja da pureza eterna do principio feminino seja do  grau elevado e santificador consciencial dos casais que os geraram e se tal posição anti-natural de seres nascerem sem relação sexual não espelharia as tendências ascéticas contra a relação sexual e o machismo que predominaram tanto ao longo da história religiosa da Humanidade.
A alma pura ou virgem recebe ou gera o ser ungido....
Nem se os relatos dos que foram arrebatados para os céus no Médio Oriente mais não serão do que indicações do que a sobrevivência do ser humano num corpo espiritual, após a morte corporal ou física, com o qual efectivamente tais seres se guindaram à vida post-mortem individualizada nos planos subtis do Universo.
Mas foi sobre as curas milagrosas de Jesus, de que o Novo Testamento está tão cheio, que antes me interroguei, quando acordei a meio da  passada noite de S. João, num pequeno vídeo improvisado de oito minutos e que encontrará no fim, tendo escrito agora esta breve introdução ou contextualização.
Jesus foi um mestre que nasceu para fazer evoluir os seus contemporâneos, fazendo-os sair de uma religião tribal, formal, legalista e sem amor e despertando-os e libertando-os para as suas dimensões espirituais, fraternais, universais.
Aceitou discípulos, ensinou-os a orar, a meditar, a desprenderem-se, a serem corajosos, e a dominarem as suas energias psico-somáticas, a despertarem enquanto seres espirituais e ligados ao mundo espiritual, a um, ou ao, Ser divino que já não era o exclusivista e cruel Jehova mas sim o misterioso Pai, ou segundo S. João, a Fonte do Amor e da Luz do Cosmos.
Ora se nesse seu mister de despertar os discípulos e crentes, e de exemplificar a vida em acção dos seres despertos ou ressuscitados, deparamos com muitos casos de curas psico-somáticas, por vezes verdadeiramente assombrosas e milagrosas, podemos questionar tanto o eventual exagero ou ampliação de factos, como também o que aconteceu real ou causalmente nesses momentos de cura.
Sabendo nós que os Evangelhos são relatos sobre relatos e que a necessidade de afirmar a divindade de Jesus se espelha neles, teremos certamente de aceitar essa aura de invencibilidade divina que os milagres carregam em si, como uma das tintas empregues pelos sublimes redactores de tão piedosas legendas que ao longo dos séculos têm comovido e convertido tanta gente.
Seria contudo um exagero, um excessivo racionalismo limitador não reconhecermos curas miraculosas operadas nos seres que sentiam fé por ele e logo quiseram e conseguiram curar-se. Numa época em que a medicina ocidental grega já estava relativamente desenvolvida com Hipócrates, a Judeia estava bastante mais atrasada e não há portanto sequer um choque entre um magistério de cura pela fé e um magistério científico psico-somático e até dietético que se exercesse em paralelo. Mais forte foi sim a sua luta contra a submissão formalista às Leis de Moisés, pelas quais seria, por exemplo, proibido curar ao Sábado.
Jesus emana de si o que ele realizou em si: forças espirituais de luz, de cura e de harmonia,  e o fundamental da sua intenção e missão seria "salvar" da ignorância e do egoísmo as almas (ou ainda de estarem possuídas por entidades), a cura física surgindo dentro desse plano geral e na unidade psico-somática que Jesus viria clarividentemente, embora por vezes seja apenas a compaixão pelo sofrimento do outro a movê-lo. Por isso surge a recomendação de não se voltar a pecar, a doença vista várias vezes como consequência de uma má actuação na vida, o que se veio a subsumir-se algo dualisticamente como pecado. E como metodologia para se curar o jejum e a oração.
Cremos então poder discernir com probabilidade elevada os seguintes factores de cura: 1º um corpo físico e etérico ou vital de Jesus bastante forte e que irradiava naturalmente para os que o rodeavam, e que poderiam até apenas tocar na sua roupa e aura e com fé curarem-se, seja absorvendo tais energias dele, seja despertando em si as forças de vontade e as circulações curativas necessárias, ou abrindo-se eventualmente a elas no Cosmos ambiental e elemental.
2º a energia psíquica forte e harmonizadora que tinha e que pela fé os outros recebiam e assim se curavam, e que ele accionava mais ou menos intencionalmente: "A tua fé te salvou", "acreditaste e assim se fez", pois a energia segue o pensamento, a fé, o querer poderoso, afasta os grandes obstáculos ou montanhas.
3º O seu vasto amor, a sua grande realização da essência divina e espiritual que é Amor e que ele vivia consciente e intensamente podendo pois as suas mãos ou a mente terem uma força curadora muito grande, nomeadamente desbloqueando energias ou traumatismos psíquicos ou afastando presença indesejáveis subtis. Certamente que é difícil e não será agora ocasião afortunada para tentarmos discernir entre os que seriam milagres mitificados dos que se poderão ter realizado mesmo.
Creio serem estas as fontes principais da cura, mas certamente deveremos acrescentar, e a oração do Pai Nosso assim o indica, o pedido ou oração à Divindade, ao mundo espiritual (com os seus seres celestiais), para que a vontade mais luminosa e harmoniosa, que se visualiza, deseja e merece,  se realize. 
Possamos nós nas nossas vidas trabalhar para sermos curados ou curar em todas estas dimensões e níveis, e possamos comungar com o mestre Jesus e os outras grandes almas que tentam inspirar a Humanidade no seu caminho luminoso e mais amoroso e verdadeiro na Terra..

                      

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Apresentação do livro "Timor, anos 30", de Maria da Conceição Valdez e Pedro Teixeira da Mota. Imagens e intervenção do co-autor sobre a espiritualidade timorense.

Na Casa Sommer, da Fundação D. Luís I, em Cascais, realizou-se no dia 18 de Junho a apresentação do livro Timor anos 30, de Maria da Conceição Valdez, e realizado em co-autoria comigo. A autora apresentou também a 3ª edição de um outro sua obra Com Timor no Coração - Livro de Genealogia da Família Valdez Ferreira, a qual foi apresentada pelo historiador João Aníbal Henriques, conforme a fotografia.

                          

Edição original foi então Timor anos 30, baseado nas fotografias que o seu avô Artur dos Santos Ferreira captou durante os quatorze anos em que esteve como 2º sargento e chefe de posto em seis circunscrições administrativas timorenses, tendo-as eu contextualizado em algumas páginas, sendo natural que numa 2ª edição da obra sejam ampliadas.

                         

Coube ao major, historiador e sub-director do Arquivo Militar  Joaquim José da Cunha Roberto (na imagem acima)  traçar a biografia do notável militar, que veio a servir ainda na Metrópole e em Goa, e que era um dinâmico e convivial português, muito dotado artisticamente para trabalhos manuais, ginástica, direcção da juventude, para além de competente autoridade administrativa, sendo assim louvado mais de uma vez pelo seu zelo competente e capacidade de dedicação.

                                  

A minha intervenção, na fotografia perante a selecta assistência, acerca de alguns aspectos da espiritualidade timorense, decorreu sem qualquer tipo de plano e foi gravada na sua parte inicial, tendo merecido calorosos aplausos, como todas as intervenções anteriores e posteriores, já que a Dra. Maria Angela Viegas Carrascalão, antiga ministra da Justiça, e neta de um dos heróis do livro, Manuel Carrascalão (tal como o Liuray ou regente de Alas D. Carlos Borromeu), fechou a sessão com breves palavras de agradecimento ao avô Artur dos Santos Ferreira e à neta Maria da Conceição Valdez por terem conseguido ressuscitar memórias tão valiosas, que certamente lhes trarão bons frutos, reafirmando o forte sentido mágico de Timor.

Do que disse na palestra e do que ficou gravado no vídeo final, e do que não foi dito, que poderei eu agora acrescentar, realçar, estruturar? Que aspectos, que palavras, que conceitos realçarei brevemente agora?
Lulik, sem dúvida é a palavra chave da espiritualidade timorense e significa poder, força, alma, sacralidade ou mesmo energia psíquica. Como se discerne tal qualidade, ou como se investe algum objecto dessa força, quem o faz são questões importantes, mas para descermos ao concreto abordemos algumas palavras compostas com Lulik através das quais poderemos compreender melhor esta designação, este reconhecimento qualitativo, esta investidura.
Os macair lulik, são os que tem na mão, empunham ou guardam o lulik, são os sacerdotes, os guardiões, os que manejam as forças sagradas, o poder. Em muitos casos são eles que reconhecem o carácter lulik, ou os que manejam os objectos com lulik para se solucionarem questões, dúvidas. Estão presentes em todos os acontecimentos importantes, pois são  quem oficiam nos ritos denominados lulik nain.
Outra palavra composta importantíssima, e razoavelmente desenvolvida no breve improviso, é Uma lulik, a casa sagrada, a casa de poder, a casa mágica, a casa espiritual, a casa dos objectos sagrados ou de poder, a casa dos espíritos, a casa dos ancestrais, o templo, a habitação iniciática. Todas estas traduções são possíveis dada a riqueza tanto da palavra, como das ideias ou conceitos e sobretudo funções que ela desempenha, materiais e imateriais, físicas, sociais, psíquicas e espirituais.
O que acontece nesta casa sagrada ou diante dela, onde pontificam em geral três postes, eixos da polaridade e da unidade, cuja edificação é bastante solene e que tanto alberga objectos sasaan lulik, de poder e de culto, são sobretudo diálogos, instruções e aconselhamentos que se realizam numa família e entre gerações, e o mais importante ainda é ser o centro que preside às cerimónias, rituais e festividades associadas às colheitas e sementeiras, ao nascimento, vida, casamento e morte.
Edificadas com formas especiais, muito ornamentadas com símbolos auspiciosos femininos e masculinos, e telhados e traves especiais, consideradas hoje património
protegido, foram ao longo dos séculos a alma mater de famílias e povoados, quais templos de aldeias nos quais ou diante dos quais se realizam as principais cerimonias e festividades da vida .
Talvez possamos introduzir brevemente em seguida a visão
cosmológica espiritual da generalidade dos timorenses, ainda que hoje a população seja quase 96% católica (numa religiosidade bem sentida e que foi essencial para a resistência à Indonésia islâmica), e ainda que as designações variem conforme as línguas: no nível mais elevado está a Divindade ou Ser Supremo denominado Naromak, cuja raiz poderá ser "esplendor", ou Akai, Dato Geme, Uru Uatu, Usi Nena. Um segundo nível com os espíritos celestiais ou terrestres, que podem ser apenas espíritos da natureza, e o 3º nível por fim os ancestrais e os mortos. Ora a grande maioria das preces e orações, parecem dirigir-se a estes espíritos ancestrais, que se admitem estar ou em planos subtis do Universo ou habitarem mesmo as Uma lulik que são então casas de espíritos. Faltam-me o contacto in loco, com as casas sagradas e os timorenses para sabermos se, por exemplo, eles vão meditar ou orar, para serem inspirados por tais antepassados ou guardiões da aldeia ou grupo familiar.
Vivendo numa ilha, e logo rodeados pelo imenso oceano, e com
vegetação e fauna grande e próxima, podemos pensar que os timorenses adoptaram comportamentos de adaptação sensata com alguns animais, os quais foram então investidos de qualidades como seres ancestrais ou tabus, e estão no caso o tubarão, o crocodilo, a cobra, o lagartixo e através de  tal parentesco procurarem criar uma relação amistosa e suplantadora dos perigos que tais animais causariam, dando-lhes essa capacidade de terem arquétipos, guardiões ou ancestrais que apaziguariam os animais e que dialogam com o ser humano, remetendo-nos para a longínqua ou para uns mítica época em que os animais falavam, ou melhor dito, em que os homens conseguiam comunicar com os animais, entender a famosa linguagem das aves.

Acrescentemos ainda a concepção muito significativa relatada por Jorge Barros Duarte, no seu valioso livro Timor, Mitos e Ritos Atauros, de se admitir ou crer que as almas humanas ao morrer e deixarem o corpo passam por breves reincarnações animais, antes de passarem a um estado aéreo e subtil estilo nuvens e só depois entrando ora no mundos celestiais ora nas uma lulik para inspirarem as suas famílias e aldeias. Em analogia oriental, embora num nível não tão sublimado, quase como que um destino de Buddhas que se libertam da Terra, e dos Bodhisatvas que permanecem na aura subtil da Terra para inspirarem as pessoas.
Durante a palestra referi outros aspectos valiosos da sensibilidade e da espiritualidade timorense e, embora a não tenha sido toda gravada, alguns poderão ser ouvidos, ficando este pequeno texto como uma apresentação à palestra e ao livro Timor, anos 30, que recomendo, com cerca de uma centena de valiosas fotografias, algumas delas com os macair lulik, os que manejam o sagrado e os liana in, os que sabem falar, os donos ou guardiões das palavras, já que são eles os bardos dos mitos, diálogos, cantos e orações que com tanta riqueza etnográfica enriquecem ou epifanizam as cerimónias dos ciclos naturais de vida, morte e renascimento da natureza e dos seres humanos.
Destacam-se assim fotografias de alguns sasans lulik, objectos de poder, seja os bordões, seja o belak e o kaibauk, os sóis, luas e meias luas em metal, envergados por alguns macair lulik, dos quais infelizmente não temos os nomes mas que eventualmente alguns timorenses chegando-lhes (dificilmente...), o livro às mãos poderão reconhecer.
Alguns aspectos ecológicos ou de re-sacralização da Natureza foram apresentados na palestra, seja por exemplo Tara Banda, um nome com ressonâncias indianas e que designa um ritual anual de preces, sacrifícios e oferendas para a harmonia benfazeja da Natureza em geral, seja a crença de que os mortos ou espíritos ancestrais têm nas montanhas o local de residência mais natural, consentâneo ou apreciado. E foi por isso talvez que os heróicos combatentes pela independência contra a tentativa de aglutinação opressiva indonésia se agruparam e resistiram na montanha mais elevada de Timor, o Foho Ramelau, com 2.963 metros, para conseguirem depois vencer, liderados entre outros por Xanana Gusmão. Uma estátua de Nossa Senhora coroa a eminência, onde outrora e hoje realizam também cerimónias da espiritualidade timorense, seja mais católicas seja mais gentílicas, mas no fundo de adoração e invocação da mesma Divindade Primordial ou das suas tantas Faces e Nomes, masculinos e femininos, orada, ritualizada, invocada e comungada.

Terminemos com o tais, esse pano ou faixa de algodão entretecido, nas suas belas cores naturais, pelas mulheres timorenses em teares de madeira, tendo neles desenhados símbolos antropomórficos e naturalistas auspiciosos, e que desde há muito é talvez o principal símbolo (a para da Uma lulik) da habilidade manual, do amor, da estética, da convivialidade e da sacralidade da cultura timorense, tão presente em tantos momentos de celebração, e que vai na capa do livro Timor anos 30, invocando-o sobre os nossos ombros e sobre Timor, qual manto, xaile e veste de harmonias e psico-morfismos benfazejos.

                      

domingo, 12 de junho de 2022

Soror Isabel de Jesus, clarissa lisboeta e o seu manuscrito inédito "Espelho de uma Alma Religiosa", de 1641.

 Tendo-me passado pelas mãos uma obrinha manuscrita encadernada e em bom estado,  que leva na lombada em pergaminho o título, provavelmente ao ser encadernado, Exercícios Espirituais, mas no frontispício os dizeres Espelho de uma Alma Religiosa, por Soror Isabel de Jesus, 1641, e não encontrando referência à autora nem à  obra, aproveitei a Fortuna para transcrever algumas páginas, e  oferecê-las às almas apreciadoras, devotas ou fiéis do Amor da Tradição Espiritual Portuguesa e Perene. 

Realçarei o seu amor universal, transparente na intencionalidade salvífica e de concórdia da obra bem como na extensão das pessoas a quem muito afectivamente oferece a sua escrita bela e espiritual, tingida aqui e acolá de particular devoção, qual a da sua matriarca Clara e seu patriarca  S. Francisco de Assis, ou a do seu Anjo da Guarda, tudo sussurando-nos que era mulher de oração espiritual, vocal e mental, tentando chegar ou vivendo já na oração contínua, tão valorizada por Erasmo  enquanto atenção interna amorosa, benéfica e sábia.

Provavelmente estaria consciente também da possível unificação do passado, presente e futuro que o amor espiritual permite e enche o coração de felicidade, e que ela na sua vida monástica, lembrando as amizades deixadas para trás, quem sabe sentindo esse pleno amor humano unitivo não encontrado ou assumido, consegue sublimar, sentir e realizar na comunhão com o seu mestre Jesus, no fundo a Divindade para ela manifestada, acessível enquanto seu mestre interior e ainda  na eucaristia da missa e que ela muito intimamente sente como comunhão no peito, certamente desejando sentir mais tal amor e unidade, como alguma místicas testemunharam biograficamente nas suas aspirações amorosas mais intensas, restando-lhe partilhar tal amor  em memória, redigindo e  deixando-nos estas páginas cheias de pathos, ou de sentimento fundamente vivido.


Começa ela assim numa  bela letra, o seu presente manuscrito em oitenta páginas e com as dimensões de11 x 8 cm, bem próprio de quem foi gerado do coração, junto a ele levado e projectado para a perenidade dos tempos humanos:

«Bendito e louvado e oferecido seja de mim
e de todas as criaturas o divino Sacramento.

E eu, Senhor meu, em nome de todas elas, e em meu nome vo-lo ofereço, em a união da vontade, amor e a afeição com que ele se vos ofereceu por sacrifício cruento em a Cruz, para honra e a glória vossa e devota à Santíssima Trindade em todas as Missas que são ditas e em todas as que se hão de dizer até o fim do mundo tantas milhares de vezes quantas são as contas numeráveis à vossa infinita Sabedoria, esta glória a vós quero sempre de contínuo estar dando, e vo-la ei por repetida, ainda que não advirta e me descuide todas as vezes que respirar, e em todas as minhas acções, e em cada letra das palavras que eu formar vocal ou mentalmente, acordada, ou dormindo ou ouvir falar, neste dia e em todos os demais de minha vida. Esta mesma oferta com todas as mesmas circunstâncias vos ofereço em remissão dos meus pecados. E a mesma em agradecimento das mercês que me tendes feito e das que me fazeis e da que me havei de fazer, assim das que conheço assim como das que ignoro. A mesma oferta vos ofereço pela necessidade de vossa Igreja. A mesma pelo Sumo Pontífice, e pela paz e concórdia dos Príncipes Cristãos e pelas necessidades deste Reino. Este mesmo presente do divino sacramento vos ofereço com todas as mesmas circunstâncias pelos que estão em pecado mortal, pela extirpação das heresias e pela conversão do gentios.
O mesmo pelas almas que estão no Purgatório, e em especial pela alma de meu pai e de meus avós, de meus irmãos, amigos e benfeitores e pela mais desamparada que nele está. Esta mesmo ofereço por N. N. N. N. e por todos os meus amigos e em especial N... e inimigos.
Peço à gloriosa Virgem nossa senhora que esta mesma hóstia ofereça para a gloria sua, e por minha intenção, e o mesmo peço a cada um dos cortesões celestiais, e em particular a cada um dos Querubins, Serafins, Tronos, Dominações, Virtudes. Potestades, Principados, Arcanjos e Anjos e em especial aos assistentes das vilas Celestes, aos guardas dos Reinos, províncias, Cidades, e de todos os particulares, e ao meu Anjo da Particular, e a S. Miguel, S. Gabriel, S. Rafael e ao santo do meu nome e a S. Vicente padroeiro desta cidade e a nossa madre Santa Clara e a nosso padre S. Francisco e a todo os santos da minha ordem e a santa Marta e a S. Isabel Rainha de Portugal. A S. João Baptista e aos santos patriarcas e profetas, a S. Pedro e a S. Paulo e S. João Evangelista, a cada um dos mais Apóstolos, e a cada um dos mártires. dos Pontífices, dos Confessores, e de S. Joseph e de S. Inácio, e S. Francisco Xavier, S. Boaventura, S. Bernardo, das Onze Mil Virgens e S. Leocádia, das virgens e dos mais santos da glória para que a ofereçam em meu nome e de todas as criaturas com as mesmas circunstâncias diante do divino tribunal.
Esta oferta que é muito aceitada se pode fazer vocal ou mentalmente em todo o tempo e em todo o lugar, principalmente quando se ouve a missa, e no tempo que se tomar para ser oração mental e quando se comungar.

Forma e modo para comungar espiritualmente.
Oração.

- Meu Senhor Jesus Cristo, posto que com tanto saber, misericórdia, e amor vos deixastes debaixo do Santíssimo Sacramento do altar para a saúde e vida das almas que dignamente vos recebem, peço-vos pela vossa sagrada paixão e pelos merecimentos de vossa Santíssima Mãe e de todos os Santos perdão de meus pecados dos quais me pesa muito, e não tornarei a cair neles só por serem contra a vossa vontade, e por vos dar honra, glória e louvor, e que laveis minha memória, entendimento, e vontade e coração, que nesta missa vos ofereço, de todas as imundices e afeições terrenas para que mereça ser Sacrário de Vosso Santíssimo corpo, e porque vos não posso receber quantas vezes desejo em meu peito corporalmente para vós ficardes em mim e eu em vós, de vós pelo menos fique em mim uma perpétua memória e em mim se veja a virtude de vossa paciência, obediência e amor. Amen.»
Anjo guiando o amor cego de uma alma religiosa, ou da nossa soror Isabel... Amor nela!
Sublinhei eu então as partes mais valiosas ou significativas, onde bem se espelha a ardência da sua alma em estar auto-consciente espiritualmente em todas as respirações (e talvez usasse algumas jculatória ou mantras com elas) e palavras escritas, ditas ou ouvidas, a sua vontade da maior adoração divina ou união divina a que seria susceptível, a aspiração a uma união maior com o seu mestre, a veneração e comunhão bem alargada com os espíritos celestiais das diversas hierarquias bem nomeadas, o seu corpo fremente de amor e de ser Graal ou sacrário da Divindade manifestada na Terra. Possivelmente saberia esta oração oferecimento de cor e poderá te-la ensinado a algumas outras clarissas. Hoje nos nossos dias tal já não será viável, mas fiquemos ao menos com algumas dessas linhas de força e de amor por ela sentidas e partilhadas, e avancemos mais em nós e no corpo místico da Humanidade no seu desejo de oração contínua e de unidade com o Amor, o Bem, a Divindade...


Seguem-se  duas orações de  Santa Matilde e S. Brízida, e outras ao nome de Maria e a vários passos da vida de Jesus. E por fim, de feitura ainda mais esmerada e até iluminada, cinco páginas de  breves antífonas a Nossa Senhora, ou seja, salmos e orações em latim a Maria, imagem humana da Divindade Feminina no cristianismo, e provavelmente as que ela empregaria mais como mantras, jaculatórias, concentrações para o seu amor ou aspiração, e que provavelmente saberia de cor. E nós, quantas orações e jaculatórias aprendemos e sabemos, usamos ou inventamos?
Possa o Sagrado e Divino Feminino inspirar mais os seres na via do amor, da sabedoria e da concórdia...
Possa o nosso peito e coração corporal espiritual, na comunhão com o corpo místico da Igreja,  particularmente com o coração e graal espiritual de  Soror Isabel de Jesus, a quem estamos bem gratos, sentir mais a Luz e o Amor da Divindade, e vivê-la e emaná-la para o bem da Humanidade e da Terra...

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Dia de Portugal e das suas grandes almas e mitos, o V. Império e o Espírito Santo, Antero, Pessoa e Agostinho da Silva.

 Ao longo dos séculos muitos portugueses e portuguesas destacaram-se pelas suas qualidades e essência, feitos e obras, ganhando jus pelo menos a uma certa imortalidade relativa, a preservada pela memória terrena, já que, quanto à imortalidade espiritual  as certezas religiosas, para alguns meras crenças,  ainda não foram comprovadas e consideradas científicas, sendo até, na tão transitória, artificializada e globalizada  contemporaneidade, ambas encaradas com muito relativismo ou cepticismo, para não falarmos mesmo de condenação ou rejeição como resquícios de um culto e memória do passado e, até, sintomas de nacionalismo.
Contudo, tais seres ultrapassaram as limitações e desafios, impulsionaram positivamente os seus próximos ou mesmo grandes extractos populacionais, influenciando épocas  nacionais e mundiais, por vezes notabilizando-se em regiões, famílias, grupos, ordens monásticas ou militares e contando em certos casos com cronistas e historiadores para preservarem tais realizações. Acrescente-se que, mesmo na época, por uns e por outros, já se invocavam seres  ancestrais, manes da Pátria-Mátria, ou estados de consciência e de forças arquétipos, que eles continuavam e cumpriam, sentindo-se mesmo por vezes sob uma protecção divina,  providencial, futurante, clarividente.
Podemos discernir assim o dinamismo de memória colectiva ziguezageante não só de lembrança e até de rectificação do passado mas sobretudo de actualização no presente, já que tais seres, ideias, mitos e bênçãos divinas como que se "avatarizavam" neles, os ungiam, galvanizando-os em realizações difíceis, heroicas ou sublimes e abrindo janelas, visões e esperanças de resultados próximos ou futuros vitoriosos, luminosos, felizes. 
Um tal caso foi o da visão de Jesus Cristo por D. Afonso Henriques na véspera da mítica batalha de Campo de Ourique, após a visita de um eremita talvez da serra de Ossa, embora gerada por escrito já no séc. XV (a 1ª referência sendo de 1416), e que se constituiu como um dos principais mitos fundacionais, no caso o da protecção divina a Portugal desde o seu nascimento, e que muita impressão de imagens ou gravuras e tinta polémica fez correr, ao ser  invocada fortalecedoramente em tempos de crise (nomeadamente durante a perda de independência para a Espanha ou mais recentemente para a União Europeia), ou ao ser investigada criticamente e rebatida, ora como mera lenda ora como materialização física de uma visão subtil ou espiritual que o rei D. Afonso Henriques em vigília e meditação poderia ter recebido, dentro da providencialidade da génese de Portugal.
Estes seres, que se enchendo de mais forças, qualidades e inspirações, geraram grandes obras, ou causaram fores comoções, ou lançaram movimentações importantes, tornaram-se  os principais elos da Tradição e corpo místico nacional e as referências e apropriações culturais, as perspectivações e até profetismos que desencadearam, certamente com exageros,  rasgaram linhas de força ao longo dos séculos ainda hoje visíveis e que tanto confrontam os cépticos como animam os que as recebem como continuadores.
Entre os grandes seres que foram preservados pela historiografia alguns destacar-se-ão já não apenas pela inteligência, a coragem, a força, a abnegação, a vitória sobre os seus limites corporais ou psíquicos mas pela busca da perfeição ou mesmo do sublime, e será na arte, na religião, na literatura e nas ciências que encontraremos mais seres marcados pelo fogo da aspiração à mais elevada ou bela realização criativa, científica, artística, anímica, espiritual.
Trabalhando solitariamente mas na realidade fazendo parte de grupos e gerações que sucessivamente dinamizaram a tradição política, cultural e espiritual, na demanda ou culto do fértil, do belo, do bem e do verdadeiro e no fundo do desenvolvimento ou melhoria dos portugueses ou da humanidade, vamos então encontrar ao longo dos séculos vários criadores, a par dos ditos heróis dos  gloriosos feitos (de que os paradigmáticos Descobrimentos, dentro do Renascimento europeu, nos deixaram tantos nomes e casos), impulsionando o excelente, o heróico, o  sublime e do sagrado, e poderíamos mencionar além dos mais antigos S. António e Nuno Gonçalves, sobretudo Gil Vicente, Damião de Goes, Francisco de Holanda, D. João de Castro, João de Barros, Luís de Camões, Jorge Ferreira de Vasconcelos e Manuel de Faria e Sousa, só para referir alguns dos mais notáveis e que levantaram a voz contra o início da Censura inquisitorial, ou que a sofreram, a qual vai claramente ensombrar e diminuir muito essa livre Cavalaria de Fiéis do Amor, de seres nos quais o fogo criativo, amoroso e corajoso mais flamejava e que constituíam o cerne ou coração espiritual de Portugal, e que teve alguns episódios mais emocionantes, tais como as viagens ou expedições de Vasco da Gama, e seus filhos Estêvão e Cristóvão da Gama, este em ajuda sacrificial do mítico Preste João. Bem como os feitos de António Galvão, Luís de Ataíde, ou as missões de diálogo inter-religioso dos padres de Goa à corte do Grão-Mogol.
Preservar o estudo das vidas e obras, metodologias, vias e realizações de tais grandes almas é então fundamental para mantermos vivas as fontes e correntes anímicas perenes que regaram e regam ou inspiram os que querem participar na demanda do Graal imortalizante e que permitem assim que testamentos e aspirações de seres e filosofias, mitos e utopias, não se desintegrem no globalismo de curta memória da contemporaneidade e antes sejam aprofundados e actualizados ou rectificados.
Que nomes, seres, espíritos, com suas forças e realizações, nos surgem então neste breve escrito como mais marcantes ou brilhantes da Luz sublime da perenidade da Tradição Cultural e Espiritual Portuguesa, por tantos seres anónimos também demandada, conhecida e vivida?
Todas as escolhas valorativas, por vezes até hierarquizantes, são sempre, em parte, subjectivas e logo discutíveis pelo que cada um deve assumi-las com discernimento e coerência,  justificando-as
de preferência para serem mais credivelmente acolhidas e vivenciadas, ou mesmo provadas como veros frutos bons ou úteis da árvore nacional ou mundial.
Na história de Portugal, seja pelo que foram e influenciaram, seja pelo que permanecem na memória colectiva, consciente e inconsciente, destacaremos então seres como Viriato, líder e símbolo do povo lusitano, Afonso Henriques, S. Teotónio e Egas Moniz, os barões de Entre Douro e Minho e os Templários, S. António e os franciscanos, D. Dinis e os trovadores, a Ordem de Cristo, com as outras também, a rainha santa Isabel e o culto do Espírito santo, Inês e Pedro, a ínclita geração (em especial o infante D. Henrique e D. Pedro das sete Partidas) dos Descobrimentos e os reis, navegadores, marinheiros, guerreiros, religiosos, cronistas e poetas que então brilharam e que tornaram, durante mais de um século, Portugal o país provavelmente mais dinâmico mundialmente, permitindo o despontar de sonhos de grandeza nacional, de império e domínio tanto material como religioso, em certos casos exagerados dadas as nossas fragilidades mas sem dúvida abrindo esforçada e meritoriamente novas rotas e diálogos valiosos planetários.
Expansão e domínio sempre perigosos, como se sabe, se viu e se vê, e cada vez mais até confrangedoramente pois, se as realizações optimizantes na arte, na ciência e nas tecnologias se alargaram e cresceram muito ao longo da história, sem dúvida que o seu uso, sobretudo nos armamentos, na agro-química e na vigilância e opressão social, tem sido claramente negativo ou destruidor, levando até uns poucos de altos responsáveis de instituições internacionais  a clamarem por medidas que diminuam os desequilíbrios ou atentados ecológicos, ambientais, éticos e de direitos humanos que o egoísmo e a ganância irresponsável de uns poucos causam.
Nesse mesmo século do apogeu do pequeno império marítimo português, tão valioso no entrosamento oriental e tão perfeitamente cantado nos Lusíadas de Camões, ou descrito ao vivo nas Peregrinações de Fernão Mendes Pinto e nas relações da História Trágico-Marítima, tão rico de experiências de multiculturalidade e miscigenação, de que o Brasil será o paradigma, os ventos da deusa Fortuna sopraram em sentido contrário em 4 de Agosto de 1580 com a trágica derrota em Alcácer Kibir e a morte (ou o desaparecimento para os que não a quiseram aceitar), do último rei da dinastia de Avis, o infausto  jovem de 24 anos,
D. Sebastião.
Abriu-se então pelo lado da realidade uma rotura, enfraquecimento e decadência e pelo lado imaginal uma época de fermentação do regresso do rei e da restauração nacional, fenómeno psico-social denominado Sebastianismo, que irá ter em Bandarra, em D. João de Castro filho, nos Beneditinos da historiografia de Alcobaça e nos Jesuítas, e em especial no Padre António Vieira, os grandes expositores de tal regresso, seja da grandeza de Portugal, do Desejado ou do Encoberto rei, seja de um Império religioso cristão no Mundo, numa era de unidade política e de Paz.
Sabemos como as vicissitudes reais acabaram por contrariar  as sucessivas adivinhações por parte do P. António Vieira do regresso vitorioso do desejado rei (D. Sebastião, D. João IV, D. Teodósio, D. Afonso VI), mas as crenças e anseios sebastianistas e imperiais continuaram a levantar o seu verbo destacando-se ainda ou mesmo nos séc. XIX e XX gerações de monárquicos, saudosistas, nacionalistas e ocultistas, dos quais referiremos apenas (não esquecendo modernamente Lima de Freitas) Lopes Vieira, Luís de Magalhães, Teixeira de Pascoaes e Sampaio Bruno (este com o seu Encoberto, e a quem Fernando Pessoa, chegado da África do Sul, escreveu pedindo indicações) que relançaram com força seja a ideia da vinda de um grande ser, avatar, ungido, messias, ou mesmo um novo Buddha (como queria Sampaio Bruno, e cujos milagres seriam raciocínios), em geral entrelaçando tal vinda à esperança ou mito de um novo ressurgimento da Pátria. E devemos acrescentar os contributos femininos
da valorizadora da Mátria, Natália Correia, poesia açoriana de grande garra  e adepta do comunitarismo, da inventividade e da liberdade. E, claro, da Dalila Pereira da Costa, a mulher que mais investigou a alma portuguesa em múltiplos aspectos, numa obra bem valiosa que neste blogue tenho tentado abordar ou partilhar...

Mas entre todos estes autores modernos que dedilharam  a saudade do rei ou época gloriosa destacou-se Fernando Pessoa, que chegou tanto a referir o 2º advento de Cristo, de um modo distanciado, pregado pela Sociedade Teosófica na pessoa de Krishnamurti, e que de facto se tornou um fiasco de Annie Besant e Leadbeater, como a prevê-lo em anseios astrológicos para 1924 ou mesmo 2198, como o fez na famosa carta ao conde Keyserling. E na realidade, quanto ao V Império, ninguém, à excepção do P. António Vieira, lhe ofereceu como Fernando Pessoa tanta alma, especulação, hipóteses e níveis, desde o material, económico e político, ao de organização, civilização, língua, cultura, religião e espiritualidade, não só em artigos e prefácios de livros como em centenas de papéis do seu baú ou arca de demanda gnóstica e iniciática, pagã e cristã.
Com a 2ª grande Guerra, o fim do nazismo e depois do comunismo, o crescimento do imperialismo norte-americano, a revolução de Abril de 1974 e a libertação das províncias ultramarinas e, por fim, a inclusão de Portugal na União Europeia, esse quadro mítico imperial, seja patriótico seja de domínio ou influência, sonhado para Portugal, ainda mais só poderia ser referenciado,
e muito optimisticamente, como um ideal a um nível fraternal, cultural e espiritual,  e foi nesse sentido que Agostinho da Silva o veio a desenvolver, ainda que com algumas esperanças exageradas no nosso papel na Comunidade dos Povos da Língua Portuguesa.
 Era esta uma linha que já Fernando Pessoa previra e aprofundara com algumas especulações e sugestões ora mais raciocinantes ora mais espirituais, ora mais irónicas e mistificantes mas com aspectos verdadeiros, ou mesmo proféticos quando aponta para as narrativas oficiais dos nossos dias assentes em inverdades aceites, tal como lemos no fim da sua entrevista por Augusto da Costa, em 1926, e republicado em 1934 no livro Portugal Vasto Império: «Há só uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação — a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. De instinto, a humanidade odeia a verdade, porque sabe, com o mesmo instinto, que não há verdade, ou que a verdade é inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o encarnar. Feito isso, cada um de nós independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros, como nós, o respirem. Então se dará na alma da Nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.»
Na verdade, Fernando Pessoa, dotado de grande inteligência, sensibilidade e conhecimentos, adepto e estudioso das entrelinhas do ocultismo e da astrologia, melhor do que ninguém se foi preparando para revisitar o Sebastianismo e o V Império e, ainda que se deixasse emaranhar nos aspectos tão subjectivos e falíveis das interpretações das ditas profecias (sobretudo nos seus estudos e comentários às Centúrias de Nostradamus e ao III Corpo das Trovas de Bandarra), e se visse mesmo no final da Mensagem pleno tanto de desalento como ainda de saudosismo do rei (para o que talvez contribuiria, desde novo, a morte precoce do pai e a partida para a distante África do Sul), conseguiu escrever bastantes fulgurações valiosas para o tornarem o principal rectificador do veio sebastianista, messiânico e imperial dando-lhe uma certa modernidade, com aspectos sincrónicos do futurismo e uma dimensão mais esotérica e de uma espiritualidade mais ecuménica e profunda, ainda que de modo bastante fragmentário, ao realçar a sua interioridade e afirmando-o mesmo por vezes na sua vertente iniciática:
«O defeito, a fraqueza, do sebastianismo tradicional reside, não em ele, senão em a deficiência e a fraqueza de seus intérpretes. Ignorantes, decadentes, ensinados a crer pelo espírito católico, esperavam de fora o Encoberto, aguardavam inertes a salvação externa. O Encoberto, porém, é um conceito nosso; para que venha, é preciso que o façamos aparecer, que o criemos em nós através de nós. É com ânsia quotidiana, com uma vontade de hora a hora, que em nossa alma o devemos erguer, de ali o projectando para o mundo chamado externo (também outra nossa criação).
O Encoberto é o representante máximo do Quinto Império; é o emissário máximo das forças espirituais que hão-de criar tal Império. Como podemos esperar que ele venha se não criamos primeiro as forças que, por sua vez, a ele o hão-de criar?
E essas forças são a ânsia de domínio, e a tensão de todas as potências da alma em torno dessa ânsia. Deve cada um de nós fazer por em si realizar o máximo que pode de semelhante ao Desejado. A soma, a confluência, a síntese por assim dizer carnal dessas ânsias será a pessoa do Encoberto.
Não há homens salvadores. Não há Messias. O máximo que um grande homem pode ser é um estimulador de almas, um despertador de energias alheias. Salvar um homem a um povo inteiro — como o poderá fazer, se esse povo inteiro não fizer por salvar-se — isto é, se esse povo inteiro não quiser ser salvo? "Obra tu a tua salvação" diz S. Paulo; e o grande homem é aquele que mais profundamente compelir cada alma a, de facto, operar a sua própria salvação.» 
Claro que no nosso século XXI valorizar a possibilidade de qualquer Império, mesmo cultural, ou esotérico, e benéfico, surge bastante irreal e mistificador, sobretudo quando vemos as corridas aos armamentos, as guerras, os terrorismos, o imperialismo, os vírus, vacinas e compulsões, e uma oligarquia mundial incapaz de conter as suas actividades predatórias ou gananciosas, aumentando-se constantemente as desigualdades, tão destrutivas para as pessoas, os povos e o planeta.
Falar-se do V Império, e português, nos nossos dias é certamente despropositado dados os contextos actuais da União Europeia e da nova ordem mundial que se vai tentando implementar, nomeadamente como resultado do corona virus 19 e dos aspectos tão drasticamente limitadores da liberdade e convivialidade humana que estão a ser implementados por muitos governos mais tentados pelo autoritarismo e a opressão dos direitos, e sobretudo vendidos ao dinheiro corruptor das instâncias mais poderosas e detentoras dele.
Se já para o tempo de Fernando Pessoa a escolha de D. Sebastião, para símbolo de uma ressurreição, ou a dum V Império, na linha do sonho do babilónio Nabucodonosor profeticamente interpretado por Daniel no Antigo Testamento, não foram as melhores, ainda que ele por vezes aprofundasse bem  os níveis em que se poderia ler, interpretar ou invocar o rei Sebastião, tal como num fragmento em que as cinco pétalas da rosa-cruz, são dedilhadas em pentagramas de  níveis do Encoberto e de Sebastião, sendo este assim escalonado como: «o homem, a esperança, o símbolo, o Mestre, o Cristo», hoje será ainda mais limitador subordinarmos as melhores realizações pessoais e as multímodas movimentações culturais, científicas e espirituais, que mau grado as circunstância se vão prosseguindo, a dois mitos já demasiado explorados, em especial o dum império, seja ele nacional ou internacional, político ou religioso, que de algum modo regeria ou orientaria os outros povos e religiões. Quando ao regresso de D. Sebastião, tão ansiado ainda por Fernando Pessoa, mesmo  como símbolo do advento de grandes mestres ou o ungimento de mais seres capazes de fermentarem luminosamente a humanidade, sabemos quantas dificuldades não encontrariam tais seres, mesmo enquanto crianças, pelos sistemas de educação. Caberá pois a cada ser despertar o mais possível e apenas tentar estimular as energias alheias, como melhor conseguir, de acordo até com a recomendação de Fernando Pessoa.
Podemos então observar que se conceito de V Império português teve diferentes contextos de lideranças reais mas sempre limitados à conquista e domínio de terras, gentes e riquezas ou então de conversões religiosas tingidas de idealismo (ou mesmo fanatismo), seja de carácter mais franciscano ou jesuítico, já os contributos finais, bastante mais alargados e libertadores, de Fernando Pessoa e depois,  melhor ainda, de Agostinho da Silva, abriram entendimentos e suscitaram continuidades, bem visível para o primeiro com Augusto Ferreira Gomes, autor em 1934 dum longo poema Quinto Império elucidativamente prefaciado por Fernando Pessoa, onde afirma:«Não é assim no esquema português. Este, sendo espiritual, em vez de partir, como naquela tradição, do Império material de Babilónia, parte, antes, com a civilização em que vivemos, do império espiritual da Grécia, origem do que espiritualmente somos. E, sendo esse o Primeiro Império, o Segundo é o de Roma, o Terceiro o da Cristandade, e o Quarto o da Europa - isto é, da Europa laica de depois da Renascença. Aqui o Quinto Império terá que ser outro que o inglês, porque terá que ser de outra ordem. Nós o atribuímos a Portugal, para quem o esperamos. [Infelizmente, a sufocação da grande alma portuguesa, por via da obediência a Bruxelas e Washington, e pela inepta utilização da boa reputação da nacionalidade  portuguesa por tanto  político, cortou completamente tal sonho pessoano.] 
A chave está dada, clara e obscuramente, na primeira quadra do Terceiro Corpo das Profecias do Bandarra, entendendo-se que Bandarra é um nome colectivo, pelo qual se designa, não só o vidente de Trancoso, mas todos quantos viram, por seu exemplo, à mesma Luz. Este Terceiro Corpo não é, nem poderia ser do Bandarra de Trancoso. Dizemos, contudo, que é do Bandarra. A quadra é assim: Em vós que haveis de ser Quinto/Depois de morto o Segundo,/Minhas profecias fundo/Nestas letras que VOS Pinto.» 
 Será então esta quadra, escrita bem posteriormente por seguidores ou continuadores anónimos de Bandarra, responsáveis pelas novas quadras que foram acrescentadas, por Fernando Pessoa considerados  "iniciados na mesma luz",  a base principal da ligação profética de Bandarra com o V Império, ou com D. João V até, para que os consideraram como o novo imperador. E, claro, para as congeminações optimistas mas irrealizáveis de Fernando Pessoa...
Na realidade, Agostinho da Silva, discípulo do sublime orador e genial pensador, embora discutido político, Leonardo Coimbra e do movimento da Renascença Portuguesa e sua revista Águia, onde o jovem Fernando Pessoa passara e se anunciara cientemente como o super-Camões, vivenciou na prática as diversas possibilidades de universalismo, sendo de certo modo um antigo marinheiro português tal como foi imortalizado em Rafael Hitlodeu, narrador a Thomas More da mítica ilha da Utopia, enquanto viajante (à bolina...) e dialogante pelos cinco continentes, com 30 anos dinâmicos no Brasil. Ora a sua visão futurante de Portugal, e do que seria V Império, assentou mais, ao contrário de Fernando Pessoa, na tradição de D. Dinis e Isabel do culto do Espírito Santo,  com a sua valorização da criatividade absoluta, da liberdade e gratuidade da vida, e da fraternidade entre  as religiões e ciências. Mas acrescentou a valorização forte do Amor, pela sua experiência e que faltou a Fernando Pessoa, reinterpretando valiosamente a ilha do Amor, do canto X dos Lusíadas, de Luís de Camões, no qual  o culto e esforçado poeta apresenta uma visão iniciática regida pelo Feminino, pela Deusa e as Ninfas que conduzem Vasco da Gama e os nautas à união amorosa e espiritual, bem harmoniosa ou sincrónica com a tradição indiana dos Shaktas e Shaivas, Luís de Camões que nos surge na imagem seguinte bem enleado enquanto mestre do som e da palavra e coroado ou sob a cascata da buganvília  rubra do amor unificador.
Podemos então considerar que Agostinho da Silva acolhe e rectifica Fernando Pessoa,  limitado pela época, pela falta de apoios e de viagens e baseando-se muito nas profecias (tão imaginativas e falhadas) de Daniel, Bandarra e Vieira, e referenciando muito ocasionalmente Joaquim de Fiora (tanto mais que a sua busca se realizou mais em linhas ocultistas, maçónicas e gnósticas), o monge calabrês algo condenado pelas suas teses que punham em causa a necessidade da Igreja institucional ou da acção intermediária do sacerdote.
 Ora Agostinho da Silva acolherá muito Joaquim de Fiora, que desenvolvera uma visão da evolução da Humanidade em três Idades, a do Pai, mais autoritária, da Lei de Moisés e do Antigo Testamento, a do Filho, do Evangelho, da obediência filial e da Igreja de Cristo e, finalmente, a idade do Espírito Santo, em que se estaria a entrar, a da inteligência espiritual desperta e em que cada ser seria por si mesmo sacerdote ou realizador da sua livre religação ao espírito e Deus, vivendo em relações fraternas e comunitárias. 
Ora através das práticas de beneficiência ou solidariedade e das festas portuguesas do Espírito Santo, de certo modo trazidas pelos franciscanos espirituais, ligados a Joaquim Fiora, se viviam e se evocavam para todos alguns dos dons do Espírito, ou mesmo se propiciava a antevisão de tal Idade de fraterna e de abundância, vivências que o arquipélago dos Açores conserva ainda hoje bem cultivadas e amadas, tal como em várias zonas do Brasil, com seus bodos, devoções, procissões e os descantes repentistas e em desafio inspirado.
Olhando para a História, se é verdade que um amadurecimento sublimador da animalidade egoísta da humanidade se foi e vai realizando ao longo dos tempos e nos nossos dias, há ainda muita dependência de intermediários,  sempre algo separatistas, seja os livros santos ou sacerdotes, pastores e mestres, embora seja cada vez maior a multiculturalidade e o diálogo inter-religioso, pesem ainda as muitas zonas semi-fanáticas, em especial no judaísmo, cristianismo e islão, pelo que se pode dizer que o sonho e desafio de uma Humanidade mais unida e regida por um ensinamento comum moral, não-violento, ético e religioso na base da unidade das religiões e tradições, e dos melhores esforços para o sublime, é certamente apenas uma utopia viva, um ideal apelante, de certa forma o tal  Império, Era, Idade ou Reino desejado, como aliás Fernando Pessoa intuíra ao especular sobre os vários níveis do sebastianismo, recuando mesmo num fragmento ao arquétipo egípcio de Osíris com seu corpo retalhado nas muitas religiões, certamente uma das raízes da tradição ocidental: «D. Sebastião, no seu triplo carácter de Rei (isto é, Rei Nacional), de Desejado e de Encoberto.
Estamos na Era do Desejado (...)
Finalmente vem o Encoberto. É este o nome de Osíris, cujos membros dispersos - as diferentes religiões - serão então reunidos, extinta a Igreja de Roma, na verdadeira Igreja Católica, na religião, por fim, universal.
E então se poderá ver o que o iniciado de Patmos chamou «um céu novo e uma terra nova.»
Certamente que também os sonhos visionários do Apocalipse, que teriam sido escritos na sagrada ilha de Patmos, sabemos bem hoje que nada a tem a ver com S. João (como aliás o arguto Erasmo provara no séc. XVI), mas com correntes messiânicas e zelotas da época e que introduziram imagens e profecias irreais que ainda hoje tem muitos adeptos, nomeadamente nas igrejas evangélicas ou em grupos e seitas mais dramáticos e aterrorizadores.
Mais exequivelmente e universalmente viu e experienciou, sobretudo no Brasil, Agostinho da Silva tal estado consciencial de unidade inter-religiosa de Portugal e Humanidade quando afirma: «Gosto de pensar um Portugal historicamente monoteísta e que estivesse frequentemente procurando o essencial do que já foi ou é, hebraico, cristão e muçulmano; mais ainda que pusesse, objectivo, o que as três religiões têm em comum; que o comparasse em seguida com toda a variedade oriental, africana e índia, e ainda aqui isolasse o comum, para não falarmos já de gregos ou romanos; que fizesse o esforço de sondar ateísmos, e que acabasse por ser o mistério e o silêncio que ficam», numa linha muito dele de valorização do inefável e da unidade dos opostos e de pôr em contacto as pessoas das diversas tradições, como me aconselhou antes das minhas peregrinações por terra à Índia e que me permitiu dialogar com alguns dos últimos fiéis do Amor Luso-Indiano em Goa.
Esperarmos hoje um V império universal de paz e justiça seria  uma utopia grande ou mesmo absurda, já que ao invés tanto egoísmo, nacionalismo, ultraliberalismo, transgendrismo e imperialismo reinam. Com efeito, o V Império material que existe de base ocidental capitalista universalizou-se e é bastante desumano e violento  para tal irenismo (do grego irene, paz,  pacifismo) da unidade das religiões prevalecer. Apenas se pode lutar criativamente pelo desenvolvimento do que se poderá chamar aspectos e realizações de um Império, ou melhor, Era,  mais cultural e espiritual,  tarefa que não pode caber apenas aos cidadãos de um país, ou aos manes de uma pátria-mátria (embora cada um de nós os deva trabalhar ou invocar), mas sim à totalidade dos povos, tradições e espíritos humanos. 
Demanda de homens e mulheres não só isolados (e ainda mais pela separatividade e a inveja) mas também através de grupos, instituições, encontros e parlamentos de seres representativos do que mais e melhor se sabe e se faz, e com a intencionalidade pura do Bem da Humanidade, algo que Fernando Pessoa na sua reconstituição da Ordem Templária ou de Cristo de Portugal realçou, sob a epígrafe do mote ou empresa do infante D. Henrique, «Talent de bien faire. (1) Executar na máxima perfeição todos os actos da vida, e sobretudo todos os actos da vida superior. (2) Fazer o Bem. (3) Criar a vinda do Bem. Não há outros princípios fundamentais na O[rdem].» 
                                  Túmulo do Infante D. Henrique | The Tomb of Henry the Naviga… | Flickr 
De tal trabalho (bem feito), poderia resultar um manual escolar ético, artístico, científico, cultural e espiritual da Humanidade e que, sendo divulgado e implementado pela UNESCO, seria um poderoso factor para se semear ou fazer desabrochar nas alminhas escolares, e seus instrutores, uma mentalidade aberta, fraterna, solidária, dialogante e de comunhão intercultural e inter-religiosa mundial.
Simultaneamente cabe a a cada indivíduo, nos seus países ou tradições tentar atingir e viver harmoniosa e humildemente a sua ligação sóbria, biológica e amorosa com a terra e os recursos escassos do planeta, em partilha e diálogo convivial com os seus próximos e contemporâneos (neste aspecto também se destacando Agostinho da Silva ao valorizar e querer apoiar as amizades e suas redes, comunidades e experiências inspiradas no aprofundamento do culto do Espírito Santo), trabalhando e intensificando-se os seres na sensibilidade e na aspiração tanto ao labor humilde como ao  heroico e iniciático, conduzindo à consciencialização da nossa essência imortal e da sua religação à Divindade.
Os seres que pelas suas obras e palavras galvanizem os outros em realizações e esperanças de melhoria, de beleza, de justiça, de harmonia, são os que estão realmente a viver mais a harmonia, a unidade, o amor, o reino dos céus na Terra, o imaginário e desejado V Império no que é possível no séc. XXI, se quisermos ainda usar tal mitema antigo, para o Campo subtil unificado de realização e circulação pessoal, grupal, subtil, cultural e espiritual de busca da verdade, do belo e do bom de modo não-violento mas por amor, diálogo e sabedoria.
Alguns dos cultores lusos do V Império estavam conscientes disto, embora não com a agudeza que nós vivemos pois, no tempo de Fernando Pessoa, Portugal controlava ainda as províncias ultramarinas, e o quadro europeu e mundial respirava bastante mais eticamente, embora a sombra da Censura de Salazar e do Estado Novo já desse origem ao desencanto final de Fernando Pessoa, bem visível no poema último da Mensagem o Nevoeiro e na sua Elegia da Sombra. Mas louve-se Fernando Pessoa pelo seu extraordinário poema Clarim também denominado V Império, onde fulgura bastante a ideia do corpo místico ou subtil da Tradição Espiritual portuguesa, numa excelente invocação e evocação pouco conhecida e menos ainda lida com a sensibilidade interior necessária a ser operativa animicamente.
Esse Clarim ecoa o poema dedicado em 1920 À Memória do Presidente-Rei Sidónio Pais, aquando do seu assassinato, e onde os seus veios sebastianistas, messiânicos ou avatáricos, são por ele erguidos já bem espiritual  e esotericamente:
«No oculto para o nosso olhar
 No visível à nossa alma,
Inda sorri com o antigo ar
De força calma.
 
Com mais armas que com Verdade
Combate a alma por quem ama.
É lenha só a Realidade:
 A fé é a chama. 
 
 Quem quer que sejas, lá no abismo
Onde a morte a vida conduz,
Sê para nós um misticismo
A vaga luz.
 
E amanhã quando houver a Hora,
Sendo Deus pago, Deus dirá
Nova palavra redentora
Ao mal que há.
 
 E um novo verbo ocidental
Incarnado em heroísmo e glória,
Traga por seu broquel real
Tua memória.»

Já nos tempos médios e finais da vida de Agostinho Silva, Portugal libertara-se do Estado Novo e podia-se  tentar viver a mais e melhor a convivialidade da idade do Espírito Santo pelo que ele escreveu, conversou (no particular sentido de nos convertermos um no outro e no que de verdade nos coroa) e poetizou de tantos modos, por vezes com grande genialidade ou concisão, sintetizando mesmo o que de melhor houvera em D. Dinis e Isabel, em Camões e a sua ilha do Amor, a voz da Deusa, a subida ao alto monte e a contemplação da ordem cósmica, e ainda com a voz de Deus do padre António Vieira e o império da língua portuguesa de Pessoa, este por Agostinho tão bem palmilhado e trabalhado por muitos recantos do mundo da lusofonia e algo  que hoje, por vários textos de múltiplos autores, a revista Nova Águia tenta continuar.
Todavia, tendo hoje a riqueza e a disponibilidade cultural dos portugueses diminuído por sucessivas crises, sendo a mais recente provocada pelo corona virus 19, que trouxe consigo a destruição de milhares de pequenas empresas e postos de trabalho e uma crescente  opressão da convivialidade livre, bem visível também nos media e redes sociais, devido às narrativas oficiais obrigatórias, podemos assustar-nos, tal como Fernão Álvares do Oriente enfabula, face à fera selvagem que se instalara a dizimar pessoas, na sua Lusitânia Transformada, numa metáfora da Inquisição (e abordada por Sampaio Bruno no seu importante livro Os Cavaleiros do Amor), admitindo-se vê-la ressuscitada ou reencarnada nos agentes e colaboradores de uma ordem mundial que se pretende impor bastante desumanamente.
Como se estivéssemos no meio de uma luta das trevas e da luz zoroástrica, haverá que esforçar-nos pelas  possibilidades luminosas sempre abertas (e que já Antero de Quental realçara ao sentir que «a Bíblia tem brancas as últimas páginas, para que lhe possa cada geração nova escrever lá o verso d'oiro de cada novo Evangelho que se revele») de um futuro social, cultural e espiritual mais luminoso. E assim para finalizar esta revisitação vamos escolher e acolher alguns  textos destes dois últimos cultores da grande alma portuguesa e que ecoaram frequentemente outros elos da nossa tradição cultural e espiritual, tal como referimos, por exemplo, Antero de Quental, pioneiro no seu ensaio das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos Três Séculos, no seu socialismo humano e na sua sonhada Ordem dos Mateiros, de seres que sabem recolher-se interiormente na Natureza, tal como já em 1865 escrevia, bem profeticamente para os nossos dias de recolhimentos forçados, a António de Azevedo Castelo Branco:«O cenobitismo e a contemplação, o misticismo, se quiseres, são na sua inércia aparente, os mais rijos obstáculos que a liberdade do Espírito pode opor à brutalidade invasora das condições fatais do mundo».
Quanto a Fernando Pessoa, nascido no coração de Lisboa, em dia de S. António, de quem sempre foi devoto, eis uma visão ribeirinha fácil de ser vista e sentida, no poema a D. Sebastião na Mensagem: «Mas não, não é luar: é luz do etéreo./ É um dia; e, no céu amplo de desejo,/ A madrugada irreal do Quinto Império/ Doira as margens do Tejo.» Ou ainda a do poema V Império da mesma obra pois contém um ensinamento básico, que vale a pena levar de cor ou no coração: «Ser descontente é ser homem./Que as forças cegas se domem/Pela visão que a alma tem!»
Captações do  panpsiquismo  do corpo místico da Tradição cultural e espiritual Portuguesa são-nos passados ainda por Fernando Pessoa em símbolos e palavras quase mágicas para tal comunhão, nomeadamente no poema sem nome mas designado como V Império, pouco divulgado, e que é iniciado assim:
«Vibra, clarim, cuja voz diz
 Que outrora ergueste o grito real
 Por D. João, Mestre de Aviz,
 E Portugal. (...)
 
A Todos, todos, feitos num
 Que é Portugal, sem lei nem fim, 
Convoca, e, erguendo-os um a um,
Vibra Clarim!
 
E outros, e outros, gente vária
 Oculta neste mundo misto,
Seu peito atrai, rubra e templária, 
 
 A Cruz de Cristo.
Glosam, secretos, altos motes,
Dados no idioma do Mistério
 Soldados não, mas sacerdotes,
Do Quinto Império.
 
Vinde aqui todos os que sois,
sabendo-o bem, sabendo-o mal, 
 Poetas, ou santos ou heróis
De Portugal. 

Não foi para servos que nascemos, 
 De Grécia ou de Roma ou de ninguém.
 Tudo negámos e esquecemos:
 Fomos para além.» 
 
Finalizemos com Agostinho da Silva (1906-1994), mestre de conversas unificadoras de opostos ("quando conversamos com uma pessoa, no fim de contas queremos converter-nos ou converter a nossa dualidade numa unidade superior"), com algumas quadras bem lúcidas, fáceis até de decorar:
 «Matéria sendo bailado/ que faz o Espírito santo/ com o espírito que é nosso/ e que santo não é tanto.

Da dança brota primeiro/ o que se chama energia/naquele saber de agora/ em que física se fia.

 Que o melhor de meu destino/ me salve a mim e aos meus/ de saber para poder/ não para louvar a Deus.

E que me guarde primeiro/ da vontade de saber/ como coisa que possua/ antes que estrada de ser.

 Alma esculpes e não pedra/a cada gesto de amor/ a ti próprio te fazendo/ como todo o criador.

 Realcemos ainda sobre a missão da Comunidade dos Povos da Língua Portuguesa a sua visão bem idealista e profunda, afirmada em 1986 «guiarem o mundo ao reconhecimento da sua verdadeira essência: a do espírito na matéria esplendendo», e  rectificando, em 1-7-87, o conceito tradicional de conversão ao cristianismo do passado V Império: «os infiéis que hoje importam são os que, pelas restrições económicas, educacionais ou políticas ou filosóficas, são condenados por toda a vida à infidelidade à sua própria vocação, àquilo de único a que vieram ao mundo, e afinal morrem sem ter vivido. Culpados somos todos se nos entretivermos com festas de pretérito: antecipemos as do futuro, que mais para isso somos portugueses e todos os que herdarem ou herdaram».
Concluamos mesmo com um dos seus últimos ensinamentos
acerca do  V Império, de Junho de 90, na qual falando da viagem fundamental de Portugal, a que levou a alma de Portugal fora e a trará de novo, valoriza «o culto da plenitude do Divino sem esquecer que nele paira a inteira liberdade da criança, a gratuita graça da vida e o quebrar de toda a grade imaginária ou real. Livres ouviremos a voz da criatividade absoluta a que Luís de Camões deu o nome de Deusa em sua ilha de Amores e Vieira ampliou a Deus no que sonhou imorredouro império, aquele em que ninguém impere (...) o que a todos é possível e de dever, o soltar-se das cadeias do tempo e do espaço e ligar em perfeita harmonia o empreender e o ser.» 

Possam os veios comunais e subtis e os contributos especiais de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva integrarem-nos melhor na grande Alma Portuguesa,  no culto do Espírito santo, isto é, na devoção na realização do espírito, bem como na tradição do heroísmo dos Descobrimentos, e no sonho rectificado do não-Império, concomitante ao fim do norte-americano e que está a dar lugar a uma multipolaridade, para que não desanimemos com tanta decadência e desintegração de identidades, e para que o espírito esplenda mais em nós em dinâmicas criativas e harmonizadoras de corpos e almas, não manipuladas por novas ordens mundiais mas inspiradas e unidas no mesmo corpo místico e divino de Portugal, do seu Arcanjo e para a Humanidade.