sexta-feira, 8 de novembro de 2024

O P. António de Andrade e a descoberta do Tibete. Reflexões introdutórias ao colóquio "Um Oleirense no Tecto do Mundo.", 9-10-Novembro, em Oleiros.

                                                                   

O Padre António de Andrade e o Tibete.
Ensaios de caracterização, de compreensão psíquica, deste português nascido em Oleiros em 1580 e que peregrinou até até às nascentes do Ganges e ao Tecto do Mundo, por entre dificuldades pasmosas, são valiosos de realizarmos, para compreendermos melhor que forças físicas, psíquicas e espirituais detinha ele para ter triunfado durante os seus 54 nos de vida, partindo do centro de Portugal, de Oleiros, formando-se em Coimbra, Lisboa e Goa, missionando na corte mogol em Agra durante quatro anos e lançando-se ao Tibete em duas viagens audaciosas, a segunda numa permanência de mais de quatro anos.
                                              
Sabemos pouco dos seus pais (Margarida Andrade e Bartolomeu Gonçalves), das suas características físicas e da educação inicial, apenas que era de família importante na vila, já que o jurisconsulto e conjurado de 1640 Francisco de Andrade Leitão, o confirmaria anos depois como seu parente, nem com quem conviveu e aprendeu e terá ser pelas descrições das suas viagens que poderemos deduzir a sua constituição psico-somática e o que tinha ou levava consigo para arrostar tantos perigos movido por uma aspiração religiosa imensa, bem patente sobretudo na 1ª carta que o tornará mais famoso, escrita em 1624, já com vinte e quatro anos de permanência na Índia, e publicada em Lisboa, em 1626, num folheto de 16 páginas, onde descreve a sua arrojada exploração missionária ao Tibete Ocidental, ao reino de Guge e a sua estadia na capital Chaparangue.

                                                         
Noviço em Coimbra desde os 15 anos, formado depois em Lisboa como irmão jesuíta, chegado em Outubro de 1600, com mais companheiros, a cidade de Cochim, na nau S. Valentim, numa das armadas enviadas regularmente de Lisboa para a Índia, António de Andrade sabia bem ao que ia e o que deveria contar: esforços, sacrifícios, sofrimentos, na esperança de apostalizar, de salvar almas, de servir Jesus Cristo e a Igreja.
Este aspecto de dedicação religiosa e abnegação era comum nos arrojados missionários, que por si mesmos, ou porque sentiam que participavam na gesta portuguesa dos Descobrimentos, se ofereciam e lançavam mares a fora para evangelizar, assim talvez justificando melhor a empresa dos Descobrimentos como missão religiosa portuguesa. Haveria portanto bastante patriotismo em alguns, e menos noutros, até porque vários jesuítas estrangeiros lançaram-se também na gesta, e certamente não será fácil equacionarmos em termos percentuais de intensidade as motivações vibrantes em cada um dos missionários, nomeadamente em António de Andrade: como e quando lhe nascera a vocação e com que causas principais?
A carta-relação datada de 8 de Novembro de 1624, de Agra, e portanto já da missão dos Portugueses na corte mogol do imperador Jahangir, onde regressara após cerca de sete meses da 1ª viagem ao Tibete, é antecedida de um prefácio do editor  Mateus Pinheiro, muito patriota e atento ao que se passava na gesta mundial portuguesa, afirmando contudo que a razão mais elevada dela era o serviço de Deus.
Tal fé na missão divina da evangelização, comum a quase todos os missionários, é plenamente partilhada pelo P. António de Andrade na sua carta e este acreditar num Deus, numa doutrina, numa religião quando estamos entre fiéis e amigos é fácil, mas em viagem em terras estrangeiras, com religiões diferentes, pode ocasionar choques, despiques violentos e mesmo perigos de prisão e de morte.

Muito dependia do tacto, empatia-amor e sabedoria do missionário, mas também da sorte ou azar das circunstâncias, da bondade ou maldade dos actores que os rodeavam, do espírito da época, mas observaremos como o P. Andrade era dotado de um sentido arguto dos perigos e de um bom tacto diplomático, embora se mantivesse firme nas suas doutrinas e decisões, sabendo contudo adaptar-se.

Akbar no diálogo ecuménico em busca da religião da Verdade, Din-I-Ilahi.
Aconteceram contudo momentos de grande diálogo intereligioso como ele sabia na própria corte Mogol desde 1579, ao tempo do genial imperador Akbar (1556-1605), uns anos antes de ele chegar a tal corte esplendorosa em 1612, também como missionário enviado de Goa, e algo desse ambiente dialogante ainda sobrevivia no seu filho Jahanguir, com quem o P. Andrade dialogou e depois em Shah Jahan e finalmente com Dara Shikoh, o malogrado místico e aproximador da filosofia Yoga Vedanta e do Islão.
A segunda viagem, descrita em carta enviada do Tibete com a data de 15 de Agosto de 1626, relata bem os diálogos e discussões com os lamas e partilha o começo da Tibetologia ocidental (e em especial o Om Mani Padme Hum), certamente com as limitações do pouco domínio da língua e da cultura tibetana. Fora enviada para os seus superiores, mas só será publicada entre nós e algo modificada pelo P. António Franco em 1717, em 24 páginas da sua obra Imagem da Virtude no Noviciado da Companhia de Jesus na corte de Lisboa. É porém só em 1921, quando Francisco Esteves Pereira  publica as duas cartas e as contextualiza, que se patenteia publicamente o grande valor do Padre António de Andrade.
Após a sua vida abnegada, sábia e heróica, seja na corte mogol, seja nas duas árduas viagens e estadias em Chaparangue no Tibete Ocidental, seja nos vários anos como sacerdote, professor e Provincial da Companhia de Jesus em Salcete, Rachol e Goa, quando se preparava em 1634 para partir de novo para o Tibete, acabará, ao apoiar a investigação de suspeição de judaísmo num irmão jesuíta, por morrer envenenado, mas com tal aura de santidade que a breve trecho o seu túmulo foi considerado miraculoso, bem como a sua imagem. Mas não foi canonizado, apesar das várias atestações da sua virtude e santidade em curas.

Será apenas agora 400 anos exactos depois da redacção da sua primeira carta, 8 de Novembro de 1624, que a Câmara Municipal da sua terra natal, Oleiros, organiza um colóquio, com bons participantes e moderado pelo experiente viajante do Oriente e do Tibete, Joaquim Magalhães de Castro, nos próximos dias 9 e 10 de Novembro, no qual se homenageará e aprofundará o seu espírito e obra de diálogo, tanto missionário como ecuménico, com o povo e a civilização tibetana, numa intereligiosidade pioneira entre o Ocidente e o Oriente, que certamente de novo frutificará...

Símbolo ou amuleto protector, cruciforme e em losango, no meio do rosário com que se pronunciava o famoso mantra Om Mani Padme Hum Hri, ao qual o P. António Andrade ousadamente acrescentou nova hermenêutica: Deus, separa-nos e purifica-nos dos nossos pecados ou faltas...

2 comentários:

Luís Alenquer disse...

Intervenção muito enriquecedora. Muito obrigado.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças, Luís. Cumprimentos pela tua arte pétrea de grande qualidade que pude apreciar na galeria, no intervalo do Colóquio. Este artigo é apenas uma leve introdução.