quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Shinto, o caminho do Espírito. Do culto dos seus kamis, e suas orações, invocações e evocações...

                        Shinto, o caminho (do) do Espírito (shin).
 A concepção mais generalizada de Deus, da Fonte Primordial, no Japão é bastante diferente da Ocidental pois ao contrário da ideia do Deus único, que as religiões dos ditos livros revelados, o Judaísmo, Cristianismo e Islão, propagaram com maior ou menor proselitismo ou mesmo violência, o Shintoismo aceita e pode chamar às suas cerimónias e cultos alguns ou muitos espíritos, deidades ou deuses, os Kami do Universo. E se por vezes realçam ou se consagram a um só ou a poucos, na religião popular, em grande parte efectivada em festividades sazonais ou cíclicas da Natureza, procura-se o maior número de seres divinos ou semideuses para que mais bênçãos ou energias acorram ou aconteçam no local e possam tanto beneficiar o alto como o baixo, os convidados como os que os celebram, e se estendam sobre a região, sobretudo os campos e os habitantes locais.
É certo que no Cristianismo e no Islão se desenvolveu um culto grande pelos santos ou mestres, e arcanjos, e que estes no fundo agem como semi-deuses para os seus discípulos ou para os que creem neles, nisto se assemelhando ao Shintoísmo, o qual por sua vez torna ou consagra, ao fim de algum tempo, os que morreram como espíritos divinos, embora  a diferença entre os Kami que foram pessoas e os grandes Kami divinos cosmológicos, mitológicos e naturais seja notória, havendo uma hierarquia que se reflecte também na classificação dos próprios santuários, nos quais em geral se veneram ou cultuam um ou mais Kamis. Mas há vários casos de pessoas importantes na história que passaram a ser Kamis, cultuados em santuários.
  Amaterasu omi-kami, a divindade principal ou a mais bela face divina, a deusa do Sol... 
  Uma das caracterizações ou definições mais citadas sobre Kami é tudo o que pelas suas qualidades de excelência ou de extraordinário nos impressiona, sendo portanto miríades, infinitos...
Para vermos e compreendermos melhor a concretização de tal caracterização dos Kami, espíritos celestiais ou Deuses Japoneses como miríades, oiçamos  uma oração pronunciada nas festas cíclicas, neste caso na província de Mikawa, conforme N. Matsudaira as registou:
«A guardiã do Sol, o guardião da Lua, no céu, o kami Bontentaishakou, em baixo os quatro grandes reis e a princesa Goro e os oitenta e quatro kami das tempestades, os oitenta e quatro guardiões muito respeitáveis,  que eles venham todos sem excepção.
Quando eles descerem e se banharem, que apareçam como neblina que ascende para a fonte das águas quentes.
Nós convidamos o grande kami do Oriente, Tarô. Convidamos o grande kami do Sul, Jiro. Convidamos o grande kami do Ocidente, Sabouro. Convidamos o grande kami do Norte, Shiro. Convidamos a grande kami princesa do Centro, Gorô.
Nós convidamos os kami da chuva, os kami do vento, o kami Dainitchi, grande sol da gruta do céu.
Nós convidamos o kami do Caldeirão, Sabouro, a jovem kami da paz, Miroumé; os kami dos anos.
Nós convidamos das montanhas altas os viajantes dos cimos, os deuses viajantes das folhas e o grande kami do Dragão.
Fudo-Myo-o, divindade da sabedoria ardente, protectora das montanhas, quedas de água e seus amantes, proveniente do Budismo, Shintoismo e Taoísmo. Cultuado sobretudo pelos ascetas e peregrinos das montanhas,  Myo-o. Na imagem no monte sagrado de Omiwa, quando o peregrinei em Agosto de 2012.  
   
Nós convidamos pelas árvores, o kami do espírito das árvores, pelas pedras, o kami Hakoujakoushin, o kami das trepadeiras, o kami das ervas, os deuses que de uma só vez deitam abaixo muitas folhas. O macaco que é chamado o kami Kongodoji. Os trinta kami dos países do Ocidente para onde se dirigem os peregrinos, e convidamos os dez mil kami das montanhas. Para os rios, os oito kami da água, para os caminhos, o kami viajante, que venham todos sem excepção.
No céu, a luz do Sol e a luz da Lua, na Terra os deuses violentos da terra, o grande deus da Terra de altura de duzentos e quarenta metros, o kami médio da Terra de altura de cento e sete metros, Ebisou, Daikokou, os sete kami da felicidade, que eles venham sem excepção.
Nós convidamos os 155.500 Kami dos templos das redondezas (...) Convidamos os espíritos que se aproximam daqui, os espíritos dos sacerdotes negui (os chefes), dos haori, das miodo (dançarinas), hakase (professores), chishiki (conhecedores), ajari (monges instrutores), os primeiros e os segundos sacerdotes, hastes que sobem do melão e regatos da vida.
Convidamos os kami que estão ligados pelo sangue, bem como os que não estão mas que habitam o mundo espiritual, que eles venham todos sem excepção»...
Os Kami ou espíritos celestiais chegam nesta cerimónia ao quadrado evocador, no exterior ou numa sala, delimitado por cinco bambus unidos pelo fio de palha por onde a energia circula proveniente das cinco direcções, e que tem um bambu e o caldeirão com água a ferver ao centro e por cima o quadrado de bambu e papel biyakke, simbolizando o céu e onde termina atado o fio de palha, denominado kamimitchi, caminho dos Kami,  assinalando a fonte celestial das energias.
Recinto sagrado delimitado pelos bambus e o fio Kamimitchi, na subida ao monte sagrado de Omiwa. 2012.   
 As danças, as orações, as aspersões de água com os ramos da sakaki, a clyera, a árvore considerada mais sagrada ou mais condutora dos Kami, a participação preparada ascetica e intensamente, as oferendas, a aspiração e o entusiasmo da comunidade fortemente unida, tudo conflui para uma intensificação e acumulação de energias nos seres que participam e é sobretudo pelo seu ritmo harmonioso que os Kami ou espíritos celestiais estão mais presentes, irresistivelmente quase e derramam o seu imenso reiken, a graça divina, ou seja, a energia que é a correcta e adequada à circunstância...
Saibamos nós nas nossas orações e evocações merecer as melhores graças do alto e das suas miríades de seres luminosos....
Possamos nós nas nossas orações solitárias ou em grupo criar os canais verticais e íntimos que nos ligam ao Espírito e ao mundo espiritual e Divino...

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