Leonor Beltrán é uma artista bastante completa pois ao domínio artístico do corpo, já que foi bailarina, coreógrafa e professora de dança e teatro no ensino superior politécnico particular e nos Cursos Livres da Escola de Dança no Conservatório Nacional de Lisboa, alia o desenvolvimento harmonioso das faculdades sensitivas, psíquicas e espirituais, visíveis tanto nos seus textos e diálogos, como nos seus desenhos, os últimos agora então em exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes, à Barata Salgueiro, na Galeria de Arte Moderna, n0 1º andar, sob o título Movimento, olhares interiores a preto e branco.Os desenhos realizados a tinta-da-china reflectem tanto uma prática artística como espiritual, e por isso serão chamados "olhares interiores", transmitindo e podendo gerar "movimentos" psíquicos e potencialmente espirituais, pois tratam-se de mandalas, embora muito suas já que têm pouco a ver com as clássicas que conhecemos da Índia e do Tibete, comungando ambas todavia da mesma ordenação e irradiação centralizada...
Ainda que completamente abstractos, os desenhos são bastante orgânicos, dispondo-se em meticulosas e pacientes irradiações onduladas a partir de um centro, que também o é da pintura e do quadro e apela ao nosso, e nas suas formas, texturas e movimentos têm algo de fogo do sol e seus raios e chamas, de água e suas gotas e remoinhos, de folhas de árvores e suas virações e murmúrios às brisas. Assim, ao sentirmos e sintonizarmos com as formas naturais e rítmicas gerados pelos desenhos mandálicos respiramos e oramos com a Natureza perene e divina...
Naturalmente, podem deduzirem-se efeitos terapêuticos apreciáveis seja meramente pela contemplação seja pela realização das mandalas, e modernamente arteterapia tem-se desenvolvido muito em vários países, graças aos seus efeitos harmonizadores e centralizadores nas psiques humanas ou mesmo nos ambientes.
A Celeste Carneiro, amiga do Brasil, que publicou mais de um livro sobre arteterapia e as mandalas e tem uma revista online, onde colaboro, é, para dar um exemplo, uma outra continuadora moderna da teoria e prática da mandala, tão desenvolvida por alguns artistas religiosos e espirituais, e no século XX em especial pelo orientalista Giuseppe Tucci e pelo psicólogo Carl Gustav Jung.
A apreciação e os efeitos de qualquer obra de arte são sempre subjectivos, pois a apropriação e realização individual depende da interacção de muitos factores. E se algumas obras são mais simples e imediatas aos olhares, outras, para transmitirem as suas mensagens e impulsos interiores, nomeadamente quando os artistas utilizaram ou incorporaram referentes religiosos e espirituais específicos, que as pessoas podem ou não conhecer e logo responder, assimilar, ou invocar-evocar, exigem uma certa contemplação mais demorada ou mesmo iniciação em tal tradição...
Mas mesmo numa pintura abstracta e muito uniforme e concêntrica na sua estruturação e repetição, mandálica diremos, para além do ver e sentir imediato, não é fácil discernirem-se quantitativa e qualitativamente os efeitos nos níveis da realidade objectiva (orgânica e neuronal) e subjectiva (estado psíquico e consciencial) e portanto o que pode ser tocado e estimulado em cada observador, ou o que cada um sente reflectido e transmitido.
E para além da imensa subjectividade da relação humana com o fenómeno artístico, sabe-se ainda pouco de outro factor importante nesta interacção, aquela unidade substante que se denomina inconsciente colectivo, alma do mundo, campo unificado de energia consciência, emaranhamento das mentes, plano causal, espírito omnipresente, mundo dos arquétipos, conceitos que não sendo completamente sinónimos têm muitos pontos de coincidência ou sobreposição, variando sobretudo pelo centro ou foco da nossa atenção a tal substracto subtil pluridimensional.
Assim, cada um de nós experimenta ou vivencia os desenhos, esculturas ou pinturas nas suas inter-relações ou participações em tais níveis e designações da multidimensional Realidade à sua maneira, sob o seu olhar ou ângulos de vista, conforme o cálice do seu coração ou sensibilidade, de acordo com a transparência ou abertura do seu olho espiritual, e, certamente, conforme a sua cosmo-estética, a sua cultura artística e a sua predisposição à apreciação ou vivência mandálica, por Carl Gustav Jung, por exemplo, muito valorizada como instrumento de harmonização do inconsciente e individuação do verdadeiro eu.
Feita esta breve introdução aos movimentos possíveis face aos nossos olhares, fica o convite, até ao dia 4 de Maio, a visitarem e contemplarem, com que efeitos não sabemos, as belas mandalas, centrípetas e centrifugas, em exposição da Leonor Beltrán, sob o título, Movimento, Olhares interiores a preto e branco, fotografadas nos ângulos que evitassem ao máximo reflexos de luz artificial, tanto mais que um dos objectivos destes desenhos-mandalas será certamente vermos e sentirmos, atrairmos e sermos mais a Luz espiritual e amorosa...
Estarmos mais centrados, ou concentrados...
Discernirmos purusha, o íntimo ser nosso, que é consciência e energia, shiva e shakti...
Estarmos mais centrados, concentrados, alinhados, sintonizados...
Discernirmos purusha, o íntimo ser nosso, ou espírito, que é consciência e energia, shiva e shakti, e irradiarmos ou interagirmos bem, despertantemente, unificadoramente...