domingo, 5 de novembro de 2023

António Carvalhal, um poeta espiritual, discípulo de Antero de Quental. A "Esfinge", da Morte e da Imortalidade, com poema psico-biográfico de Antero.

 António Carvalhal é hoje um poeta desconhecido, que terá vivido não certamente entre as datas que a Base Nacional de Dados, a Porbase, lhe atribui, de 1834 a 1890, pois é nas primeiras décadas do século XX que surgem publicadas na Livraria Fernando Machado no Porto, algumas  obras suas de poesia,  bem frescas e com um ar nada póstumo: em 1900, Cantares. Depois dum longo hiato, em 1926, Estrada de Damasco. E logo de seguida em 1927 Esfinge: versos, e por fim em 1928, O Cancioneiro azul. Possuo a Esfinge, e como nela há um poema sobre Antero de Quental, e outros de teor tanto anteriano como espiritual, resolvemos homenageá-lo, trazendo-o à luz do século XXI. 

Da sua biografia dele, no começo deste artigo em 31-10-2023, quase nada poderei dizer, pois  posso deduzir apenasalguns traços anímicos pelo conteúdo do livro dedicada à misteriosa Esfinge, um in-8º de 104 páginas, bem impresso em 1927 na Tipografia Progresso, à rua Sousa Viterbo nº 81, Porto. Contudo, uns dias depois, pude encontrar outro dos seus livros, a Estrada de Damasco, de 1926, com uma dedicatória escrita por alguém em 1943, na qual chama a António Carvalhal  "malogrado poeta". 
Como foi escrito antes da Esfinge, apresento um breve resumo contextualizante: os  cem poemas são de boa qualidade e mostram a sua grande força de amor e domínio dos versos e imaginação. Divididos em cinco livros, os primeiros transmitindo o seu amor por uma mulher que se tornará a companheira, o penúltimo Almas dispersas, desenrolando em versos a sua sensibilidade panteísta,  e no último capítulo, o Caminho, mostrando tanto a sua familiaridade com as várias tradições espirituais poetizando-as a partir da sua leitura ou vivência: Ramayana, Bhagavad Gita, Chah é nameh, e Virgílio e as suas Geórgicas, como ainda as suas profundas realizações de amor e de compreensão.

A epígrafe inicial do livro Esfinge é, certamente, das mais utilizadas em livros, de Shakespeare: There are more things in heaven and Earth, Horatio, / Than are dreamt of in your philosophy, e abre-nos portanto à pluridimensionalidade dos seres, dos mundos, da vida. Segue-se um soneto dedicado à Esfinge, valioso, e no qual pensa ter decifrado seu enigma: a vida no inferno é horrorosa e a no Céu bela. Vemos portanto um pensador religioso ou espiritual, e com ideias do Bem e do Mal firmes. Seguem-se depois os vários sonetos, agrupados em três núcleos, Almas Heróicas, Cadáveres e Através do Mistério.

  Almas Heróicas, com sete sonetos biográficos de S. Francisco de Assis, Camões, Antero, Frei Agostinho da Cruz, Dante, Leopardi, Baudelaire, Verlaine, Rollinat e Espronceda. Por eles vemos os seus mestres ou exemplares literários e logo as suas linhas de força, de afinidade, de aspiração, de ideais. E deles falaremos no fim.

 2º Cadáveres, tem dez sonetos sob a temática da morte, e termina com  os Suicidas onde não os aprovando nem condenando, condói-se por os ver «à beira dos abismos caminhando/ Alucinados, espectrais buscando/ o silêncio da luz libertadora». É muito legível e sensível a influência dos sonetos de Antero de Quental e de algumas das suas ideias, imagens e sentimentos sobre a incognosciblidade ou silêncio de Deus, e a morte,   ora vista como má e destruidora, ora como amante e libertadora, e os mortos ora vistos em decomposição, ora como seres espirituais que se libertaram. As duas quadras do soneto os Mortos são muito idealistas e perfeitas, e merecem a transcrição:

Os Mortos jamais voltam desse Além,
Dessa Índia de sonho e formosura...
Guiados por um sol de luz mais pura
Lá partem, confiados, no seu bem...
 
Uma paz como aqui sentiu ninguém
Eles a sentem, livres de tortura,
Nessa romagem santa da Ventura
Que um dia havemos de fazer também.»

Tal como do soneto a Morte, onde o magistério anteriano deificante da Morte atinge uma florescência bela e perfeita (sobretudo nas duas quadras, que transcreveremos), mas, claro, altamente idealizada, algo enganadora até no que pode atrair para ela, pois o post-mortem no mundo astral é muito variável, e o do suicida muito espinhoso:

Eis o que a Morte diz aos seus eleitos:
"- Vinde gozar em mim a Eternidade,
Que eu sou a paz e sou a liberdade,
Ó grandes corações insatisfeitos!

Vossos males serão por mim desfeitos;
Em mim encontrareis felicidade...
Inimiga da dor e da Ansiedade,
Sei dar consolação aos vossos peitos!"

 O 3º núcleo Através do Mistério, que se inicia com uma citação de  Antero de Quental, contém dezanove sonetos sobre aspectos importantes do caminho espiritual da Vida, com títulos bem profundos ou elevados: O Palácio do Mistério, com quatro sonetos, O Som,  Sabedoria, Hino à Ideia, Amor sem Palavras, A Alma Inimiga, Noite Espiritual, A um Teósofo, A hora que passa jamais volta, O presságio, Contemplação, Vida etérea, Elevação, Vida Espiritual, Redenção, Hino ao Sol.

Assim como o 2º núcleo,, Cadáveres leva como epígrafe a redutora mas apropriada citação das Odes de Horácio Pulvis et umbra sumus, Pó e sombra somos, e o 1º núcleo, valorizador das Almas heróicas, estava antecedido pela citação, bem romanticamente imortalizadora (já que depois de mortos quase todos são enaltecidos), de Alfredo de Vigny: 

"Qu'importe oubli, morsure, injustice insensée,
Glaces et tourbillons de notre traversée?
Sur la pierre des morts croit l'arbre de grandeur..."
“Que importa o esquecimento, mordidela, injustiça sem sentido,
Gelos e redemoinhos de nossa travessia?
Sobre a pedra dos mortos cresce a árvore da grandeza...
"

o 3º núcleo, Através do Mistério, é antecedido por uma quadra, do soneto Contemplação, de Antero, ao qual já dedicámos um texto: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2017/03/contemplacao-soneto-de-antero-quental.html, e aponta  para a vida espiritual imortal...

«Sonho de olhos abertos, caminhando
Não entre as formas já e as aparências,
Mas vendo a face imóvel das essências,
Entre ideias e espíritos pairando...» 

Há pois uma progressão de realização ao longo dos três núcleos: o 1º apresenta os exemplos de seres ou obras que se imortalizaram, no 2º passa pela descida à morte física e como nela muitos ficam contidos ou se extinguem e é no 3º que se dá a iniciação, o caminhar já nesta vida Através do Mistério, do além, da vida depois da morte, da esfinge espiritual e Divina, em dezasseis poemas bem ricos e profundos. 

Se quiséssemos escrever pequenos ensaios ou mesmo poemas sobre cada um dos títulos, provavelmente apenas em alguns aspectos coincidiríamos com o que António Carvalhal sentiu, realizou, transmitiu. As associações de ideias, que as ideias-forças dos versos nos fazem desencadear, só em certos casos serão as mesmas que as suas, mas  os títulos de Palácio do Mistério, ou da Ventura, e o Hino à Ideia são dos mais anterianos.  A Sabedoria, como linha de demanda da sua alma,  a Noite Espiritual, apontando à mística espanhola e à súbita ausência da graça divina, o da harmonizadora Vida etérea lembrando um título de Teixeira de Pascoaes, o A Um Teósofo, animando-o no seu difícil caminho, pois estará sempre acompanhado, e o último, o Hino ao Sol, bem poderoso no culto ao Sol que tanto pode ser o dos naturistas, o dos egípcios de Akhenaten, o Sol invictus mitraico-romano ou mesmo apenas o Primordial...


Destes valiosos dezasseis poemas, com dezanove sonetos  transcrevamos então em resumo os melhores ensinamentos que António Carvalhal intuiu ou realizou: No 1º poema, o Palácio do Mistério, glosa e redime Antero no seu Palácio da Ventura, pois consegue entrar nele, pela porta da Palavra, e na sua luz avança para o Bem, o Amor, o Ideal.

                         

Nos restantes três sonetos do Palácio do Mistério aborda a porta da Linha recta do ritmo e pensamento  próprio por onde ascende "para o Amor, para a Luz, a Bondade, para o princípio e fim donde viemos...";  e por fim a porta do Número, onde vê,  descidas do Único Ser Supremo, as almas sete vezes desunidas (provavelmente pelos seus sete corpos-princípios), com uma íntima referência nos tercetos finais que pode ser a de um numerologista ou então a de uma súbita intuição do número regente ou dominante no caminho das almas:

"Feliz da alma sincera, a que encontrou
O seu número bem distraída
E todo o seu mistério penetrou.
 
Mais formoso será o seu caminho,
Flores o juncarão, e a própria vida
Já para ele terá maior carinho..."

No 2º poema, o Som, mostra-nos conhecer o mistério e poder do Som, nomeadamente interno, e quase não podia ser melhor o que transmite. É António Carvalhal, ou parece ser, um ser espiritual bafejado pela audição do subtil som divino. 
Reproduzimos na fotografia as duas quadras e transcrevemos os tercetos finais: «Deus fala sempre às almas em segredo: No fulgor duma estrela, ou trono erguido, No perfume que passa ou no rochedo. /E tudo o adora, e tudo lhe obedece... E o Som oculto uma só vez ouvido, Nunca se apaga, nunca mais esquece!» Realcemos o não consumístico mas iniciático, uma só vez ouvido...
No 3º poema, a Sabedoria, mais do que hino à personificação dela, à santa Sabedoria, ou duma ponderada meditação sobre as forças da inteligência e de afecto unidas para agirem harmoniosamente, encontramos, sob uma epígrafe de Emerson, Crê em ti próprio,  um elogio grato à "sua" persistente vontade que o ergueu de verme ao cimo da montanha. A primeira quadra mereceria ser quase transcrita pois nela afirma que o amor deu-lhe sabedoria para do abismo do seu ser inconsciente se erguer à luz que o ilumina, à calma do saber, pelo seu perseverante querer. 

O 4º poema, Hino à Ideia vale a pena ser meditado, pois no séc. XXI o culto das ideias e ideais, valores e causas, parece ter sido trocado pelo das imagens, dos likes, da desinformação, do consentimento do mal:

"Nada embelece tanto e me seduz,
E sabe dar, também, tanta harmonia,
Como a ideia que anima a forma fria
E pelo mundo espalha a sua luz.

Para o bem, para a glória mais conduz
Quanta mais alta for a fantasia
E nada iguala a indómita energia
Com que o sonho ela doma, ela traduz.

Livre, divina, clara e pura ideia!
A minha alma te adora, e já se alteia
Para o teu esplendor e formosura...

Que um dos teus raios até ela desça,
E a inunde toda, quando desfaleça,
Para maior glória, maior ventura!"

Nos outros poemas há visíveis ou claras influências do magistério de Antero de Quental, mas também do platonismo e de espiritualidades que António Carvalhal soube incorporar ou assimilar na sua alma poética e de aspirante espiritual, tal a chama de puro amor dos olhos, a alma perversa que o bem odeia e nunca se comove,  o regressar dos mundos espirituais, a anteriana voz da "consciência que dentro em mim protesta", o mergulho no oceano em busca da pérola, o viver plenamente a Hora presente, o saber ouvir ou intuir os sinais e advertências, o caminho para o Bem, a Verdade e o Amor, e que surgem bem expressos. Por exemplo, no Contemplação, de novo ouvimos Antero bem exponenciado, seja na 1ª quadra, "Nem só para este mundo é que vivemos, Nem nesta vida, aqui, tudo termina; Outro mundo de luz, pura e divina, Nos chama e espera, e não o conhecemos.", seja no terceto final: " Muito acima das coisas perecíveis, Das paixões e dos ódios invencíveis, Paira a Vida infinita e espiritual!" Os últimos sonetos estão bem cheios de valiosos ensinamentos espirituais, tal no Elevação, a 1ª quadra:«Todos para a Beleza caminhamos Mais crentes e fiéis os corações, Sem já olhar a gozos e ambições, Mas ao puro ideal que alevantamos." E o 1º terceto: "Para a Luz, para o Bem, para a Verdade, Seja a nossa divisa e o nosso canto por terra e céus, por toda a imensidade..."


Voltando agora ao 1º núcleo do livro, ou conjunto inicial de sonetos dedicados às  Almas heróicas, para o bem ou o mal, felizes ou sofredoras, realizadas ou desesperados, crentes ou desiludidas, podemos demarcar claramente dois seres bem compreendidos e descritos na sua luminosidade e são os poemas mais felizes ou perfeitos, dedicados a Antero de Quental e a Frei Agostinho da Cruz. Em seguida há-os a dois seres perfeitos, mas que teriam destroçado o coração, S. Francisco de Assis e  Luís de Camões, e depois os com luz e sombra, mas mais esta do que aquela, e seriam, Dante (1265-1321), algo misteriosamente em tal caracterização, Leopardi (1798-1837), e depois, mais evidentes no seu envolvimento com as sombras, Baudelaire (1821-1867), Verlaine (1844-1896), Rollinat (1846-1903) e Espronceda (1808-1842), mostrando em todos um bom conhecimento biográfico e anímico para os poetizar resumidamente tão bem. 

Talvez os dois sonetos que transmitem mais luz e perfeição sejam os de Frei Agostinho da Cruz, retratado no seu regresso à serra mãe, a Arrábida, na pobreza e simplicidade, todo dedicado ao Amor divino e da Natureza ("Longe dos homens, longe do ódio seu, Entre feras achaste só bondade... No doce amor divino e na humidade, Teu puro coração não mais sofreu./ No sereno refúgio duma cela, Ou no seio da inculta natureza, Tua vida era simples e era bela..."), e o do Antero de Quental, este certamente o mais conseguido, pois sentem-se nas ideias e ideais de António Carvalhal o sopro do magistério anímico do ardente peregrino e cavaleiro que foi Antero de Quental. 


No soneto,  a figura anímica de Antero de Quental é esculpida como um forte lutador contra o mal e dualidade, e a sua ascensão da Terra aos espaços siderais psico-espirituais é magnífica pois abstrai ou ignora os seus desalentos e pessimismos, doenças e morte, realçando antes a voz elevante de Antero de Quental, e quem a saberá ouvir ou melhor intuir nos nossos dias? 

Talvez alguma alma devota que o consiga vê-lo no seu silêncio esfíngico, ou que o saiba ler e logo ouvir profundamente. E, comovida, confesse a felicidade de sentir-interpretar o coração do vate e seu guia para as alturas, e o Bem e o Amor que sente:

                                          ANTHERO

Quando leio os Sonetos imortais
Domados por teu pulso de gigante,
E sigo a tua Ideia fulgurante
Por ignotos caminhos triunfais;
 
Quantos os Males cruéis, universais,
Traduzis em teu canto retumbante,
E vais crente, profético, radiante,
do lodo vil a mundos siderais;
 
Quando em fim, toda em hinos de oiro e luz,
Tua voz ressoando nas alturas
A um outro céu mais puro me conduz;
 
Minha alma treme e chora de emoção,
E sonha e goza inéditas venturas
Ao interpretar teu grande coração.»
 
Parafraseemos interrogadoramente: E o nosso coração e alma, como estão? Vencendo doenças e tristezas, desilusões, desânimos e tragédias? Brilhantes e irradiantes, capazes de acolher a Divindade e emanar claridade e bondade? 
Saudemos com muita luz e amor Antero de Quental e António Carvalhal (e que possamos vir a saber mais  sobre), e comunguemos  criativa, amorosa e sabiamente no corpo místico da Humanidade e da Divindade!

sábado, 4 de novembro de 2023

Dia da Unidade Nacional da Rússia, 4 de Novembro. Homenagem.

 O Dia da Unidade Nacional da Rússia é a 4 de Novembro e funda-se numa batalha vitoriosa do povo russo contra os invasores polacos e lituanos, que tinham mesmo conquistado Moscovo, alcançada neste dia, em 1612, iniciando-se a época dos csares Romanov. Hoje, a Rússia está de novo a defender o mundo e a si mesma de outros bárbaros invasores, como o imperialismo anglo-saxónico, o neo-liberalismo da Nova Ordem Mundial ocidental globalizante e alguns extremismos nacionalistas, todos eles injustos, opressivos e violentos. 

Desejamos Longa e luminosa vida, e muitos parabéns, à Rússia, a Vladimir Putin e aos principais dirigentes e artesões do renascimento da Federação Russa, e sobretudo à sua longa tradição diplomática, cultural e espiritual, sacrificial e libertadora, levemente evocada pelas imagens.

Seguem-se algumas imagens valiosas da extensa e profunda tradição russa, que nas próximas horas legendaremos.

Muita luz e amor, paz e força para a alma espiritual de Daria Dugina Platonova (1992-2022) hoje inspirando muita gente nas suas demandas de mais luz e justiça
 

Santa Sofia, ou Hagia Sophia, a Sabedoria Divina, numa visão do notável pintor e orientalista Nicholai Roerich, protegendo pessoas e bens em tempo de guerra..
Um bom livro, lido, gravado e posto no blogue: http://droteixeiradamota.blogspot.com/.../vladimir...




Ilustração de Ivan Bilibin (1876-1942) para um dos contos tradicionais russos...

Muita luz e amor, paz e força para a alma espiritual de Daria Dugina Platonova (1992-2022) hoje inspirando muita gente nas suas demandas de mais luz e justiça

Aleksander Dugin, o notável filósofo da multipolaridade e do renascimento metafísico tradicional na Rússia, pai da mártir Daria Dugina.

Pintura de Mikhail Nesterov: dois mestres da espiritualidade russa, Florensky e Boulgakov, dialogando sob a fluidez do amor-sabedoria, ou Logos. que ambos tanto aprofundaram filosófica e religiosamente...

Dois dos grandes mestres da psicologia humana, nas suas luzes e sombras, e do romance universal. Tolstoi e Dostoievsky..

O mahasamadhi de Tolstoi no bosque de faias, em Isnaia Poliana.

S. Jorge, uma das figuras anímicas mais  íconicas dos cavaleiros e cavaleiras do Amor na Rússia e não só...

S. Serafim Sarov (1754-1830), um dos mais venerados mestres ou staretz russos...

O patriarca da Igreja Ortodoxa Russa Ciril I, uma coluna bem dinâmica entre a Humanidade e a Divindade, com uma messe imensa e milhões de crentes profundos e bons. Quantos conseguirão chegar mesmo às teofanias interiores e não ficarem nas aparências belas e devocionais?

O que se passou e se está a passar na Ucrânia, e por causa de Boris Johnson, Joe Biden, Ursula von der Pfizer e multiplos extremistas se tornou uma mortandade eslava enorme...

É grande na Síria o reconhecimento  da acção libertadora de Putin e da Rússia, face ao terrorismo de apoio norte-americano-israelita e saudita.

Nas reuniões no clube Valdai, iniciadas em 2004, Putin e vários sábios dialogam, obrigando-o a manifestar a sua inteligência e diplomacia tão valiosas...
Sergei Lavrov, um sábio e excelente diplomata, e uma das almas mães da multipolaridade.
                                     
Vladimir Putin, o actual líder da libertação da Humanidade do pesadelo anglo-saxónico e da Nova Ordem Mundial infra-humanista... Longa Vida!

De Bilibin e da Tradição Espiritual Russa. - Que consigas irradiar luz mesmo do mais profundo de ti, de dentro dos teus ossos, guiando-te nas noites escuras....

                                O Patriarca Cirilo e Vladimir Putin abençoam o mundo....

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

O Espírito Lusitano ou o Saudosismo, de Teixeira de Pascoaes, e a demanda do espírito e do dharma de Portugal. No seu 146º aniversário

Em Junho de 1912, há 111 anos, Teixeira de Pascoaes (1877-1952), em plena pujança do seu idealismo português e nortenho, proferia no Ateneu do Porto uma conferência publicada logo em brochura do movimento da Renascença Portuguesa, acerca do Espírito Lusitano ou o Saudosismo

Publicara já nove dos seus 59 livros, talvez os principais em termos de poesia, e nesses anos após a Revolução do 5 de Outubro abriam-se grandes potenciais de transformação e sorriam ardentes esperanças de ressurreição. O movimento da Renascença da Portuguesa e mais concretamente a sua revista Águia (1910-1932) foram o principal dínamo e até ela afluíram de Lisboa, entre outros, Fernando Pessoa, Augusto de Santa Rita e Mário de Sá Carneiro, mas por pouco tempo e em breve Lisboa geraria o Modernismo, com a revista Orpheu, e o Futurismo, sintonizando com certas tendências europeias, e o sonho da Renascença Portuguesa dum Portugal tradicional, ligado às suas raízes cristãs e pagãs, e não dominado nem pelo catolicismo nem pelo europeísmo e francesismo iria apenas continuar em algumas individualidades que receberam o magistério dos seus fundadores Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão, e que chegaram até aos nossos dias, e destacaremos Álvaro Ribeiro, Sant'Anna Dionísio, Agostinho da Silva e Dalila Pereira da Costa, os quais naturalmente geraram outros elos, sobretudo o primeiro em tertúlias lisboetas.
Celebrando-se hoje 2 de Novembro (embora tenha sido na realidade a 8 de Novembro) o 147º aniversário de Teixeira de Pascoaes, aliás Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, e para o homenagear como elo importante da Tradição Espiritual Portuguesa, decidimos revisitá-lo lendo e comentando a sua conferência pois, nos nossos dias em que já fomos tão engolidos e descaracterizados pela entrada na União Europeia e tão manipulados  e desnacionalizados pelos meios de informação ao serviço do globalismo massificante da Nova Ordem Mundial transhumanista-infrahumanista-animalista, é sempre útil qualquer reflexão que aborde questões como a alma portuguesa, ou o espírito de Portugal, pois os dois termos embora diferentes, são utilizados como referindo-se ao mesmo, no sentido de podermos discernir melhor onde está, como está constituída, como se caracteriza nos seus níveis e estados dinâmicos (o que foi bem especulado por Fernando Pessoa na sua carta ao conde Keyserling, por mim comentada já há alguns anos), e qual é a relação actual ou possível entre nós e ela.
                              
        Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, seis anos mais velho. Luz e Amor!
Pujante da sua genialidade, e inserido numa dinâmica de grupo tão poderosa, nada menos que uma sinergia com valiosos seres como Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão e outros, Teixeira Pascoaes ousou pensar  que poderia na época «em breves palavras dizer o que é o nosso espírito, na sua vida original e criadora dum alto critério religioso e filosófico», e ao que se poderia acrescentar até o critério iniciático ou espiritual, se até ele se conseguir chegar ou merecer...
Todavia, ao dizer o nosso espírito ele não está a referir-se ao espírito ou arcanjo de Portugal, à entidade celestial de Portugal mas mais a uma espécie de alma colectiva, a um conjunto de forças, tradições, modos de sentir, pensar, ver e ser que nos especificariam, e que ele depois em sucessivas conferências e escritos aprofundará.
Não está a vê-la apenas como um inconsciente colectivo, pois atribui-lhe (ou aos que a souberem sintonizar ou dar-lhes formas e altas ideias) uma missão no domínio dos valores e logo das escolhas voluntárias e esforçadas e assim se criar, estabelecer um alto critério psico-espiritual pelo qual sabemos discernir melhor o que devemos valorizar, apoiar, realizar...
Teixeira Pascoaes
vê então como caminho para tal uma reconquista de independência moral, o vivermos não pela matéria mas "pelo  espírito", e acrescenta "nosso", pois certamente que a sua palestra e mensagem é de recusa das opressões e influências alheias, e de assumir o espírito que é vida e não a matéria, que ele classifica de morte.
Haverá talvez
um dualismo entre espírito e matéria algo exagerado, já que estão tão imbrincados, e que ele próprio e ao longo da sua vida e obra irá perdendo ou amenizando em parte, pois  ao espectrizar, eterizar e espiritualizar tanto a matéria este dualismo inicial dissolver-se-á a certos níveis de sensitivo poeta e escritor, mas não tanto filosófica e religiosamente em que a luta polar, supremamente entre o bem e o mal, estará sempre presente...

A conferência é feita, diz-nos, em nome da Renascença Portuguesa e da sua revista Águia que trabalham para o renascimento do espírito da raça, ou alma, ou povo português, para ele se reconectar com as fontes originárias da vida, para manifestar as qualidades primordiais do seu espírito activo e criador.
Distinguindo três aspectos no estrangeirismo desnacionalizador, o 1º religioso, entrado em nós com a Inquisição e o Jesuitismo, o 2º literário, com os livros em francês e depois em inglês, e o 3º o político, com o contitucionalismo e bipartidarismo, considera que em consequência a alma pátria está soterrada e adormecida sobre tais influências, mas não desanimando adianta: «Eu afirmei que existe uma alma lusitana. Vejamos o que ela é na sua transcendente aspiração filosófica, no seu instinto interpretador da Vida, na sua intimidade religiosa».
Pascoaes n
ão vai contudo falar dum Arcanjo de Portugal, nem num campo unificado específico psicomórfico de Portugal, mas mais na génese étnica dual e nas qualidades e aspirações que alguns seres ou o povo conseguiram e conseguem desenvolver e manifestar.
Se está a exagerar ou a mitificar quanto à aspiração transcendente em Portugal, única, especial, ligada à Saudade, já que tal se verifica noutros povos, nomeadamente com o idealismo e messianismo de que se reveste, cada um sentirá ou investigará...
Iludiu-se claramente todavia ao pensar que a República nascente e para qual a Renascença Portuguesa tanto trabalhou e esperou, iria subordinar a sua obra política e social a tal orientação axiológica elevada, por ele entrevista e partilhada. Não só a República foi muito dividida ou ocupada por diferentes tendências e mentalidades nos seus governantes e políticos mais influentes, como a breve trecho o movimento da Renascença Portuguesa iria perder forças, embora Leonardo Coimbra ainda fosse ministro da Instrução Pública duas vezes, e criasse mesmo a Faculdade de Letras e uma Universidade popular no Porto e, finalmente, claudicasse já em pleno despontar do salazarismo, quando a revista Águia foi perseguida por uma crítica de Sant'Anna Dionísio a Cordeiro Ramos, um protegido ministro de Salazar, e acabou, tanto mais que Leonardo Coimbra partiria da Terra dramática e abruptamente três anos depois, e após uns meses da desincarnação de Fernando Pessoa, que no começo da sua vida de escritor reconhecera expressamente o alto espírito que animava genialmente, embora por vezes prolixamente, Leonardo Coimbra.
Ora é depois de dizer: «Eu afirmei que existe um alma lusitana. Vejamos agora o que ela é na sua transcendente aspiração filosófica, no seu instinto interpretador da Vida, na sua intimidade religiosa» que entra na sua original visão da alma lusitana como fruto da fusão entre a ária e a semita, introduzidas pelos povos que aqui passaram e caracterizando-as em polarizações, certamente algo limitadoras e nunca perfeitas: a ária representaria a forma, a beleza, a civilização grega, o desejo, o paganismo, enquanto que a semita criara «a civilização judaica, o Velho Testamento, o culto do Espírito, a Unidade divina, o Cristianismo que é suprema afirmação da vida espiritual.» E esquece aqui, por exemplo, tanto o Islão, produto semita, como do ramo ária as civilizações bem espirituais persa e indiana, e esquece-se que não são tanto as religiões mas os seus poetas videntes (rishis), místicos e iniciados que vivenciam e afirmam mais ou supremamente a vida espiritual
Estes tipo de dualidades-dualizações, acrescidas de absolutizações, são aliás frequentemente superficiais e enganadoras, pois tanto um como o outro polo na sua pluridimensionalidade e variabilidade não se pode restringir ou forçar demasiado para enquadrar-se em tais fórmulas de correspondência, e têm sempre limitações, e assim Pascoaes, embora não errando no discernir dessas duas fontes étnicas e civilizacionais principais, a ariana e a semita, falha nas caracterizações, e sofre, por exemplo, influências das entidades que nomeara, nomeadamente do Catolicismo e da Bíblia, pese o seu paganismo telúrico, aldeão e espectral que soube manter e cultivar, acabando por valorizar demasiado a Bíblia, ou mesmo Jehova como uma concepção de Deus válida.
Para ele, da fusão do desejo ária e da lembrança semita nascera a Saudade, e ela seria desenvolvida por alguns poetas, escritores, heróis e o povo ao longo dos séculos, manifestando-se num especial sentimento perante a beleza, ou seja, numa sensibilidade simultaneamente forte perante a alma e o corpo,  a forma e o espírito, donde uma grande simpatia dos portugueses sobre as coisas e os seres. Nisto não se pode recusar certa razão a Teixeira de Pascoaes.


 Mas para ele só nesse dealbar promissor da República se estaria  atingir o  renascimento e a maturação consciente da Saudade-Saudosismo, apontando para vários poemas e autores, tais «as Orações, de Junqueiro, as Tentações de S. Frei Gil, Alma Religiosa, Parábolas, Cantigas, Auto das Quatro Estações, Dizeres do Povo de António Correia de Oliveira; Ar Livre, Pão e Rosas, Canções do Vento e do Sol de Afonso Lopes Vieira, com a sua edição de Gil Vicente. São os poemas de Jaime Cortesão, Mário Beirão, Augusto Casimiro, Afonso Duarte».
Antero de Quental visto pelo profundo intimista António Carneiro.

E anuncia depois que «o Saudosismo tem ainda um admirável filósofo: Leonardo Coimbra com a sua teoria do criacionista» (consagrando-lhe um bem esclarecedor parágrafo), depois passando a António Carneiro e Cervantes Haro na pintura, e Soares dos Reis, na escultura, concluindo: «Eis os artistas e os Poetas a quem a Saudade falou, eis a lírica falange libertadora da alma portuguesa, desde séculos no cativeiro, desde séculos no esquecimento...
O Saudosismo encontrará, estou certo, a sua forma
musical no Orfeon do Porto e de Coimbra, dirigidos por António Joyce e Fernando Moutinho. Só no seio da Harmonia se poderá realizar o perfeito casamento da luz e da sombra, da alegria e da tristeza, do beijo e da lágrima, da vida e da morte. A própria harmonia não é a combinação dos contrastes? Não é ela a irmã-gémea da Saudade?»

Passa em seguida à sua teoria da nossa originalidade criativa, muito bem talhada (e apta a ser meditada) neste parágrafo: «Nós somos, na verdade, o único povo que pode dizer que na sua língua existe uma palavra intraduzível nos outros idiomas, a qual encerra todo o sentido da sua alma colectiva. A alma lusitana concentrou-se numa só palavra, e nela existe e vive, como na pequena gota de orvalho a imagem do sol imenso. Sim, a palavra saudade é intraduzível. O único povo que sente a Saudade é o povo português, incluindo talvez o galego, porque a Galiza é um bocado de Portugal sob as patas do leão de Castela. A Galiza é a nossa Alsácia.»

Admitindo contudo que haja noutras línguas uma espécie de Saudade, realçará como ela se espargiu no léxico luso: «sendo a Saudade a própria essência do espírito lusitano, ela existe ainda esparsa e difundida em outras palavras do nosso vocabulário, igualmente intraduzíveis» e dará como exemplo nevoeiro, e que «todas as palavras da nossa língua que têm além, isto é, um segundo oculto e transcendente sentido, encerram em si, embora em formas vagas, a Saudade, como, ainda, por ex., as palavras remoto, ermo, luar, etc.» 

Culminará esta breve mas incisiva passagem pela magia e força operativa espiritual do sermo-verbo-logos e dos mantras,  meditações e encantamentos possíveis, sugerindo: «Seria um estudo interessante a análise psicológica de tantos vocábulos da nossa língua, nos quais a ideia ou sentimento que significam, se tornam infinitos e indefinidos, esfumando-se em íntimas nebulosas de sonho [ou, diríamos, em formas subtis e imagens intuitivas na visão espiritual interior], e revelando assim a tendência da alma portuguesa para o mistério [e nesta linha andaram muito Augusto de Santa Rita e Fernando Pessoa], para a religiosidade [ou para as dimensões energéticas, subtis e espirituais dos sons e dos seres], - tendência que criou a geração de Poetas a que me referi e que não é mais do que uma forma da Saudade.»

Concluirá apontando os momentos mais valiosos da nossa história em que foi a Saudade, «transfigurada em acção e Vitória no corpo de Afonso Henriques, que riscou  na Ibéria as fronteiras de Portugal», ou como «zéfiro remoto que enfunou as velas das nossas naus descobridoras», ou foi vencedora em Aljubarrota, cantora nos Lusíadas,  transmutadora do Adamastor, criadora nos tempos de luto do Encoberto e, por fim, «despedaçou as nossas grilhetas em 1640, e, com um relâmpago dos seus olhos, fulminou o leão castelhano. Foi ainda ela que animou a alma popular no ia 5 de Outubro (...) essa última esperança que não devemos deixar de morrer.»

Se sempre houve muita gente que discordou desta excessiva valorização da Saudade, não podemos negar que nesses momentos o amor da Pátria, ou da Honra, ou de se cumprir o seu dever ou dharma esteve fortemente dinamizante em alguns seres. Logo, se virmos a Saudade enquanto força da lembrança das raízes e do possível fim glorioso, unido ao desejo, aspiração e vontade de o realizar, já conseguiremos compreender melhor esta hipérbole da Saudade e não ficaremos limitados pelo saudosismo passadiço e doloroso com que tantos seres apegados se deixaram enredar e entristecer na ausência do passado ou do presente desejado e amado.

E depois de relembrar que «a alma popular e alguns (bem poucos) livros sagrados da nossa literatura são hoje os únicos depositários da alma pátria» (e quais veria ele, nos últimos tempos? Alguns da Dalila Pereira da Costa, tanto mais que foi talvez quem realizou mais a saudade da origem espiritual e Divina?) Pascoaes clamará para não deixarmos morrer a esperança do 5 de Outubro, numa república não portuguesa, mas afrancesada, constitucionalista. Para não nos deixarmos governar por bacharéis desnacionalizados  hoje burocratas ou peões de brega dos partidos submetidos à direcção da União Europeia ou a grupos de pressão transnacionais). Para não nos deixarmos enfeudar as leis e sistemas de ensino estrangeiros, perdendo tanto o nosso municipalismo como uma instrução que conduza à alma própria e portuguesa de cada um. 

Anote-se que no mesmo ano de 1912, uns meses depois da publicação da conferência de Pascoaes, certamente com o imprimatum dele e de Leonardo, saía também, num opúsculo da Renascença Portuguesa, uma conferência do catalão Ribera y Rovida (1880-1942), pronunciada em 1907 no Real Instituto de Lisboa e intitulada A Educação dos Povos Peninsulares, a qual levava na 1ª página um passo dessa conferência de Pascoaes, por sinal um dos que transcrevemos, quanto à intraduzível palavra Saudade e à nossa ligação à Galiza. A obra é porém mais uma história da Catalunha, ou como ele chama, "a escola de educação política dos catalães", e a proposta dum Federalismo democrático, e só nas duas últimas páginas se dirige aos portugueses: «Vivificai o patriotismo pelo são e romântico entusiasmo, que não exclui a ponderação reflexiva e serena, longe da impulsividade doentia» e acrescenta:«Educar pelo Patriotismo, pelo Entusiasmo, pelo Civismo! Levando à entranha das democracias a convicção dos seus direitos sacratíssimos e dos seus deveres indeclináveis».
Ora se os prin
cípios de sã formação individual e organização social e política propostos por Pascoaes, embora ou porque muito ideais, acabaram por soçobrar em grande parte, mesmo com a publicação da sua obra, três anos depois, a Arte de ser Português (antecedida até pelas duas conferências  de 1914, inseridas na Era Lusíada), em que os desenvolveu mais sistematicamente, embora sempre com as limitações próprias do seu ambiental nacionalismo rural e católico, embora aberto ao mais espiritual da Europa e até à Índia de Tagore, face ao crescimento constante das urbes citadinas, da burguesia e do proletariado e do internacionalismo, talvez a parte mais revolucionária da sua proposta, segundo «a nossa Verdade e a nossa Redenção» de revitalização ou de reassumir-se a Alma Lusitana fosse a seguinte, compreensível até como moderada na contextualização da época, em que havia radicalismos muito mais iconoclastas e anti-clericais, já que tal visão transmutadora, se na prática era praticamente impossível, na justificação psico-espiritual e logo interior e iniciática tinha bastante logos em si, ainda que de novo, e numa linha em que Fernando Pessoa e outros se deixaram ainda enlear, nacionalisticamente,  numa dimensão que teórica e operativamente deveria  ser já também a universal da religião do Espírito, realizada interiormente antes de missionada exteriormente, algo de que Fernando Pessoa se deu também conta referindo o valor das formas de representação mais frustes da Divindade mas que têm o seu valor para os que as criaram e a elas se afeiçoaram utilmente. Aqui Teixeira de Pascoaes valorizará um dinamismo maior de uma Religião portuguesa provalmente liderada por filósofos, poetas, artistas, espirituais: 

«É necessária a fundação definitiva da Igreja Lusitana, devendo ela ficar integrada no Estado, e por ele superiormente dirigida, sendo o Estado representado, é claro, por autênticos portugueses de inteligência e coração [sublinhado nosso. Onde os encontramos, em que conselhos ou níveis?] Eu ligo uma grande importância à fundação da Igreja Lusitana porque entendo que o sentimento religioso é próprio do homem, faz parte do seu ser moral, como por exemplo, as orelhas e o nariz fazem parte do seu ser corpóreo. É mesmo o que de mais alto há na alma do homem; é força que o eleva acima da sua animalidade e que, em dados momentos, produz as grandes obras de heroísmo e as grandes virtudes. O sentimento religioso é a única força criadora do homem: o sinal que o homem vive moralmente (...) As teorias materialistas  e negativistas já caíram lá fora, com William James, Jaurés, Bergson, e outros grandes Filósofos. Um novo mundo espiritual está a aparecer ao olhar ansioso do homem. E bom seria que fosse Portugal a mostrá-lo.»

O último parágrafo segue nessa linha de intensa aspiração e expectativa, algo mitificante na dimensão missionária que deseja ou culmina (e relembre-se como Teixeira Pascoaes foi então muito traduzido), talvez advertindo-nos ainda que nos dias de hoje não devemos envolver-nos e encerrar-nos em grupos mais ou menos religiosos ou esotéricos apenas por serem estrangeiros, poderosos, de muitos aderentes ou grandes segredos mas que, a partir da nossa Tradição Espiritual e estudando alguns dos seus elos, como os fundadores da Renascença Portuguesa Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Jaime Cortesão, ou os seus continuadores, deveremos saber alcançar tanto o íntimo como incluir ou mesmo abraçar o universal, em que pela gesta dos Descobrimentos do Oriente fomos aliás já por certos seres e modos iniciados:
«Que a gente moça se penetre do
espírito lusitano original e belo, e se enamore dele, e lhe dê todo o entusiasmo dos verdes anos e da saúde, e o implante na terra portuguesa, a fim de que ela viva uma vida própria e superior, e ilumine para além das fronteiras. - Disse.»

A última obrazinha de Pascoaes, permitindo-nos discernir melhor o estágio final da sua evolução psico-religiosa, e os seus ensinamentos ora mais limitados ora mais perenes, e que comentei em nove textos, alguns com vídeos, neste blogue, o 1º sendo https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2020/04/a-cartilha-de-teixeira-de-pascoaes-um.html

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Samain, o começo do Inverno e do novo ano nos primeiros dias de Novembro, no coração e na visão. Noites santas.

                                                    

        Samain, Hallowen no ar e no frio, no interior e no amor, no coração e na visão.

Esta celebração celta e druídica, ou seja, da religiosidade pré-cristã europeia, realizava-se entre os nossos 29/10 a 2/11 e considerava-se que interagia magicamente com a transição da estação do Outono para a do Inverno, ao entrar-se na mais fria e sombria época.
A palavra Samain, significando principalmente reunião ou união (e sobretudo da Luz do alto invocada), mas também fim do Verão, implicava, enquanto a última  das quatro festas (Imbolc, Beltaine e Lugnasad) do calendário celta (e que antecedem por cerca de 50 dias cada solstício e equinócio),  assembleias, cerimónias,  fogueiras,  oráculos, encantamentos, orações, feiras, festejos com músicas e danças, comida e bebida. Recebiam-se assim esclarecimentos e forças e  congraçavam-se energias para se atravessar mais segura, luminosa e frutuosamente a época mais obscura que se iniciava. Demandava-se um novo ano, abençoado ou comungado com a Divindade e as suas faces, mensageiros e energias: os Deuses,  os Anjos, os heróis míticos e antepassados, os espíritos da Natureza e as forças sagradas da Mãe Terra...
Eram dias intensos festejando a entrada no Inverno e nas trevas maiores do tempo para um renascimento posterior. Os Deuses e os espíritos dos mundos invisíveis tinham que ser evocados pelos druidas e videntes como protectores do novo ano e presenteados com energias que  eram-lhes oferecidas por rituais, danças, sacrifícios ou ofertas de alimentos e libações, e poemas.
 Com efeito considerava-se que os Deuses e espíritos dos antepassados e mortos, ou da natureza, desciam mais à Terra ou tornavam-se mais visíveis, mais impactantes, nestes dias: o mundo de Sid estava aberto, as fronteiras esfumavam-se, as visitações, epifanias, inspirações, oráculos e adivinhações podiam acontecer mais luminosamente.
Esta abertura ao Sid, ao mundo subtil e espiritual, era provavelmente o aspecto mais essencial e dinamizador da cosmovisão  ou doutrina desses dias de celebração do Samaim, mais tarde Samonios, e foi algo preservado em parte no Cristianismo, pois este adoptou tais datas como os dias de Todos os Santos, 1 de Novembro,  e a 2 o dos Mortos, continuando a assinalar e a apelar a uma abertura maior entre os mundos e seres na pluridimensionalidade cósmica, na sintonização subtil e silenciosa e na aspiração à Luz que conseguirmos, nestas noites mais longas do ano. 
Noutra linha de continuidade, a noite de 31 para 1 de Novembro foi denominada e celebrada a partir do século XVIII como o Halloween (de hallow santos) e tanto tem gerado celebrações de rituais por grupos pagãos ou celtas, como brincadeiras juvenis com as simpáticas abóboras, como  festas de dança, "barulholatria" e bebida e, claro, amizades e amor. Certamente que houve, em geral, na evolução até hoje, uma diminuição grande da qualidade da celebração e da religação subtil e espiritual...
A visão do Sid não era muito fácil, a não ser para alguns mais videntes e sensíveis, ou então, segundo os poemas e narrativas míticas, para que participavam nessas grandes festas, banquetes e rituais, sobretudo quando algum druida ou uma inspirada transmitia ou intensificava essa capacidade de expansão de consciência, e abertura do olho espiritual.
 Tradicionalmente  as entradas para o Sid localizavam-se na direcção do Sol poente, o Ocidente e, na linha do trajecto do Sol, e nesse sentido correu na tradição visionária medieval que a Terra dos Mortos ou as Ilhas Afortunadas localizavam-se nesse horizonte em que o Sol se punha. E assim também os mortos eram depositados na parte poente do recinto sagrado à volta das capelas. Assim, quem quiser orar ou meditar em ligação ao mundo dos espíritos e antepassados poderá fazê-lo virado nesta direcção e aproveitando o balanço ou a corrente energética, embora seja certamente apenas um factor relativo, o mais importante sendo a intensidade da irradiação do nosso coração em aspiração de ajuda, de comunhão e de petição das bênçãos divinas.
Outro meio é virar a cama para tal eixo e, ao adormecer, tentar orar, sonhar e  partir para, ou apenas sintonizar,  o mundo intermediário e subtil, o Sid, ou mesmo para a Ilha Afortunada, no meio do imenso Oceano da Manifestação, também denominada Avalon, a ilha da imortalidade ou das maçãs pentagonais que a propiciam, ou que desvendam e manifestam a consciência mais sentida e clara do espírito que somos bem como dos que nos rodeiam nos mundos infinitos.
Aspectos muito importantes da celebração da reunião ou Samain eram as fogueiras que se erguiam, a Luz do Alto que se evocava, as purificações que se realizavam, as danças e namoros que começavam, os poemas e contos que se recitavam, as interrogações oraculares que se erguiam, as evocações dirigidas pelas druidas, as orações pelos mortos, as sátiras e interditos dos mais desequilibrados, as trocas de ervas e sementes medicinais, ou conservas alimentares e unguentos, o gui e o verbasco. 
Eram ensinamentos de reconexão com os mundos espirituais, com os seus seres celestiais ou não incarnados e com os poderes psíquicos e espirituais dos seres o que era mais celebrado e ritualizado nestes dias, e que, transmitido ao Cristianismo apenas parcialmente, se pode e deve aprender e realizar em toda a época de maior frio, recolhimento e obscuridade, não ficando assim reduzido a estes dias e em fórmulas algo externas. É então um ensinamento iniciático: destinado a que as pessoas iniciem um novo caminho, ou uma prática ou religação subtil, espiritual, divina, em  fidelidade e perseverança às tradições ouvidas, às transmissões orais e faciais de alma a alma, aos sonhos e visões, ideias e intuições tidas, como entre nós poetizou Fernando Pessoa em relação ao Infante D. Pedro das VII Partidas, na Mensagem...
Quanto aos banquetes e alimentos, embora saibamos que o pão, a manteiga,  a noz, a carne e o hidromel e a cerveja eram os principais e que havia um quebrar de tristezas, limites e pobreza, talvez seja útil lembrar que se havia sacrifícios oferecidos aos deuses e que foram exagerados na crueza pelos seus inimigos,  essas refeições  em comum ou banquetes eram de alegria e fraternidade, com as comidas a serem oferecidas aos antepassados e protectores dos grupos. E com chamas (ou velas..), perfumes de flores, odores de ervas ou incensos, poções e preces a elevarem-se para o Sid, para o mundo subtil, com amor e gratidão, podia-se fazer descer alguma graça, presença, inspiração ou bênção, que enchia ora o ruidoso grupo, ora o silencioso círculo ou a simples família, como hoje se faz mais ou menos conscientemente ainda aqui e acolá, nestes dias só, ou também em outros...
Mas porque será que as pessoas hoje sentem muito pouco do Sid, ou do além, ou do valor de uma certa comunhão no corpo místico da Humanidade ou da Igreja-Assembleia-Sanga?
Basicamente porque estão cheias do mundo e das suas futilidades, roubalheiras e desgraças, manipulações e opressões, sendo os meios de informação, a televisão e os telemóveis os principais causadores de tal crescente insensibilidade e incapacidade de se sentir ou ver mais os mundos subtis e espirituais e os seus seres...
Morre tanta gente nossa amiga ou próxima, queixamo-nos da tragédia que foi e da sua falta, mas depois alienamo-nos na informação televisiva ou mediática e desenvolvemos pouco silêncio e escuta interior para os tentar sentir e escutar ou então orar por eles e ajudá-los a iluminarem-se. 
                           
Muito importante será então valorizarmos e intensificarmos mais o orar, o meditar, a contemplação de símbolos, a escuta interior descontraída, ou ainda o ver ou contemplar mais com o olho espiritual e, simultaneamente, impedirmos que o lixo e negatividade televisiva ou mediática caia tanto ou o que seja sobre nós…
O Samain retorna a nós ciclicamente e mesmo na forma ruidosa e superficial (em geral) do Halloween poderemos intuir os aspectos tradicionais e luminosos que estão por detrás dele e se os aplicarmos conseguiremos despertar mais o espírito e a alma espiritual que está em cada um de nós e naqueles com quem nos relacionarmos, seja vivos ou já desencarnados, na Unidade Divina e na sua Sabedoria e Amor!