quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Fernando Pessoa e o Natal. Alguns dos ecos em poemas e textos.

                                                                 
Em Fernando Pessoa as múltiplas fases de estudo, polémica e compreensão de quem fora Jesus e o que era a religião Católica estão assinaladas em centenas de páginas de textos e de poemas, alguns deles quanto às suas festividades, tais as dos Santos populares ou a do Natal.
Oiçamo-lo então neste texto mais acerca da Natividade:

«Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.»

Saiu na revista Contemporânea, nº 6. Lisboa, Dezembro de 1922.    Comentário:
Revela Fernando Pessoa certa descrença na chamada evolução religiosa da Humanidade, pois são apenas nomes e fés que mudam. E descrença ainda que, pela Ciência, se possa chegar a Deus. Assim o que se pensa e se nomeia são apenas como palavras, pois tudo é oculto e ilusório, pois há tantos níveis que chegar Deus é dificílimo e apenas alguns o vão tentar com certas qualificações ou preparação.
Quanto a conseguirem-no, embora Fernando Pessoa tenha afirmado num ou dois textos que os místicos tentam passar o abismo que nos separa da Divindade, ele descrê que tal possibilidade se torne realidade. Contudo, noutros textos Fernando Pessoa afirma que a Humanidade apenas pode contactar com os Espíritos celestiais e eventualmente chegar ao conhecimento e união com o Cristo, segunda Pessoa ou aspecto da Divindade. E num ou outro fragmento, ainda mais raro, um dos quais revelei pela 1ª vez na Rosea Cruz admite a união do espírito ou mónada humana com a Divindade, em nós...
                               
«Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!»
 
Notícias Ilustrado, nº 29. 30/12/1928.
Comentário: Neste poema Fernando Pessoa deixa falar a sua alma saudosa da sensação de família, já que a sua mãe morrera em 1925 e desde então ainda mais se sentiu só...
"O lar que nunca terei" tem também um sabor patético ou semi-trágico, embora desde 1920, quando a mãe regressara da Africa de Sul, vivesse num andar alugado, com ela, na que de certo modo foi a sua casa na rua Coelho da Rocha, em Campo de Ourique (hoje casa-museu Fernando Pessoa) até ao fim da vida. Mas com o lar provavelmente se refere à mulher, à família, que poderia ter tido com Ofélia Queiroz. Todavia o seu destino de escritor solitário repudiaria tal hipótese, duas vezes, até por cartas que sinalizaram o fim dos namoros.
De realçar os sentimentos passados, os entes queridos e que são lembrados no calor do lar face à neve exterior.
O lar e os lares, a pedra da fogueira e os espíritos ancestrais da família. Um psicomorfismo muito sentido pelos portugueses, este da comunhão para além da morte física.
                            
25/12/1930
«Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal.
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.»

Comentários: De realçar neste poema a pobreza, austeridade, sobriedade ou o gelo, de estar com frio gélido nos pés, algo que os que escrevem no Inverno e não usam aquecedores bem conhecem...
                                         
E terminemos com um texto não datado mas provavelmente dos anos 30 e do Livro do Desassossego:
Mais «pensamentos».
Dia de Natal (Humanismo. A «realidade» do Natal é subjectiva. Sim, no meu ser, a emoção, como veio, passou. Mas um momento convivi com as esperanças e as emoções de gerações inúmeras, com as imaginações mortas de toda uma linhagem morta de místicos. Natal em mim!)»...
Comentário:
Um texto algo desiludido de Fernando Pessoa em relação ao Natal, que mesmo assim consegue sentir emotivamente na esperança que rodeia as horas anteriores e nas emoções no momento das celebrações ou festas e misticamente nessa comunhão dos mortos, no corpo místico da humanidade, linhagem de místicos mortos, mas vivos ainda, diremos.
Sente tal como um convívio com a tradição mística cristã mas que contudo considera como imaginações mortas e de uma linhagem morta de místicos, seja nele próprio seja à sua volta.
E é provável que ele estava a pensar que mesmo na Humanidade tal linhagem de místicos cristãos estava morta. Embora certamente sempre houve e haverá místicos do Cristianismo como das outras religiões, cujas forças ou espíritos continuam a inspirar pessoas.
Vibre então nestes dias mais plena ou misticamente na sua aspiração à luz e ao amor, e a uma maior comunhão com os espíritos celestiais, os anjos e arcanjos, e com a Divindade, sem esquecer aqueles que já partiram, tal como Fernando Pessoa, ou que estão distantes mas que afluem à ara quente do Lar ou dela recebem energias luminosas quando todos se reúnem fraterna e sabiamente...
                         

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